sábado, 28 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20185: Os nossos seres, saberes e lazeres (357): Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Percorre-se a artéria comercial de Albufeira e há lembranças de Torremolinos, Marbella, Lloret del Mar, empreendimentos para acolher aos muitos milhares, com muitas comidas e bebidas, areais extensos, passeios marítimos, um constante ruído de fundo.
Lagos é uma surpresa no que tange à preservação do património, sem prejuízo do bulício comercial. E a costa é um esplendor, a caminho de Sagres, onde se inventou que o infante tinha uma escola, perfeita mistificação, mas o que ali se construiu empolga, é como se ali acabasse um imenso passeio no continente europeu, olhando em frente, e pondo os olhos na costa sinuosa que sobe dentro de Portugal assiste-se à espetacular costa vicentina que só se pode captar na sua inteireza em passeio marítimo. Paciência.

Um abraço do
Mário


Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (2)

Beja Santos

O viandante deambula pelo centro histórico, está bom tempo, pelo que lhe foi dado ver muitos turistas enxameiam as praias da Oura, dos Pescadores, do Peneco, atiram-se à água e por ali vão em grandes braçadas, as crianças gralham em várias línguas, como certificando o que diz o folheto sobre Albufeira:  
“Primeiro, o mar e as praias famosas, as muitas tonalidades das rochas e falésias. Aqui, a vida tem o ritmo das metrópoles turísticas, em que os corpos que se bronzeiam durante o dia se agitam, quando o sol se põe, nos restaurantes, bares e discotecas que iluminam a noite. Alguns quilómetros para o interior e tudo muda. Amendoeiras, figueiras, pinheiros e laranjeiras salpicam de verde a paisagem. O rendilhado das chaminés destaca-se do vermelho ocre dos telhados. Aldeias bucólicas convidam a conhecer um quotidiano feito de natureza e tranquilidade”.
O viandante não se bronzeou, calcorreia o tal cosmos de comes e bebes, não resiste a registar o que por ali vai.



Já foi central elétrica, tem agora umas exposições de nível caseiro. Existem igrejas, bateu-se à porta de um arquivo histórico que tem uma boa exposição sobre a censura na cultura e nas artes, 1936-1974, intitulada “O que ficou por dizer”, não se avistou uma livraria, não se resiste a um comentário de que estas ruas de El Dorado cá no vale fazem suspirar pelo casario branco que se avista lá no topo. Continuemos.




Entrada por saída nestes estabelecimentos que oferecem passeios aos golfinhos, às grutas, aqui se alugam carros, se toma conhecimento do Zoomarine e se podem fazer reservas para ir a Lagos, Loulé, Silves e Monchique, Quarteira, Faro, mas também Lisboa, Gibraltar, Sevilha e algo mais. Registado o espetáculo do consumo, e por pudor escondidas as imagens das toneladas de álcool que se vendem na via pública, parte-se para Lagos, aqui chegaram, ao tempo do Infante D. Henrique os primeiros escravos oriundos da Senegâmbia que Zurara descreve num tom lamentoso que nos faz chorar pelo sofrimento alheio.






Há cuidados na preservação deste belo património, justifica-se, ao tempo do rei D. Sebastião foi capital do Reino do Algarve. É bom estar sempre a aprender, por aqui o viandante já tinha passado mas não houvera oportunidade de conhecer essa joia em talha dourada que é a Igreja de Santo António, deslumbramento sem rival, tem fausto que nos lembra os tempos de D. João V, foi capela militar e continua a sê-lo, recomenda-se a quem visita Lagos que em circunstância alguma deve perder a contemplação de tal esplendor, será ignorância do viandante, não conhece no reino dos Algarves um outro que se lhe equipare.



É cidade amuralhada, tem pormenores fantásticos e acrescentos que dão brado, o grande escultor Cutileiro deixou aqui algumas marcas de água, reconhecíveis e para sempre, e agora parte-se para ver os recortes da costa, toda ela deslumbrante, deixa-se aqui só uma imagem para abrir o apetite, pois a seguir parte-se para Sagres.


Toda esta costa, recortada, escalavrada, de tons uniformes, parece areia compacta que veio do Jurássico, a beijar um mar turquesa, está nos antípodas do que se vem construindo de modo atamancado e rapace para dar prazer a turistas de todos os escalões. E veio à memória mais uma poesia de Nuno Júdice na sua “Geografia do Caos”:

“Na baía terrestre, os prédios formam uma invencível armada
de vidro e cimento. Pousaram aqui; e as suas tripulações escondem-se
em porões com vista para os subúrbios, praticando a imobilidade
do sol posto, virando as cartas, rodando sobre um eixo de portas
giratórias. Não se ouvem os gritos do comandante; nenhum uivo
de farol indica o caminho para fora do porto. Alguém subiu
ao terraço, e os seus olhos embaciam-se, como se uma nostalgia
de convés lhe percorresse a memória. Com a mão, percorre
o círculo em que o mar e a terra se cruzam; mas todos os barcos
estão vazios, como se carregassem sombras. Um ruído de
elevadores sobrepõe-se ao vento, e um ritmo de portas a abrir
pontua o ruído surdo de rádios e televisões, por trás das
portas fechadas, onde ninguém vive.”

(continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 26 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20177: Os nossos seres, saberes e lazeres (356): pelas ruas do meu Porto: o edifício da Liga dos Combatentes (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

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