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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21252: Fotos à procura de... uma legenda (129): resta-nos, ao menos, a esperança de que amanhã é outro dia... (Luís Graça)





Lourinhã > Praia da Areia Branca, 13 de agosto de 2020 > O pôr do sol, com uma traineira da pesca de sardinhas a recolher ao porto de Peniche...


Lourinhã > Porto das Barcas > 7 de agosto de 202o > O sol por um fio... Visto da casa "Atira-te ao Mara". da Maria do Céu e do Joaquim Pinto Carvalho, "duques do Cadaval"


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dizem que o mar é monótono. Tirando as tempestades, as marés vivas, as trovoadas, os naufrágios, as batalhas navais... Alô, Berlengas, Cabo Carvoeiro, Peniche, Paimogo, Montoito, Peralta, Atalaia, Porto das Barcas, Ribamar, Porto Dinheiro, Valmitão, Santa Cruz!... Corsários à vista!...

No verão do nosso deconfinamento, cumprimentamo-nos de cotovelo. Num de repente, as mãos impuras. Os rostos tapados. Passam, golfinhos ao largo. Sem sequer me dizerem adeus.

Há quem preferia a pata do dromedário. Ou o pé dos angulados. Eu aguardo pela osteotomia da tíbia. Mas nada resterá dos meus ossos se for incinerado a 900 graus centígrados. Que é a temperatura do fogo do inferno. Há quem prefira ser inumado. Com sorte ainda se salvará uma tíbia. Petrificada. 

Como os dinossauros da Lourinhã, que viveram no tempo em que se ia a pé, daqui a Nova Iorque. Alõ, João Crisóstomo, trago-te sardinhas do Mar do Cerro, do nosso mar. Alô, José Belo, anda daí beber um daiquiri, deixa lá as tuas renas ao cuidado do Estado Providência.  Alô, Jorge Araújo e Maria João, está na hora do chá, que Deus é Grande e o Mar Ainda é Maior.

Tiveram sorte, os dinossauros. A Lourinhã oferecia condições excecionais de fossilização. (Não sei se ainda oferece,  ou é publicidade enganosa ? Mudei de residência a pensar na minha fossilização futura.) Algumas espécies das centenas que existiram, chegaram até nós para contar a história, ou parte dela, deste planeto que eu amo. Uma omoplata, uma tíbia, uma pata.

Bom dia, João, bom dia, Joana, bom dia, Jorge, bom dia José, bom dia Cherno, bom dia Maria, bom dia Tony  & Isabel.  Bom dia, Lisboa, bom dia, Nova Iorque, bom dia Bissau, bom dia, Abu Dhabi, bom dia Macau, bom dia Key West, bom dia, Ponta de Sagres.  Bom dia amigos/as e camaradas. Nunca se sabe o tempo que fará amanhã. Mas resta-nos a esperança de que amanhã será outro dia...

Mas, tu, por que não te calas ? É insuportável o silêncio para a maior parte de nós. Perdemos a arte da meditação e contemplatação. Está tudo nas esplanadas a tirar chapas ao pôr do sol. E a comer choco frito. Ou batatas fritas. 

É como um orgasmo. Os dez minutos de felicidade passam depressa. Como o pôr do sol. Ruidosos, com o mundo todo à sua frente, os adolescentes não têm tempo para "curtir" o pôr do sol. Onde vamos logo à noite ? 

Acho que o mundo devia parar todos os dias para saudar o sol que se despede de nós. Dez minutos de puro silêncio faziam-te bem. De incomunicação total. Os telemóveis e as redes sociais em "black out" total...  Como se fossem os últimos dez minutos que te restassem para respirar. À superfície da terra. 

Luís Graça

PS - Gosto de ver o pôr do sol, daqui, da esplanada do Vigia, na Praia da Areia Branca, ou do "Atira-te ao Mar", a casa dos  "Duques do Cadaval", no Porto das Barcas... Gosto dos amigos que me dizem simplesmente: anda daí ver o pôr do sol, tenho um espumante geladinho no frigorífico.  Não se pode pedir mais aos amigos, neste mês de agosto do nosso desconfinamento,.

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sábado, 17 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20068 Manuscrito(s) (Luís Graça) (164): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte VI - De 51 a 60 de 100 pictogramas)


Lourinhã > 1947 > O "artista quando jovem"... ao colo de sua  mãe, Maria da Graça,, e com o pai, Luís Henriques,  ao lado.

Foto: © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Fonte: Cortesia de jornal "Alvorada", quinzenário regionalista, Lourinhã, 13 de setembro de 1964.



Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde [em 100 pictogramas]
Texto (inédito):

© Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.

(Continuação)

[...] 1. Domingo à tarde… Sempre detestaste os domingos à tarde: ou chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parava no relógio, sonolento, da torre da igreja da tua aldeia.[...](*)



51. Havia a feira grande de setembro, o carrossel e os carrinhos de choque, e, quando o rei fazia anos e dava bodo aos pobres, havia um tostão para as diversões e as farturas e o pirolito, os rebuçados e os cromos, mas o melhor era o pirolito[ 1], porque tinha um berlinde!... 

E quem tinha um berlinde, enorme, de pirolito, era rei, com poder para abafar todos os berlindes mais pequenos. Claro, o "Brutamontes" tinha um saco deles! 


52. Havia as labaredas do inferno, as fogueiras de são João, a queima das alcachofras, os refrões (, um tostãozinho, vizinho, vizinha, para os santos populares, primeiro o Santo António, depois o São João e por fim o São Pedro, para a nossa reinação!),  as bichas de rabear, as bombas de carnaval, o calvário e as suas treze estações…


53. Ah!, havia ainda a banda filarmónica, e talvez já a fanfarra dos bombeiros, que eram soldadinhos de chumbo, havia a sineta, manual, dos carros dos bombeiros, e a sirene do novo quartel dos bombeiros que marcava as doze horas de domingo.

54. E o sino da igreja da tua aldeia que tocava a finados, mesmo no domingo à tarde, quando morria algum cristão, e que te enchia de melancolia, o tão-tão-tão do sino grande da tua aldeia… E o teu padrinho, o ti D’minguinhos, que te ensinava a distinguir os sinos de cada igreja e capela:

- Tim lên…deas, tim lên…deas….
- Mata-as, mata-as!
- Com quê, com quê ???...
- C’um pau, c’um pau!!!…


55. Havia santos, santinhos e santinhas para cada estação, o são João, no verão, no 24 de junho, o dia em que os camponeses da tua aldeia iam à praia molhar os tornozelos, os homens, de ceroulas arregaçadas, as calças de cotim, remendadas, os mais velhos de barrete preto e varapau, e elas, de saias compridas, de flanela, que não podiam mostrar a barriga da perna, peluda, os matulões pegando nos putos a berrar e a espernear e batizando-os na água salgada, do grande oceano, para que as carnes enrijassem, e os meninos medrassem, e pró ano lá voltassem, todos os anos até ao dia das sortes, e fossem grandes homens, fortes e valentes, marinheiros, pescadores, aventureiros, artilheiros, soldados façanhudos ou simples cavadores de enxada, como os seus pais e os seus avós o tinham sido, que os bisavós, trisavós e os tetravós, esses, já ninguém sabia quem eram, nem de onde teriam vindo, nem se chorava por eles, porque na época do trinta e um, poucos moços, velhos nenhum




Lourinhã > Praia da Areia Branca > c. anos 30 do séc. XX > Os camponeses e os seus burros. Foto: origem desconhecida. Cópia pessoal de LG.



56. Ah, os camponeses e os seus burros que ainda não estavam em extinção, nem uns nem outros, iam aos magotes até à praia da Areia Branca, no feriado do são João, entre brincadeiras e dichotes, levavam a trouxa e a merenda, os tremoços e as pevides, as pêras, os pêros, as ameixas e os abrunhos, os melões e as melancias, o pão de trigo do moleiro cozido em forno a lenha, a broa de milho com sardinha, as azeitonas mal curadas, bebiam vinho pelo palhinhas, o garrafão de palha, comiam o arroz de cabidela, de galo ou de coelho, misturado com a areia e o vento e as lágrimas de sal, em cima de mantas grossas, feitas de trapos, berrantes, multicolores.

Faziam cigarros de barbas de milho e usavam canivetes multiusos, de cabo de osso, que tanto serviam para limpar a cera dos ouvidos ou o lixo das unhas, ou os caules dos pés, como para cortar grandes nacos de pão, ou apanhar lapas, percebes e mexilhões nas rochas, sangravam de saúde os camponeses da tua aldeia, muita saúde, pouca vida, que Deus não dava tudo, no tempo em que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses. (Nunca lhes perguntaste se eram felizes, nem essa era pergunta de se lhes fazer!)


57. Na praia da Areia 
O ti Silvano, do Nadrupe,
Lourinhã, c. 1940
Branca, pelo são João,lembras-te ?, o teu querido ti Silvano, carpinteiro e cavaleiro, utilizando-te como escudo em luta contra as forças de Neptuno.

Foi num 24 de junho (ou terá sido no dia de são Bartolomeu, a 24 de agosto?) de mil novecentos cinquenta e tal, que passaste a ter medo do mar e prometeste a ti mesmo (, vã promessa de menino!) nunca vir a ser marinheiro, que na água de mares, não procures cabelos para te agarrares.

58. Misóginos os provérbios da tua terra que, quando o mar estava manso lhe chamava mar de mulher, para logo a seguir acrescentar que, da mulher e do mar, não há que fiar. Ou então: do mar se tira o sal e da mulher muito mal.


Era outro mistério, as mulheres, e só muito mais tarde é que irás perceber o que o teu pai queria dizer: A mulher só é nossa quando quer!...

59. Havia a festa do sã S'bastião, no inverno, no frio de rachar de janeiro, no tempo em que havia inverno e a água congelava nas bicas e bebedouros, duas ruas abaixo da tua, o pobre de Cristo, coitadinho do soldadinho, do tamanho de um menino de palmo e meio, com ar de quem, como tu, não tinha nenhum jeitinho para santo, nem muito menos para mártir, o corpo trespassado pelas setas dos maus!...


Sabias lá tu quem eram os maus desses tais romanos que nos haviam colonizado, a nós, bárbaros, celtiberos, o mesmo é dizer, que nos haviam dado a língua e o ser!… Ele havia coisas que a tua professora não te queria explicar, ou não sabia. E muito menos a tua catequista, a "Branca de Neve".


60. Havia os carros de pão, as promessas, os leilões, na festa do sã S’bastião, e havia as rezas, os exorcismos, os amuletos, as benzeduras da ti’ Ad’lina, as fisgas contra o mau olhado (, cruzes, canhoto, te arrenego, Satanás!), o sarampo, a varíola, a varicela, a cólera, a raiva, a peste, a lepra, a fome, a guerra, a tuberculose, o tifo, a rubéola, a febre amarela, a tosse convulsa, a difteria, as sezões, e a disenteria, e ainda estava para vir o ébola, a sida, o dengue, o vírus do Nilo e os quatro cavaleiros do apocalipse.

Ah!, o sarampo, e o sarampelho que sete vezes nos chegava ao pêlo, e que nos obrigava a ficar dias e dias na cama, com os vidros das janelas forrados a papel vermelho!

A ti’ Ad’lina, tua vizinha da rua do Clube, mulher anafada, barbada, de língua viperina, guardadora de segredos terapêuticos milenares, que iria depois p’ras Américas, com as filhas e a neta, que era uma pestinha. E por lá morreria, a ti’ Ad’lina… 


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[1] Vd. blog Loba > 21 de maio de 2018 >  Pirolito – a garrafa que marcou uma geração
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Vd. postes anteriores da série > 

11 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20052: Manuscrito(s) (Luís Graça) (159): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte I - De 1 a 10 de 100 pictogramas)

13 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20056: Manuscrito(s) (Luís Graça) (160): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte II - De 11 a 20 de 100 pictogramas)

14 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20058: Manuscrito(s) (Luís Graça) (161): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte III - De 21 a 30 de 100 pictogramas)

15 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20060: Manuscrito(s) (Luís Graça) (162): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte IV - De 31 a 40 de 100 pictogramas)