Ano de 1971, quadro pintado e assinado por Leão Lopes, em #folha de capim" (sic), com o retrato de Fernando José Gonçalves de Brito, filho de Fernando Brito (1932-2014) e pai de Cláudio Brito, Detalhes.
1. Mensagem, com data de 28, do corrente de Cláudio Brito, neto de Fernando Brito (1932-2014) (foto de avô e neto, à esquerda)
Olá, boa noite, Caro Sr. Luís Graça,
Saudações ao senhor e a toda a sua família e aos camaradas da Guiné.
Sem mais delongas passo a encadear o conteúdo deste mail.
Já passou quase 1 ano e meio desde que o meu avô faleceu (*).
Neste período de catarse, mas nunca de esquecimento, além do trabalho que, graças a Deus, é consistente e me tem comido os dias e as noites, penso bastante em toda a vida que o meu avô levou. Uma vida de aventuras e desventuras, de guerra, de tropa e de camaradagem, a lidar com tantos seres humanos que só os limites da razão e da paixão nos podem fazer equilibrar no ténue comportamento da sanidade (especialmente atendendo a circunstâncias beligerantes).
Por essas razões, assim que o meu avô faleceu, não fiquei de braços cruzados e a empresa de reunião dos materiais de uma vida não ficou por acabar. De facto, tenho-o feito. Lentamente, nos meus tempos livres e com ajuda da minha companheira.
Já tinha prometido a mim mesmo que partilharia fotografias com os vários amigos do meu avô que passaram com ele o tempo da guerra e da tropa e que, além de fotografias, esperaria, deliciado, que eles partilhassem comigo a história por detrás delas.
Porquê? Porque sim! Porque me interesso por isto. Porque os Homens não são nada sem a sua História, aliás, não são Homens. E não há que negá-la. Há, sim, que fazer como uma casa depois de um desastre natural... arrumá-la.
Pois bem, nas minhas arrumações, encontrei algo que quero partilhar, esperando que alguém do outro lado se possa rir ou talvez chorar, não sei. O objeto em questão é um quadro, um quadro enormíssimo feito pelo pintor/artista cabo-verdiano Leão Lopes. Corria o ano de 1971 e o meu avô pediu a Leão Lopes que pintasse, em folha de capim, o retrato do filho (o meu falecido pai), Fernando José Gonçalves de Brito.
Poderá ser porque sou filho (e serei sempre suspeito), mas acho o quadro lindíssimo. Tantos anos pendurado na parede, causando-me fascinação em criança, para, agora, reconhecer que tem que ser partilhado com o mundo. Tendo em conta as circunstâncias da sua criação, é para mim um dos mais belos exemplares da troca intercultural e da criação artística em cenário de guerra. Mas, para julgamentos, deixemos a História e os Homens ocuparem-se disso.
Que este artista possa rever uma obra que não sei se terá par, mas também que seja partilhada uma memória tão fascinante num tempo tão negro. Com certeza terá sido um momento bem passado.
E assim partilho uma história, prometendo mais e despedindo-me com um grande abraço para o Sr. Graça e todos os camaradas.
Aguardo notícias, esperando que todos se encontrem bem.
Cláudio Brito
2. Comentário de LG
Cláudio, é uma belíssima e comovente homenagem ao teu avô e ao teu pai... Como te disse por email, decidi rapidamente publicar este teu texto na série "O segredo de...", embora estando de férias...
Não sei exatamente em que o ano o teu pai nasceu, talvez por volta de 1960... Teria então cerca de 10/11 anos quando o Leão Lopes pintou o seu retrato, em Bambadinca, a partir de uma fotografia cedida pelo teu avô...
Guiné > Zona Leste > Bafatá > "Foto tirada no dia 30 de Março de 1971 em Bafatá, onde o grupo foi jantar, para celeberar os meus 24 anos. Na foto, e da esquerda para a direita temos: Leão Lopes (fur mil, BENG 447, e ex-esposa Lucília; fur mil op esp Benjamim Durães, Fernando Cunha (Soldado condutor), Rogério Ribeiro (1º cabo aux enfermeiro), Braga Gonçalves (alf mil cav) e ex-esposa Cecília; Isabel e o marido José Coelho (furriel mil enfermeiro), e o 1º cabo condutor auto José Brás". O Benjamim Duraes diz que ele, o artista, tambem lhe pintou o seu retrato em 1971
Foto (e legenda): © Benjamim Durães (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: LG].
Recordo-me, mal, do
Leão Lopes... Era furriel do BENG [Batalhão de Engenharia] 447. Em contrapartida, recordo-me bem do Coelho e do Durães... Julgo que o Durães. por ser casado, não comia connosco na messe de sargentos. Não tenho a certeza.
De qualquer modo, este quadro também vai um surpresa para ele. Hoje é uma figura pública (vd.
aqui entrada na Wikipedia), conhecido como pintor e cineasta em Cabo Verde. Já foi Ministro da Cultura e Comunicações de Cabo Verde, deputado, professor universitário de Assuntos Africanos em França e também fundador e animador da ONG AtelierMar, em Cabo Verde... Enfim, não o vejo desde então, Bambadinca, 1970/71 (**), e para ele vai um grande alfabravo...
Já aqui escrevi que a morte do teu avô. por ter sido inesperada, foi um duro golpe para ti. Tu eras o seu neto querido. Ele parecia gozar de excelente saúde, apesar dos seus 82 anos, e as suas várias comissões em África. Mas a vida foi lhe madrasta: há poucos anos tinha perdido a sua companheira de uma vida, a Natacha, tua avó, de que ele falava sempre com tanta ternura e orgulho em Bambadinca. E em 2001, perdera o filho, num trágico acidente de automóvel, o teu pai.
Como sabes, privei/privámos com ele (alguns de nós, grã-tabanqueiros), em Bambadinca, em 1970/71, como 1º srgt da CCS/BART 2917.
O Fernando Brito tinha entrado há pouco para o nosso blogue. Eu falara com ele há menos de um mês, ao telefone. Tinha ficado entusiasmado com a hipótese de nos podermos reencontrar, ele e a malta da CCAÇ 12, com quem se dava particularmente bem (*), Falou-me, um pouco, dos tempos duros que passou na 2ª comissão, na Guiné, em Madina Mandinga, no setor de Nova Lamgo. E, claro, pressenti a dor, nunca curada, da grande perda que foi a morte do seu filho e da sua esposa.
Curiosamente, não sabia da existência deste quadro. Possivelmente foi um encomenda posterior à minha / nossa partida de Bambadinca, em março de 1971, depois de finda a minha /nossa comissão em rendição individual.
Obrigado, Cláudio, pela partilha.(***)
Quando quiseres e puderes, manda-me então fotos digitalizadas, com boa resolução, do álbum do teu avô e meu/nosso amigo e camarada Brito... È a melhor forma de o homenagearmos.
E, claro, que preenchas o vazio deixado pelo teu avô. O seu lugar, na Tabanca Grande, deve ser ocupado por ti. Abraço e coragem para ti. Luís Graça
_____________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 20 de fevereiro de 2014 >
Guiné 63/74 - P12747: In Memoriam (180): Fernando Brito (1932-2014), major art ref, ex-1º srgt, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e 1ª C / BART 6523 (Madina Mandinga, 1972/74)
(**) Vd. poste de 22 de maio de 2009 >
Guiné 63/74 - P4399: Em busca de... (74): O caboverdiano Leão Lopes, meu antigo camarada de Bambadinca, BENG 447, 1970/72 (Benjamim Durães)
[Resposta do Leão Lopes ao apelo do Benjamim Durães em maio de 2009:]
Caro Durães,
Ainda me visto de Leão Lopes, apenas isso. Mas o ex-camarada de Bambadinca envaidece-me e é uma grande honra responder por ele.
Não imaginas a emoção que ainda sinto por este reencontro. Já ninguém poderá duvidar que eu também lá estive. Vocês existem e a memória colectiva também. Eu próprio duvidei por vezes desta parte da minha história, quando alguns episódios vividos se confundiam com uma projecção ficcional não tendo por perto quem mos pudesse reavivar, corrigir, confirmar.
Imagina que eu me lembro sempre do nosso capelão Arsénio Puim, do dia em que a PIDE o levou, da minha / nossa revolta. E como eu gostaria de o reencontrar para lhe dar o abraço que não pude dar-lhe nesse dia. A PIDE tinha-me levado antes o Joãozinho e mais outros dos melhores operários nativos que eu tive no destacamento de engenharia. Destes nunca mais soube.
Há alguns anos estive em Bambadinca e, nas ruínas do que foi nosso quartel, encontrei Mariana, a nossa lavadeira, que me avivou na memória muita coisa difusa e talvez esquecida. Por exemplo, que eu pintei o retrato de um camarada. Quem seria?
Sim, lembro-me de alguns de vocês. De ti, do Braga Gonçalves, do Coelho, do Brás. Lembro-me do Vinagre, de Coruche (?) com quem fiz algumas traquinices inventando coisas para driblar o tempo. Chegamos a ser sócios numa moto e nunca contei a ninguém que por um triz teriam hoje que me juntar aos homenageados no minuto de silêncio dos vossos encontros. Sabem dele?
Ainda canto Zeca Afonso e as músicas popularizadas por Adriano Correia de Oliveira que nos ajudavam a resistir e a manter a moral acima de tudo.
As minhas condolências pelo Rebelo.
Parabéns a Luís Graça pelo blog. Um belíssima iniciativa, um belo slogan, um esforço de trabalho imenso.
Um dia destes, numa das minhas passagens por Portugal, tentarei abraçar-vos. Muito obrigado pela fotografia e por me teres procurado e achado.
Até breve, Leão Lopes
(***) Último poste da série > 29 de julho de 2015 >
Guiné 63/74 - P14945: O segredo de... (19): António Medina (ex-fur mil, CART 527, 1963/65, natural de Cabo Verde, mais tarde empregado do BNU, e hoje cidadão norte-americano): Desenfiado em Bissau por três dias, por causa dos primos Marques da Silva, fundadores do conjunto musical "Ritmos Caboverdeanos"... Teve de se meter num táxi, até Teixeira Pinto, que lhe custou mil pesos, escapando de levar uma porrada por "deserção"!