1. Mensagem, de 22 de Setembro do corrente, do José Nunes (*), ex-1.º Cabo Mec Elect de Centrais, do BENG 447 (1968/70).
Um dia tenho de me deslocar em serviço para Bissum-Naga, pelas 7 da manhã. Sou colocado na base do gabinete de transportes. Não estava pessoal nenhum. Passados uns momentos aproxima-se um indivíduo mestiço, com quase dois metros, pistola pelo joelho, tipo cowboy:
- Então, pessoal, vamos viajar, eu sou o Honório.
Na minha frente o mítico piloto que quase ninguém conhecia e todos suspiravam de alívio quando o motor do seu avião roncava nos céus da Guiné. Era norma entregar os carregadores da arma ao piloto e ele verificar se não havia munição na câmara. O Honório vira-se para e diz:
- Alguém me quer matar? Então vamos lá.
Dirigimo-nos para a DO:
- Engenheiro, tu vens prá frente.
A DO só tinha dois assentos à frente, a caixa de carga era onde a malta viajava. Levantamos, diz o piloto:
- Como temos aí amigos que andam pela primeira vez de avião, temos de fazer disto um passeio...
Voámos sempre por cima da estrada da base até João Landim. Todas as curvas da estrada foram feitas como se fôssemos de automóvel. Dirigia-se para Bula uma GMC carregada de pessoal, descia em direcção à jangada no rio, o amigo Honório ao ver a GMC dá uma gargalhada e diz:
- Ah!, vocês vão aí?!
Pica a DO direito à GMC e eu só vejo pessoal a saltar da viatura em andamento. O avião levantou e ele ria , ria...
Ao aproximar-nos de Bula numa bolanha lá andava pessoal a trabalhar e ele novamenta pica o avião direito ao pessoal, e eu cada vez mais mal disposto com as manobras bruscas do avião:
- Engenheiro, olha em frente, não o obstáculo, vê-se pelo canto do olho...
Antes de aterrarmos em Bula, demos duas voltas a indicar que íamos aterrar, o avião faz-se à pista de terra e fica um soldado de braços no ar petrificado a ver o avião aproximar-se. A aterragem teve de ser abortada, voltámos, nova volta e aterrámos. Ao aterrarmos, o Honório foi logo procurar o soldado e galhofar com o medo que apanhara.
Entretanto, aproxima-se um Tenente-Coronel:
- Honório, eu vou para Bissum.
- Não vai, não, o engenheiro têm prioridade, e os dois artilheiros fazem falta em Bissum... ou não ? - replicou o piloto.
- O senhor é que sabe! Vou na próxima semana - respondeu o oficial superior e e afastou-se.
Levantámos para Bissum, e assim que o avião aterra, o piloto desaparece.
Mais tarde vim a saber que o piloto gostava de ser mimado com uns bons petiscos. Rolas não faltavam naquelas bandas, e como ele gostava de passarinhos fritos, na semana seguinte dia de avião era sinónimo de frescos e pescada congelada...
Quando vinha, lá ia ele pró petisco. Quando volta, o avião está carregado, ele aproxima-se e diz:
- Senhor Tenente-Coronel, quantos quilos de carga temos ?
- Não sei.
- Então descarregue tudo e diga-me o peso! Se esta merda não levanta e bate nas palmeiras, lá dizem que o Honório é maluco, mas não é, sabe o que faz.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Um Dornier, DO 27, na pista, de terra batida, do aquartelamento. Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2006).
Viajei com o Honório mais uma vez, mas via-o no Hotel Portugal normalmente a jantar com um capitão operacional, sempre que este vinha a Bissau comer bife com ovo a cavalo e beber uma garrafa de Antiquary.
Quando conheci o Honório estava ele nos Transportes. Dizia-se que tinha ido deixar umas encomendas numa base aérea no Senegal, até houve bronca na ONU. Fez de tudo nos céus da Guiné, Fiat, T6, DO (**).
Faz bem recordar camaradas que com abnegação tudo deram sem nada pedir em troca. Ao ler o post sobre Honório (***), veio-me à memória as viagens que fiz com ele. Onde quer que estejas a minha singela homenagem.
___________
Nota de CV:
(*) Vd. postes de:
13 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3202: Estórias avulsas (22): Missão Católica ou Missão Heróica? (José Nunes)
22 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2469: Tabanca Grande (55): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista de Centrais (BENG 447, 1968/70)
(...) "Apresenta-se na Tabanca [Grande] o 1.º Cabo Mec Electricista de Centrais, do BENG 447, José Silvério Correia Nunes. Estive na Guiné de 15 de Janeiro de 1968 a 15 de Janeiro de 1970. Para regressar, paguei a passagem de avião na TAP, pois só em Março deveria haver barco de regresso. Fiz assistências e electrificações em aquartelamentos como Porto Gole, Enxalé, Ponta do Inglês, Bolama e Bissum-Naga" (...).
(**) Salvaguarda-se a afirmação do José Nunes que parece não corresponder à realidade, uma vez que o Honório não terá pilotado Fiat.
(***) Vd. postes de:
22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...
23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)
24 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3232: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (2): O Honório, meu amigo (Torcato Mendonça / Alberto Branquinho)
24 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3234: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (3): O Honório que eu conheci... em Luanda (Joaquim Mexia Alves)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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