Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3234: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (3): O Honório que eu conheci... em Luanda (Joaquim Mexia Alves)
Angola > Luanda > Ilha de Luanda > Restaurante Coconuts > 19 de Setembro de 2004 > Em frente a praia, privativa ou quase. Com seguranças, em todos os lados. O apartheid do dinheiro. Uma almoço de peixe grelhado com vinho ficava então, no mínimo, entre 40 a 50 dólares (o equivalente ao salário mínimo na função pública, em Angola). Imagino que tenha havido, entretanto, uma escalada de preços nos hotéis e restaurantes. A ilha tem outros restaurantes com acesso directo à praia. Os bares e discotecas também são muito frequentados à noite, em especial pelos estrangeiros... Entretanto, em quatro anos, muita coisa deve ter mudado. E, espero, que para melhor. Durante a guerra colonial, a Ilha de Luanda era já ser muito procurada pelos nossos camaradas que por lá passaram ou lá viveram, como o Joaquim Mexia Alves e o Honório.
Foto: © Luís Graça (2004). Direitos reservados.
1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, com data de 22 de Setembro último:
Caros Luis, Virgínio e Carlos:
Quando vi hoje o post sobre o Honório (*) pensei colocar um comentário, mas depois decidi escrever antes este mail e vocês farão dele o que quiserem, colocá-lo como post, ou como comentário.
Conheci muito bem o Honório de quem fui bastante amigo diário, quando estive em Angola a trabalhar depois da comissão na Guiné (**).
Era um individuo generoso, disponível, amigo do seu amigo e bastante amigo do gin tónico, exactamente como eu, pelo que passámos longas tardes na Barracuda, restaurante da Ilha de Luanda com a respectiva praia, beberricando os nossos gins e observando as miúdas que por acaso a maior parte eram bem graúdas, salvo seja.
O Honório era Cabo Verdiano e, ao que sei, sobrinho de um dos homens importantes de Cabo Verde a seguir à independência.
Era "escuro", muito "escuro" e gozava com isso. Era uma pessoa bem disposta e cheia de humor.
Muitas vezes eu chegava à praia e ele estava deitado nas cadeiras da Barracuda a bronzear-se, como ele dizia!
- Apanhei esta cor porque estou sempre aqui - dizia ele.
Era considerado um óptimo piloto, sem medo e que não regateava qualquer serviço. Confesso que não tinha a ideia de ele ter voado Fiat (***), pois pensava que apenas voaria aviões de hélice.
Realmente a seguir a Angola, ao que sei, esteve nos TACV, onde era comandante e se não me engano Chefe de Pilotos. Ao que sei, depois a vida não lhe terá corrido muito bem.
Recordo com saudade tantas tardes e noites juntos numa amizade sem interesses, franca e aberta.
Presto assim homenagem a um homem que nunca regateou o seu auxílio a quem lho pediu.
Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
_________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes de
22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...
23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)
(**) Vd. poste de 1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3007: Os nossos regressos (2): Finalmente, cheguei, estou vivo, não se assustem, sou eu, o Joaquim (J. Mexia Alves)
(...) Aquela gente vivia como se não houvesse gente a morrer na guerra, como se nada se passasse e quando eu dizia qualquer coisa acerca disso, olhavam para mim como se eu fosse um qualquer "alien" completamente desfasado da realidade. Claro que isto não podia dar bom resultado, e as noitadas, os copos sempre em exagero, os problemas e "desaguisados" constantes, não prenunciavam nada de bom para a minha vida futura.
Os meus pais preocupados, bem como o resto da família, arranjaram uma solução que me propuseram.
Um dos meus irmãos mais velhos tinha empresas em Angola e Moçambique, e assim, se eu concordasse iria uns tempos para Angola, adaptar-me a trabalhar, a fazer algo de útil pela vida e depois logo se veria o que se seguiria, pois em Lisboa a coisa ia-se complicar e o reentrar no curso de Medicina era coisa que nem os maiores sonhadores acreditavam que eu fizesse.
Assim, passados pouco mais de dois meses de ter saído da Guiné, no dia 8 de Março de 1974, esta “praça” desembarca no aeroporto de Luanda.(É curioso que o país e a tropa complicaram como o caraças a minha ida para Angola, o que não tinha acontecido quando foi para eu ir para a Guiné. Porque é que seria????)
Aberta a porta do avião, levei com aquele calor e aquela humidade que aproximam o clima de Luanda do da Guiné, e foi quase como um regressar a "casa". Daqui para a frente, o clima, a sociedade, os amigos, e até, curiosamente a situação politica, ajudaram-me a encontrar um equilíbrio para poder continuar com a minha vida.
Regressei pouco antes da independência, mas já com outra vontade de viver.(...)
(***) Posterior mail do JMA, de 23 de Setembro, com a seguinte informação:
Caros Camaradas: Há coisas que eu não entendo! Ando desde ontem a dizer isso mesmo que aqui está afirmado! O Honório nunca voou nos Fiat! Tive o cuidado de confirmar essa minha certeza com o Victor Barata. Ou os meus mails não vos chegaram? Abraço camarigo. Joaquim Mexia Alves
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