1. O José (Joseph, para os suecos, os lapões ou "suomi", os americanos, etc.) Belo, talvez o mais "estrangeirado" dos membros da "diáspora lusófona" da Tabanca Grande (que vai de Toronto a Sidney, passando por Macau), lembrou-se, a alguns dias ou semanas de voltar a Key West, Florida, EUA, de nos lançar um saudável, criativo, senão mesmo provocador mas divertido desafio, muito ao seu jeito, feitio e gosto;
"Afinal, quem somos, hoje, nós, os portugueses e os descendentes de portugueses?"...
Inevitavelmente o nome do grande vulto da cultura portuguesa do séc. XX, Eduardo Lourenço (Almeida, 1923- Lisboa, 2020) veio à baila (*):
(...) "No 'Labirinto da Saudade', Eduardo Lourenço afirma que a literatura histórica portuguesa se pode ler como uma busca de resposta às perguntas: Quem são os portugueses? O que significa ser-se português?
Com início em Camões, Eduardo Lourenço identifica todo um irrealismo que engloba o espírito português. Uma mistura de grandiosidades, lado a lado com profundo complexo de inferioridade.
Segundo ele, a imagem histórica de Portugal não é resultante de observações baseadas em realidades. Resulta antes de sonhos político-ideológicos criados por uma minoria urbana, como referido pelo realismo de Eça de Queiroz. Uma aristocracia (e burguesia) endinheirada sempre com o pé no estribo do 'Sud-Express', arrastando-se para uma Europa onde se produz a verdadeira cultura e o conhecimento.
A existência de um mítico 'povo simples' torna o diálogo literário entre estes polos opostos num… monólogo literário limitativo. É neste espaço (ou contradição) entre a 'falta' e o 'regresso' que, segundo ele, surge a palavra 'saudade'."(,,,)
2. O "nosso querido mês de agosto, pós-pandémico" não é o mais apetecível para "blogar"... Pelo contrário, é mais indicado para "folgar" (praia, campo, festivais, festas, viagens, petisqueira, convívio, amigos, família...). Mas, por tradição ou pirraça, o raio do blogue recusa-se a fazer "férias"... Há dezoito anos que não faz "férias".
Até quando ? Não sabemos, quando o blogue fizer "férias" é mau sinal... É como a história do frango e do pobre (hospitalizado): "Quando o pobre come frango, um dos dois está doente"... Caro leitor, quando o blogue começar a fazer gazeta, é caso para desconfiar... e chamar o 112...
Mas, voltemos à "provocação" do Joseph Belo, o nosso "luso-lapão" que agora também já é meio "amaricano":
(...) "A fins deste mês volto para Key West e, por lá, os meus tempos dedicados à “com-puta-gem” perdem prioridade frente ao Sloppy Joe’s Bar." (que é o "Sempre em Festa" lá do sítio)...
A brincar, a brincar, meio a blogar e meio a folgar, a rapaziada (e porque não também a raparugada ?!) lá foi debitando matéria sobre o tema, "o que é ser português, hoje, em 2022"...
O que é ser português ? Boa pergunto, responde o nosso editor, LG... Pergunta que os portugueses "cá de dentro" não fazem (a não quando "provocados" ) nem sequer sabem responder (a menos que "obrigadps")...
Parece que é preciso a gente ir para lá fora, para o "estrangeiro", para ganhar a suficiente distância e sentir a tal "saudade" e perder-se no seu "labirinto"... Como eu, que uma noite de verão e de tempestade cheguei a um parque de campismo perto de Guernica / Gernika, e quando estava a montar a tenda, começo a ouvir, no altifalante, a voz da Amália em a "Estranha Forma de Vida"... E, depois a seguir, o "Grândola, vila morena"... Hà emoções sentidas fora da nossa terra, que são indescritíveis e que nos marcam para sempre... Eu que gostava da Amália q.b., passei a ouvi-la com emoção, quando ela morreu...
2. Leia-se então esta reflexão de Telma Pinguelo, jornalista, natural de Aveiro, apaixoanda pelo Canadá. A primeira intervenção, publicada na caixa de comentários ao poste P23512 (*), é nada menos desta jovem "portuga", radicada no Canadá...e que faz questão de dizer que o que mais ama naquele país que a acolhei é justamente a sua "diversidade cultural"...
Esperamos que ela, a Telma Pinguelo, não nos leve a mal a ousadia de reproduzir aqui a sua estimulante crónica na Revista Amar, que secionámos para dar o pontapé de saída à discussão sobre a nossa identidade, ou melhor, sobre o significado de ser-se português, hoje, aqui e em toda a parte... (Com a devida vénia... Adaptação / revisão / fixação de texto / negritos: LG)
O que é ser português? É a pergunta que volta e meia paira no ar e tema que ouvi ser inúmeras vezes debatido durante os anos em que tenho convivido com a comunidade lusa em Toronto.
Os nossos clubes e associaçōes têm de momento em mãos a difícil tarefa de passar as suas casas, tão arduamente construídas, para as mãos das novas geraçōes. É difícil porque os modelos de organização e também muitas tradiçōes que alegravam os nossos pais e avós estão a cair em desuso e já não cativam os jovens.
Independentemente do que agrada a uns e a outros, o certo é que, seja qual for a idade ou situação, todos partilhamos do mesmo sentimento: amamos ser portugueses. Se há tantas diferenças de como celebramos, do que gostamos e do futuro que envisionamos… o que é, afinal, esta coisa de ser português?
Se pergunto ao condutor do Uber que me leva a casa, ele diz “Portuguese chicken”, os meus colegas dizem “Cristiano Ronaldo”, num encontro de amigos falam-me das “férias com paisagens lindas, deliciosa comida e ainda melhores bebidas”, nos eventos fala-se de “fado” e nos jantares vem sempre à conversa o famoso pastel de nata, aqui batizado “Portuguese custard tart”.
Mas então é isto? Será que ser português se resume a frango de churrasco, futebol, turismo, música, vinhos e bolos? Tenho a certeza de que existe muito além das belezas, sabores e conquistas deste nosso país plantado à beira-mar. O que mais faz de nós portugueses ? A língua, o território, o passaporte?
O povo português nunca teve, nem tem, problemas de identidade. Ainda que a resposta não esteja na ponta da língua, não é por isso que ela deixa de existir. Antes pelo contrário. Esta é uma daquelas situaçōes em que andamos à procura das chaves pela casa toda e depois damos conta que afinal estiveram sempre no bolso do casaco que temos vestido. É o que eu vejo acontecer com esta pergunta. Esquecemo-nos de olhar para dentro.
Eu digo que ser português está naquilo que não se saboreia, não se vê nem se toca. A portugalidade está no nosso caráter.
O etnólogo português Jorge Dias publicou na década de 50 um livro chamado “Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa”, no qual faz um resumo daquilo que seria a nossa personalidade geral. Jorge Dias diz que:
- o português é “ao mesmo tempo sonhador e homem de ação”, ou seja, “um sonhador ativo que mantém sempre um olhar realista sobre os seus objetivos”;
- é "humano e sensível, amoroso e bondoso, contudo, sem ser fraco";
- "não gosta de fazer sofrer e evita conflitos";
- "mas quando ferido no seu orgulho pode ser violento e cruel";
- "tem um grande sentido de fé";
- "tem uma ligação muito forte com a sua natureza e herança";
- "é individualista, mas tem uma forte solidariedade humana";
- "tem espírito crítico e trocista e uma ironia pungente”.
Pegando nas palavras de Jorge Dias, eu acrescento:
o português: (i) traz na alma a inspiração de Luís Vaz de Camōes, (ii) a ousadia de Bocage, (iii) a inquietude de Saramago, (iv) leva no peito a libertação da Revolução dos Cravos, (v) a coragem dos navegadores dos Descobrimentos e (vi) pratica diariamente o verso de Fernando Pessoa “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
Mesmo com a globalização e os crescentes fluxos migratórios, os portugueses espalhados pelo mundo continuam a manter a essência da sua identidade. A verdadeira portugalidade acontece nos empregos em que somos conhecidos como um povo trabalhador, nos nossos círculos sociais em que somos calorosos e acolhedores, acontece em cada uma das nossas mesas em que há sempre espaço para mais uma pessoa.
Ser português é falar de uma História que não é perfeita, mas que nos tornou no que somos hoje. Somos lutadores, resilientes, somos um povo guerreiro, endurecido pelas batalhas travadas ao longo dos tempos e sofrido com a tão nossa saudade. O encanto é que embrulhamos tudo isso com a também muito nossa bondade, hospitalidade e fé.
Sim, há algo em ser português que é especial. É a nossa vocação de “estar no mundo como em casa”, assim o diz muito bem o autor Jorge Dias. Feliz Dia de Portugal!
Telma Pinguelo