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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26538: Notas de leitura (1776): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Quando escreveu em parceria com António Estácio sobre os chineses na Guiné (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
Não é, de todo, uma completa novidade a referência à presença de chineses na colónia da Guiné e hoje na Guiné-Bissau, fruto da descendência de quem aqui chegou no virar do século, com o estatuto de degredado, António Estácio já escrevera um trabalho sobre o assunto, e mais tarde a parceria com Philip Havik aclarou não só o histórico dos degredados em África, por ordem das potências coloniais, como se completou a radicação dos chineses na Guiné, tanto no Sul como no Norte, como se ficou a conhecer melhor a sua descendência. Indubitavelmente, esses chineses tiveram um papel fulcral a aprimorar as variedades de arroz, tal qualificação também veio a ajudar o aparecimento de muitos outros ponteiros, caso de Manuel Pinho Brandão, assim este Sul se transformou no celeiro da Guiné. Os autores não tiraram conclusões apressadas sobre a institucionalização destas comunidades chinesas em África, há estudos por fazer, mas as imagens do artigo que publicaram na revista Africana Studia mostram como é indesmentível o que eles fizeram em prol do movimento agrícola guineense.

Um abraço do
Mário



Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné:
Quando escreveu em parceria com António Estácio sobre os chineses na Guiné (3)

Mário Beja Santos

Procurando dar continuidade aos trabalhos do investigador Philip Havik relacionados com a Guiné Portuguesa, recordamos o artigo que ele escreveu em parceria com o nosso saudoso confrade António Estácio sobre a presença dos chineses na colónia. A chegada de populações não autóctones era devida ao envio de pessoal ligado à governação, comércio, trato marítimo, tropa. As potências coloniais socorriam-se de marginais e de contestatários, degredados de múltiplas razões, desde o homicídio ao furto.

Os autores recordam:
“Estima-se que entre 1607 e 1775 mais de 50 mil degredados tenham sido enviados, pelos tribunais estatais e da Igreja Católica (incluindo os tribunais do Santo Ofício) para possessões ultramarinas, servindo como mão-de-obra, como pessoal militar e administrativo.”
E, adiante:
“As sentenças variavam entre seis meses à perpetuidade. Ao longo dos tempos é de notar uma mudança nos países de origem dos degredados, por exemplo após a Guiné obter autonomia administrativa de Cabo Verde em 1879, os cabo-verdianos continuavam a constar nos registos, mas a Guiné passa a receber mais degredados de Angola e São Tomé, facto que se manteve até ao final do século XIX. Ao mesmo tempo, registava-se um crescente uso político do exílio forçado, à base de condenações por insubordinação, motim e revolta criam uma concentração de opositores à monarquia em Bissau e em Bolama. Muitos dos degredados, sobretudo aqueles condenados a sentenças superiores a cinco anos, acabam por sucumbir a doenças tropicais. Alguns dos chineses recém-chegados também pereceram pouco tempo após a sua chegada, contudo, por estarem acostumados a um clima tropical asiático, provavelmente, resistiram melhor às intempéries da Guiné.”

Os autores referem-se às mudanças operadas no fim do tráfico de escravos e no início da plantação de culturas de renda. “No caso da Guiné, esta transformação baseou-se na introdução de amendoim e a colheita de amêndoas de palmeira (chamada coconote na Guiné). Ao mesmo tempo, a cultura de arroz também sofreu alterações profundas, através da comercialização, na região da África Ocidental, de variedades originárias da Ásia, por comerciantes da Gâmbia. A região do Casamansa até à Serra Leoa era tradicionalmente conhecida como a Costa do Arroz. Nos meados do século XIX, a crescente procura por parte dos colonos, de embarcações de cereais para a sua subsistência e exportação, fez com que outras variedades, vindas da Ásia, fossem introduzidas”.
Recorda igualmente o debate sobre a presença de comunidades de origem chinesa e dos seus descendentes na atual África do Sul só agora começa a ser feito, esta descendência era descrita como “coolies”. Os chineses chegaram em número reduzido à Guiné Portuguesa, e marcaram a história e a sociedade, matéria deste estudo.

É no contexto do processo de ocupação efetiva, do século XIX para o século XX que se operou a chegada de ponteiros de origem cabo-verdiana que na região do Tombali adquiriram terrenos para o cultivo do amendoim. Os autores falam num colono belga que tinha uma feitoria no rio Cacine, Pierre Puvel, tinha obtido uma concessão de 400 hectares em 1899 para exportação de borracha, Puvel fundou quatro feitorias nas margens do rio Cacine. Também pela região andou o general Henrique Dias de Carvalho, em 1898/9, com o propósito de adquirir terrenos, em nome de terceiros, tratou-se de uma época em que se pensou entregar a Guiné a uma companhia majestática, operação falhada. O então governador da Guiné enviou para Lisboa algumas amostras de arroz cultivado pelos Balantas, valorizava-se a produção de arroz, e os autores citam diferentes opiniões favoráveis ao cultivo do arroz, o principal alimento da população.

Chegou um grupo de chineses em 1895. “Existem indícios nos arquivos que, pelo menos, dois chineses, de nome Chan-a-leng e Las-Asseng, que se dizem oriundos de Macau e eram à época residentes em Bolama, terem feito um pedido para a sua repatriação em 1909. Enquanto o primeiro tinha sido condenado a sete anos de degredo, o segundo foi sentenciado a oito anos de degredo pelo crime de roubo. Outra questão que suscita dúvidas fundadas é o facto de estes recém-chegados serem chamados ‘macaístas’ , quando se tratavam de chineses vindos da região de Cantão, que emigraram para a Guiné.”

O escritor Fausto Duarte, que também foi funcionário administrativo faz referência a esta presença chinesa, dando-os como hábeis navegadores e pescadores com grande conhecimento da zona costeira, e também cultivadores de arroz em terrenos lodosos na região dos Bijagós, criaram sinergias importantes com as populações da zona de Catió, localizada entre os rios Tombali e Cumbidjã e encostadas às ilhas de Como e Caiar. “O rio Cumbidjã – junto com os seus afluentes – sem dúvida, o melhor curso fluvial em todo o curso da Guiné para a criação de arrozais; as marés fazem-se sentir rio acima até os afluentes, o rio de Hebi, Sare e Balana, numa extensão de mais de 80 kms. O facto de hoje ter nas suas margens muitas povoações cuja população trabalha os extensos arrozais demonstra que aquela escolha foi acertada.”

Dado importante, sublinhado pelos autores, é a atração chinesa pela zona do Tombali, provavelmente no período de 1915-1920 fazendo parte do fluxo migratório interno, do Norte para o Sul, houve fixação a Norte do rio Geba, a partir de Canchungo. “Apesar dos chineses terem aberto o caminho, os Balantas acabaram por se tornar os donos das sementeiras de arroz, o que lhe permitiu, mais tarde, reivindicar os direitos de usufruto da terra. O povoamento correu de forma pacífica, pelo menos inicialmente, porque os migrantes Balantas fizeram contratos com os Nalus.”
O governador Vellez Caroço procurou limitar a expansão desenfreada de pequenos ponteiros, deu-se a instalação de ponteiros de maior dimensão, europeus e mestiços nesta região de Catió, cresceu o cultivo de arroz e a partir dos anos 1930 introduziram-se estímulos à produção de arroz para exportação. Os autores descrevem a evolução do quadro da produção, recordando que houve aceitação e integração de muitos membros da comunidade chinesa na Guiné. “Estes laços, que também incluíram casamentos à moda da terra, foram marcados por uma reciprocidade, no sentido de permitir a cada parceiro obter certos benefícios, por exemplo acesso a produtos da terra, cuidados de saúde ou acesso privilegiado às chefias locais obtidas através das esposas. Inversamente, os sócios ou parceiras nativas receberam artigos de origem estrangeira e conseguiram contactos, apoios e bens".

O estudo de Havik e Estácio não esquece as lutas da libertação, referindo que alguns membros da comunidade luso-chinesa se juntaram ao PAIGC, como houve também quem tivesse entrado em rutura com Amílcar Cabral, outros emigraram para a Guiné-Conacri. “Apesar do conflito e das mudanças políticas que se seguiram, ainda se encontram descendentes da de terceira, quarta e quinta geração na Guiné-Bissau, por exemplo na região de Catió, onde se instalaram os primeiros chineses, mas também em Portugal para onde emigraram, a partir dos anos 1960.” Falta investigação sobre as comunidades chinesas em África e sobretudo nas antigas colónias portuguesas, “investigação que poderia dar resposta a várias questões como determinar se podemos sequer falar de uma diáspora chinesa ou de várias e se existem identidades sino-africanas ou se variam segundo o seu país ou região de destino.”

O leitor mais interessado por este estudo poderá ter acesso ao artigo publicado no n.º 17 da Revista Africana Studia - Edição do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, através do link https://ojs.letras.up.pt/index.php/AfricanaStudia/article/view/7379/6763.

António Estácio
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Notas do editor:

Vd. post de 21 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26516: Notas de leitura (1774): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: A sua colaboração num livro de arromba, Orlando Ribeiro em 1947, na Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 24 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26524: Notas de leitura (1775): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26530: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1897 e 1898 (24) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
O Dr. Marques Perdigão, em nome da Junta de Saúde, faz o relatório alusivo a 1896, não esconde o quadro de ineficiências e faltas, deixa os seus apelos para haver mais médicos e enfermeiros, volta a apelar ao Governo da Província para ainda se continuar a estudar a flora da Guiné; o novo Governador é Álvaro Herculano da Cunha, pede pensões para dois heróis de guerra, um deles, em combates no Oio, foi mortalmente atingido e tudo fez para entregar a bandeira portuguesa, de que ele era portador e zelador; o régulo de Intim anuncia o seu preito e homenagem ao rei de Portugal, é mesmo batizado em Bolama, chama-se Tabanca Soares, promete obediência de todos os régulos da ilha de Bissau, o que não vai acontecer, suceder-se-ão as rebeliões que só conhecerão acalmia na campanha de Teixeira Pinto em 1915.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1897 e 1898 (24)

Mário Beja Santos

Fez-se a referência no texto anterior ao relatório do serviço de saúde da Guiné Portuguesa referente a 1896, é assinado por António Maria Marques Perdigão. À semelhança de outros relatores, o médico descreve o contexto histórico, a geografia, o quadro das condições hígiossanitárias nas principais povoações e não deixa de observar os problemas postos à classe médica, farmacêutica e de enfermagem, como escreve:
“Durante a minha gerência só houve três médicos do quadro em toda a província que são os que ainda hoje existem. É urgentíssima a necessidade de médicos para o serviço da província. Em Bolama devem estar, para comporem a Junta de Saúde, três médicos: o subchefe, um facultativo de 1.ª classe e um de 2.ª ou 3.ª, pronto sempre para seguir para qualquer ponto que demande socorros urgentes; em Bissau, um de 1.ª classe; e em cada uma das povoações acima indicadas (Geba, Farim, Cacheu e Buba) um de 2.ª ou 3.ª. Há falta também de pessoal farmacêutico. Se os três farmacêuticos que devem pertencer à Guiné estivessem sempre, o mal estava remediado, porque em Bolama são indispensáveis dois e em Bissau um. Ora, durante a minha gerência, nunca houve três farmacêuticos na província. É assim impossível dar-se cumprimento ao serviço, atendendo a que na Guiné não há farmácias particulares e, por isso, as do Estado têm que vender ao público. Os farmacêuticos em Bolama têm em seu cargo, além de toda a escrituração que é grande e complexa, o satisfazerem de todas as requisições na farmácia, o aviamento de todos os medicamentos para o hospital, remédios a indigentes, e venda ao público. Pois, repetidas vezes, tem estado um só farmacêutico com todos estes encargos, como agora sucede por motivo de doença de um deles.
É impossível cumprir-se convenientemente o serviço só com um farmacêutico, porque além do receituado do hospital tem a farmácia de Bolama de satisfazer todas as requisições para a farmácia de Bissau e para as sete ambulâncias da província.”


E continua a insistir para que se mande para a Guiné dois facultativos e um farmacêutico. Lembra que não há socorros médicos em Geba, Farim, Cacheu e Buba e mais pontos ocupados da Guiné. Recorda ao pessoal de enfermagem: em Bolama enfermeiro-mor, um enfermeiro de 2.ª classe e dois ajudantes; em Bissau, um enfermeiro de 2.ª classe e um ajudante; em cada uma das duas ambulâncias e delegações um enfermeiro de 2.ª classe. As irmãs hospitaleiras têm a seu cargo alguns serviços de enfermagem e tece-lhes louvor.

Lembra o mau estado em que se encontra a enfermaria militar e civil de Bissau e a respetiva farmácia: é um verdadeiro pardieiro, a enfermaria é uma casa velha sem condições de salubridade e higiene, soalho sujo, parecendo não ter sido lavado há muitos meses. E o seu relatório não deixa de acabar de modo surpreendente:
“A Junta de Saúde da Guiné torna bem patente o seu interesse pelas ciências naturais e em especial pela ciência que professa, propõe que desde já se proceda à exploração botânica da Guiné. A verba que para esse fim é destinada no orçamento da província é diminutíssima, e é por isso que a Junta de Saúde vem solicita toda a proteção. O estudo da flora da Guiné é em grande parte desconhecida, sendo certo poucas regiões haverá onde ela seja mais abundante, mais variada e mais útil sob o ponto de vista médico.”
Tudo isto é matéria constante do Boletim Oficial n.º 18 de 1897.

Estamos agora em 1898 e vejam-se algumas notícias curiosas publicadas no nº9, de 26 de fevereiro: “Tendo sido morto na última guerra do Oio o chefe Mandiga de nome Quecuta Mané, pela sua valentia, coragem e inexcedível dedicação pela bandeira portuguesa, e atendendo aos bons e irrelevantes serviços que prestou nas últimas guerras de Geba e Bissau, aonde se distinguiu sempre dos seus companheiros: hei por conveniente, com o intuito de galardoar tais serviços à nação, conceder a começar desta data uma pensão anual de 36$000 a Mané, filho do referido Quecuta Mané, ficando esta minha resolução pendente da aprovação do Governo de Sua Majestade.” E, mais adiante: “Tendo sido morto, em diligência o Mandiga de nome Lamini Injai, chefe de uma das tabancas do presídio de Farim, na ocasião em que foram atacados pela gente do Oio, defendendo enquanto pôde a bandeira nacional que lhe tinha sido confiada, entregando-a a um soldado que chamou depois de se sentir mortalmente ferido, o que demonstra muita dedicação e patriotismo: hei por conveniente, no intuito de galardoar os serviços que prestou à nação estabelecer a começar da presente data, uma pensão anual de 36$000 ao filho do referido Lamini Injai, de nome Jaime Falcão, ficando esta minha resolução dependente da aprovação do Governo de Sua Majestade.”

E terminamos com o auto de preito e homenagem prestada ao Governo português, pelo régulo de Intim, Tabanca Soares e seus grandes, vem publicado no Boletim n.º 21, de 27 de maio de 1899. O auto indica a data de 13 de maio, decorre no Palácio do Governo, estão presentes o Governador e altas individualidades e escreve-se o seguinte:
“Pelo régulo de Intim foi dito que vinha cumprimentar Sua Excelência o Governador, que nunca régulo algum da ilha de Bissau tinha vindo a Bolama com este fim, por a isso se oporem as suas leis, mas que, reconhecendo ele plenamente a soberania de Portugal, sobre o seu país, vinha espontaneamente dar preito e homenagem a Sua Majestade.
Para provar a sinceridade das suas declarações, pedia que o Governo colocasse um destacamento militar no seu território, o qual seria garantia segura da completa submissão dos povos de Intim mais que lhe estão subordinados. Disse que nenhum régulo da ilha de Bissau tinha mais poder do que ele. Punha à disposição do Governo português toda a sua influência para que a ordem na ilha de Bissau nunca fosse alterada.”

Respondeu o Governador que aceitava este preito de homenagem, que imediatamente ia dar conhecimento ao Governo da metrópole, e que o Governo português estava pronto a proteger todos aqueles que mostrassem submissos às suas ordens e que nada mais queria senão paz e trabalho, porque eram as únicas garantias do progresso do desenvolvimento da Guiné. Na sequência deste auto de preito e homenagem segue-se o auto da ocupação do território de Intim, na circunstância foi batizada em Bolama o rei de Intim, Tabanca Soares, com o nome de Carlos. Dava-se como confirmado que os povos da ilha de Bissau (Intim, Antula, Bandim, Biombo e Safim) têm se esmerado em demonstrar respeito e amizade pelo Governo. No ato de se assinar o auto de ocupação, o negociante Otto Schacht, como o mais antigo estrangeiro na Guiné, levantou um viva à bandeira portuguesa e a Sua Majestade, foi correspondido pelo Governador e todas as pessoas presentes, deram-se vivas aos chefes de Estado a Alemanha, Inglaterra, França, Itália e Bélgica.

Dezembro de 1897, vai chegar novo Governador, 1.º Tenente da Armada Real, Álvaro Herculano da Cunha
Morreu Pedro Ignacio de Gouveia, duas vezes Governador da Guiné
Provavelmente atividade tipográfica na Imprensa Nacional da Guiné. Imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares
Estaleiros da Casa Gouveia no Ilhéu do Rei. Imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 19 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26510: Historiografia da presença portuguesa em África (467): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26510: Historiografia da presença portuguesa em África (467): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Os Boletins Officiais de 1896 e 1897 são muito monocórdicos para meu gosto, isto quando, afinal, quando toma posse em janeiro de 1896, Pedro Ignacio de Gouveia, pela 2.ª vez governador, diz abertamente que vai confrontar com um mar de dificuldades, os conflitos do Forreá parecem eternizar-se; o relatório sobre as condições higiénicas e de saúde pública alusivas a 1896 fazem-nos pressentir que a capital é quase uma enxovia, os materiais importados quer para os hospitais ou para as instalações militares estavam totalmente desinseridos do espaço e do clima, interrompera-se a macadamização das ruas, a ilha tinha pontos saudáveis mas a escolha do lugar da capital era totalmente desacertada, enfim, o responsável da Junta de Saúde vai dizendo verdades com punhos. Notícia curiosa é a da experiência em curso para ver se a Guiné aderiria a um novo sistema de comunicação, a dos pombos-correios.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23)


Em termos informativos, o Boletim Official referente a 1896 e 1897 é quase uma maçadoria, muitos relatórios de saúde pública, transcrição de regulamentos de Lisboa, chegadas e partidas, nomeações, louvores e punições e, como veremos, há muito mais mundo que a descrição de patentes, comércio internacional, taxas alfandegárias ou artigos didáticos como aquele que nos explica a borracha.

Temos novo Governador, regressa Pedro Ignacio de Gouveia, dirá coisas a propósito, vem registado no Boletim Official n.º 4, de 25 de janeiro: “Reconheço as dificuldades sempre crescentes e renováveis para manter no estado pacífico as tribos irrequietas de diversas origens tão disseminadas por esta província. Para o natural desenvolvimento da província carecemos mantê-la num estado de pacificação tão completo quanto o comércio e a agricultura possam desafogadamente expandir-se.”

Anteriormente, o Secretário-Geral do Governo discursará assim: “É certo que com a ocupação do Forreá, devido à iniciativa e bom senso do antecessor de V.ª Ex.ª, o capitão-tenente da Armada, Eduardo João da Costa Oliveira, muito há a esperar que melhorem consideravelmente as circunstâncias do tesouro público.”

Temos também que saber ler notícias curtas, como aquela que diz que Sua Majestade, a quem foi presente o relatório do Governador da Guiné acerca do aprisionamento do régulo Damá, e do seu principal chefe de guerra Moló-Lajó, que há muito hostilizavam os povos do Forreá, se comprazia e louvava o 2.º tenente da Armada, José de Oliveira Júnior – o que quer dizer, por outras palavras, que a questão do Forreá era uma tormenta permanente.

Passando agora para o Boletim Official n.º 20, de 16 de maio, veja-se o que escreve o Governador:
“Encontra-se a vila de Bissau, entre muralhas, nas condições de não comportar mais edificações, com uma população já bastante acumulada, razões de ordem pública não aconselham a ampliar a área, é certo que para alguns naturais já foi consentido a seu pedido estabelecer edifícios para habitações fora dos muros.
O comércio, porém, necessita de estabelecer armazéns à beira-mar, para fácil tráfego de embarque e desembarque de mercadorias permutadas com o indígena.
A situação geográfica do ilhéu do rei, fronteira a Bissau, permite que os negociantes, tendo a sua habitação na vila, edifiquem vastos armazéns neste ilhéu, hoje apenas ocupado, quase, que pelo Lazareto.
Bissau e o ilhéu do Rei é a chave do comércio entre os povos de Geba, Corubal, Balantas e Biafadas e pode desenvolver-se extraordinariamente quando o comércio encontre facilmente onde armazenar as mercadorias, o que presentemente não tem, e que o indígena ali traz para permutação.”

E o Governador Pedro Ignacio de Gouveia faz certas determinações sobre o aforamento do ilhéu do Rei.

É também altura de sabermos um pouco mais sobre o estado da saúde e os Boletins Officiais n.º 16 e 17, respetivamente de 17 e 24 de abril, dão-nos sumariamente conta. Para o autor Bolama é a população mais saudável em toda a província, porém são desgraçadas as condições higiénicas na capital. “Situada em terrenos baixo e argiloso, que absorve e retém durante as chuvas grande quantidade de água sem escoante possível, com uma praia totalmente lodosa, uma atmosfera excessivamente húmida, uma temperatura ordinariamente elevada, com habitações péssimas, água ordinária, com falta de recursos necessários para manter a regular limpeza das ruas.”

E acrescenta:
“Tenho notado desde que vim para o Ultramar que nunca foram as condições higiénicas de situação que presidiram à escolha do local para as diferentes povoações. Naturalmente mesquinhos e insignificantes interesses foram atendidos de preferência aos higiénicos para a escolha do local onde assenta a povoação de Bolama, quando bem perto tínhamos pontos mais saudáveis, em muito melhores condições de altitude, com praia arenosa, água regular, etc.; e o que se dá com Bolama dá-se em maior escala com todas as povoações que conheço na província, sobretudo Bissau, o empório comercial da Guiné e Geba. Em Bolama não há uma única habitação que se possa dizer razoável. Se há três casas que pela sua aparência grandeza e material empregado são as melhores da capital, estão, contudo, bem longe de satisfazer, relativamente à higiene o que era absolutamente necessário.”

E vai esmiuçando o material empregado na maior parte das construções, a má escolha dos pavilhões importados para serem edifícios públicos, piores ainda os pavilhões destinados ao alojamento dos oficiais, refere a falta de ventilação e, sobretudo, a falta de higiene. A água é ordinária. “A única suportável é a denominada do Intachá, nascendo a 2 km da povoação. À simples vista, parece pura por ser límpida, mas com certeza tem em suspensão muitos microrganismos e outras substâncias orgânicas, porque demorando envasilhada durante algum tempo, começa a fazer sentir-se o seu mau cheiro.”
Não esquece a irregular limpeza das ruas, largos, pátios e quintais e o facto de no princípio das chuvas tudo se torna num mar de lodo. “Macadamizadas as ruas com uma convexidade acentuada completada a obra iniciada pelo vogal da Junta de Saúde, dr. António Maria da Cunha, quando diretor interino das obras públicas, que mandou abrir largas valetas nas ruas para escoante das águas, ter-se-ia conseguido muito em benefício de Bolama. Mas apesar de se terem já corrido alguns meses depois de que as valetas foram abertas, e de terem vindo tubos para serem colocados nos pontos necessários, ainda elas não foram convenientemente empedradas e cimentadas como é indispensável, a não ser nas duas frentes da Casa Comercial Gouveia e à custa do seu proprietário.”
E vai por aí fora: o sistema de remoção das fezes, a situação do cemitério, o estado do hospital, é uma descrição minuciosa que nos provoca consternação.

Isto que acabámos de escrever tem a ver com o relatório de abril de 1897. Voltando a 1896, e à laia de despedida desse ano, regista-se a publicação de uma portaria do Boletim Official n.º 37, de 12 de setembro, em que se nomeia o capitão do quadro de comissões Luís da Costa Pereira para proceder à montagem dos pombais militares em Bolama e Bissau, seguindo no treino as instruções do continente de Portugal, e experimentando se os pontos indígenas podias ser empregados nos serviços de pombos-correios.

Publicidade publicada num número do Boletim Official da Guiné Portuguesa, 1923
(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 12 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 18 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, pág. 806)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26471: Notas de leitura (1770): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Vellez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
Finda aqui a digressão pelo livro de Armando Tavares da Silva, "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016, foi a nossa bengala como contraponto à rotina burocrática do Boletim Official da Guiné Portuguesa. Com efeito, o Boletim Official, talvez tirando o período da governação do tenente-coronel Vellez Caroço, é meticuloso quanto à publicação dos diplomas emanados pelo Governo em Lisboa, elenca nomeações, movimento marítimo, aforamentos e concessões de terrenos, etc., etc., mas sonega-nos informações da vida quotidiana, conflitos interétnicos; é evidente que nos vamos apercebendo da gradual presença portuguesa dentro da colónia e como se está a alterar o movimento import-export, vão saíndo empresas estrangeiras, a CUF tem um papel dominante e, já mais atrás, a Sociedade Comercial Ultramarina. Sinto falta a partir de agora de uma obra que me permita o contraponto ao Boletim Oficial, usarei como recurso a História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936, de René Pélissier, mas sinto que há um vácuo entre 1928 e 1933, isto a despeito do golpe revolucionário republicano que eclodiu na Guiné entre maio e abril de 1931. A ver vamos como se poderá tapar esta lacuna.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Velez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13)

Mário Beja Santos

Chega à Guiné em junho de 1921, a colónia tinha estado durante um ano entregue ao secretário-geral Sebastião Barbosa, tinham-se praticado muitas irregularidades. Vellez Caroço tinha apostado em sanear a vida pública da província, faz-se acompanhar do seu sobrinho, que irá exercer as funções de seu chefe de gabinete. Prontamente inicia as visitas pelo território, reconhece que era necessário dissolver a Comissão Municipal de Bissau, o ministro também lhe propõe o restabelecimento do Conselho de Governo. Este oficial de Infantaria conheceu seguramente inúmeros desagradáveis conflitos, é firme e enérgico, anuncia publicamente que não se afastaria uma linha de cumprimento dos seus deveres, indica uma série de ligações que considera prioritárias; Brames a Cacheu, Farim e Bafatá; Mansoa a Bafatá, S. João a Buba, entre outras. É aprovada a criação da circunscrição de Cacine. Já em rota de colisão com Sebastião Barbosa, anula disposições por este tomadas, mas punha-se um problema concreto relativamente à concessão de terrenos, o governador temia as especulações.

Os problemas não se ficaram por aqui: o ex-governador Carlos Pereira havia requerido a concessão por aforamento de 25 mil hectares de terreno na Costa de Baixo, os indígenas protestaram contra esta concessão, nasce processo, o ministro não vê condições para anular a decisão, o governador não desanima, sempre que suspeita de indícios de corrupção manda fazer sindicâncias, não faltou uma sindicância ao coronel Quinhones de Matos Cabral, é suspenso Sebastião Barbosa, vai decorrendo a moralização da vida pública, o governador tem amigos e inimigos, a intriga chega a Lisboa, o ministro resiste e congratula-se com a ação governativa.

Em agosto de 1922, Vellez Caroço elabora o seu primeiro relatório, exprime a sua preocupação com o saneamento da província, já que altos funcionários eram acusados de faltas que iam desde o abuso de autoridade até aos crimes de peculato. Lembra o ministro que há uma tentativa surda de afastamento da colónia da esfera da influência portuguesa. A campanha de difamação contra o governador chega ao Parlamento e à imprensa de Lisboa. Nesse mesmo primeiro relatório, sempre pondo o seu lugar à disposição do Governo, Vellez Caroço fala num período de estabilidade, lembra que era preciso fazer um regulamento do trabalho indígena que estabelecesse um mínimo de trabalho para cada indivíduo. Não poupando a verdade dos factos, o governador afirma que a província se encontrava enxameada de empregados recrutados em Cabo Verde, com pouquíssimas habilitações.

Outros escolhos pendiam sobre a Guiné, a situação financeira, a questão das cambiais e o imposto de palhota. O ministro decidira que fosse adotado na colónia o estabelecimento de uma sobretaxa a que ficariam sujeitas as mercadorias exportadas; tal valor seria devolvido se dentro dos dez dias subsequentes o exportador entregasse na agência do BNU todo o valor, em moeda estrangeira, da sua exportação ou reexportação. Cresceu o descontentamento, o comércio da Guiné sentia-se altamente prejudicado com as disposições deste decreto, dizendo que havia uma escandalosa proteção à CUF. Logo no início de 1923 se verificou que o BNU não tinha numerário suficiente para permitir as transações. O problema vai-se agudizando, em agosto de 1924 Vellez Caroço torna a pedir providências, mantinham-se as dificuldades em fazer transferências para Lisboa, a agência do BNU não tinha recebido ordens de acesso para as fazer. Na ausência de moeda, o governador foi obrigado a procurar meios de aumento das disponibilidades, aumentou a taxa de imposto de palhota, mas foi manifestamente insuficiente. Novas cartas ao Governo, Vellez Caroço pede a demissão e foi-lhe dada, o governador regressa amargurado, em Lisboa sucedem-se os governos, Vellez Caroço acaba por ser nomeado de novo governador, quando chega, ele que se referia aos seus primeiros anos da Guiné como de paz, chega e encontra tumultos para resolver. Tudo começa na região de Nhacra, é decretado estado de sítio, o governador avança para o local dos incidentes com cem homens e peças de artilharia, a população apresenta-se, mas é mantido o estado de sítio, as operações só acabam dias depois.

Em 1925, nova operação em Canhabaque, bem-sucedidas, pelo menos temporariamente.

Esta ação de fomento do governador é notória, são melhoradas as estradas, é inaugurada uma linha telegráfica Farim – Kolda – Dacar. São tomadas medidas de fomento educativo, é criada uma escola noturna de ensino primário, retificam-se fronteiras e reconstroem-se antigos marcos que se achavam danificados. Graça Falcão continuava a ser uma figura controversa; demitido o Exército, mantivera-se ativo na vida da província, propusera-se como candidato a deputado pela Guiné, não tem sucesso mas consegue uma carreira na administração local, conhece castigos, transferências, inquéritos, sai sempre ilibado. Tavares da Silva dá nota da crise fiduciária em 1925, não há possibilidade de manter o equilíbrio orçamental e o delegado do BNU em Bolama recebera ordens da sede para não continuar a fazer transferências para a conta da colónia no Ministério, por falta de cobertura de Lisboa porque tal medida significativa a paralisação dos fornecimentos e dos pagamentos da colónia.

A tensão vai crescendo entre Bolama e Lisboa, o BNU fez a proposta segundo a qual o comércio exportador obrigava-se ao depósito na colónia de 50% do valor da exportação, mas não chegava o dinheiro para pagar os vencimentos aos funcionários. Em Lisboa sucediam-se alterações ministeriais umas atrás das outras. Vellez Caroço novamente pede a demissão, as dificuldades financeiras com que se deparava a província foram aproveitadas pelos adversários de Vellez Caroço, lançaram-lhe novos ataques. Em Lisboa, o jornal O Século também o destrata, refere-se que tinha mandado abrir sem plano nem critério estradas pessimamente construídas e por indígenas que ainda não tinham sido renumerados, a CUF apostava na saída do governador. Ele vem a Lisboa, dirige ao ministro uma exposição relatando todo o problema das transferências, para obviar as reclamações do comércio, o governador propõe que o Governo da metrópole ceda 50% das cambiais provenientes da exportação e reexportação da Guiné; publica-se uma portaria em que o Governo dispensa chamar a si as cambiais correspondentes aos produtos reexportados, satisfazia-se assim a Casa Gouveia.

Tudo isto ocorre nas vésperas do 28 de maio, o comércio de Bolama pede insistentemente ao Governo o regresso imediato do “honesto de Vellez Caroço”, segue o pedido da Câmara Municipal de Bolama, em 23 de junho Vellez Caroço reassume o Governo e elabora um diploma de acordo com o que tinha sido estabelecido com o Governo Central, procura-se uma solução para a questão das transferências. A associação comercial de Bissau manifesta-se em oposição ao governador, este discute a situação com o comércio exportador, os comerciantes de Bolama e Bissau estão divididos. Continua a faltar numerário na circulação da Guiné. Tudo acabará com a verdadeira exoneração de Vellez Caroço em dezembro de 1926.

O trabalho de Tavares da Silva termina com a referência de que Vellez Caroço regressado a Lisboa envolve-se nas sublevações militares de fevereiro de 1927, vindo a ser preso e deportado para a Angola. Resta o epílogo. Vale a pena reter alguns parágrafos.

“As dificuldades financeiras da Guiné e a falta de cambiais continuariam ainda por vários anos a afetar o comércio, sendo o de menor dimensão o mais prejudicado. Igualmente as atividades de fomento, que tiveram um assinalável incremento durante a governação de Vellez Caroço, iriam ser afetadas, assim como os serviços de administração local. Porém, a partir de meados dos anos 30 as contas da colónia passaram a apresentar saldos positivos, aliviando as dívidas ao exterior.
A Casa Gouveia, onde a CUF tinha uma participação, ia adquirindo uma posição cada vez mais dominante no comércio local, quase monopolizando a atividade exportadora e comercial da província. Desde a pacificação da ilha de Bissau com a campanha de Teixeira Pinto, em 1915, que a província vivera sem que operações militares de envergadura ocorressem, excetuando a campanha de Canhabaque de Vellez Caroço. Novas operações só vêm a ter lugar em 1933 na região dos Felupes, prolongando-se pelo ano seguinte; e, em 1935-l936 ocorre uma outra campanha nos Bijagós, também na ilha de Canhabaque. Era, porém, a última grande operação militar na Guiné. A partir desta, e terminada a Segunda Guerra Mundial, a Guiné viverá um período de paz que lhe vai possibilitar notável desenvolvimento, sobretudo sob o Governo de Sarmento Rodrigues.”


Armando Tavares da Silva
Bilhete-postal de 1900
Bilhete-postal de 1900
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Notas do editor:

Vd. post de 31 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26445: Notas de leitura (1768): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26455: Notas de leitura (1769): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (4) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26462: Historiografia da presença portuguesa em África (463): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (21) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Ficamos com uma dívida impagável ao facultativo César Gomes Barbosa, chefe do serviço de saúde da Guiné, estamos na década de 1890. Os seus relatórios do serviço de saúde, quer o de 1891 e o de 1892, são modelares pela minúcia com que ele nos abre a porta até à farmácia central de Bolama, a natureza dos solos de Bolama e dos seus pântanos, a falta de enfermeiros, o inadmissível não haver um recenseamento da população da Guiné, escrevendo mesmo: "Sem haver um recenseamento da população da Guiné nenhum interesse científico há conhecimento do movimento obituário porquanto se não pode referir a termo algum de comparação. Em todo o distrito, o número de óbitos nas povoações em que se fazem internamentos nos cemitérios foi de 126 indivíduos desconhecendo-se por completo os óbitos ocorridos nas diversas tabancas gentílicas que fornecem na população flutuante um contingente sensível de mortalidade." Adverte continuamente as autoridades para o ingente problema da fuga à vacinação, é cuidadoso a descrever as casernas das instalações militares, enfim. Ficamos a dever a este facultativo elementos preciosos sobre a Guiné que caminha para o século XX.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (21)


Mário Beja Santos

Continuamos com o relatório do chefe do serviço de saúde, César Gomes Barbosa em diferentes números do Boletim Official deste ano de 1894, embora o documento se reporte a 1891. É indiscutivelmente um documento de grande importância, uma bela fotografia de um facultativo que não se limita a focar-se em exclusivo na saúde pública. Já falou de Bissau, Bolama e Cacheu, vejamos o que nos diz de Farim. “Não tem casas, mas sim cubatas; o seu solo é pantanoso, conseguindo no todo ou em parte os melhoramentos que tenho vindo a apontar para a Guiné, seria levantar-se a pouco e pouco o anátema que com razão pesa sobre si. Em Portugal é tal o horror que causa a ideia de uma demora na Guiné, parece a muitos impossível que em tal país se possa viver. Esse horror é razoável. A Guiné é hoje das nossas colónias a mais paludosa e insalubre.”

Fala depois dos quartéis, e logo Bolama:

“Ao pronunciar-me acerca das condições do aquartelamento em Bolama, sinto ter que estar em desacordo com pareceres dos meus antecessores quanto julgo importante. Refiro-me ao local da sua situação. A colocação dos pavilhões junto ao vasto pântano criado pela praia lodosa, na qual o mar se estende e constitui o esteiro conhecido por Rio dos Burames, é um defeito gravíssimo que só encontrará remédio no aterro da praia. Pena é que a tão bons edifícios tivesse sido dada uma tal colocação que parece não quis atender à topografia médica do terreno que deve ser tido muito em vista para quaisquer construções e muito mais para casernas onde é mais demorada a permanência dos seus habitantes. Os pavilhões que constituem o aquartelamento das praças da guarnição de Bolama são excelentes, casernas largas e bem arejadas, de construção belga formados por paredes de tijolos ocos, dispostos entre barras de ferro, assentando o edifício sobre colunatas de ferro e pilares de alvenaria, com uma altura do solo mínima de meio metro.”

E discorre sobre outros aquartelamentos, deriva depois para a sanidade marítima e queda-se na vacinação:

“A relutância que apresentam os habitantes da Guiné à inoculação da linfa vacínica é idêntica à que se nota nos povos de Cabo Verde. Receosos da febre que na marcha regular da evolução de uma pústula vacínica de boa qualidade se manifesta, todos recusam a fazer vacinar seus filhos. Por mais que a Junta de Saúde e seus delegados se esforcem para difundir a vacina, ela há de ser sempre diminuta enquanto se não tornar obrigatória. A vacinação obrigatória que não poderá estender-se às tabancas gentílicas, restringir-se-ia aos habitantes da capital e das praças de Bissau, Buba, Cacheu, Farim e Geba, o que, todavia, constituiria uma garantia à importação da varíola.”

E não deixa de manifestar preocupação sobre a inexistência de dados fidedignos sobre a demografia:

“Desconhecida a população de cada localidade da nossa efetiva e real ocupação, impossível se torna realizar o estudo do movimento da população que teria por base o conhecimento primário do número dos habitantes para cada uma. Nestas condições fica mais uma lacuna involuntária entre as muitas que devem existir neste relatório.”

O que se acaba de transcrever consta do Boletim Official n.º 16 e n.º 17, respetivamente de 21 e 28 de abril de 1894. No Boletim Official n.º 24, de 16 de junho do mesmo ano, temos de novo César Gomes Barbosa a falar do serviço de saúde durante o ano de 1892. Tanto teimou que começaram obras urgentes nos pavilhões do Hospital de Bolama. Queixa-se do espaço acanhado que é reservado à farmácia, reclama a construção da casa para o depósito das drogas da farmácia central do distrito, é necessário um compartimento para servir de laboratório farmacêutico. Queixa-se da falta de pessoal médico:

“Na Guiné há um simulacro do quadro de saúde – com um chefe e dois facultativos de 2.ª classe e um outro em comissão. Três médicos para toda a Guiné é um cúmulo! Pontos importantes hoje como Buba, Farim e Geba estão sem médico para acudir às suas imperiosas necessidades frequentes vezes são mandados os que residem em Cacheu, Bissau e Bolama (como delegados de saúde) visitar respetivamente Farim, Geba e Buba. Repetidas vezes fiquei só em Bolama para que o fundo facultativo que me acompanha para a formação da Junta de Saúde, pudesse sair ora para Geba ora para Buba, em socorros urgentes.”

Depois de discretear sobre o serviço hospitalar, põe por escrito o que ele estima sobre a saúde pública:

“O quadro patológico da Guiné divide-se em duas secções perfeitamente caracterizadas pelo predomínio das doenças e suas localizações no organismo. A primeira secção compreende 7 meses de maio a novembro e a segunda de dezembro a abril. Na primeira a epidemia palustre e, na segunda, as inflamações catarrais das vias respiratórias frisam a constituição médica. Durante os primeiros quatro meses da primeira secção patológica o paludismo complica-se de estados biliosos mais ou menos pronunciados, embaraços gástricos, intestinais e enterites (diarreia e disenteria) acentuando assim a localização do aparelho digestivo: nos restantes três meses agravam-se as manifestações paludosas, predominando as complicações congestivas do fígado, rins e baço, de onde as biliosas hematúricas. Na segunda secção, nos meses de dezembro a fevereiro dá-se a localização dos centros nervosos manifestando-se as perniciosas cerebrais e as insolações, predominando as inflamações catarrais das vias aéreas, por bronquites, pneumonias e pleurisias. Nesta quadra ordinariamente aparece Farim, Geba e Buba a coqueluche (tosse convulsa), o sarampo e a varíola, trazidas certamente por caravanas que chegam do interior. Pelo segundo período desta secção continua o predomínio dos catarros brônquicos e surgem as enterites devido à ingestão de frutas mal sazonadas.”

Mais adiante falará da higiene e da polícia médica, seguindo-se a vacinação, volta a mostrar o seu inconformismo, e escreve:

“Reputa-se na Guiné a vacinação como inútil não prejudicial e o povo está crente de que a vacina dá varíola, isto de suporem que ela deve produzir o mesmo efeito que o antigo processo da variolização muito usado pelo gentio que ainda hoje dele se serve como preservativo.”

Queixa-se da falta de médicos forenses, na dificuldade no recrutamento de enfermeiros e nas doenças vindas de fora:

“A Junta de Saúde declinando toda e qualquer responsabilidade de quaisquer ocorrências que poderiam advir da admissão em quarentena a embarcações procedentes de portos infecionados, julga necessário para se atender às vitais e imperiosas necessidades do comércio e interesse da fazenda pública, que se estabeleça um lazareto competentemente montado no Ilhéu do Rei. Uma colónia que vive quase exclusivamente de permutação de artefactos europeus pelos seus produtos agrícolas não pode deixar facilitar a entrada em seus portos a embarcações procedentes dos principais portos de exportação da Europa, portanto não pode demorar a constituição de um lazareto convenientemente apropriado.”

Interrompemos aqui as narrativas do facultativo César Gomes Barbosa, voltaremos com o Boletim Official n.º 32, de 11 de agosto, nele se transcreve o auto de submissão prestado pelos Grumetes e Papéis de Intim, Bandim, Antula e Safim, da ilha de Bissau a Sua Majestade fidelíssima.

Imagem retirada do trabalho de Leite de Magalhães, publicado na Agência Geral das Colónias em 1929
Imagem retirada do trabalho de Leite de Magalhães, publicado na Agência Geral das Colónias em 1929
Imagens de uma elefantíase num jovem
Foto aérea da ponte-cais de Bissau, poucos anos após a sua inauguração em 1953 - Foto Serra

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 29 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26439: Historiografia da presença portuguesa em África (462): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (20) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26445: Notas de leitura (1768): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Desde a governação interina de Manuel Maria Coelho, em 1917, até à chegada de Velez Caroço, em 1920, parece que a Guiné está a sofrer um enguiço, carências, desacatos, medidas de governação contraditórias, rebeliões, autos de vassalagem de curta duração, uma Carta Orgânica da Guiné, aprovada, depois revogada, depois reposta com emendas; de território Felupe aos Bijagós, não param as tensões. Parece que a Guiné é espelho do que se vive na metrópole, onde se sucedem os governos, há o golpe de Sidónio Pais, que acabará assassinado no final do ano de 1918. O pomo das grandes discórdias passa por Canhabaque, os Bijagós resistem, submetem-se e voltam a rebeliar-se; o major Ivo Ferreira, que sucedeu a Manuel Maria Coelho, não combate mas manda combater, mas chama a si o resultados, zanga-se com o encarregado do Governo, Josué d'Oliveira Duque volta à governação, sucede-lhe o capitão Sousa Guerra, os órgãos legislativos e administrativos estavam praticamente paralisados. Abdul Indjai é destituído de régulo do Oio, fez tantas e tão poucas que se tornou uma criatura insuportável. As coisas vão mudar de feição, chegou o tenente-coronel Velez Caroço, vai procurar pôr a casa em ordem, como vamos ver.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12)

Mário Beja Santos

Não é demais insistir que este poderoso acervo documental organizado por Armando Tavares da Silva nos ajuda a compreender este período histórico da I República e que serve de excelente contraponto ao Boletim Official da Província da Guiné Portuguesa, no que este é omisso no campo sociopolítico económico e cultural. Voltemos a 1917, Manuel Maria Coelho foi exonerado e na mesma data foi nomeado o tenente-coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira, este pretendeu nomear para secretário-geral o tão problemático Graça Falcão, o ministro das Colónias Ernesto de Vilhena opôs-se, quem veio para ocupar o cargo foi Sebastião Barbosa, uma presença regular na administração. O novo governador desloca-se a Canhabaque, faz alterações nos dois postos militares existentes, envolve-se depois na constituição de um comando militar em S. Domingos, mas o governador, face ao agravamento da situação dos Bijagós aqui regressa, é recebido a tiro no posto de Bini, irá nomear o alferes Alberto Soares para comandante do posto militar de In-Orei, quando este ali chega foi confrontado com uma epidemia de beribéri e um inimigo fortemente hostil. Quem com ele colabora é Abdul Indjai, há perdas num violento combate, só em dezembro os rebeldes vão desistir dos seus atos de guerra. Armando Tavares da Silva dá minuciosamente conta das operações dos Bijagós que levaram ao ato de vassalagem do povo de Canhabaque.

É Ivo Ferreira que eleva Bolama à categoria de cidade, aprova os estatutos de uma nova associação do tipo recreativo, o Club Fraternidade de Farim, manifesta-se interessado no projeto de um caminho de ferro partindo de Bolama, ou pelo menos S. João, seguindo por Bafatá até à fronteira norte. É neste intervalo de tempo que ocorre a revolução de 5 de dezembro de 1917, um golpe chefiado por Sidónio Pais, forma-se uma junta revolucionária, a pasta das Colónias passa para Tamagnini Barbosa. Ivo Ferreira fará uma extensa visita a vários pontos do interior, fica como encarregado do Governo o coronel Guedes Quinhones, Ivo Ferreira demora-se na região do Geba pela necessidade de resolver várias questões da política indígena, caso do régulo Monjur, do Gabu, e Abdul Indjai, do Cuor. Entendeu-se dividir o território de Geba em pequenos regulados e destituir Abdul Indjai do Cuor. Regressado a Bolama, o governador envolve-se em atritos com Guedes Quinhones. Entretanto, o novo ministro das Colónias nomeou novo governador o coronel Josué d’Oliveira Duque. O autor observa a situação problemática vivida:
“Tinha sido atribulada e sinuosa a presença de Ivo Ferreira na Guiné. Sobrepusera-se e ultrapassara no tempo a governação interina de Manuel Maria Coelho, e correspondera a um período de quase dois anos em que o governador efetivo, Andrade Sequeira, se mantivera em Lisboa, sem ser demitido e sem mesmo pedir a demissão. Como resultado primeiro da sua governação, Ivo Ferreira, que não tomara parte em qualquer operação militar, ufanava-se, com a ocupação de Canhabaque, de ter conseguido a pacificação completa da Guiné. Mas teria esta, de facto, sido atingida?”

Oliveira Duque chega à província, um decreto revogou a Carta Orgânica da Guiné, são tomadas disposições legais para a vida administrativa e financeira da colónia. Em outubro de 1918 realiza-se uma operação contra os Felupes de Varela; são tempos de uma apreciável concessão de terrenos, assiste-se a um crescente aumento da população de Bissau, devido à afluência de numerosas companhias nacionais e estrangeiras, o que motiva o novo ciclo de urbanização de Bissau. A agitação continua em Portugal, culmina com o assassinato de Sidónio Pais em dezembro de 1918. Tamagnini Barbosa para a presidente do ministério, afasta da Guiné Oliveira Duque, virá a ser nomeado governador Sousa Guerra, capitão de Infantaria.

Um dos acontecimentos mais marcantes de 1919 é a campanha contra Abdul Indjai, sucediam-se as queixas pelas suas extorsões, raptos, pilhagens descaradas. Desde a chegada de Oliveira Duque que era reconhecida a inconveniência de Abdul Indjai continuar no regulado do Oio, segue-se um período de elevada tensão que o autor descreve ao pormenor, seguir-se-á a deportação de Abdul para Cabo Verde, daqui o antigo régulo do Oio fará exposições ao ministro das Colónias, irá morrer na cidade da Praia, em junho de 1921. Também em 1919 é declarada em vigor a Carta Orgânica da Guiné, mas com alterações, nomeadamente tendentes a restringir a possibilidade de os governadores alterarem as Cartas Orgânicas.

Não obstante a contínua sucessão de Governos na metrópole, Sousa Guerra mantém-se no Governo da Guiné e manifesta a sua preocupação com o desenvolvimento, escrevendo mesmo ao ministro que devia ser feito o aproveitamento das riquezas da Guiné, fez propostas de criação de colónias agrícolas com o fim de repovoar o Rio Grande através de concessões gratuitas a colonos europeus e cabo-verdianos, e a demarcação de reservas territoriais para os indígenas, em regime de culturas obrigatórias, com prémios pecuniários e aquisição de reprodutores para melhoria da pecuária. Sousa Guerra também fez alteração da divisão administrativa. Face à carestia de vida aumentou os vencimentos do funcionalismo, os critérios não terão sido os melhores, houve greve, aumentaram as taxas fiscais, houve que fazer alterações ao orçamento, pensou-se mesmo em revogar as portarias que tinham alterado os vencimentos, depois de muitas peripécias a situação ficou esclarecida com a aprovação dos vencimentos dos funcionários. Sucedem-se os Governos na metrópole, negociantes e proprietários de Bissau enviam telegrama pedindo ao ministro que mantivesse Sousa Guerra no Governo da província, mas ele foi exonerado em novembro de 1920, Sebastião Barbosa volta novamente a ser Encarregado do Governo. Entrara-se num período ziguezagueante, a situação só ficará esclarecida em junho de 1921 com a nomeação do tenente-coronel de Infantaria Jorge Frederico Velez Caroço.

Como se fará referência a propósito do Boletim Official da Província da Guiné, Velez Caroço tem estratégia militar e administrativa, procurou pôr em funcionamento os órgãos legislativos e executivos da colónia, anulou várias nomeações que Sebastião Barbosa tinha feito para os Conselhos Legislativo e Executivo; começa a visitar o território, para se inteirar da situação nas principais circunscrições. Observa a autora: “Devem ter sido inúmeros, importantes e desagradáveis os conflitos que Velez Caroço veio encontrar entre o funcionalismo nos diversos locais que já visitara, pelo que se vê na necessidade de mandar publicar uma portaria em que lembra as palavras que tinha proferido no ato de posse. Nela afirmava que, admitindo conflitos entre os funcionários por diferenças de critério ou erradas apreciações dos atos de serviço, não tolerava o uso de uma linguagem despejada ou o emprego de termos injuriosos". E acrescentava que a correção e porte exigia ao funcionalismo era extensivo às relações sociais e ao convívio com as outras classes. Ficando clara a maneira como o governador encarava este problema de ordem, reafirmava que não se afastaria uma linha do cumprimento dos seus deveres, aplicando sem tergiversar o rigor dos regulamentos.

Armando Tavares da Silva
Tenente-coronel Velez Caroço
Abdul Indjai
Selos da Guiné Portuguesa de diferentes períodos
Guiné Portuguesa, aldeia Mancanha, bilhete-postal de 1910
Bissau, um trecho da Avenida, bilhete-postal, 1920
Rua General Bastos, Bissau, 1920

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 24 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26421: Notas de leitura (1766): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 27 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26432: Notas de leitura (1767): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26439: Historiografia da presença portuguesa em África (462): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (20) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Temos vindo a encontrar ao longo dos anos bem curiosos diagnósticos de situação em termos de higiene e saúde pública, recordo os irrepreensíveis e minuciosos relatos do Dr. Damasceno Isaac da Costa. Encontra-se agora neste ano de 1894 este precioso documento assinado pelo chefe do serviço de saúde, que conhece in loco as situações e quando não as conhece baseia-se nos relatórios dos respetivos delegados de saúde. Acresce dizer que este ano de 1894 revela-se politicamente um tanto inócuo, vão aparecer uns atos de submissão, aparentemente a ilha de Bissau entrou em acalmia, praticamente não se fala em sublevações na região de Geba nem em Cacheu. A economia não está risonha, o reinado do rei D. Carlos iniciou-se numa situação financeira crítica, o dinheiro escasseia e há políticos em Lisboa que até sonham com a criação de uma empresa majestática para a Guiné, que evite despesas ao Estado.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (20)

Mário Beja Santos

Folheando os boletins deste ano, compete dizer em primeiro lugar ao leitor que a publicação está em muitíssimo mau estado, o boletim devia vir dobrado para o continente, não só está partido como o papel é muito frágil para desfazer-se. Da leitura feita entre janeiro a agosto, regista-se certa sensaboria, há muitos despachos e muitas entradas e saídas, excecionalmente aparecem autos de submissão após rebeliões, pelo que tomei a decisão de me centrar numa matéria que se revela rica, dada a qualidade dos relatórios sobre o serviço de saúde na Guiné. É chefe deste serviço César Gomes Barbosa, que escreve na perfeição. Após nos apresentar o hospital e a farmácia central de Bolama e o depósito de medicamentos, resolve fazer uma apresentação de Bolama, é um olhar muito interessante:
“O solo de toda a ilha é argilo-silicioso e argilo-ferruginoso, formando uma planície baixa coberta de vegetação, sem florestas, nem bosques, e rodeada à beira-mar por arvoredo (tarrafo) cujos troncos ficam mergulhados em água salgada do rio. Não existe nesta ilha animais selvagens. Corre apenas haver a onça e o lobo. O interior dela tem aqui e acolá espalhadas umas pequenas tabancas, de Brames, Fulas, Mandigas, Papéis e Manjacos que agricultam os terrenos a seu modo de batata, milho, feijão, milhinho e algum arroz, géneros de que se servem para a sua alimentação e mancarra que vendem em troca, a maior parte das vezes a partir de europeus tais como aguardente, pólvora, tabaco, artigos de vestuário.
As praias que limitam a povoação constituem os maiores e mais nocivos pântanos de toda a ilha e a elas se devem, decerto, grande parte da insalubridade desta capital. São praias que em parte do dia oferecem uma superfície extensa à exalação maremática e em que o Sol ardente ativa quotidianamente, fornecendo o calor para a decomposição das matérias orgânicas de germinação ou cultura dos micróbios.”


O autor volta-se agora para o quadro da saúde pública, irá falar do quinino:
“É o sulfato de quinina em doses nunca inferiores a 800 centigramas, mas que ascendem a 2, 3, 4 e 5 gramas diárias, o medicamento por excelência. Nunca atingi a dose de 4 gramas de sulfato de quinina na minha clínica. Durante o acesso febril de uma intermitente simples quotidiana terçã, quartã, etc. que muitas vezes se complica de embaraço gástrico ou intestinais, é seguida a prática racional de administrar evacuantes, vomitórios ou purgantes, conforme a complicação, sem se administrar a quinina. Após os efeitos de qualquer dos evacuantes sobrevém uma calma relativa que se aproveita para provocar a transpiração que pouco tarde. É no intervalo das pirexias (febres), que se administra o quinino. Esta regra, porém, não pode ser tomada como constante. O médico é muitas vezes obrigado a determinar o uso de sal químico durante o acesso febril. Esperar os intervalos das pirexias seria muitas vezes a condenação do doente. O médico é muitas das vezes obrigado a determinar o uso do sal químico durante o acesso febril, como antitérmico, quando a elevação da temperatura é grande e prolongada. (…) A minha prática de 8 anos em localidades paludosas leva-me a admitir e a usar com frequência a quinina durante o acesso febril. Deste uso tenho apenas que me felicitar. Nas febres intermitentes a temperatura axilar é muitas vezes elevada a 41 e 41,5 sem que, após ela, o doente ligue a menor importância ao que o doente sofreu. Estas febres assim deterioram facilmente o organismo e produzem com poucas repetições a anemia palustre, quando o paciente menos a espera.”

Faz seguidamente uma exposição sobre as formas gravíssimas de paludismo com a morte de todos os doentes, começa pela febre perniciosa a que se segue a febre biliosa hemoglobinúrica; apresenta o quadro das situações mais frequentes de doenças que levam à hospitalização: a diarreia, a disenteria, a doença do sono, as ténias, as ascárides lombricoides e as doenças de pele, as úlceras e a varíola. Continuando, faz uma síntese da higiene e polícia sanitária:
“De Bolama, Bissau, Geba e Buba, falo com conhecimento pessoal; de Cacheu e Farim apenas farei as referências dos delegados de saúde. Higiene tem sido uma palavra mais ou menos respeitada ou ridicularizada na Guiné, consoante a ilustração da câmara e das comissões principais. É certo que todas delas falam porque têm um pelouro de higiene, não é menos certo que cada vereador é um higienista especial, quando lhe incumbe os cuidados do pelouro relativo. Não supunham os vereadores das câmaras municipais da Guiné que esta especialidade lhes pertence. O que noto aqui observei-o durante 7 anos em Cabo Verde.”

Continuamos a falar do relatório do serviço de saúde da Guiné português durante o ano de 1891 publicado no Boletim Official ao longo de 1894. César Gomes Barbosa envereda agora por amplas descrições do Estado de lugares da Guiné. Começa por Cacheu.

Após localizar Cacheu, diz o seguinte:
“De janeiro a julho servem-se os habitantes de Cacheu da água colhida em dois poços abertos nos pântanos do Sul, de junho a dezembro a água é colhida em duas fontes que existem à entrada do mato e são a Inglesa e a Salanca. São estas águas, a meu ver, de má qualidade, não se devendo nunca servir de poços abertos dos pântanos e devendo usar-se com os cuidados precisos as que se colhem nas fontes Inglesa e da Salanca, fazendo filtrar ou melhor, ferver e arejar. Nesta vila manifestam-se todas as formas de paludismo, desde a mais ligeira até às febres remitentes, biliosa e perniciosa, o que confirma o meu juízo de pouco salubre. O solo de Cacheu é argiloso, com mistura de sílica. Desta natureza do terreno se compreende já a sua insalubridade, cercado de pântanos, salgados e doces abastecidas de água de má qualidade num espaço cercado de paliçada, esta vila não me merece o conceito de mais salubre que a povoação de Bolama.

De Cacheu e Farim, que não conheço ainda e que são banhados pelo rio de S. Domingos apenas repito o que tem sido dito. O cemitério de Cacheu é como o descrevem os delegados de saúde, uma porção de terreno ao Sul da vila, sem resguardo, cita numa pequena elevação do solo a que fica subjacente o pântano em que se encontram os poços de água que os habitantes da água fazem uso.
Manifestam os delegados de saúde o receio que as águas dos poços possam vir inquinada de produtos de decomposição cadavérica, não me parece justificado este receio perante a dar-se de que há muito em Cacheu deveria experimentar estes funestos resultados.
O cemitério não deve continuar no local onde hoje se fazem os internamentos, por ser a área muito pequena e estar muito próximo da praça. Convém que se termine aí com a inumação e que se construa um cemitério em local mais afastado.”


E o chefe do serviço de saúde irá seguidamente falar de Farim, Bolama e Geba.

Forte de Cacheu, finais do seculo XIX
Soldados da Companhia de Caçadores 508 com prisioneiros, na Guiné-Bissau, durante a Guerra Colonial. Fotografia retirada do site Lugar do Real, com a devida vénia
Marginal de Bissau. Ao fundo: a corveta NRP Honório Barreto, ao serviço da Marinha Portuguesa. Este tipo de embarcações atuou em missões de soberania e apoio de fogo nas águas de Angola, Guiné, Moçambique e Cabo Verde. Imagem retirar do Lugar do Real, com a devida vénia
Ponte-cais do Pidjiquiiti Correia e Leça, cerca de 1890

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 22 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26413: Historiografia da presença portuguesa em África (461): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1892 para 1893 (19) (Mário Beja Santos)