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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27250: As nossas geografias emocionais (59): CIM Bolama, setembro de 1973, o meu CSM (Manuel Rosa, ex-fur mil, Chefia do Serviço de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74)



Guiné > Arquipélago Bolama - Bijagós > Bolama > CIM (Centro de Instrução Militar > CSM (Curso de Sargentos Milicianos) > c. 1973/74 > O  soldado-instruendo, e depois 1º cabo miliciano e depois fur mil, Chefia de Serviço de Intendência do QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (tal como o Carlos Filipe Gonçalv3es).

Fotos (e legenda) : © Manuel Amante da Rosa (2024. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



1. Mensagem do Carlos Filipe Gonçalves (ex-fur mil, Chefia do Serviço de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74)

Data - segunda, 22/09/2025, 13:24

Olá, Luis, Bom dia:

Encontrei hoje por acaso no FB esta publicação do nosso camarada e amigo Manuel Rosa, sobre a sua passagem pelo Centro de Instrução em Bolama. É uma recordação com muitos pormenores. Será que já tinha sido publicado no blogue Tabanca Grande? A data é de 15 de Agosto de 2024. Eis o link:

https://www.facebook.com/search/top/?q=Manuel%20Rosa%20CISM%20Bolama

Segue abaixo a cópia que fiz do post, talvez tenha ineresse.

Forte abraço, vida e saúde para todos nós

Carlos Filipe Gonçalves

Jornalista Aposentado


2. Resposta do nosso editor LG, com data de terça, 23/09/20925, 22:24

Carlos, obrigado, é um achado... Vou publicar, penso que o Manuel não se zanga comigo. Conhecemo-nos pessoalmente há bastante anos (c. 2009). Ele teve a gentileza de ir à minha Escola (Nacional de Saúde Pública, no Lumiar, perto do estádio de Alvalade, do SCP) para me conhecer pessoalmente e partir mantenhas.

O Manuel Amante da Rosa (sic) trm c. 4 dezenas de  referências no nosso blogue. Também é amigo da Isabel Brigham Gomes, que foi minha aluna há largos anos, no curso de Mestrado em Saúde Pública. Mas não tenho sabido notícias dele. Julgo que vive agora no Mindelo (pelo que vejo na página do Facebook). Deve estar aposentado ou reformado...Pertencia ao Ministério dos Negócios Estrangeiros...

Viajei no Geba no "barco-turra" do pai... Dá-lhe notícias minhas/nossas. Dou-lhe conhecimento deste mail, espero que ele ainda use o mesmo endereço de email. Gostaria de poder retomar os nossos contactos. Nunca conheci Bolama, o meu CIM foi em Contuboel (em junho/julho de 1969, na formação da futura CCAÇ 12, uma companhia de fulas, depois colocada em Bambadinca). Mas muita malta do blogue passou por Bolama... Vou ver em que série vou publicar esta deliciosa crónica. Ele sempre escreveu muito bem.

Para ti, um chicoração fraterno. Luís

 
3.As nossas geografias emocionais (**) >   CIM Bolama, setembro de 1973, o meu CSM 



por Manuel Amante da Rosa (ex-fur mil, Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74, hoje embaixador reformado, Cabo Verde; nassceu em Bolama, filho de pais cabo-verdianos)

 Idos de Setembro de 1973, ainda um imberbe de 20 anos, voltava à ilha de Bolama para assentar praça no único e estafado Curso de Sargentos Milicianos (CSM), no Centro de Instrução Militar (CIM),  que se fazia na Guiné. 

Cmo era o único anual e em pleno território em guerra e confrontos armados, quase generalizada, havia exageros ou “heróis” de aquartelamentos. O CIM não fugia à regra.

Muito calcorreámos e rastejámos pela ilha! Em marchas e patrulhas, diurnas e noturnas, forçadas e esforçadas!! Até a pista de lodo de ir e vir ao Farol fizemos. Só quem andou pela guerra na Guiné sabe o que é ter pela frente lodo para atravessar. Afundamo-nos até à cintura. E a G-3 torna-se maldita. Imprestável. Amaldiçoada a cada avanço.

Num quartel de instrução militar que formava todos os militares de recrutamento local, mais de dois mil por ano, a comida era péssima, em pratos e caçarolas de alumínio e servida em dois turnos ou por vezes três. Asseio nulo. 

Até praga de sarna imputada aos numerosos cães do quartel houve pela unidade. Fui uma das vítimas. Micoses e furunculoses (fui notável vítima desta) eram consideradas normais e havia fórmulas (até número 7, dependendo do grau de infecção) e unguentos militares para tratamento de tudo. 

Mas os Fuzileiros eram melhores. O idoso Sargento Enfermeiro deles, que já tinha passado pela Índia e Timor, após prognóstico errado de dois jovens alferes médicos de que ou teria micose ou sarna, graças a uma feliz intervenção do Imediato da Escola de Fuzileiros, curou-me. Disse ser má circulação e alergia possível ao alumínio. 

Curou-me até hoje. Com autossangue. Ía à enfermaria dos Fuzileiros, tirava-me sangue do braço esquerdo, injetava logo na nádega direita e aplicava no braço uma injeção de immunodol (?), segundo penso. 

No dia seguinte voltava para o braço direito e a nádega esquerda. Quinze dias seguidos e tudo desapareceu. Até hoje!! 

Mas no CIM o nosso soldado maqueiro, que por vezes exalava, pela manhã, um hálito de vinho de caju ou outro, era um autêntico médico de ocasião. Sempre disponível!!

Qualquer infecção, mesmo bolhas arrebentadas no pé ou unhas encravadas e infetadas, tosse, dor no corpo, pangabarriga (diarreias), esquentamentos, sarna e/ou micose era tratado com um "cunto” (injecção de penicilina de um milhão de unidades, aplicada bem de manhãzinha antes do furriel ou médico chegarem bem mais tarde).

Abria o armário, regalava os olhos perante tantos “cuntos” à sua livre disposição e em tão pequeno frasco!! Retirava de um pequeno tacho de alumínio a ferver a seringa e a enorme agulha (ainda não havia seringas e agulhas descartáveis) com um olhar de sabedoria e sadismo que baste! 

Eu fechava os olhos e pedia a Deus para me proteger da agulha. De ficar manco. O maqueiro mandava arrear a calça militar e “pimba”. Espetava a agulha sem hesitação! 

Por vezes a “cuntomania” (um milhão de unidades de penicilina) durava uma semana seguida. Desisti porque a furunculose no meio das pernas não passava. Não havia controlo. Mas nunca me apercebi dessa apetência na Guiné pelas injecções (gudja).

Acontecia ter vómitos imediatos de estômago vazio e sentir o sabor estranho de remédio e sobrevinha fraqueza logo depois. Mas todos sobrevivemos. Fosse hoje!!!

Valeu-me muito fingir que almoçava no rancho (sujava o prato de alumínio porque aqueles “heróis de quartel”, alguns até de pingalins, sempre passavam para verificar)
e depois ir jantar no Palácio de Bolama, onde o Administrador do Concelho era o meu querido e saudoso tio. 

Habitualmente era o último instruendo a entrar na porta de armas antes dela ser fechada às 11 da noite.

E dirigia-me para a nossa caserna onde eu próprio e todos os meus antepassados éramos insultados, vernaculamente e na língua de todas as etnias possíveis da Guiné!! Era a minha boa hora de me desobrigar de me sentir na tropa.

Os insultos eram de “koutina na má” para pior. Dependendo da rigidez dos insultos,  respondia com um “Kuk d’obú”! Ou cantava “Tindon, tindon, obú di lontra, bú rabatal”.(*)

Algo que fazia subir o tom e teor dos insultos na escura caserna. Fazia barulho, acordava alguns mais próximos para perguntar as horas ou me resfolgava ruidosamente. A pior coisa que podia ser feito numa caserna. É um ultraje para a cultura guineense o fazer. Levava de imediato muitos a cuspirem. Palavra!!

A maioria de nós éramos da mesma geração do liceu, tínhamos sido criados juntos e a camaradagem e solidariedade nas piores situações dentro ou fora do quartel era imediata.

Sabíamos que alguns ao fim de 3 anos não sairiam vivos ou ilesos da tropa. A guerra estava no seu auge. O equilíbrio existente até essa altura se desfazia e era percebido. A guerrilha era cada vez mais ativa. E as flagelações aos quartéis mais certeiras. As minas eram cada vez mais implantadas, nas estradas, picadas e trilhos de patrulhas. Faziam muitas vítimas. Mais até que os ataques aos quartéis e emboscadas. 

Havia entre nós a crença de que em patrulhas era melhor usar botas de lona. Porque as minas, se pisadas, somente levariam uma parte do pé. Se com botas de cabedal o sopro levaria todo o pé até onde terminava na canela. Nunca precisei dessa teoria.

Sabíamos também que muitos de nós teriam como destino as Companhias de Caçadores! De recrutamento local, enquadradas por oficiais e sargentos da “metrópole”. Umas espécies de unidades para carne de canhão. Nas piores zonas da “província” !

Lembro-me de ter entrado por duas vezes em vias de facto com dois colegas mais fortes, pelo meio dia, e à tardinha estarmos sentados um ao lado do outro em cavaqueira conversa.

Felizmente e graças a Deus o 25 de Abril pôs fim à guerra! Fomos desmobilizados.

Entramos logo a seguir em novos desafios. Fui ser professor. Mas fica para um outro momento com disposição para rememorar.


(Revisão / fixação de texto, título: LG)


________________


Notas do editor LG:


(*) Último poste da série > 24 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27249: As nossas geografias emocionais (58): A Pousada do Saltinho ou "Clube de Caça", com ar de abandono, em maio de 2025 (João Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", Cumbijã, 1972/74)

(**) Com a ajuda do assistente de IA / ChatGPT, apurei o seguinte:

No crioulo da Guiné-Bissau, insultos como “koutina na má” (“a tua mãe é uma puta”) ou “Kuk d’obú” (“caga no teu pai”) eram das ofensas mais duras, por atacarem a honra familiar. Já cantos como “Tindon, tindon, obú di lontra, bú rabatal” (“Tin-don, tin-don, pai da lontra, tu és feio”) tinham um tom mais trocista, usados para desarmar tensões ou provocar a rir.

Enquadramento cultural do uso e significado destas expressões na Guiné em 1973:

(i) O valor dos insultos no crioulo

O crioulo da Guiné-Bissau tem um repertório riquíssimo de insultos, quase sempre ligados à família (especialmente à mãe e ao pai). Dizer “koutina na má” (a tua mãe é uma p*ta ) era dos piores insultos possíveis, porque atingia diretamente a honra familiar.

Da mesma forma, “Kuk d’obú” (caga no teu pai) é altamente ofensivo, já que desrespeita a figura paterna, pilar de respeito na cultura guineense.
 
(ii) Resposta com insulto ou com canto

Quando alguém insultava, havia duas opções: responder no mesmo tom (com outro insulto ainda mais duro) ou quebrar a agressão com humor ou música.

O canto “Tindon, tindon, obú di lontra, bú rabatal” tem um tom trocista. Não é um insulto tão pesado, mas funciona como uma gozação para desarmar a tensão. O ritmo “tindon, tindon” imita um refrão ou um toque de tambor, quase infantil.

Chamar alguém de “pai da lontra” ou “feio” é mais ridicularizar do que agredir seriamente.

(iii) Contexto em 1973


No tempo da guerra colonial, estas expressões circulavam entre soldados (portugueses e guineenses) e também entre crianças e jovens das tabancas. Eram usadas tanto em discussões sérias como em brincadeiras:  na oralidade guineense, até os insultos podem ter uma função lúdica, de provocação amistosa ou de reforço de laços.

Em resumo: os insultos duros marcavam rivalidade e conflito, mas os cantos e troças ajudavam a aliviar tensões e até a criar cumplicidade

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27226: Historiografia da presença portuguesa em África (497): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1941 (53) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
1941 é o ano da chegada do Capitão Ricardo Vaz Monteiro e no final do ano dá-se a visita do Ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado. Folheados todos os números destes boletins de 1941 há um indisfarçável e discreto silêncio sobre as dificuldades em que se vive na colónia, já se referiu que há legislação do Governo Central, foram tomadas medidas impeditivas ou dissuasoras de andar a vender alimentos a todo e qualquer país. Se acaso o leitor se recorda do que aqui se escreveu nos relatórios do chefe da delegação do BNU da Guiné por esta época, as dificuldades foram múltiplas, indiferentes a quem fazia guerra (a África Ocidental Francesa ficou até muito tarde na órbita do Governo de Vichy, e seguramente Salazar dera ordens para não haver qualquer tipo de afrontamento), contrabandeava-se de um lado para o outro; O que julgo mais interessante nesta documentação é o processo disciplinar ao engenheiro Afonso Castilho, tão sinuoso e prestável a tão diversas inspeções que até me parece que há clamorosas semelhanças com as práticas da justiça no nosso tempo. É por isso que peço ao leitor que leia com a devida atenção as acusações, as respostas e a sentença.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1941 (53)


Mário Beja Santos

O ano vê partir o Governador Carvalho Viegas, fica como encarregado do Governo Armando Augusto de Gonçalves Morais e Castro e, logo no Boletim Oficial n.º 8, de 24 de fevereiro é criado o Parque Dr. Vieira Machado, no mesmo Boletim Oficial cria-se a Biblioteca Pública da Guiné, estipula-se que todas as publicações de caráter oficial irão dar entrada nesta biblioteca, bem como todos os documentos manuscritos de peculiar interesse político, histórico, topográfico, militar, missionário, etnográfico, náutico, administrativo, económico, existentes nos arquivos oficiais da colónia.

Mas é bem interessante, até porque se trata de uma novidade referir este Parque Dr. Vieira Machado, o assunto é apresentado no suplemento n.º 10 ao Boletim Oficial n.º 6, em que 15 de março:
”Há, na Colónia, espécies zoológicas e até botânicas cuja conservação e propagação muito interessam, sob o ponto de vista comercial, científico e turístico. Ao governo da Colónia cumpre defendê-las e evitar a sua extinção.
Sendo a Guiné zona essencialmente agrícola, costumado o indígena a incendiar, por comodidade própria, o capim; estando habituado a mudar-se frequentemente e, sobretudo, sendo-lhe necessário alargar, de ano para ano, a zona de cultivo, mercê da pobreza de terreno, sucede vir desaparecer as florestas e, com elas, espécies de flora e fauna que interessam à riqueza da colónia;
É criado o Parque Dr. Vieira Machado na área da circunscrição civil de Buba, que fica sobre a superintendência da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas, Florestais e Pecuários. A área do parque é de 16.700 hectares.
É expressamente proibida qualquer atividade humana dentro do parque, o traçado de estradas, cortes de árvores ou arbustos, caça, pesca e construção de habitações, mesmo de carater provisório, exceto os destinados à guarda do parque.”


No suplemento ao n.º 24, do Boletim Oficial n.º 12, de 21 de junho, vemos publicada a relação dos 40 maiores contribuintes das áreas fiscais dos concelhos de Bolama e Bissau. O destaque vai para António Silva Gouveia, Lda, Sociedade Comercial Ultramarina, Comapnhia Agrícola e Fabril da Guiné, Societé Commerciale de l’Ouest Africaine, Banco Nacional Ultramarino, Nouvelle Societé Commerciale Africaine, Compagnie Française de l’Afrique Occsidentale. Mas também encontraremos António Gomes Brandão e Manuel Pinho Brandão, a Sociedade Agrícola do Gambiel e a Sociedade Arrozeira da Guiné.

Voltamos agora aos processos disciplinares, este tem muito que se diga. Consta do suplemente ao n.º 37 do Boletim Oficial n.º 20, de 15 de setembro. Prende-se com o acórdão referido no processo disciplinar mandado instaurar ao chefe da Repartição Técnica dos Serviços de Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro, da Colónia da Guiné, engenheiro Afonso de Castilho.
O Governador Carvalho Viegas enviara ao ministro das Colónias, em março de 1939, um ofício confidencial a que juntara documentos e cópias que lhe foram remetidas não se sabe por quem, nem quando nem de onde, neles se faziam graves acusações ao diretor das Obras Públicas. O ministro mandou instaurar um processo e suspendeu imediatamente do exercício das suas funções o dito senhor.

Foi nomeado instrutor que deduziu a seguinte acusação a Afonso de Castilho:
a) Não fiscalizou a construção de um pontão em betão armado, designado Cascunda-Jabadá, que por suas indicações escritas em maio de 1938 fora construído por um condutor sem habilitações profissionais suficientes, resultando o desmoronamento parcial, logo após a inauguração;
b) Não procedeu à reparação de um pilar avariado da ponte General Carmona, apesar de ter verba inscrita para esse fim na distribuição de fundos para o ano de 1938;
c) Descurou a fiscalização da empreitada para a construção do Observatório Meteorológico do Aeroporto de Bolama, apesar de repetidas participações dos agentes da fiscalização contra o empreiteiro, intervindo só raras vezes e sem energia, apresentando-se no fim o edifício concluído com grandes defeitos de construção;
d) Não procurou impedir com o seu conselho e autoridade especial que fosse alterado o projeto da obra anteriormente citada, quando já a meio do mais de andamento da construção, o que motivou o aumento de despesas;
e) Promoveu e impôs a subordinados seus a receção provisória da obra anteriormente citada, sem de facto estar concluída, obtendo que fosse paga ao empreiteiro sem o despacho devido do sr. governador…
E deduz ainda mais acusações.

Na resposta a estas acusações, Afonso de Castilho começa por descrever o ambiente técnico e psicológico que caracterizava os Serviços das Obras Públicas da Colónia da Guiné, quando chegou à colónia, em março de 1938, logo adiantando que o Quadro Técnico das Obras Públicas era constituído naquele tempo por dois condutores; fez várias diligências para melhorar a situação relativa à falta de pessoal e apõe um dado surpreendente: entre 1924 e 1936 houve 19 diretores das Obras Públicas, dos quais só 7 eram engenheiros. A pouca permanência – só 5 excederam um ano de exercício – dos chefes de direção dos serviços, a falta de competência técnica oficial da maioria, a ausência de uma orientação permanente e eficaz, tudo contribuiu para a pouca eficiência dos serviços e fraca fiscalização das obras. O arguido defendeu-se dizendo que tinha de lutar com péssimos hábitos de trabalho, com deficiências de aquisição e falta de pessoal.

Posto este preâmbulo respondeu concretamente aos assuntos. Não vou molestar o leitor com o corrupio das respostas, mas vale a pena ouvir o que ele declarou.
Quanto à alínea a), as reparações dos pontões de Cascunda-Jabadá, encarregou o chefe de secção, o condutor Francisco Cardoso da Silva Pimenta, que não cumpriu as ordens e instruções do seu chefe, foi desleal para com ele e profissionalmente incompetente; argumentou que dentro das possibilidades fiscalizou a obra e se mais eficaz não foi deveu-se a ter de elaborar naquele espaço de tempo cinco importantes trabalhos de gabinete, não podendo por isso deslocar-se;
quanto à alínea b), não havia verba alguma para a reparação da ponte General Carmona, não teve qualquer responsabilidade no que é acusado, a ruína do pilar e a sua defeituosa construção é anterior à data que entrou em funções;
quanto à alínea c) declarou que durante o segundo trimestre de 1938 houve um conjunto de circunstâncias que impediram a sua saída frequente de Bissau, etc., etc.

Instruído o processo e inquiridas as testemunhas, o instrutor concluiu que o engenheiro Afonso Castilho cometera as seguintes faltas disciplinares:
a) Mandara construir um pontão em betão armado sem observação das prescrições regulamentares;
b) Descorou a fiscalização de uma empreitada de construção de um edifício num valor de 492 contos, que foi terminada com grandes defeitos e erros de administração;
c) Não verificou com cuidado o caderno de encargos de uma empreitada para a colocação de janelas e persianas no edifício, aceitando como bom um oferecimento em importância quase dupla do real valor da obra, etc., etc.

O instrutor, depois de averiguar estas faltas disciplinares, entendeu que faltava apurar da incompetência profissional de Afonso de Castilho e submeteu o assunto à apreciação do ministro das Colónias. Foi então nomeado um outro engenheiro, Abílio Adriano Aires, para ir inspecionar sobre o aspeto técnico a Repartição das Obras Públicas da Colónia da Guiné. Elaborou relatório, demonstrou que as afirmações feitas pelo Governador Carvalho Viegas, acerca de pontes, pontões e coisas de engenharia não estavam certas e eram contrárias ao que ensina a ciência da especialidade. Que quanto ao pontão de Cascunda-Jabadá a responsabilidade era do condutor Pimenta, que o que se passou na construção do farol da Ponta de Barel fora semelhante ao que se sucedera na reparação do pontão Cascunda-Jabadá, a responsabilidade era do condutor Pimenta; que quanto à reparação de um pilar arruinado da ponte sobre o rio Corubal, a ponte General Carmona, era seu entendimento que o engenheiro Castilho fizera muito bem em não gastar dinheiro na reparação daquele pilar porque toda a ponte estava em ruína. E, em jeito de conclusão, entende que deve ser aplicada a pena de aposentação compulsiva a Castilho.

Agora o mais interessante desta história é que foi elaborado novo relatório pelo inspetor Carlos Henrique Jones da Silveira veio propor que o arguido fizesse a pena no máximo de 120 dias de suspensão. Consumadas as inspeções, e propostas de pena, o processo transitou para o Conselho Superior de Disciplina que propôs o máximo de 120 dias de suspensão. Se tudo isto não é matéria kafkiana dentro dos labirintos da justiça, prefiro não me pronunciar não só sobre os termos da acusação, tudo com base em boatos e rumores e porventura cartas anónimas, às justificações dadas pelo arguido que, no fim de contas revelam que diferentes serviços da administração eram pura ficção, e que o calibre das decisões quanto às penas é suficientemente elástico, vai desde a reforma compulsiva até à amenidade de suspensão de 120 dias. São assim ínvios os caminhos da justiça…

Anúncio da chegada do ministro das Colónia, Francisco Vieira Machado, à Guiné, dezembro de 1941
O adeus à capital de Bolama, no Natal Bissau já será capital
O ministro chega a Bolama
O ministro junto do monumento à pacificação de Canhabaque
Receção ao ministro das Colónias, Guiné, 1941
Jovens Papéis em tempos de fanado, Safim, imagem retirada da revista Império, 1951
Mapa de povos da região dos rios Gâmbia e Grande, cerca do século XVII

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 10 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27205: Historiografia da presença portuguesa em África (496): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1940, princípios de 1941 (52) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27134: Historiografia da presença portuguesa em África (494): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1938 (49) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Peço a todos que leiam o texto anexo do princípio ao fim. Carvalho Viegas tem sido dado como um governador que impulsionou a vida da colónia, introduziu rigor e moralidade na administração. Quanto a rigor e moralidade na sua vida, quero só recordar o que dele escreveu o chefe da delegação do BNU em Bissau e com o envio para a administração em Lisboa, onde pontificavam homens poderosos do regime, caso de Vieira Machado, denunciava o governador levar ao hospital de Bolama uma senhora para abortar, houvera para ali uma discussão canalha, com recusa médica. Pretendi, depois de ler de fio a pavio este ano de 1938, focar-me nas medidas disciplinares. Landerset Simões, chefe de posto nos Bijagós, recebera, por parte do Conselho Disciplinar, a pena de demissão, mandara aplicar castigos corporais a homens entre os 60 e 80 anos, que se tinham recusado a trabalho compulsivo. Custou-me a acreditar o que Carvalho Viegas escreveu depois do recurso de Landerset Simões ao ministro das Colónias. Tenho para mim que o seu despacho é um texto abominável.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1938 (49)


Mário Beja Santos

Não se pode negar ao governador Carvalho Viegas o esforço organizativo, projetos de desenvolvimento e procura de rigor no funcionamento da administração. Continua a azáfama na transferência para Bissau dos serviços até agora em Bolama, vai entrar em funcionamento a censura, organiza-se o aeródromo marítimo de Bolama. Iremos fixar-nos no rigor administrativo. Logo em 7 de fevereiro temos o caso de Landerset Simões, o autor da Babel Negra, obra marcante para o conhecimento etnográfico, simples, mas muito bem elaborado. O chefe de posto Armando de Landerset Simões tinha como comprovadas no seu processo várias acusações: recrutar trabalhadores indígenas usando meios violentos e compulsivos, para serviço de um particular; forçara e coagira esses mesmos indígenas a venderem a esse mesmo particular azeite de palma e coconote provenientes de trabalho compelido; fizeram aplicar, pelos sipaios, castigos corporais a indígenas, alguns entre 60 e 80 anos de idade, por se negarem a vender aqueles produtos ao aludido particular; invocara o nome do governador para impor o cumprimento dessa ordem. Ele era chefe de posto de Canhabaque. No texto da acusação dizia-se que não possuía a intuição e noção perfeitas de qual deve ser a ação colonizadora e de soberania. Era dado como demitido e enviada ao Ministério Público a respetiva participação acompanhada de cópias das peças do processo disciplinar. O documento vem da Repartição Central dos Serviços da Administração Civil, o Conselho Disciplinar homologou a decisão.

Voltamos a uma Portaria do Conselho Disciplinar publicada no Boletim Oficial n.º 9, de 28 de fevereiro. Desta vez é o Administrador da Circunscrição Civil de Fulacunda, Ernesto Lima Wahnon, e o encarregado da mesma circunscrição, Eduardo Lencastre de Laboreiro Fiúza. O primeiro não dera entrada nos cofres de uma quantia superior a 6 mil escudos proveniente da percentagem adicional sobre direitos de importação; que recebera a importância de perto de 43 contos tendo entrado nos cofres apenas cerca de 35, entre outras faltas. O arguido revelara grande falta de zelo profissional, denunciara um completo desconhecimento das disposições legais reguladoras dos serviços a seu cargo, tinha como atenuantes 27 anos de serviço, recebeu uma pena com perda vencimentos e Laboreiro Fiúza foi demitido.

No Boletim Oficial n.º 14, de 4 de abril, temos o anúncio dos estatutos do Sporting Club de Bafatá, à semelhança de outras já aqui referidas, os seus fins eram de promover e praticar todos os jogos desportivos e recreativos adaptáveis ao meio e promover passeios e festas para distração dos sócios.

No Boletim Oficial n.º 23, de 6 de junho, volta a funcionar a palmatória da justiça, matéria tratada no Conselho Superior de Disciplina das Colónias. Fizera-se sindicância aos atos do Secretário da Câmara Municipal de Bolama, Joaquim Afonso Gonçalves Ferreiro, e ao amanuense Vitorino da Silva Ferreira, aplicara-se uma pena, o Secretário recorreu, o processo de recurso subiu ao Ministério. A arguição para este castigo vinha resumida num relatório da comissão municipal, o Secretário apoderara-se abusiva e ilegalmente de cerca de 16 contos e meio. O Secretário no recurso afirmou que quando exercia as funções de tesoureiro dera pela existência de uma falha, procurou averiguar as suas causas, etc., etc., etc. Houvera reposições feitas pelo recorrente e a sua promessa de pagar o mais que faltou no cofre municipal; o recorrente reconhece que andou mal. A decisão do Conselho Superior foi a de não dar provimento ao recurso. Manteve-se a pena.

E voltamos, de novo, ao processo de Landerset Simões, como consta do Boletim Oficial n.º 48, de 28 de novembro. Trata-se de um despacho oriundo do gabinete do governador. De novo se referem as violências exercidas sobre os indígenas, extorsões em benefício de um particular; que relevara pouca humanidade mandando aplicar castigos corporais. Landerset Simões recorrera ao Ministro das Colónias. Carvalho Viegas começa por aflorar a legislação que se prende com a mão-de-obra indígena nas colónias, “um repositório de preceitos de lei inspirados por um sentimento de humanidade que marca sem sofismas um período de transição do trabalho indígena escravizado para a livre estipulação para prestação de serviços. Este último objetivo altruísta do legislador não conseguiu na prática a sua eficiente consagração, porquanto numa colónia como a Guiné, em que há uma infinita variedade de raças, não é tarefa fácil criar-lhes necessidades determinadas pelo influxo da civilização, para desta feita procurarem pelo trabalho, espontaneamente oferecido, os meios necessários à sua subsistência e ao cumprimento dos deveres impostos sob o Estado soberano. Dos povos da Guiné, o mais indolente e avesso à independência que o homem conquista pelo trabalho, vivendo apenas do que a natureza oferece quando não é da mulher, sua eterna escrava, é o indígena da tribo Bijagó. Rebelde, refratário a tudo a que respira civilização, considera o trabalho um castigo e a ociosidade um prémio. Com uma raça deste jaez, que faz da mulher a única base produtora de tudo que ao consumo do homem se torna necessário, como se conseguiria fazer a exploração do arquipélago dos Bijagós, rico em matérias-primas, sem que a mão-de-obra seja fornecida por via de imposição da autoridade? Responda com consciência quem souber e conhecer a colónia da Guiné. Sendo, contundo, pouco regular a linha de conduta do recorrente quanto à maneira como procedeu com certos indígenas dos Bijagós, apesar de em parte poder considerar-se justificada, de uma maneira geral, a sua ação, porque ninguém ignora, como já foi dito, que os indígenas daquele arquipélago vivem indolentes e refratários ao trabalho, só pelo grande esforço das autoridades podem ser levados a produzir alguma coisa de útil; mas tendo algumas vezes o recorrente levianamente exagerado a sua ação, como chefe de posto, molestando indígenas de avançada idade e produzindo-lhe ferimentos de certa gravidade, como se verifica pelos autos; considerando que contra o recorrente há no processo factos que representam indesculpável advertência…” e em vez de demissão foi-lhe aliviada a pena.

Tenho para mim que este despacho do Governador Carvalho Viegas é um dos mais demolidores textos quanto à natureza pérfida da justiça colonial e à manipulação dos argumentos.


Um dos documentos mais espantosos que li sobre a paranoia anticomunista do Estado Novo
Não há em toda a Guiné monumento tão espantoso como este, um maciço de pedra que nenhuma dinamite abalou. Talvez o mais impressionante monumento Arte Deco em toda a África Ocidental, é uma homenagem aos aviadores italianos falecidos num desastre aéreo à saída de Bolama, a tragédia ocorreu no início de 1931
Pioneira nos princípios do matriarcado, Okinka Pampa, ou Okinca Pampa, rainha do povo Bijagó, arquipélago da Guiné-Bissau, entre 1910 e 1930, deixou um legado na defesa dos direitos humanos. A rainha foi encarregue de manter as tradições da ilha, portanto, resistiu às campanhas coloniais de ocupação do território por Portugal até conseguir assinar um tratado de paz, o que pôs fim ao regime de escravidão. Imagem de espetáculo de recriação da história da rainha.
Bilhete-postal de 1930
Livro de bilhetes-postais publicados em 1946, nas comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 13 de agosto de 2025 >Guiné 61/74 - P27117: Historiografia da presença portuguesa em África (493): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1937 (48) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27130: Notas de leitura (1830): "África Contemporânea", por Castro Carvalho, editado em S. Paulo - Brasil, 1962 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Suscitou-me a curiosidade este livro brasileiro intitulado "África Contemporânea", editado em S. Paulo em 1962, por um investigador amador, que não esconde o seu deslumbramento pelo despertar de África para a autodeterminação, resolve fazer uma obra que enumera os Estados africanos enquanto Repúblicas, Enclaves, Protetorados, Monarquias (Líbia e Etiópia), Federações, um sultanato (Zanzibar) e três províncias ultramarinas portuguesas (Guiné, Angola e Moçambique, não há qualquer referência a Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe). É uma obra puramente de divulgação, o autor terá ingenuamente tirado nalguma documentação de propaganda que se permitiu falar em mais de 3000 km de estradas que substituíam vantajosamente os caminhos de mato, numa exuberância de fauna e flora onde não faltavam chimpanzés e ruínas de Cacheu e o Forte de S. José de Bissau a atestar os tempos heróicos das Descobertas. Castro Carvalho não previra que no segundo semestre da publicação do seu livro de divulgação iria começar a sublevação do Sul da Guiné, a tal autodeterminação que tanto o entusiasmava, dava os seus primeiros passos.

Um abraço do
Mário



A Guiné Portuguesa num livro brasileiro de 1962

Mário Beja Santos

Numa loja solidária, numa aldeia perto de Óbidos, encontrei uma obra em estado lastimável, mas que me acicatou a curiosidade por ter sido editada no Brasil em 1962 e falar da Guiné Portuguesa. O seu autor, Castro Carvalho, foi médico e farmacêutico, ex-deputado estadual e capitão médico do Exército Brasileiro, apresenta bibliografia como a sua tese de doutoramento sobre moléstias infeciosas, escreveu mesmo em francês um romance realista de sexologia. Explica o que o atraiu a escrever esta obra sobre uma África em que a ignorância sobre ela é quase total. “O Brasil acompanha com simpatia a evolução rápida que os países recém-criados possuem no conceito geral das nações”, lembra a independência do Gana e como em menos de dez anos 22 novas nações alcançaram a sua autodeterminação. Escreveu este livro para se avaliar o grande desenvolvimento no rumo certo da real independência socioeconómica e política destes nossos Estados. E daí esta síntese que envolve geografia, história, mosaico étnico, distinções culturais, pan-africanismo. Lembra-se ao leitor que em 1960 o Brasil despertara para uma nova realidade política. Um quase obscuro Jânio Quadros ganhara as eleições presidenciais com farta maioria e João Goulart, também com farta maioria, fora eleito vice-presidente dos Estados Unidos do Brasil.

O Brasil virara à esquerda, houvera mesmo a condecoração de Che Guevara, deu escândalo. O país recebia oposicionistas de diferentes cartilhas, por ali andou Humberto Delgado, ali vai regressar Henrique Galvão depois de sequestro do paquete Santa Maria.

O médico e farmacêutico Castro Carvalho procura dar um resumo histórico do continente, como está a organizar a nova África, não deixa de mencionar as expedições dos exploradores do século XIX e dirige-se para aquilo que ele denomina como o drama da libertação: um continente cheio de recursos, com mais de 90% da população analfabeta, uma libertação conquistada por vezes com sangue, enumera alguns dos líderes africanos com proeminência na altura, as tentativas de neocolonialismo, os esforços de alguns novos Estados para fazerem federações, tudo com maus resultados, as potencialidades turísticas, o quadro da presença islâmica no continente. Postos estes resumos, pretende dar-nos uma imagem de quem é quem em África: o Sudoeste Africano, Alto Volta, Angola, Argélia, Camarões, República Centro Africana, Chade, Congo Brazzaville, ex-Congo Belga, Costa do Marfim, Daomé, Egito, Etiópia, Enclaves Britânicos (Suazilândia e outros), Enclaves Espanhóis, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné Portuguesa, Libéria, Líbua, Republica Malgaxe, Mali, Mauritânia, Moçambique, Níger, Nigéria, Quénia, Rodésia, Rolanda, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Tanganica, Togo, Tunísia, Uganda, África do Sul (então União Sul Africana) e Zanzibar. Não há qualquer menção a Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe. Vejamos como ele nos apresenta a Guiné Portuguesa.

Menção da chegada de Nuno Tristão em 1446 à Costa da Guiné, início das expedições de penetração no interior, “A Guiné Portuguesa desempenhou desde o século XV ao século XIX um papel predominante do povoamento e na economia do Arquipélago de Cabo Verde, a que esteve estritamente ligada até 1869, data em que adquiriu autonomia administrativa. No começo do século XX, esse pequeno território português estava empobrecido, desorganizado e rebelde. Criou-se, então, um conselho em Bolama e comandos militares nas povoações de Buba, Geba, Cacheu e Bissau (não foi exatamente assim, mas adiante); a centralização dos serviços públicos principais, em Bolama, atraíra à vila o grosso da população portuguesa.”

E continua:
“A completa pacificação da Guiné foi realizada pelo Chefe do Estado-Maior, João Teixeira Pinto, sem o concurso do exército metropolitano, utilizando-se, apenas, dos recursos militares locais (também não foi assim, Abdul Indjai não era recurso local, era o chefe de mercenários, oriundo dos povos Jalofos). Foi só depois de 1886, época em que ficaram marcadas as fronteiras da Guiné Portuguesa, que esse território começou a progredir sendo isso hoje uma realidade incontestável.
Para atingir essa finalidade, muito esforço foi despendido, pois essa terra era olhada como inferno de vida e de morte. No decorrer dos anos, porém, pacificou-se o indígena, fizeram-se obras de saneamento e criou-se uma estrutura sanitária eficaz e completa
(longe de ser verdade, mas faz de conta).
Nasceram aglomerados urbanos, cimentou-se uma cultura, rasgaram-se mais de 3000 quilómetros de estradas que substituindo vantajosamente os tortuosos e inumeráveis caminhos do mato, permitiram a ocupação efetiva da Província. Em consequência, abriram-se grandes perspetivas na valorização das terras. E assim é que hoje a Guiné Portuguesa segue pela estrada reta do soalheiro.”

Castro Carvalho pontua pela localização, os limites e fronteiras, a superfície, a população, os dados religiosos, os recursos económicos, as potencialidades turísticas e os meios de comunicação. Uma palavra sobre este último tópico. É referida a TAGP (Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa) que estabelecia ligações entre as principais localidades da província e entre Bissau e Varela. Um elevado número de veículos e barcos a motor faziam a ligação regular dos portos marítimos (Bissau, Bubaque, Catió e Cacheu) com o interior, através de uma vasta rede fluvial a cerca de 1800 km; como referido atrás, a rede rodoviária atingia mais de 3000 km. Com o exterior, e principalmente com a Europa, as comunicações eram feitas através de Dacar, a TAGP mantinha contacto duas vezes por semana com a capital do Senegal. A Sociedade Geral de Transportes mantinha duas carreiras marítimas por mês, entre Lisboa e Bissau. A rede rodoviária da Guiné ligava-se através de Cacine e de Pitche com a República da Guiné; de Pirada com a Gâmbia; de Colina do Norte (Cuntima) com Sedhio e Kolda, com o Senegal.

Segundo Castro Carvalho, Bissau contava então com 20 mil habitantes, era um porto de mar bastante movimentado, e os principais aglomerados eram Bafatá, Bolama, Cacheu e Farim. É o que cumpre dizer de um livrinho redigido por um investigador amador sobre o tal continente ignorado, estávamos no início da década de 1960 e o Brasil abria-se declaradamente aos ideais da autodeterminação. Tudo vai mudar com a chegada da ditadura militar, em 1964.


Uma das mais belas fotografias tiradas ao icónico monumento de Bolama. Imagem de Francisco Nogueira, com a devida vénia, este monumento é considerado o mais impressionante monumento Arte Deco da África Ocidental
Bissau, José Luís de Braun, 1780. Propriedade do Arquivo Histórico Ultramarino
Fotografia tirada numa picada da Guiné, por Andrea Wurzenberger, com a devida vénia
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Nota do editor

Último post da série de 15 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27122: Notas de leitura (1829): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 6 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27097: Historiografia da presença portuguesa em África (493): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, (o segundo semestre de 1936) (47) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Em jeito de desabafo, a leitura que fiz deste segundo semestre de 1936 é uma seca, tudo muito arranjadinho, uma administração composta com gente a ir para férias ou delas regressar, nomeações, passagens à aposentação, não tivesse havido, como sabemos, a campanha de pacificação de 1936 em Canhabaque, teríamos que perguntar porque é que dela jamais se faz menção a não ser nos primeiros dias de janeiro, onde se fez referência no texto anterior e agora se volta à carga aquela acalorada sessão do Conselho de Governo que aqui se reproduz, visto à distância destas décadas (mais de nove) há qualquer coisa de estrambótico naquela reunião em que a votação resultou empatada. Foi me dado ler o Decreto que saiu do punho de Salazar para a criação da Legião Portuguesa, pareceu-me útil aqui fazer a sua menção.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné (o segundo semestre de 1936) (47)

Mário Beja Santos

Na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, onde regularmente trabalho, pus-me à cata de uma fotografia do Major Carvalho Viegas, foi encontrada numa publicação que tem a ver com a 1.ª Conferência dos Governadores Coloniais, que decorreu em Lisboa, houve discursos de Salazar e do ministro Armindo Monteiro, Carvalho Viegas discursou, disse logo que só tinha cinquenta dias da Guiné, mas que entusiasmo não faltava para que a colónia progredisse. Prometeu à assistência que se ia centrar no essencial: a questão financeira e económica, a administrativa, a assistência ao indígena.

Lendo-o, passadas todas estas décadas, e sabendo alguma coisa do que era a Guiné nesta altura, as suas observações são surpreendentes: a situação financeira da Guiné não inspirava cuidados. Tudo se satisfazia com os recursos da colónia, a Guiné por sis só se bastava, tinha uma receita de 22 mil contos. Certamente que havia alguns empecilhos pelo caminho, logo a questão dos cambiais e lembrou a reclamação da Casa Gouveia no sentido de se anular o diploma em vigor e voltar ao regime dos 25% de entrega de cambiais. O novel governador fará discretamente uma defesa dos cambiais dizendo que eles são benéficos para o Estado, funcionários e particulares, ao comércio importador para pagamento de géneros da primeira classe, até para a Companhia Colonial de Navegação. Recordou que a posição devedora da Guiné era desafogada.

Falando da economia, lembrou aos presentes que tinham diminuído as cotações das oleaginosas, por si só diminuíram o poder de compra do indígena, mas também diminuíram as importações, com prejuízo quer para o país quer para a marinha mercante. A crise mundial chegara à Guiné e caminhava-se para uma diminuição de receitas.


Fez uma dissertação sobre as oleaginosas, mas não afastou um cenário de tremendas dificuldades: “Apesar do encorajamento e promessas que lhe poderão ser feitas, das distribuições de sementes, etc., o indígena que se recuse a renovar o seu esforço, de que nada de positivo obterá. Se não lhe dá a absoluta certeza que poderá vender os seus produtos em condições de suficiente renumeração, ele afastar-se-á de nós, da nossa civilização, voltará para a sua vida primitiva de antanho.” Falando da assistência ao indígena, declara aos presentes de que o Governo da colónia tem um programa para ela: assistência médica, assistência agrícola e zootécnica, assistência escolar rural e de beneficência. Não deixa de nos surpreender dizendo que é fundamental criar na colónia um movimento associativo rural.

E mudando de discurso recorda à assistência que a Guiné está vivendo condições que não são boas, está passando maus dias, as exportações são quase maioritariamente amendoim e coconote, a exportação de arroz não passa ainda de uma experiência, o comércio vive do descoberto das suas contas nas casas financeiras da Europa. E certamente que terá surpreendido quem o ouvia: “Se um esforço de imediato heroico se não produz, a colónia desmoronar-se-á, e, em poucos anos, de tudo quanto o comércio e o Estado fizeram, nada restará, absolutamente nada, que recorde Portugal ter feito alguma coisa para atualizar a colónia.” Está ciente que não se podem proporcionar mais recursos às necessidades existentes à colónia, mas há o espectro da ruína total, o verdadeiro desaparecimento de edifícios e do material dos serviços públicos.


Se fiz este destaque, é para recordar ao leitor no texto anterior, apresentado dois anos mais tarde, a narrativa toma outro tom, quem investiga estas matérias sente o embaraço nas dissonâncias da narrativa, é bem verdade que naquele ano de 1934 a austeridade era fortíssima, imposta para haver o milagre financeiro de Salazar, dois anos depois o discurso é completamente tranquilo e pede-se muitíssimo para haver boas infraestruturas portuárias, rodoviárias, de saúde, de comunicações – quem investiga tem que ter muita prudência em avaliar as exposições, umas em que predomina a escuridão, outras feitas de luz, quase encadeadora.

Estamos agora já no segundo semestre de 1936 e surge a ata da segunda sessão do Conselho de Governo da Colónia que se realizou em 4 de janeiro desse ano. O governador toma a palavra dizendo que segundo informações oficiais, como protesto a medidas promulgadas por este Conselho, em 23 de dezembro do ano findo, um grupo de indivíduos capitaneado pelo cadastrado Jaime Duarte, no dia 2 do corrente, entrou em várias casas estrangeiras para as compelir a encerrar os seus estabelecimentos comerciais. O governador trazia uma proposta onde se aludia ao incitamento à indisciplina pela Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, exatamente no momento em que se proclamava o estado de sítio da ilha de Canhabaque e, conforme já se escreveu no texto anterior, fora decretada a dissolução desta associação.

O vogal Granger Pinto pediu a palavra dizendo que era infundada esta acusação, contestou que ela tenha provocado incitamento à indisciplina, houvera, é certo, um grupo de indivíduos que entrara na sé da Associação, a protestar legislação referida, a Associação não tivera forças para o fazer retirar. O que efetivamente acontecer é que o comércio da cidade de Bissau, em sinal de protesto contra tal medida legislativa encerrara as suas portas durante os dias que seguiram à publicação do diploma, mas tudo correu em normalidade.

O governador veio à estacada dizendo que houvera entendimentos prévios para se proclamar a greve, ato punível, que a associação se mancomunou com os tais indivíduos, de novo Granger Pinto diz que tudo tinha corrido normalmente, que Mário Campos e Alfredo Vieira das Neves tinham embarcado para Bolama para falar com o governador, à procura de uma plataforma conciliatória, só que a embarcação fora recebido a tiros, o governador interrompe e diz que não é verdade, “o governador da colónia não recebe, nem trata com desordeiros, nem lhe fora pedida antecipadamente para receber qualquer indivíduo ou comissão.” O que em verdade acontecera é que uma vedeta da delegação marítima de Bolama tinha feito sinal à embarcação que transportava o senhor Mário Campos para que parasse, que a embarcação não obedeceu e por esse motivo fora disparado um tiro para o ar, que ouvido o tiro a embarcação do senhor Mário Campos parou.


Interveio agora um outro vogal, de nome José Júlio de Sousa, dizendo que não está convencido que a Associação tivesse provocado o incitamento à indisciplina social. Entende que antes da promulgação do diploma cujo projeto se discute neste Conselho, se deveria proceder a um rigoroso inquérito aos atos de que é acusada. Deve frisar que não pode e nem deve aceitar o projeto do diploma por entender que o seu objetivo só prejudica os interesses do comércio e muito especialmente os da colónia. O governador retoma o seu discurso dizendo que a direção da Associação se manifestara sediciosamente. Agora intervém o senhor Capitão Lima Júnior dizendo que a manifestação havida em Bissau não apresentava senão um protesto contra a legislação, e que não a votava até haver um processo de inquérito. Voltando ao uso da palavra, o governador retorquiu dizendo que já tinha mandado proceder a um rigoroso inquérito, que se concluiu ter havido um pacto com os desordeiros e que o programa enviado ao ministro, redigidos em termos incorretos, era assinado pelo presidente da Associação. O Capitão Lima Júnior responde que seria bom saber se o telegrama fora forjado sem que os interessados dele tivessem conhecimento, interrompe o governador dizendo que o telegrama do presidente da direção agira contra os atos emanados do Conselho da colónia. É a vez de tomar a palavra o delegado do Procurador da República dizendo que estavam proibidas as greves e que como representante do Ministério Público no Conselho votava o projeto do diploma proposto.

Submetida a proposta à votação houve empate, o governador pediu a discussão para outra sessão. Estamos agora em outubro, no Boletim Oficial da Guiné n.º 44 vem o texto do Decreto-Lei n.º 27:058, estava constituída a Legião Portuguesa. O texto é inequivocamente escrito por Salazar, veja-se um extrato:
“Dura há dez anos nova ordem política criada pelo Exército e mais uma vez confirmada pela vontade expressa da grande maioria dos portugueses. À sombra dela tem sido possível reparar as ruínas do passado e lançar as bases do nosso ressurgimento material e moral. Mas, acima de tudo, tem-nos permitido gozar o benefício inestimável da paz. Sempre que se tem querido perturbá-la, a força armada a tem defendido e sustentado. Ela continua, na verdade, a ser a grande reserva moral da Nação.
Mas as forças do mal não desatam. Um inimigo de especial virulência tenta instalar-se no corpo social das nações, infiltrando-se nas escolas, nas oficinas e nos campos, nas profissões liberais e nas próprias fileiras. Nega a Pátria, a família, os sentimentos mais elevados da alma humana e as aquisições seculares da civilização ocidental (…) As formas de atuação do inimigo convencem da utilidade de uma força composta de ardentes e esclarecidos patriotas que, sendo por si mesma uma fonte de saúde moral na sociedade, ajude, caso venha a ser necessário e na esfera de ação que lhe venha a ser atribuída, as forças regulares contra os inimigos da Pátria e da ordem social.
E para que não se corrompa nem desvie dos seus fins, antes viva a exaltação das virtudes cívicas e militares, dá-se-lhe a forma de corpo organizado, sujeito a rigorosa disciplina e diretamente subordinado ao Governo.”


Um dos aspetos mais assombrosos deste Boletim Oficial, é que ao longo de 1936 jamais se ouvirá o resultado da campanha de pacificação de Canhabaque, estamos muito longe do tempo do governado Vellez Caroço que punha em letra de forma este Boletim o que fazia e com que resultados.
Revista Ilustração. Lisboa n.º 205, 1.07.1934. Aspetos da aldeia indígena guineense e imagens dos africanos expostos aos olhares do público. Fonte Hemeroteca Municipal de Lisboa.
Aspeto da aldeia bijagós e um dos muitos retratos de 'Rosinha' a jovem balanta. (Fonte Maria do Carmo Serén. A Porta do meio, a Exposição Colonial de 1934. Fotografias da Casa Alvão. Porto: Centro Português de Fotografia, 2001)
Espaço onde esteve o Antigo Quartel do Centro de Instrução Militar, em Bolama
Reconhecimento do rio Geba, desde a foz do Corubal até ao rio Geba, 1897, Comissão de Cartografia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 30 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27071: Historiografia da presença portuguesa em África (492): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, (o primeiro semestre de 1936) (46) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27071: Historiografia da presença portuguesa em África (492): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, (o primeiro semestre de 1936) (46) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2025:

Queridos amigos,
O Major de Cavalaria Luís António Carvalho Viegas entrou de pingalim em riste, destituiu a Assembleia Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, encontrou-lhe sérias ligações com o que se estava a passar naquele exato momento na sublevação em Canhabaque, resistente contra uma medida do Governo que estava em vigor em quase a totalidade das colónias, mordera mesmo quem lhe estava a fazer bem, pois não tendo fundos para comprar o edifício para a sua sede pedira um adicional sobre a importação no porto de Bissau, e revelava claramente um desinteresse absoluto na colaboração com o Governo, isto no mesmo Boletim Oficial em que por portaria se ordenava um rigoroso inquérito aos acontecimentos ditos anormais da cidade de Bissau. Criou-se o Império Sporting Club de Bissau, muito provavelmente a partir de 1951, quando desapareceram colónias e apareceram as províncias ultramarinas terá nascido o Sporting Clube de Bissau. Mais adiante Carvalho Viegas também aparece impetrante contra os procedimentos da Associação Comercial de Bolama. E provavelmente o leitor irá ficar com o resumo do documento enviado para a 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português, era assim a Guiné em 1936, curiosamente o que se pede é o que irá ter andamento nos anos subsequentes.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa (o primeiro semestre de 1936) (46)


Mário Beja Santos

Este período de 1936 é fundamentalmente ocupado por questões de Canhabaque e pela participação do representante da Guiné na 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português. No Boletim Oficial da Colónia n.º 1 vamos ser informados do estado de sítio na ilha de Canhabaque e na destituição da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, acusada de ligação às sublevações de Canhabaque; e não deixa de ser importante ler o que Rodrigo de Sousa Coutinho Osório de Castro, em representação da Guiné enviou como relatório para a 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português.

Na Portaria n.º 1 publicada no Boletim Oficial, com data de 4 de janeiro, escreve o Major de Cavalaria Luís António de Carvalho Viegas:
“Tendo ocorrido em Bissau factos anormais, atentatórios da ordem e tranquilidade públicas e que urge averiguar para o fim de serem tomadas as correspondentes responsabilidades; Considerando a extrema gravidade do caso que pode assumir proporções de melindrosa contingência, sabido que os aludidos factos se estão desenrolando precisamente na altura em que o Governo da Colónia acaba de declarar, por motivos da rebelião indígena, o estado de sítio na ilha de Canhabaque;
Considerando que a coincidências destas ocorrências obriga o Governo a adotar medidas rápidas e enérgicas que extirpem focos de subversão da ordem social, evitando a sua propagação entre o elemento nativo, o que seria de bem perigosas consequências;
O Governador da Colónia da Guiné, no uso das faculdades que lhe são atribuídas, determina:
1.º É ordenado um rigoroso inquérito aos acontecimentos anormais da cidade de Bissau, para o apuramento das responsabilidades individuais ou coletivas da ocorrência, inquérito que deverá ter feição sumária.
2.º Fica encarregado do referido inquérito o Administrador do Quadro Administrativo Alberto Gomes Pimentel.”


No mesmo Boletim Oficial temos um diploma legislativo e vamos perceber o que aconteceu em Bissau. É referido que a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau provocou o incitamento à indisciplina social, promovendo manifestações coletivas atentatórias da ordem e da tranquilidade públicas. Diz-se que a mesma associação já por várias vezes manifestara o seu espírito de rebelião, e por isso fora dissolvida temporariamente em 1929; juntaram-se a esta associação elementos a ela estranhos capitaneados por agitadores de profissão, alguns com cadastro judicial; associação que não se moveu sequer pelo sentimento patriótico, agora que foi proclamado o estado de sítio na ilha de Canhabaque; promoveu reuniões clandestinas, desviando-se dos seus verdadeiros fins associativos; a resistência desta associação contra uma medida do Governo, em vigor na quase totalidade das colónias, não tem a apoiá-la qualquer razão séria de ordem económica ou de interesse de classe; e não tem procurado cooperar a favor das questões sociais que interessam à coletividade, apesar das constantes instâncias para uma intima colaboração com o Governo. E após um outro punhado de considerandos e invocada a legislação pertinente, o governador manda dissolver a associação e o edifício em construção destinado a ser usufruído para sede dessa coletividade entra imediatamente na posse do Estado.

No Boletim Oficial n.º 6, de 10 de fevereiro, são aprovados os estatutos do Império Sporting Club de Bissau, a agremiação destinada a promover e praticar todos os jogos desportivos e recreativos, festas para a distração dos seus associados e concorrer para o desenvolvimento intelectual destes. Neste mesmo Boletim Oficial dá-se a saber que o Governo da colónia solicitara à única associação económica e profissional existente na cidade de Bolama, a Associação Comercial de Bolama, a nomeação de quatro vogais para fazerem parte da Comissão Municipal da cidade. E o governador escreve o seguinte:
“Considerando que as pessoas indicadas para vogais efetivos não estão em condições de oferecerem garantias de idoneidade moral para representarem condignamente o comércio, proprietários, empregados do comércio, visto que um dos referidos elementos tem vários processos, um a correr no Tribunal Militar por lhe haverem sido apreendidas 22 latas de pólvora, outro a ir para o Tribunal da comarca por possuir ilegalmente uma arma de fogo e não ter pago a respetiva multa, e, ainda mais, um outro que segundo os depoimentos de vários indígenas feitos prisioneiros na ilha de Canhabaque foi quem vendeu a maior parte da pólvora sem a qual não se podia ter dado a rebelião do gentio e de que resultou a perda de dezenas de vidas, mais do que uma centena de feridos; e quanto ao outro eleito, por haver na documentação do Governo comunicação da Companhia Colonial de Navegação que não lhe foram ainda pagas as passagens que em tempos àquele lhe concedera; considerando que, por prudente recado, tendo sido comunicados, confidencialmente, à associação comercial tais factos, e pedido a substituição desses vogais efetivos, a assembleia quis manter a sua eleição.”
E com mais outros considerandos a eleição dos vogais efetivos e suplentes deverá ter uma nova eleição.

Logo no primeiro Boletim de 4 de janeiro, o governador nomeara um funcionário, Rodrigo de Sousa Coutinho Osório de Castro, para representar a Guiné na 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português. Este funcionário elaborou em Bissau, com data em 12 de janeiro, um relatório, que aqui relevamos algumas análises:
“Colónia onde apenas desde 1915 foram abertas as primeiras estradas, pelas necessidades da sua pacificação e ocupação, no curto prazo de 22 anos, quase exclusivamente com os seus, de começo, parcos recursos (…) Urge que esta colónia possua transportes rápidos e seguros que lhe permitam lutar com as vizinhas colónias francesas (...) Colónia com carências absolutas, rede de estradas em grande parte em péssimo estado. Na Guiné existem 245 viaturas automóveis das quais 166 camiões e 79 automóveis, na sua maioria modelos antiquados, abundando os camiões Ford, modelo T. No tocante à aviação, havia um campo de aterragem em Bolama, o de Bissau ainda não estava concluído. Na navegação fluvial, havia três vapores do Estado a necessitar de substituição por outros movidos a óleos pesados, havendo também a necessidade de adquirir um rebocador para fazer o serviço de farolagem, porque é perigoso fazê-lo com os barcos existentes. Os portos interiores estão desprovidos de qualquer utensilagem. Não há trabalhos de irrigação na colónia, os telégrafos são deficientes. No tocante aos portos marítimos, o de Bissau necessita de importantes obras, o de Bolama apenas exige o prolongamento da sua ponte-cais.”

O relator apresenta um plano de obras públicas onde cabem material de apetrechamento maquinista (britadeiras, tratores…), obras (construção das pontes de Ensalmá, sobre o Geba, Braia, Armada, Puloa), edifícios (Palácio do Governo, escolas primárias, bairro para residência de funcionários da cidade de Bissau), portos (grande reparação da ponte-cais de Bissau, prolongamento da ponte-cais de Bolama), estradas (abertura de nova estrada S. João-Fulacunda-Xitole) e reparação geral e retificação do traçado das restantes estradas, faróis (conclusão do plano de farolagem dos serviços da Marinha, construção dos faróis da ilha das Cobras-Areia Branca-Ponte Barel e Orango).

A finalizar o seu relatório, expõe o cômputo de receitas das explorações das obras que se pretendem realizar, modo de pagamento e o plano de fomento das comunicações marítimas e fluviais da Guiné, bem como os correios e telégrafos. Castro Osório conclui falando da necessidade de rever os acordos com a África Ocidental Francesa para o alargamento dos serviços postais e telegráficos e também os estabelecimento de acordo com os correios de Cabo Verde para permuta radiotelegráfica com todo o arquipélago.

Luís António Carvalho Viegas, foi Major de Cavalaria enquanto Governador da Guiné, terminou a sua carreira em Brigadeiro
Monumento comemorativo das operações de pacificação em Canhambaque, 1935-1936.
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
Bissau, um trecho da Avenida, bilhete-postal, 1920
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 23 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27047: Historiografia da presença portuguesa em África (491): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 930-1936 (45) (Mário Beja Santos)