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segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27435: Notas de leitura (1864): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Maço de 2025:

Queridos amigos,
A meu ver, o grande mérito do atlas gizado por José Matos tem a ver com o teor da narrativa de uma bem estruturada sequência de texto e imagens elucidativas, uma narrativa que prima pela sua simplicidade de quem sabe tratar bem os seus trunfos da investigação e saber relevar aquilo que são matérias consabidas sobre as causas próximas do golpe do 25 de Abril com apontamentos às vezes parodiantes do comportamento humano; esta simplicidade da narrativa capta imediatamente o leitor, e ainda bem, é um modo original de apresentar os acontecimentos do golpe do 25 de Abril relembrando-nos que a simplicidade nada tem a ver com a vulgaridade da escrita. Parabéns, José Matos.

Um abraço do
Mário



Atlas Histórico do 25 de Abril, por José Matos, um confrade que nos dá imensa companhia (3)

Mário Beja Santos

Os conspiradores avançam para o regimento da Pontinha. É o caso do comandante Vítor Crespo, vem em representação da Marinha. “Como não sabia onde era esta unidade, teve de perguntar a um polícia que estava na rua, que achou estranha a pergunta, pois não era a primeira vez que alguém se dirigia para o quartel àquela hora da noite.” Vão chegando outros, Otelo trazia na mão uma pasta e dentro dela um mapa de estradas do Automóvel Clube de Portugal, uma carta militar de Lisboa e arredores, um mapa da cidade, o plano geral de operações; Lopes Pires levou um pequeno rádio para ouvirem as senhas. “Faltavam cinco minutos para as 23h00, quando a canção de Paulo de Carvalho se fez ouvir no Rádio Clube Português. Depois seria a vez da Rádio Renascença que passara às 00h20 a canção de Zeca Afonso. Era o sinal definitivo para dar início às operações em todo o país.”

Nem tudo começou a correr bem. O Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea e de Costa em Cascais não conseguiu sair na noite do golpe, devido ao facto dos comandantes da unidade terem bloqueado a entrada dos oficiais afetos ao MFA. O resto correu como o previsto. Vão sendo tomadas as posições. A sorte parecia favorecer os audazes. Quando chegou às instalações da Emissora Nacional, Luís Pimentel viu dois polícias armados e de capacete em frente à rádio. Ficou desconfiado, mas mesmo assim dirigiu-se aos dois agentes e disse-lhe calmamente: “Tenho aqui uma Ordem de Operações do Governo Militar de Lisboa para ocupar a Emissora Nacional.” De seguida, mostrou-lhes um documento que tinha forjado no Quartel da Carregueira. E o oficial entrou nas calmas.


Ocupou-se o Rádio Clube Português e às 04h26 Joaquim Furtado lia aos microfones da rádio o primeiro comunicado do MFA, escrito pelo Major Vítor Alves.
Joaquim Furtado, Luís Filipe Costa e Clarisse Guerra foram os três locutores a ler os comunicados do MFA no Rádio Clube Português (Arquivo do Rádio Clube)

Estavam já ocupadas as instalações das duas principais estações emissoras de rádio e a RTP. Membros do Governo começam a ter notícia das movimentações de madrugada, mas os mais operacionais ainda estavam na completa ignorância, caso do Ministro do Exército que às 03h00 garantia ao Ministro da Defesa que a situação estava sem alteração e perfeitamente sob controlo.

Otelo tinha preparado uma artimanha, um isco para atrair as forças favoráveis ao Governo. A unidade escolhida era a Escola Prática de Cavalaria de Santarém, estas forças blindadas viriam para o Terreiro do Paço para aí prender alguns membros do Governo, assim se faria convergir para o local dos ministérios as tropas do regime. Salgueiro Maia era o oficial responsável pelo comando. Na Escola Prática da Infantaria os revoltosos foram tomando conta do quartel, o segundo-comandante decide não aderir ao golpe. Salgueiro Maia já está a caminho com uma coluna de 240 homens que levam consigo dez viaturas blindadas e doze viaturas de transporte pessoal.

Mapa com o trajeto das tropas de Santarém até Lisboa

O primeiro comunicado do MFA é lido às 04h26, a essa hora já o Aeroporto da Portela tinha sido tomado pelas tropas vindas de Mafra. José Matos conta-nos histórias deliciosas como a que viveu o soldado mecânico da Escola de Santarém, Francisco João Ferreira, era ele que conduzia o jipe que comandava a coluna, a seu lado estava Salgueiro Maia. “Depois de tomar os objetivos previstos na baixa da cidade, a coluna de Santarém seguiu para o largo do Carmo, onde Marcello Caetano se tinha refugiado no Quartel da GNR. No largo do Carmo, o jipe do comandante da força serviu também para levar os emissários do regime (Pedro Feytor Pinto e Nuno Távora) a casa do General Spínola com uma mensagem do Chefe do Governo. Depois do regresso, João Ferreira precisou de abastecer o jipe e foi queixar-se a Salgueiro Maia. Este mandou-o ir a uma bomba de gasolina para atestar o jipe, mas o condutor queixou-se de que não tinha dinheiro. ‘Não é preciso. Vais a uma bomba, dizes que ela foi nacionalizada e atestas’.”

Tarde e a más horas, os operacionais do regime pensam numa reviravolta, enquanto arquitetam uma resposta já estavam cercados pelas tropas de Santarém. O autor dá-nos conta do que se vai passando noutras regiões do país, a Norte. A população portuense manteve-se um pouco alheada do que se passava em Lisboa durante grande parte do dia, os comunicados do MFA não chegavam ao Porto, só a meio da tarde é que chegou informação, a população anima-se, há confrontos com a polícia, esta, nos dias seguintes, não se atreverá a sair das esquadras com receio dos populares. O pessoal da PIDE/DGS entrará em fuga, os civis entraram nas instalações do Porto e destruíram ficheiros e documentos da delegação.

Unidades do MFA no norte de Portugal. Missões cumpridas.
Unidades do MFA no sul de Portugal. Missões cumpridas.

O golpe tornou-se imparável, nas emissões do MFA já passam conversas entre dirigentes das Forças Armadas apoiantes do regime que revelam a sua paralisia. Os ministros que se tinham refugiado no Terreiro do Paço fogem pela porta do cavalo, entraram numa carrinha e fugiram para o Regimento de Lanceiros 2, sede da Polícia Militar, uma das poucas unidades da capital que ainda estava do lado do regime. As forças de Cavalaria 7 avançaram para o Terreiro do Paço, isto numa altura em que um dos esquadrões de reconhecimento já tinha aderido ao golpe. Conversa puxa conversa, o segundo esquadrão passa para o lado dos revoltosos. A fragata da Marinha Almirante Gago Coutinho, em frente ao Terreiro do Paço, tinha recebido ordens do Estado-Maior da Armada, quando partia para Itália com outros navios da NATO e o seu comandante, Seixas Louçã, optou por não cumprir a ordem de disparar sobre as tropas estacionadas no Terreiro do Paço, as chefias insistem para que a fragata faça alguma coisa, fala-se em dar tiros para o ar, nada aconteceu.

Forças afetas ao regime comandadas pelo Brigadeiro Junqueira dos Reis avançam para o Terreiro do Paço, o primeiro embate ocorre na Ribeira das Naus, há gritaria e agressões, aos poucos é neutralizada a operação de desmobilizar os revoltosos do Terreiro do Paço.

Tropas de Cavalaria 7 que passaram para o lado do movimento dos capitães, na Baixa de Lisboa (Arquivo José Matos)

O resto é uma história já bem conhecida. Salgueiro Maia ocupa o Carmo, Marcello Caetano pretende falar com Spínola, não quer que o poder caia na rua, são estes os acontecimentos determinantes que levam à queda do Governo, Caetano é metido na Chaimite Bula e ficará detido na Pontinha, o Estado Novo está derrubado. Forças da Marinha vão cercar o edifício da PIDE, conversam com o diretor da PIDE que está acompanhado de Alpoim Calvão, retiram, entretanto, a multidão avança, os agentes abrem fogo sobre os manifestantes, estes voltam depois da queda do Governo, são recebidos a tiro, haverá 4 mortos e 45 feridos. À noite chegam ao local tropas de Cavalaria 3, haverá conversações, Spínola telefonará ao diretor da PIDE, este coloca-se às ordens do novo poder.

Pela madrugada, o país verá na televisão a Junta de Salvação Nacional, anuncia-se um programa novo para Portugal. Pelas 09h43 do dia 26, entra uma força na sede da PIDE, os agentes são desarmados, os agentes capturados irão ser transferidos para a prisão de Caxias, e haverá durante esse dia uma caça ao PIDE nas ruas de Lisboa. São libertos os presos políticos. Entretanto, o Almirante Américo Thomaz, que tinha sido esquecido pelos homens do MFA, vem a ser preso acompanhará Caetano e outros ministros na primeira viagem para o exílio, um voo com destino ao Funchal.

Foi no quartel da Pontinha que se juntaram os membros convidados para fazer parte da Junta de Salvação Nacional. Saber-se-á mais tarde que houve discussão séria entre Spínola e os homens do MFA sobre o teor do comunicado ao país, Spínola fez finca-pé que ficasse explícito na alocução que “a sobrevivência da nação no seu todo pluricontinental será garantida”, nos primeiros tempos não aparece qualquer referência à possibilidade de autodeterminação dos territórios africanos. A exceção passar por Otelo que entrevistado por uma jornalista da televisão espanhola insinuará que deverá haver um plebiscito. Otelo não dormia há dois dias, entrou no seu velho Morris 1100 e foi para a sua casa em Oeiras, tinha acabado de derrubar a mais velha ditadura da Europa.


Esta soberba obra de José Matos finaliza com a bibliografia essencial.
A Chaimite Bula entra no Quartel do Carmo para retirar em segurança os ex-membros do Governo (Arquivo Histórico da Assembleia da República/Coleção Miranda Castela)
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Notas do editor:

Vd. post de 10 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27408: Notas de leitura (1862): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (2) (Mário Beja Santos)

Úlltimo post da série de14 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27421: Notas de leitura (1863): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (6) (Mário Beja Santos)

sábado, 26 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26730: Facebook...ando (75): Joaquim Galhós, do Barreiro, pertenceu ao Pel Caç Nat 57 (Cutia, 1972/73) e ao BENG 447 (Brá, 1973/74): esteve três meses com o cap cav Salgueiro Maia em Pete, Bula


"Com o Capitão Salgueiro Maia em 72, em Pete - Bula, nos 3 meses que estive na CCav 3420" (Joaquim Galhós, 5 de maio de 2023)... A foto é imprecisa, mas o Joaquim Galhós parece ostentar divisas de furriel... Impecavelmente fardado. Já o seu comandante, um oficial de cavalaria,  mostrava-se "pouco canónico no traje"... Com o clima da Guiné, ninguém respeitava o RDM em matéria de traje... 



Guiné > Zona Oeste >  "Cutia 72/73. Com este grupo que é parte do meu Pel Caç Nat 57 passei os piores momentos da minha vida,  tive a minha parte mas felizmente nada comparado com o que muitos camaradas sofreram e, com muita sorte,  aos 15 meses fui passar 9 meses ao BENG 447 até junho de 1974" (Joaquim Galhós, 19 de agosto de 2020) ·

Fotos da página do Facebook de Joaquim Galhós (aqui editadas e reproduzidas, com a devida vénia)


1. Joaquim Galhós é nosso amigo no Facebook. Temos "20 amigos em comum". É do Barreiro, vive no Barreiro, estudou na Escola Comercial e Industrial Alfredo da Silva (nome do fundador do grupo CUF), de 1961 a 1969.

Sabemos que fez uma comissão de serviço militar, na Guiné, entre 23 junho 1972 a 29 Junho de 1974. Já tinha casado em 6 de setembro de 1970. É sócio do Grupo Desportivo Os Leças... Faz anos a 23 de junho. (Foi em dia de anos, 23/6/1972, que partiu para o CTIG, de avião, do aeroporto Figo Maduro.)

Na Guiné, era de rendição individual. Integrou, como furriel miliciano,  o Pel Caç Nat 57 (Cutia, 1972/73).   Encontrámos na sua página do Facebook apenas duas fotos do seu tempo de Guiné, uma delas "preciosa", com o cap cav Salgueiro Maia, cmdt da CCAV 3420.

Vou-lhe telefonar para o convidar a juntar-se ao blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. A malta dos Pel Caç Nat "também é gente"...E sabemos muito pouco das suas andanças pelo CTIG...



O Joaquim Galhós, sinalizado com um circulo a azul. Será ele ou o dono da foto ? "Escola Primária nº 4 , 4ª classe 1960/61. Prof.Raposo".

Fotos (e legendas): © Joaquim Galhós (2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26716: Facebook...ando (74): Manuel Ribeiro de Faria, ex-cap inf, cmdt da CCAÇ 3414 (Sare Bacar, Cumeré, Brá, 1971/73), a subunidade a que pertenceu o nosso saudoso amigo e camarada Joaquim Peixoto (1947-2018)

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25557: Os 50 anos do 25 de Abril (24): "As gargalhadas" de Salgueiro Maia (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72)


1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 22 de Maio de 2024:


"As gargalhadas" de Salgueiro Maia

"Salgueiro Maia - Das Guerras em África à Revolução dos Cravos" é um livro de Moisés Cayetano Rosado, de Badajoz, uma terra que também fazia parte da Lusitânia.

Salgueiro Maia foi acusado de Comunista, de fascista, foi um dos primeiros subscritores do Documento dos Nove, deixou durante algum tempo de participar nas comemorações do 25 de Abril e pediu para ser enterrado em campa rasa ao som do Grândola vila morena, o hino do MFA.

Vejamos o prefácio deste livro e o que escreveu o Sr. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o Cap. Salgueiro Maia:

Associo-me, com honra e júbilo, (...) saudando o ensaio histórico-biográfico do Sr. Professor Moisés Cayetano Rosado (...). E não encontro mais adequado modo de traduzir essa partilha (...), ocasião em que juntei às justíssimas Ordens da Torre e Espada, de Valor, Lealdade e Mérito e da Liberdade, atribuídas pelos Presidentes António Ramalho Eanes e Mário Soares, a Ordem do Infante D. Henrique.

Eis o que disse em 2016.

Foi há quarenta e dois anos!

Um homem em cima de uma chaimite. Que interpela o Poder que tarda em cair, enquanto o novo tarda em chegar (...)

(...) e termina. Neste Abril de 2021, tanto ou mais ainda do que há cinco anos, toda a homenagem e indelével gratidão é devida!

Marcelo Rebelo de Sousa

Palácio de Belém, 29 de Março de 2021.

Será que o Cap. Salgueiro Maia está a rir-se lá em baixo e quer dar uma lição de História à malta, sobre Castelos, a Ordem do Templo e a Ordem de Cristo?

O Rei D. Dinis, foi um senhor muito inteligente e hábil e fez tudo quanto quis. Antes da extinção da Ordem do Templo em 22 de Março de 1312, conseguiu integrar os bens da Ordem do Templo no Reino de Portugal, mantendo assim todo o seu património intacto.

Deu umas férias Grandes aos nossos Cavaleiros Templários e mandou-os para Castro Marim para proteger e manter a nossa Elite de Cavaleiros e formar novos guerreiros. As férias só terminaram depois de criar uma nova Ordem em 26 de Novembro de 1319, a que chamou Ordem de Cristo, onde foram integrados.

O melhor agora é citar algumas partes deste livro, sobre a vida deste guerreiro lusitano que foi Salgueiro Maia que terminou os seus dias como membro e Dirigente da Associação dos Amigos dos Castelos.

Pág. 62 (...) de 1 a 3 de Junho de 1973, celebrar-se-ia no Porto um encontro que viria ser uma "resposta" ao anterior: O "I encontro de Combatentes do Ultramar" (...). É interessante constatar que a hierarquia castrense proibiu que os militares no ativo participassem no encontro. O Gen. Spínola já tinha expresso, dois anos antes, que a solução do problema da Guiné (onde era Governador e Comandante-Chefe) era política, e muitos eram os militares spinolistas do Quadro Permanente que tinham intenção de intervir defendendo esta posição.

Em 5 de Março de 1974, tinham acordado na reunião celebrada em Cascais, a aprovação do importante documento. "O Movimento, as Forças Armadas e a Nação". Dos 197 presentes, 111 assinam o documento.

A pág. 75 (...) Distribuição das missões para o Golpe de Estado do 25 de Abril. O sr. Major Otelo esclarece. "Tens alguma dúvida? Não tenho nenhuma". Queres fazer alguma pergunta? "Duas" Quais são? Primeira: Programa político, (...). Segunda questão? E o Salgueiro Maia pergunta-me. Temos Generais no Posto de Comando? Aí eu tive uma mentira necessária e piedosa e disse-lhe: Concerteza pá, podes garantir pá que temos Generais no Posto de Comando.

Era mentira, não tínhamos porque os Generais não arriscavam nada (...).

A pág. 78 (...) O Salgueiro Maia - conta Otelo -, quando lhe dei a missão, avisou-me de que os soldados só tinham uma semana de recruta, não sabiam dar tiros. Disse-lhe, não faz mal, a tua coluna vai ser a coluna de isco, traz a maior quantidade de material de combate que puderes, Chaimites, M-47, Panhares, MBR, os soldados de capacete, metralhadoras e espingardas automáticas, munições, tudo. Quem vai opor-se a uma coluna dessas? Montas o arraial todo no Terreiro do Paço. Ficas à espera. Se por acaso estiver o Ministro do Exército no Gabinete, vais prendê-lo. E vão todos ter contigo.

Eu só tive uma amante na Guiné, chamava-se G3, tratava-a por tu, dormia ao meu lado com o carregador e uma bala na câmara.

Um atirador de Infantaria que domine o tiro instintivo pode agarrar a G3 só com uma mão e acertar num alvo a 50 metros sem apontar. Para isso é necessário premir o gatilho muitas vezes e gastar largas centenas de munições.
Eu nem imagino quantas vezes terá pensado o Cap. Salgueiro Maia, no Arraial do Terreiro do Paço e na sua responsabilidade sobre os militares que utilizou. Vem-me à memória o exemplo um deles estendido ao longo do passeio, a apontar a G3, não se sabe bem para onde, perante a curiosidade de três putos ao seu lado.
A sorte protege os audazes, mas não devemos abusar da sorte e muito menos a comandar uma força constituída por militares que nunca deram um tiro.

A pág. 75 e 78 permitem compreender a sua excitação em envolver-se a partir do 25 de Abril de 1974 sem ter a certeza de que tinha Generais no Posto de Comando.

Acresce que: Consta da pág. 110 e 111. O Maj. Vítor Alves adiantar-se-ia para expressar a Spínola a sua intenção de fazer um comunicado público divulgando o Programa do MFA, com os três grandes postulados de Democratizar, Descolonizar e Desenvolver, e o velho general lançar-lhe-á um "jarro de água fria":

- "Vocês são muito jovens, sem formação política, deixem isso para quem sabe, eu tenho uns amigos que trataram desse assunto".

Esta declaração é vaga, não identifica quem são os amigos e não permite identificar a linha política defendida por esses amigos.

Pág.120. A Unicidade Sindical e a liquidação dos latifúndios e entregar a terra a quem realmente a trabalha. Esta é uma conversa para parolos, porque a unicidade Sindical foi objecto de forte contestação no meio operário e, trabalhar a terra, provoca muitos calos nas mãos e dores nas costas. Dos 20.000 trabalhadores necessários para trabalhar a terra, 50.000 passaram a vida a fazer comícios, nomeadamente nas cooperativas e unidades colectivas de produção.

Pág. 121. Estes acontecimentos vão pressupor a ruptura do "aparente" entendimento do PCP e do PS, e são um alerta ao socialismo europeu, representado pelas figuras de Olof Palme e Willy Brandt os grandes apoios de Mário Soares, hostis ao protagonismo do PCP. E mais hostil ainda ao Secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, que por estes dias dirá a Soares:
- "Portugal está perdido, vai ser um novo país comunista. Vai ser uma nova Cuba".

De facto há razões para as preocupações dos líderes ocidentais. No frente a frente realizado entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, em 8 de Novembro de 1975, este defende que no PS existem duas linhas.

Os dias loucos do PREC pág. 382. (...)

Mário Soares (...). O Partido Socialista já escolheu o seu campo (...), instaurar em Portugal uma sociedade socialista, uma sociedade sem classes mas em liberdade (...). Não fará uma revolução (...) que transforme este País numa ditadura e o PCP deu provas durante estes meses de que quer transformar este País numa ditadura.
Álvaro Cunhal. - Olhe que não! Olhe que não!
(...) Álvaro Cunhal - (...) Há membros do Partido Socialista que querem as duas coisas, querem liberdade e querem socialismo. Mas infelizmente isso não parece a política do Partido Socialista (...). Pág. 382 Os dias loucos do PREC. ÚLTIMAS OFENSAS, (Promoções e outras coisas)

Pág. 142. O Sr. Maj. Gen. Adelino de Matos Coelho grande amigo de Salgueiro Maia animou-o a pertencer à Associação dos amigos dos Castelos, como membro da Associação e seu dirigente, participa em actividades sobre Património nomeadamente em Braga, Castelo Branco, Coimbra, Alcobaça, Santarém, Monsanto, Sortelha, Almada, Castelo de Vide Marvão, Évora, Beja, Olivença e muitos mais.
Não é de estranhar que Salgueiro Maia, tenha estudado o percurso de D. Gualdim Pais (1118-1195), 6.º Mestre Templário ( de 1159 a 1195).

Era de 1209. O Mestre Gualdim certamente de nobre geração, natural de Braga, existiu no tempo de Afonso, Ilustríssimo Rei de Portugal. Abandonando a milícia secular em breve se elevou como um astro, porquanto, soldado do Templo, dirigiu-se a Jerusalém onde durante cinco anos levou vida trabalhosa. Com seu Mestre e seus irmãos, entrou em muitas batalhas, movendo-se contra o Rei do Egipto e da Síria. Como fosse tomada Ascalona, partindo logo para Antioquia, pelejou muitas vezes pela rendição de Sidon. Cinco anos passados, voltou, então para o Rei que o criara e o fizesse Cavaleiro. Feito procurador da Ordem do Templo em Portugal, fundou, neste, o Castelo de Pombal, Tomar, Zêzere e este que é chamado Almourol, Idanha e Monsanto (...). José Manuel Capêlo Portugal Templário, pág. 76 e 77.

Pág. 150. Em declarações à revista "Expresso", Vasco Lourenço considerava Eanes o principal responsável pela marginalização e persecução dos militares de Abril (...). Ramalho Eanes, militar de costumes austeros e vida ascética, imparcial na execução das suas convicções, teve de enfrentar-se com líderes políticos em contínua tensão: (...).

Costumes austeros e vida ascética é um dos princípios da Ordem do Templo. O percurso militar de alguns membros do MFA, indicia que Ramalho Eanes, não era o único a seguir estes princípios: Ser o primeiro a dar o exemplo e cortar a direito é um princípio de base.

Foi no programa "O que dizem os teus olhos" de Daniel Oliveira que ouvi este perguntar ao actor Vítor Norte, também ex-combatente:
Como foi a sua Guerra na Guiné? Resposta de Vítor Norte (...) Fui para lá um puto e vim de lá um velho. Mas... Esteve lá muito tempo? Perguntou o Daniel. Dois anos, foi a resposta seca de Vítor Norte.

As primeiras Eleições livres decorreram em 25 de Abril de 1975. A eleição da Mesa da Assembleia Constituinte decorreu no dia 5 de Junho de 1975 e teve como Presidente Henrique de Barros, que deu início aos trabalhos.

O 25 de Novembro de 1975 pôs fim ao PREC e à linha do MFA que defendia o manual da Revolução de Outubro de 1917 "Catástrofe iminente e os meios de a conjurar" de Lenine. Felizmente não conhecemos o resultado de uma guerra civil em 1975.
Os trabalhos da Assembleia Constituinte foram aprovados na sua votação final em 2 de Abril de 1976.

Pág. 105. No dia 25 de Abril de 1974, enquanto decorria o Golpe de Estado, (...). Mais tarde conta a sua conversação com Caetano: "Passei por uma antecâmara, onde se encontravam Moreira Baptista (Ministro do Interior) e Rui Patrício (Ministro dos Negócios Estrangeiros), chorando como uma criança, olhando para o infinito o primeiro. Marcelo estava pálido, barba por fazer, gravata desapertada, mas digno.

Pág. 154. Tem um curioso encontro com Cavaco Silva numa visita que este efectuou à EPC.

"Aproximam-se e o Coronel - Comandante da Escola diz a Cavaco. Sr. Professor, não sei se já conhece, este é o Ten-Coronel Salgueiro Maia, o Cap. de Abril que prendeu o Primeiro Ministro Marcelo Caetano... O governante sorri discretamente e cumprimenta Salgueiro Maia. Este demolidor, dispara sem pestanejar: "Prendi esse, sim senhor e prenderei outros se necessário for". Cavaco engole em seco e passa adiante, decerto pouco à vontade com tão inadequada analogia".
Salgueiro Maia não estava "para brincadeiras" com os políticos. (...).

Termina assim o autor deste livro, na pág. 190.

Caro Fernando.

Partiste cedo. Tens-nos feito cá muita falta!

Vais-te rir certamente, com a informação que te dou: depois de partires, depois de deixares de poder, causar-lhes problemas, fizeram de ti um Herói!

Vá lá, acaba com as gargalhadas. A vida e a morte são mesmo assim!

Um grande , um enorme abraço, muito amigo e de Abril!

10 de Setembro de 2021.

Baltazar Rebelo de Sousa, pai do nosso actual Presidente da República, foi Governador Geral em Moçambique, durante 2 anos e Ministro do Estado Novo de 7 de Nov. 1973 ao 25 de Abril de 1974.

Salgueiro Maia foi um guerreiro e não estava "para brincadeiras" com os políticos, ficou de forma simbólica ligado ao fim do Regime do Estado Novo.

Este guerreiro Lusitano da Arma de Cavalaria, com provas dadas em combate, é um justo merecedor da Ordem de Torre e Espada, de Valor, Lealdade e Mérito e da Liberdade.

Os políticos não faziam, nem fazem, a mais pequena ideia, do que é uma guerra. Mas quando uma guerra começa ficam a saber, o que é a verdadeira violência.

Tem razão o autor quando diz: Depois de partires, depois de deixares, de lhes causares problemas, fizeram de ti um herói.

Vá lá, acaba com as gargalhadas! A vida e a morte são mesmo assim.

Junto Capas dos livros:
"Salgueiro Maia - Das Guerras de África à Revolução dos Cravos", de Moisés Cayetano Rosado.
"Portugal Templário", de José Manuel Capêlo
"Catástrofe iminente e os meios de a conjurar", de Lenine
Contracapa do livro "Catástrofe iminente e os meios de a conjurar"
Editada para facilitar a leitura do texto

Um abraço,
Victor Costa,
Ex-Fur Mil At Inf
CCaç 4541/72

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Nota do editor

Último post da série de 20 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25542: Os 50 anos do 25 de Abril (23): Hoje, na RTP1, às 21:01, o 6º episódio da série documental, "A Conspiração", do realizador António-Pedro Vasconcelos (1939-2024)

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25533: Os 50 anos do 25 de Abril (22): Do Precedido Ao Sucedido (António Inácio Correia Nogueira, ex-Alf Mil da CCAÇ 16 - CTIG, 1971 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 3487 / BCAV 3871 - RMA, 1972/74)

Desenho da tomada do Quartel do Carmo, em 25 de Abril de 1974, da autoria do Tomás, um menino do Escola Básica do 1º ciclo de Fala (tem na página no Facebook), freguesia de São Martinho do Bispo e Ribeira de Frades, Coimbra.

1.
 Mais um testemunho do nosso camarada António Inácio Correia Nogueira, Doutor em Ciências Sociais, especialidade em Sociologia, ex-Alf Mil da CCAÇ 16 (CTIG, 1971) e ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 3487 / BCAV 3871 (RMA, 1972/74), enviado ao Blog no dia 14 de Maio de 2024:



TESTEMUNHOS

Do Precedido Ao Sucedido

António Inácio Correia Nogueira

Com este artigo darei por já contadas as minhas memórias, estórias e história sobre os 50 anos do 25 de Abril, comemoração que é um privilégio acompanhar, sinal evidente de que ainda ando por cá
.

Vou apresentar-vos os factos o acontecimentos que, na minha modesta opinião, deram safanões, empurrões, encontrões e impulsos para o Estado Novo cair e esboroar-se, quase sem resistência, às mãos dos Capitães de Abril.

1. O primeiro sinal foi dado, tinha eu 15 anos, por Humberto Delgado, o conhecido general sem medo, ao tentar derrubar o regime de Salazar, candidatando-se às eleições presidenciais. Apesar da minha tenra idade, fiquei embasbacado com as muitas centenas de pessoas que correram a aplaudir o homem da oposição, numa cidade interior, periférica, paroquial ao tempo, de muita submissão aos poderosos, – aos senhores doutores, – numa comunidade onde o analfabetismo era reinante nessa data. Apesar da arquitectura social da cidade da Guarda, expiava-se já um descontentamento com o regime. É claro que o General não ganhou, por fraude eleitoral e pelo medo instalado. Mas ficou a primeira semente de contestação, o safanão para que muitos anos mais tarde pudesse haver o 25 de Abril. Depois de 1958, a oposição foi-se arrogando lentamente, havendo diversas acções que estremeceram o regime como, por exemplo, o ataque ao quartel de Beja, o lançamento sobre Lisboa de panfletos contra a ditadura, o assalto à filial do Banco de Portugal da Figueira da Foz e a tomada do paquete Santa Maria, de enormes repercussões internacionais, – para relembrar alguns.

No entanto, só com as eleições legislativas de 1969 se viria a verificar uma radicalização da atitude política, nomeadamente entre as camadas jovens (vejam-se as revoltas estudantis universitárias de 1962 e 1969), que mais se sentiam vitimadas pela continuação da Guerra Colonial. É neste ambiente conturbado que a Acção Revolucionária Armada (ARA) e as Brigadas Revolucionárias (BR) se revelam como uma importante forma de resistência contra o sistema colonial português. Outros agrupamentos políticos começam a irromper plenos de vitalidade, como por exemplo o MRPP, com o lema, “nem mais um soldado para as colónias”. Instalou-se a «guerra à guerra». Também o alinhamento de alguns ramos da finança e negócios, classes médias e movimentos operários começaram a ser um importante ponto de inflexão na contestação à política do regime, principalmente a partir de 1973. Retratado está, de forma sintética, o primeiro safanão no regime.

2. A Guerra Colonial foi o grande motor, que desmoronou a ditadura, deixando-a, ano após ano, em decadência visível e isolamento internacional, apesar da PIDE e da propaganda continuarem a desempenhar o seu papel.

A guerra obrigou dezenas de milhares de jovens a combater em África, anos a fio, exauriu os já poucos quadros profissionais das Forças Armadas, cansados de muitas comissões, e os que ainda não as tinham pouco estavam interessados em vivê-la. Atropelados, sistematicamente, por leis absurdas que lhe retiravam direitos, os capitães do quadro vêem chegar ao seu posto, oficiais oriundos de milicianos, feitos à pressa na Academia Militar (apesar do seu comportamento meritório já provado em combate). Todos estes ditames (e ainda o facto de estarmos em presença de um Exército quase-miliciano, com preparação duvidosa e apressada), capitalizam um movimento corporativo de contestação arrojada, por parte dos futuros Capitães de Abril. Primeiro uma reacção solidária e quase sindical, depois, com o tempo, foi-se forjando, em alguns, uma conscientização política, que incluía o fim da guerra e a descolonização. Segundo solavanco.

3. O terceiro e o mais importante contributo foi a guerra na Guiné. A guerrilha do PAIGC para além do armamento já possuído, foi equipada com mísseis e deitou abaixo aviões da Força Aérea Portuguesa. As nossas tropas deixaram de controlar os céus. O apoio aos aquartelamentos e às operações na mata fracassou. Os ataques persistentes aos quartéis e o abandono de alguns, como o de Guileje, provaram à saciedade que a guerra estava prestes a ser perdida. O PAIGC declarou a independência em pleno território da Guiné. Por todos esses motivos não admira que em 1973 aí nascesse o primeiro núcleo do Movimento dos Capitães. Por lá passaram muitos capitães de Abril, de que me permito salientar Salgueiro Maia e Otelo Saraiva de Carvalho. Todos tinham a convicção plena de que a guerra aí estava perdida. Observaram-na de perto e alguns sentiram-na na pele. Acresce a esse facto a casualidade de terem sido colocados na Guiné muitos milicianos politizados e oriundos das lutas académicas. Esses oficiais, espalhados pelo território, deram oportunidade, através de algumas formas organizativas, a um movimento de milicianos construindo um compromisso ético de acção política permanente cruzando-se com a insurgência exuberante dos jovens oficiais do quadro permanente. Nessa aliança radicaram todos os fundamentos para impor vitoriosamente, sobre obstáculos variados, a recusa da solução neocolonialista (veja-se o livro Guiné: os oficiais milicianos e o 25 de Abril). Terceiro solavanco.

4. De lá se confrontou o regime com veemência. Lá se rascunhou uma espécie de plano alternativo de actuação, caso o 25 de Abril em Lisboa falhasse, com a destituição do Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné e o inicio das conversações com o PAIGC para a obtenção da paz. A Guiné, a sua tropa miliciana e do quadro, foram a rectaguarda segura contributiva para o sucesso do 25 de Abril. Solavanco maior.

OBS. - O desenho que acima se apresenta, foi feito e oferecido pelo menino Tomás, após uma sessão por mim efectuada na escola do 1.º ciclo de Fala, a convite da professora Ana Lúcia.

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Notas do editor:

Post anterior de 11 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25509: Os 50 anos do 25 de Abril (20): A Força das Músicas e Palavras Que Inspiraram O Meu Ser D´Abril (António Inácio Correia Nogueira, ex-Alf Mil da CCAÇ 16 - CTIG, 1971 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 3487 / BCAV 3871 - RMA, 1972/74)

Último post da série de 13 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25516: Os 50 anos do 25 de Abril (21): Hoje, na RTP1, às 21:01, o 5º episódio da notável série documental, "A Conspiração", do realizador António-Pedro Vasconcelos (1939-2024). Os episódios anteriores estão disponíveis na RTP Play

sábado, 27 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25452: Os 50 anos do 25 de Abril (14): 25 de Abril - Um golpe / Uma revolução (António Carvalho, ex-Fur Mil Enf.º da CART 6250/72)

1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72, (Mampatá, 1972/74), com data de 26 de Abril de 2024:

25 de Abril - Um golpe / Uma revolução

Quando embarcávamos, uns mais contrariados que outros, alguma razão ou razões nos faziam aceitar aquela missão com mais ou menos sofrimento. Uns deixavam para trás para além da família e amigos, a esposa, a namorada e até filhos. 

E, se a uma minoria, o soldo, de algum modo,  dava algum alento, a grossa maioria dos militares nem sequer recebia algo comparável ao mais pequeno salário, passando a comissão de mais de dois anos a contar os tostões para uma cerveja ou um maço de tabaco. 

Aquelas imagens do massacre de milhares de pessoas, incluindo homens, mulheres e crianças, no norte de Angola, às mãos de guerrilheiros selvagens, em 1961, permanentemente recordadas pelos serviços de propaganda do regime, serviam para a construção da ideia errada da justeza da guerra contra bandidos.

Quase todos nós estávamos formatados, desde o berço e dos bancos da escola que Portugal era assim um país pluricontinental e plurirracial e que tínhamos (nós lusitanos) uma missão civilizacional a cumprir no mundo. Estávamos assim formatados, como ainda hoje há regimes políticos e religiões que formatam os cidadãos com ideias retrógradas e mesmo imbecís: supremacia de raça, supremacia religiosa, missões divinas e doutrinas do fim do mundo.

Na verdade é muito mais fácil formatar ignorantes do que instruídos. Muitos de nós, só quando saíamos das nossas aldeias com destinos aos quarteis é que andávamos de combóio e víamos o mar. Então alguns alegravam-se quando, ao fim de seis meses de tropa entravam, embasbacados, num grande navio com destino ao Ultramar, julgando que enfrentariam uns insipientes guerrilheiros de catana e espingarda rudimentar. Muitos só gradativamente, como quem escala uma sucessão de montanhas de altitude cada vez mais acentuada, se apercebiam que aquilo era bem pior do que tinham preconcebido.

Então, instalados no meio, hão de penar, sob calor e chuva, afrontados por comichões e mosquitos, emboscadas e minas, sem terem como fugir do sítio onde mal se come e mal se dorme, onde se vê o sangue do camarada a tingir a terra e os seus olhos sem alma despedindo-se longe dos seus. Fica-se lentamente convencido de que tem que aceitar aquele sacrifício. Talvez não morra, talvez escape, nem que seja sem uma das pernas, coisa que é muito má, mas há muito pior. Depois, quase no fim, quando percebemos que não estamos ali a fazer quase nada, que o inimigo tem amigos que lhe fornece apoio e armamento mais moderno que a nossa G3, que não fomos solicitados para ali permanecer, é que concluímos que fomos enganados. Afinal, eles (os guerrilheiros) têm direito a ter os seus próprios governantes.

Ora, se os portugueses, por essa altura, não tinham o poder de escolher o seu próprio governo, o qual era escolhido por uma aristocracia económica e política, como podíamos ajudar os guineenses a tomar conta do seu próprio governo ?!

Salgueiro Maia e muitos outros militares perceberam, ainda que demasiado tarde, que não havia nenhuma razão para continuarmos a sofrer e morrer numa guerra sem sentido e injusta. Foi preciso o sacrifício inglório de muitos milhares de vidas, para se criar a massa crítica que deu alor ao movimento dos Capitães e a coragem a Salgueiro Maia para enfrentar o carro de combate no Terreiro do Paço.

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Nota do editor

Último post da série de 25 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25445: Os 50 anos do 25 de Abril (13): Testemunhos - Numa Das Malas Velhas Da Minha "Fundação" (António Inácio Correia Nogueira, ex-Alf Mil da CCAÇ 16 - CTIG, 1971 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 3487/BCAV 3871 - RMA, 1972/74)

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25372: Os 50 anos do 25 de Abril (9): Honra a dois dos heróis que o país esqueceu, Salgueiro Maia e José Afonso (Juvenal Amado, ex-1.ª Cabo Condutor Auto da CCS/BCAÇ 3872)

Os Nossos Heróis

Muito se fala de heroísmo e acabamos por pensar neles em termos de perfil como ficam bem nas capas da revistas onde passam a ser ícones, admirados como exemplo como estrelas de cinema onde são glorificados. Olham a morte de soslaio com o cigarro ao canto da boca, compondo imagem de deixós-poisar tipo super-homem que só temia a criptonite.

De heróis fala história, pelas suas conquistas, pelos seus actos de bravura e pelo que deram aos impérios.

Esses heróis foram-se com o fim dos mesmos impérios, não poucas as vezes receberam os louros pelo que outros menos importantes fizeram, mas que não tinham estatuto para isso. Foram mais os esquecidos dos que premiados.

Mas os heróis que eu conheci eram jovens perfeitamente normais e que se olhassem para eles em nada se vislumbraria essa gesta guerreira. Não eram bons soldados e não eram exemplos de postura, alguns não sabiam ler e escrever para além do nome. Iam para o mato com pouca ou nenhuma vontade e, não poucas vezes, remoíam e praguejavam contra quem os obrigava a ir. Tinham medo? Ter medo é normal e a valentia só aparece quando o vencemos.

As razões porque rejeitaram um impedimento na cantina para ficarem com os seus camaradas de pelotão e o caso do meu camarada David Leão, que rejeitou a hipótese de não ser mandado para a Guiné por o irmão ter sido morto em combate em Angola, são uma daquelas coisas difíceis de explicar.

Será que as escolhas nos definem ou é irreverência, falta de bom censo ou ainda a curiosidade pelo caminho que temos pela frente?

Contaram-me que um capitão de uma companhia, condecorado por feitos em Angola, fugiu para o quartel quando os homens que comandava caíram numa emboscada onde morreram vários. Era um herói que quebrou?

O homem e as suas contingências.
Salgueiro Maia comanda uma coluna de blindados e soldados no Terreiro do Paço, no dia 25 de Abril de 1974
Foto de Eduardo Gageiro - Com a devida vénia a Visão

Durante aqueles anos morreram em emboscadas, minas e ataques de artilharia aos destacamentos. Também morreram de acidentes e hepatite bem como outras maleitas adquiridas lá.

Por muito que nos custe, depois do regresso morreram camaradas, que durante as suas comissões praticamente nunca saíram do quartel onde tinham impedimentos, que serve de prova que nós não fazemos o caminho mas o caminho é que nos faz a nós.

Mas voltamos aos que gostariam de ser glorificados e para isso até fariam o pino. Mas o herói é aquele que dá com a mão direita sem que a esquerda veja. Perdoem-me a utilização deste trocadilho normalmente usado para fins de caridade. Melhor, o herói age em prol dos outros com desprezo pelo seu bem estar físico, mas não pensa nisso. Dá o que tem, mesmo que lhe custe a vida para a qual não instituiu preço nem contrapartida.

Aproxima-se uma data que encheu Portugal de actos heróicos. Marcharam pela paz e derrubaram com risco da sua vida e carreira, contra um regime que nos tinha mandado para um atoleiro que custou tantas vidas e lágrimas.

Não actuaram sozinhos, outros durante anos combateram, sofreram nas prisões e morreram para abrir o caminho para uma realidade nova, longe do obscurantismo pequenino e castrador.

Libertaram outros heróis anónimos, deram a esperança daquela madrugada à esperança de um país sem grades e sem correntes.

Foram homens que não correspondiam a nenhuma matriz, mas que o coração excedia em muito a país que os viu nascer.
José Afonso
Com a devida vénia a TimeOut

A História dos países faz-se desses homens que um dia resolvem que têm outra coisa a fazer do que preservar a sua vida.

O 25 de Abril é um dia inesquecível, impar e nada do que disserem dele lhe retirará o brilho, quando uma nação inteira rejubilou com a liberdade alcançada.

Honra a dois dos heróis que o país esqueceu, Salgueiro Maia e José Afonso.

Viva o 25 de Abril
Juvenal Sacadura Amado
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Nota do editor

Último post da série de 11 de Abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25369: Os 50 anos do 25 de Abril (8): Convite para a inauguração da exposição "O MFA e o 25 de Abril", amanhã, dia 12 de Abril, pelas 17h00, na Gare Marítima de Alcântara - Lisboa (Pedro Lauret, Capitão-de-Mar-e-Guerra Reformado)

sexta-feira, 15 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25275: Os 50 anos do 25 de Abril (1): Nos 50 Anos de Abril... O Meu Herói de Abril: Cap Salgueiro Maia (António Inácio Correia Nogueira)


Salgueiro Maia - A partir de foto do Afredo Cunha (1974). 
Wikipédia (com a devida vénia...) 


1. Mensagem do nosso camarada António Inácio Correia Nogueira, Doutor em Ciências Sociais, especialidade em Sociologia, ex-Alf Mil da CCAÇ 16 (CTIG, 1971) e ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 3487 / BCAV 3871 (RMA, 1972/74), com data de 14 de Março de 2024:

Caros camaradas
Grato vos fico pelo gesto que tiveram p´ra comigo.[1]
Como agradecimento ofereço-vos esta despretensiosa poesia que acabo de produzir.

Abraço amigo
António Inácio Correia Nogueira





TESTEMUNHOS

Nos 50 Anos de Abril… O Meu Herói de Abril

P´la noite dentro, serena e de vagaroso espaço,
Trouxeste as G3, as Chaimites e os velhos tanques d´aço,
E muitos jovens estremunhados, mas de rosto novo; e Santarém deixaste.
Ó Maia tu nunca quebraste!

E ao som do rom-rom da coluna militar,
Numa mão agarraste a G3 e na outra a liberdade, e puseste-te a andar;
Nas sacudidelas da estrada sonhaste com a guerra em Guidage, na mártir picada,
P´ la tormenta do combate esburacada,
Da sua terra vermelha, salpicada de sangue, que trilhaste,
Nos senhores da Guerra, perversos, que encontraste.
Ó Maia tu nunca quebraste!

Chegou a hora, olhas o despontar da imaginada madrugada,
O casario lisboeta, as colinas e o mar dos Descobrimentos de espuma prateada;
Tudo já te parecia novo, libertado,
Enquanto os ditadores dormiam, o sono na tirania, sossegados.
Paraste, sem medo; puseste firme a bota na calçada e, logo a vitória vislumbraste.
Ó Maia tu nunca quebraste!

A Capital do Império, a Praça,
De repente ela é tua; o concebível revés, de repente é graça!
Sobes ao Carmo, o sangue da picada que lembraste, está de cravos vermelhos festejada,
O povo clama, arrebatado, liberdade, liberdade, liberdade!...
Embriagado, lança o mito o “povo unido jamais será vencido”.

As armas, lá longe no calor do capim, calaram,
Os soldados de além-mar regressaram.
O povo é todo teu,
Ai, quem diria, o ditador pereceu.
Porque tu, Maia, nunca quebraste!...
Fizeste tudo para além do que baste.

Tu és o herói, a essência, o corpo maior,
O âmago das coisas boas de Abril,
Da liberdade celebrada,
Há 50 anos.
Tu és um Salgueiro que não desfalece, não desalenta.
Eterno serás,
Porque não voltaste atrás.


Ó Maia, sabes, o meu herói de Abril és tu!... Sempre.
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Nota do editor:

[1] - Vd. Post de 7 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25247: O nosso livro de visitas (221): O nosso camarada António Inácio Correia Nogueira pôs à disposição da tertúlia a Tese que apresentou à Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Ciências Sociais, especialidade em Sociologia

segunda-feira, 11 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25263: Notas de leitura (1675): Capitães/MFA – A conspiração na Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
O tema está longe de ser novo, já foi pelo menos abordado o longo depoimento de Carlos Matos Gomes e Jorge Golias, aqui reproduzidos
.[1]
O Coronel Duran Clemente elenca as sucessivas etapas da constituição do núcleo dinamizador e como ele evoluiu até agregar as unidades fundamentais sediadas em Bissau, dos três ramos das Forças Armadas. Não se reproduzem aqui os textos de Moisés Cayetano Rosado sobre Salgueiro Maia pois igualmente já se fez recensão do livro que o investigador dedicou ao capitão de abril; as considerações de Mário Moitinho Pádua sobre o colonialismo português também já apareceram numa recensão dedicada ao seu livro.

Um abraço do
Mário



Capitães/MFA – A conspiração na Guiné

Mário Beja Santos

O boletim n.º 86 deste ano da revista “O Pelourinho”, da Deputação de Badajoz é dedicada ao estudo de conflitos coloniais. O seu diretor, Moisés Cayetano Rosado convidou vários intervenientes portugueses, como Duran Clemente, Mário Moutinho Pádua ou Luís Farinha, além de ele próprio ter dedicado um texto à consciencialização do Capitão Salgueiro Maia, a quem dedicou um trabalho que já está traduzido em português.

Duran Clemente, hoje Coronel reformado, tece uma apreciação sobre a conspiração na Guiné que acaba por completar e confirmar depoimentos de Carlos de Matos Gomes e Jorge Sales Golias, aqui já apresentados no blogue.

Tudo terá começado com a reação e repúdio dos oficiais do quadro permanente ao Congresso dos Combatentes do Ultramar. Escreve textualmente o autor:
“Almeida Bruno, Dias de Lima, Manuel Monge, Otelo Saraiva de Carvalho e outros, puseram ocorrente o general Spínola do descontentamento que apoderou dos oficiais em geral. Tratava-se de um congresso que mais não era do que uma encenação do governo com aproveitamento de antigos oficiais milicianos. Este descontentamento chegou a Lisboa, chegou também a Ramalho Eanes, Hugo dos Santos e a Vasco Lourenço, que encabeçavam na metrópole um vasto movimento de protesto. 400 assinaturas de oficiais do quadro permanente assinaram em Bissau”.
Enviou-se mesmo um telegrama para o Porto a partir de Bissau em que os subscritores diziam taxativamente que se consideravam totalmente alheios às conclusões do congresso. Duran Clemente chegara a Bissau a 28 de julho de 1973. Começaram as reuniões no Agrupamento de Transmissões, presentes Jorge Golias, Duran Clemente, Matos Gomes, Jorge Alves, José Manuel Barroso, este capitão miliciano. Debruçaram-se sobre um documento que Duran Clemente tinha feito à hierarquia militar e distribuído no Congresso de Oposição Democrática em Aveiro. Com consentimento dos presentes criou-se um núcleo dinamizador, assumiu-se como prioridade editar um documento destinado a todos os oficiais, no sentido de os sensibilizar para o que se estava a passar. É nesta fase em que se procura endereços de todos os oficiais em serviço na metrópole ou nas colónias que é publicado o Decreto-Lei n.º 353/73, que facultava a entrada de oficiais do Quadro Especial de Oficiais no quadro permanente através de curso intensivo na Academia Militar.

Iniciava-se uma fase de grande protesto, fora um tremor de terra que pôs este núcleo em ação e os oficiais começaram a reunir na sala de jogos do Clube Militar, efetuaram-se 4 reuniões no espaço de 8 dias, 3 delas no Agrupamento de Transmissões. Elaborou-se uma carta protesto assinada por 46 capitães a que se juntaram ainda as de 4 subalternos. Na metrópole, começara a haver reuniões de capitães; em setembro, foi eleita a 1.ª Comissão Coordenadora do Movimento de Capitães da Guiné. Houve informação da reunião de Évora, que se realizou em 9 de setembro, onde se encontraram mais de 130 oficiais do quadro permanente. Em Bissau entendeu-se dar conhecimento ao Comandante Militar da existência de reuniões. O Brigadeiro Alberto Banazol deu a devida autorização para se reunirem na Biblioteca do Quartel General. Banazol mostrou-se cordial e convidou-os para um jantar volante em sua casa, jantar que teve um final conturbado por ter havido intervenções acaloradas, chamava-se à atenção dos altos comandos que se estava a deixar resvalar para um caso semelhante ao da Índia. O oficial general mostrou-se evasivo e acabou por ser vítima de si próprio, em 25 de abril não quis mostrar que estava do lado dos capitães e até do seu irmão, o Tenente-Coronel Luís Ataíde Banazol.

Entrara-se numa atmosfera conspirativa, procurava-se angariar o maior número possível de adeptos. A Marinha aderiu em força, a Força Aérea destacou sempre em Jorge Alves e Faria Paulino e depois Sobral Bastos e o paraquedista Albano Pinela. No mês de outubro, Duran Clemente efetuou uma reunião com 14 oficiais pilotos-aviadores do quadro permanente, acompanhado de Faria Paulino. Constituiu-se igualmente o Movimento de Oficiais Milicianos, os seus principais mentores eram os alferes Barros Moura e Celso Cruzeiro, e o Capitão Miliciano José Manuel Barroso. Há a reunião de Óbidos em 24 de novembro de 1973, punham-se 3 hipóteses, a conquista do poder para uma Junta Militar criar no país as condições que possibilitem uma verdadeira expressão nacional, dar oportunidade ao governo de legitimar perante a nação perante eleições livres precedidas de um referendo sobre a política ultramarina, utilizar reivindicações exclusivamente militares como forma de alcançar o prestígio do exército e depressão sobre o governo.

E escreve Duran Clemente:
“A decisão de que na Guiné também optaríamos pela tomada do poder pelas armas já estava tomada há muito; daríamos, no entanto, a possibilidade à hierarquia militar para se pronunciar. Quem não estivesse connosco seria devolvido a Lisboa. No caso de insucesso das operações pelo Movimento em Portugal a nossa estratégia era a tomada do poder na mesma. Para isso, tínhamos de ter o completo domínio do comando em todos os setores e ramos das nossas Forças Armadas, instaladas no teatro de operações da Guiné. Iriamos ter.”
Houve alguns momentos de aflição, houve que travar a ansiedade do Tenente-Coronel Banazol que queria tomar o poder ocupando o Palácio do Governo.

E assim se chegou ao 25 de Abril. Tanto o Comandante-Chefe como o Comandante-Militar não aderiram ao Movimento. A Companhia de Polícia Militar tomou pacificamente as instalações do Comando-Chefe, Bettencourt Rodrigues seguiu uns dias depois por avião para Lisboa. O MFA colocou o Almirante Almeida Brandão como Comandante-Chefe interino e o Major Mateus da Silva como representante da Junta de Salvação Nacional, até 7 de maio, data em que chegou o Tenente-Coronel Carlos Fabião graduado em Brigadeiro, vinha ocupar as funções de Governador da colónia.

O depoimento de Duran Clemente traz um anexo com a síntese das reuniões havidas em agosto de 1973.

Manuel Duran Clemente
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Notas do editor:

[1] - Vd. post de 21 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12751: Notas de leitura (566): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 4 de 4 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 9 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24283: Efemérides (391): No dia 25 de Abril, Faria celebrou a memória dos Alcaides e do Capitão Salgueiro Maia e Camaradas (Manuel Luís Lomba)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66), datada de 3 de Maio de 2023, dando notícia de uma homenagem pelo 650.º aniversário do feito dos Alcaides de Faria,  assim como ao Capitão Salgueiro Maia, a cargo do Grupo Alcaides de Faria, de que o Lomba é presidente, e da Junta da União de Freguesias de Milhazes, Vilar de Figos e Faria:


Faria celebrou a memória dos Alcaides e do Capitão Salgueiro Maia e Camaradas

O 25 de abril de 2023 foi a oportunidade da celebração conjunta da memória daqueles heróis nacionais pelo Grupo Alcaides de Faria e a Junta da União de Freguesias de Milhazes, Vilar de Figos e Faria. A solenidade foi iniciada às 11H00, com o hastear da Bandeira Nacional junto ao memorial pelo descendente dos Alcaides de Faria, Eduardo Felgueiras Gayo, dignificada com o Hino Nacional pelo instrumental da Banda do Galo do CCO, a deposição da coroa de flores pelo presidente e o vogal da Junta de Freguesia e a alocução alusiva do presidente do Grupo Alcaides de Faria:

“O mês de abril português é fértil de eventos históricos. O 25 de abril de 1127 será celebrado um dia: indícios empíricos apontam-no como o dia em que D. Afonso Henriques assumiu os castelos do Neiva, de Faria e outros, baseou-se e neste castelo proclamou-se “Príncipe dos Portugueses” de Entre Douro e Minho, mais de dois terços do Condado de Portugal. Um dia chegará em que o 25 de abril celebrará também a fundação da nacionalidade.

O feito dos Alcaides de Faria culminou em abril de 1373, há 650 anos, com o levantamento do cerco ao seu castelo e a retirada dos invasores para a Galiza. O Alcaide Nuno Gonçalves foi dar batalha a essa Primeira Invasão Castelhana do Norte, foi derrotado e aprisionado na freguesia de Carapeços, convenceu o general invasor a conduzi-lo ao castelo, consciente da fatalidade da sua exortação ao filho Gonçalo Nunes:
- Filho alcaide! Maldito sejas tu e sepultado no inferno como o traidor Judas, se estes que me vão matar entrarem nesse castelo sem tropeçarem no teu cadáver!...

O Alcaide Nuno Gonçalves de Faria doou conscientemente a sua vida à pátria, salvou o seu castelo e a sua guarnição reteve a invasão com a sua resiliência. Caso o inimigo tivesse progredido livremente e o Porto tivesse caído, o Tratado de Paz de Santarém não teria acontecido. Ante o assassínio do alcaide pela sua heroicidade, o fidalgo Diogo Lopes Pacheco, matador sobrevivo da linda Inês, que incluía a invasão como conselheiro do general galego, passou a mediador das pazes, o rei castelhano estava a contas com o cerco anfíbio a Lisboa, que o desenformou é plausível, que a invasão do Norte estava encalhada em Faria e que as tropas de Barcelos e do Bispo do Porto estavam a cortar-lhe a linha de retirada por Ponte do Lima.

A motivação foi comum a D. Afonso Henriques, aos Alcaides de Faria, ao capitão de abri Salgueiro Maia e camaradas: a liberdade e a dignidade dos Portugueses. Há 49 anos, a exortação do “capitão de abril de “vamos acabar com o estado a que isto chegou” galvanizou os seus comandados, avançaram de Santarém sobre Lisboa, ele expôs o peito à metralha em toda a manobra, o seu feito culminou no Largo do Carmo, a dar o fim ao impopular regime político e a conceder a rendição com dignidade ao seu chefe”
.

Seguiu-se a romagem ao Cemitério Paroquial, para homenagear os filhos da terra e combatentes da Pátria na sua última morada, a canora Banda do Galo encabeçou-a e dedicou-lhes músicas fúnebres, os sinos dobraram a finados e a celebração culminou com a chamada nominal dos combatentes da I Grande Guerra e da Guerra do Ultramar: Joaquim Luís de Faria, António Peixoto, Américo Ponte, António Marques, Cândido Ferreira, Domingos Figueiredo, Joaquim Gonçalves, Joaquim Brito, Joaquim Lomba, José Amorim, Manuel Boucinha, Manuel Ferreira, Manuel Peixoto e os omissos.

Manuel Luís Lomba


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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24277: Efemérides (390): Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar da Freguesia de Paus, Concelho de Resende, levada a efeito no passado dia 29 de Abril (Fátima Soledade / Fátima Silva)

sábado, 29 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24267: (In)citações (240): O meu 25 de Abril de 2023 (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)


1.
 Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS, TSF  (Piche e Bissau, 1970/72), com data de 28 de Abril de 2023:



O meu 25 de Abril de 2023

Sim, eu sei que não nos devemos meter a “falar” de política (já agora, nem de desporto ou religião) aqui no Blogue. Pode ser fraturante!

E, quando se fala do “25 de Abril”, aparecem sempre umas almas pouco piedosas, a dizer que é preciso contrapor o “25 de Novembro”… Claro que “Abril” é de 1974 e “Novembro” é de 1975, mas isso não lhes interessa nada. Faço notar que sem o “25 de Abril” não seria provável o “25 de Novembro”, por isso não vejo qualquer utilidade nesse “contraponto”, cada coisa em seu tempo.

Mas resolvi hoje, aqui e agora, dar público conhecimento de que este ano, finalmente, “desci a Avenida” nas ações comemorativas. E porquê? Em rigor não sei responder. Um impulso? Alguma necessidade de afirmação? Alguma “penitência”?

Na verdade, foi esta a primeira vez que participei no desfile. E gostei.

Integrei um pequeno grupo que se acolhia numa faixa da “Associação Salgueiro Maia”, que me pareceu apropriado, e considero que tal foi muito positivo.

Apesar de todo o desprezo a que os sucessivos poderes votaram o Homem, ao longo da descida da Avenida até ao Rossio, sempre que das laterais descortinavam a faixa com a sua figura e as palavras identificadoras, foram inúmeras as vezes, incontáveis mesmo, que os aplausos cresciam, as palavras incentivadoras e elogiosas se faziam ouvir. E não raras vezes aludiam às “maldades” que lhe fizeram.

Também foram muitas as fotos que foram tiradas, por naturais e muitos estrangeiros, alguns dos quais queriam saber mais sobre a figura.

Repito, senti-me bem, relembrei o que lhe devia, pela coragem demonstrada no Terreiro do Paço quando foi ao encontro do “tal Anselmo”, pelas atitudes de firmeza e de correção durante a ação no Largo do Carmo, onde, por sinal, também me encontrava na ocasião.

Aquando da minha estadia em Santarém, no 1.º Ciclo do CSM, o Maia foi o instrutor de granadas, na carreira de tiro e na Quinta das Ómnias. Por tal, não me surpreende nada que se mostre em filme (verdade, ou verdade ficcionada?) o Maia a ir ao encontro do “tal Anselmo” com uma granada mão, como medida preventiva para qualquer loucura do “defensor do regime” que, valha a verdade, só não aconteceu por firmeza e coragem do “Homem do tanque”.

Na foto que envio pode-se ver a faixa referida na qual não apareço por estar a tirar a foto mas, durante o percurso, fui segurando uma das pontas.

Hélder Sousa
Ex-Fur Mil Transmissões TSF

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24242: (In)citações (239): O nosso blogue faz hoje 19 anos, sabiam?!... Não é uma eternidade, é uma enormidade... de tempo, equivalente a 10 comissões no CTIG...

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23170: Humor de caserna (48): o major art José Joaquim Vilares Gaspar, o "Gasparinho", visto por Salgueiro Maia: loucura ou contestação do sistema?

1. Trancrição de um excerto do poste P3262 (*), da autoria do nosso saudoso amigo, Leopoldo Amado (1960-2021), historiador guineense,  vítima da pandemia de Covid-19:


(...) O exemplo mais sonante de loucura, traço muito comum à literatura de guerra colonial, é-nos dado por Salgueiro Maia, ao referir-se à caricata figura do major Gaspar, cuja irreverência abeirava-se da loucura, aliás, motivo pelo qual acabou ser hospitalizado:

(...) o major Gaspar vai comandar o CAOP 2 em Mansabá, onde, dando boa conta do recado, é solicitado para se deslocar a Bissau, à reunião semanal do Com-Chefe, onde deveria ser salientado o seu compor­tamento. Só que a coluna que, vinda de Farim, o devia transportar a Bissau nunca mais chegava. 

Farto de esperar, avança para Mansoa só com o condutor, percorrendo um itinerário onde eram frequentes as emboscadas, pois passava ao lado do Morés. À sua chegada a Mansoa, umas centenas de elementos da população agitam-se, pe­gando nas suas mercadorias com vista a ocupar lugar na coluna. Aí, o major Gaspar acha conveniente mandar parar o jipe. A população acerca-se e ele explica: 

«Meu povo, permaneçam mansos, porque a coluna ainda não vem aí, só vem o Gaspar.» 

Continua só em direcção a Bissau. Começa por visitar os seus amigos páras à entrada da cidade, depois o seu amigo director do Hospital Militar, os seus amigos comandos, etc. 

Entra em Bissau feliz e, desejando dar saída à sua alegria, descobre que o único sítio da Guiné onde havia uma peanha para um polícia dirigir o trânsito tinha um PSP guineense, que o major Gaspar considerou estar a fazer mal o seu trabalho. 

Fez parar o jipe ao lado da peanha e fez sair o polícia do sítio e, de pistola-metralhadora ao pescoço, o major Gaspar foi dirigir o trânsito. Lá, como noutros sítios, os condutores, apesar de na maioria serem militares, não eram obe­dientes, e assim o nosso amigo fartou-se de desobediências. Tanto, que atirou uma rajada por cima de uma camioneta da engenharia militar que não lhe obedeceu. 

Continuou em funções, mas surge mais uma camioneta, do Depósito de Adidos, que também não lhe obedece, e aí vai o resto do carregador. 

O Palácio do Governo, onde se encontrava o general Spínola, distava uns 400 m em linha recta, pelo que os disparos eram nítidos e originaram que a polícia do Exército fosse chamada ao local.

Postas perante a realidade, as entidades competentes determi­naram a baixa à neuropsiquiatria do major Gaspar. Mas alguns, suficientemente conhecedores da maneira de ser do «doente», con­seguiram autorização para o director do Hospital Militar conven­cer o major a descansar uns dias no Hospital, onde os amigos o visitaram com assiduidade, criando talvez o único período de ver­dadeiro descanso e convívio que este homem teve ao longo de vários anos de guerra e de guerras com o sistema. 

As histórias do major Gaspar foram para muitos combatentes o escape natural nas vicissitudes da vida em campanha; quem o conheceu guarda dele a imagem do lutador pela dignidade e pela justiça, a certeza de que a sua luta foi imortal (...) ”[19] )**)

[ Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Realce a amarelo, para  efeitos de publicação deste poste no blogue: LG]
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Nota do Leopoldo Amado:

[19] Maia, Salgueiro, O Acaso, In Capitão de Abril – Memórias da guerra do Ultramar e do 25 de Abril, Editorial Notícias, pp. 56 e 57.
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Notas do editor: