1. Em mensagem do dia 14 de Outubro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio, o décimo primeiro, da sua série Pós-Guiné 65/67:
O PÓS-GUINÉ 65/67
11 - A SAGA UMBILICAL
12 DE MAIO DE 1992
É nesta data, já que guerra "ca tem" (aquela por onde passámos, entenda-se) que um grupo, decerto de gentes bem intencionadas, publica uma lei a que chamaram "Objecção de Consciência".
Mas que pena não se terem lembrado antes, mais propriamente no inicio dos anos 60 !!!
Agora não valia a pena a rapaziada fugir à tropa embora esta (o serviço militar obrigatório) em 1992, fosse por pouco tempo e onde afinal iriam d'alguma forma aprender a serem homenzinhos, (o que a alguns não conviria, convenhamos).
E pena maior foi a de que não fosse o IN a criá-la então, (anos 60) o que teria evitado que a maioria de nós tivesse de ter que lá ir obrigada, quando afinal até se calhar sem sabermos, ÉRAMOS TODOS OBJECTORES DE CONSCIÊNCIA e utilizaríamos essa prerrogativa..
Contudo valeu a pena. Saiu em Diário da República e até considerada, foi, de acordo com a Constituição.
Tardaram mas acertaram porque agora bastava ter uma daquelas hipóteses ali previstas e nem sequer se pegaria numa espingarda, quanto mais aprender a mexer nela.
Ao ler essa preciosidade, (Lei nº 7/92) até me davam a hipótese de escolher o que daria em troca, porque de facto não estavam a fazê-lo, de mão beijada. Haveria de contrabalançar a coisa, por uma das hipóteses previstas e eram tantas. Cá o "Je" ficaria bem contente com a alinea h) que diz:
- Manutenção, repovoamento e conservação de parques, reservas naturais e outras áreas classificadas
E ao declarar-me objector, o que confesso nunca faria, pois que senão e se calhar, andaria pr'ái de arganel... peito, axilas e tudo o mais que tem cabelo... descabelados pois então
A minha proveta idade recusa tais coisas nos homens e até já lá dizia uma prima minha, quando falava comigo e de mim:
- Homem que é homem, deve cheirar "suma" o cavalo.
Havia apenas um pequeno óbice e refiro-me ao artº 13º, qu'a determinada altura dizia que o mânfio que utilizar esta forma de fugir (entre aspas) não poderá ter porte d'arma de qualquer natureza. Ora lá me estavam de novo a lixar, pois que eu, ao escolher a citada alinea h) queria manter o equilibrio nas florestas e não seria deixando proliferar as lebres (e não coelho, animal qu'agora abomino)) que tal equilibrio se manteria, dado que comem que nem umas bestas e daí e porque são umas glutonas no que se refere à destruição dos vegetais das hortas e ervinhas próprias das reservas e parques.
Lebres de que tanto gosto, quer com arroz, quer também com feijão e couve. Arroz cozinhado com o próprio sangue da saborosa bicha. Sangue que também se mistura na feijoada com lombarda.
(Só de pensar nisto, até fico ougado !!!)
É também neste ano que finalmente usufruo duma vida mais desafogada e até comecei a ter uma noite para ir aos fados e com tanta sorte que até aí a GUINÉ ESTAVA PRESENTE.
Uma fadista cantava:
- "Volta atrás vida vivida", ao que eu retorqui alto e bom som e em tom fadista brigão ao desafio:
- "Ó quem me dera ter outra vez 20 anos".
Ainda nesse ano, estando em reunião, eu Sub-Gerente. com o Gerente, (Ex-Alf Mil que também havia estado na Guiné) apercebi-me que ao balcão perguntavam e alguém para mim apontou.
O perguntador apresenta-se bem vestido e engravatado e de feições e cor, que me indicavam ser da Guiné.
Quando disponível fui ao seu encontro e surpreendido fui pelo seu grito de alegria inusitada:
- Paizinho... e dirigiu-se-me de braços abertos.
Ainda me voltei para trás não fosse outro o papá, mas o puto que me parecia ter pr'ai 17 ou 18 anos, permanecia sedento de me abraçar e continuava:
- Paizinho... que prazer em conhecê-lo.
- Porra - disse eu em silêncio, estou feito ao bife... e os 23 colegas emudecidos e embevecidos.
Peguei no rapaz, levei-o para o "Filadélfia" para indagar do que se estava a passar.
- Djubi, conta lá ao que vens?
Começa a desbobinar uma tal lenga-lenga bem urdida, com citações ao K3, Tabanca de Farim e à "lavadeira" sua mãe que a páginas tantas, comecei a ficar mesmo atravancado e já me via com mais um filho bem grandote, mas enfim, "cá se fazem cá se pagam".
Eis senão quando, resolvo amandar-lhe com duas ou três perguntas:
- E a tua mãezinha Fulana (dei-lhe um nome falso) e o teu tio Cicrano (outro nome falso).
Ao que ele respondeu citando-me:
- A minha mãe Fulana faleceu em 1978, não sem que antes me tenha dito quem era o meu pai branco... o meu tio Cicrano está lá para Varela.
Ao mesmo tempo entram no bar três manguelas, o Mendes Ferreira e outros dois que também tinham sido Combatentes na Guiné, tudo gente boa com quem partilhava galhofas aquando do chá das cinco e riam... riam. riam.
Pois é... os safardanas haviam planeado a coisa e cá o artista, esperto que nem um calhau, caiu que nem um patinho.
E foi a partir daí que segui o conselho macacal do ouve, vê e cala e nunca te alambazes nas descrições de engatatão.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12146: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (10): O meu umbigal mau feitio
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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domingo, 20 de outubro de 2013
domingo, 13 de outubro de 2013
Guiné 63/74 - P12146: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (10): O meu umbigal mau feitio
1. Em mensagem do dia 9 de Outubro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio, o décimo, da sua série Pós-Guiné 65/67:
O PÓS-GUINÉ 65/67
10 - E A SAGA UMBIGAL CONTINUA
O MEU UMBIGAL MAU FEITIO
15 DE SETEMBRO DE 2013
Assentei-me no meu sofá de peles, de cabra e bode, qu'até já está roto aqui no apoio do braço direito devido ao uso, tal qual como acontece ali em cima onde encosto a cabecinha mas aí porque o redemoínho eriçado o pica, como é próprio do cabelo assim estilo porco espinho, com que nasci.
E A GUINÉ SEMPRE PRESENTE
É o dia 15 de Setembro e sempre dedico uns minutos para relembrar aquela manhã desta mesma data mas de 1965, em Bissorã.
É que quando em treino operacional, com uma Companhia ali estacionada e que nos ia mostrar como era aquela guerra, mas em local menos perigoso (se é que os havia) fomos, o pelotão dos velhinhos e o meu, surpreendidos por uma feroz emboscada em local onde nunca até então se tinham atrevido incomodar as NT.
Recordo que atravessámos para lá um rio com pouca água, mas que no regresso e por mor da maré, estava cheio e alguns não sabiam nadar. Tudo correu bem, as coronhas das G3 serviam de amparo a esses enquanto nós os puxávamos segurando no cano. Lembro-me que um Fur Mil do meu pelotão aprendeu nesse dia a nadar, dizia-o ele depois já no quartel.
Só passou por essa, pois que logo a seguir foi para a Rádio em Bissau.
Foi a primeira vez debaixo de fogo, baptismo lhe chamavam, mas não gostei. Muito menos que nos tenham perseguido.
Recordo sempre com muita saudade os locais por onde passei e de alguns más recordações também. Duns também as memórias que me mantém vivo, apesar da dor, como sucede com quase todos nós que fomos lá por imposição e estivemos debaixo do fogo IN, e perdemos até amigos de coração.
22 DE SETEMBRO DE 1965
Da dor que falei atrás, tenho esta bem grande que não me abandona, bem como a revolta que cada vez aumenta mais.
Nesta mesma data mas de 1965... saímos de Mansabá com destino a MANHAU, noite chuvosa... operação a iniciar-se... e mesmo à saída do aquartelamento... uma "bailarina" e... O HORROR... O HORROR.
É então que a raiva nasce em mim.Alguma permanece ainda.
21 DE ABRIL DE 1967
Desembarque em Lisboa.
Estive quase a ficar no Exército, e até aliciado fui por emissários que sondaram alguns de nós, no sentido de virmos a preparar tropas d'outros Países. Mercenários nos ficaríamos a chamar mas receberíamos acima do que seria possível imaginar.
A Pátria Portuguesa ao que parecia, não estimulava, não permitia, mas fechava os olhos. Da minha CCAÇ 1422, houve um rapaz que enveredou por aí e passados poucos meses, visitou-me, trazia nova proposta e as condições monetárias que me propunham, eram excepcionais. Andei baralhado e quase a aceitar, mas contive-me e se calhar fiz mal, mas o que lá vai lá vai.
Li muito desde novo, e porque até nem havia televisão, que nasce já tenho 16 anos. Na minha terra para além da Biblioteca Municipal, ia também semanalmente a carrinha da Gulbenkian.
Desde Emilio Salgari e o seu Sandokan, Hall Caine, Júlio Dinis, Eça, Camilo, Camões, Bocage... enfim tudo o que de bom havia e que me ajudou a ter uma diferente visão do que era o Mundo dado que o meu se resumia ao rame-rame duma terra da Província que todavia tinha caminho de ferro e carreiras bissemanais para a capital do distrito.
Até que já quase nos 20 de idade, descobri Sven Hassel, que escrevia com fino humor, sobre a II Grande Guerra mais especificamente e tendo como protagonistas os alemães.
Deste, "O Regimento da Morte" serviu-me de Bíblia na Guiné. Influenciou-me, até que um dia descobri outro Senhor que é ainda hoje o meu preferido, chamado Hans Hellmut Kirst e que para além de várias obras vendidas em Portugal, tem outras que foram adaptadas para o cinema.
O seu, "Os Lobos", representam o máximo do que gosto e escolho. Incontáveis direi, as vezes que já o reli, e sublinhei. Tem frases que bem dão para pensar.
Motivado por tais leituras, decidi-me um dia escrever um conto infantil, com ele concorri e foi-me comunicado que só não ganhara porque o fim não se adequava bem às idades para quem se destinava. Na realidade a narrativa era ternurenta demais e o próprio título era bem interessante.
Chamei-lhe a "HISTÓRIA DUM PASSARINHO QUE ESTAVA, TADINHO, TODO MOLHADINHO EM CIMA DUMA ÁRVORE", inspirado que fui por aquele jagudi sacana que na Guiné me quis debicar quando adormeci à sombra dum poilão, no K3.
Conforme reparam está tudo dito na capa, só que depois no desbobinar, acrescentei várias peripécias entre as quais: "Subi à árvore; apanhei o jovem pardal de telhado; aconcheguei-o ao peito; cheguei a casa e embrulhei-o num cobertor quente; acendi o lume para que se secasse e no fim, quando a minha mãe chegou disse-lhe:
- Mãe, se fizer o favor ponha aí uma frigideira a jeito, que vou depenar este petisco".
(continua)
____________
Notas do editor
Jagudi - Foto: © de João Santiago
Último poste da série de 29 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12101: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (9): Continuação do balanço - Usos e costumes
O PÓS-GUINÉ 65/67
10 - E A SAGA UMBIGAL CONTINUA
O MEU UMBIGAL MAU FEITIO
15 DE SETEMBRO DE 2013
Assentei-me no meu sofá de peles, de cabra e bode, qu'até já está roto aqui no apoio do braço direito devido ao uso, tal qual como acontece ali em cima onde encosto a cabecinha mas aí porque o redemoínho eriçado o pica, como é próprio do cabelo assim estilo porco espinho, com que nasci.
E A GUINÉ SEMPRE PRESENTE
É o dia 15 de Setembro e sempre dedico uns minutos para relembrar aquela manhã desta mesma data mas de 1965, em Bissorã.
É que quando em treino operacional, com uma Companhia ali estacionada e que nos ia mostrar como era aquela guerra, mas em local menos perigoso (se é que os havia) fomos, o pelotão dos velhinhos e o meu, surpreendidos por uma feroz emboscada em local onde nunca até então se tinham atrevido incomodar as NT.
Recordo que atravessámos para lá um rio com pouca água, mas que no regresso e por mor da maré, estava cheio e alguns não sabiam nadar. Tudo correu bem, as coronhas das G3 serviam de amparo a esses enquanto nós os puxávamos segurando no cano. Lembro-me que um Fur Mil do meu pelotão aprendeu nesse dia a nadar, dizia-o ele depois já no quartel.
Só passou por essa, pois que logo a seguir foi para a Rádio em Bissau.
Foi a primeira vez debaixo de fogo, baptismo lhe chamavam, mas não gostei. Muito menos que nos tenham perseguido.
Recordo sempre com muita saudade os locais por onde passei e de alguns más recordações também. Duns também as memórias que me mantém vivo, apesar da dor, como sucede com quase todos nós que fomos lá por imposição e estivemos debaixo do fogo IN, e perdemos até amigos de coração.
22 DE SETEMBRO DE 1965
Da dor que falei atrás, tenho esta bem grande que não me abandona, bem como a revolta que cada vez aumenta mais.
Nesta mesma data mas de 1965... saímos de Mansabá com destino a MANHAU, noite chuvosa... operação a iniciar-se... e mesmo à saída do aquartelamento... uma "bailarina" e... O HORROR... O HORROR.
É então que a raiva nasce em mim.Alguma permanece ainda.
21 DE ABRIL DE 1967
Desembarque em Lisboa.
Estive quase a ficar no Exército, e até aliciado fui por emissários que sondaram alguns de nós, no sentido de virmos a preparar tropas d'outros Países. Mercenários nos ficaríamos a chamar mas receberíamos acima do que seria possível imaginar.
A Pátria Portuguesa ao que parecia, não estimulava, não permitia, mas fechava os olhos. Da minha CCAÇ 1422, houve um rapaz que enveredou por aí e passados poucos meses, visitou-me, trazia nova proposta e as condições monetárias que me propunham, eram excepcionais. Andei baralhado e quase a aceitar, mas contive-me e se calhar fiz mal, mas o que lá vai lá vai.
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Li muito desde novo, e porque até nem havia televisão, que nasce já tenho 16 anos. Na minha terra para além da Biblioteca Municipal, ia também semanalmente a carrinha da Gulbenkian.
Desde Emilio Salgari e o seu Sandokan, Hall Caine, Júlio Dinis, Eça, Camilo, Camões, Bocage... enfim tudo o que de bom havia e que me ajudou a ter uma diferente visão do que era o Mundo dado que o meu se resumia ao rame-rame duma terra da Província que todavia tinha caminho de ferro e carreiras bissemanais para a capital do distrito.
Até que já quase nos 20 de idade, descobri Sven Hassel, que escrevia com fino humor, sobre a II Grande Guerra mais especificamente e tendo como protagonistas os alemães.
Deste, "O Regimento da Morte" serviu-me de Bíblia na Guiné. Influenciou-me, até que um dia descobri outro Senhor que é ainda hoje o meu preferido, chamado Hans Hellmut Kirst e que para além de várias obras vendidas em Portugal, tem outras que foram adaptadas para o cinema.
O seu, "Os Lobos", representam o máximo do que gosto e escolho. Incontáveis direi, as vezes que já o reli, e sublinhei. Tem frases que bem dão para pensar.
Motivado por tais leituras, decidi-me um dia escrever um conto infantil, com ele concorri e foi-me comunicado que só não ganhara porque o fim não se adequava bem às idades para quem se destinava. Na realidade a narrativa era ternurenta demais e o próprio título era bem interessante.
Chamei-lhe a "HISTÓRIA DUM PASSARINHO QUE ESTAVA, TADINHO, TODO MOLHADINHO EM CIMA DUMA ÁRVORE", inspirado que fui por aquele jagudi sacana que na Guiné me quis debicar quando adormeci à sombra dum poilão, no K3.
Conforme reparam está tudo dito na capa, só que depois no desbobinar, acrescentei várias peripécias entre as quais: "Subi à árvore; apanhei o jovem pardal de telhado; aconcheguei-o ao peito; cheguei a casa e embrulhei-o num cobertor quente; acendi o lume para que se secasse e no fim, quando a minha mãe chegou disse-lhe:
- Mãe, se fizer o favor ponha aí uma frigideira a jeito, que vou depenar este petisco".
(continua)
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Notas do editor
Jagudi - Foto: © de João Santiago
Último poste da série de 29 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12101: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (9): Continuação do balanço - Usos e costumes
domingo, 29 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12101: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (9): Continuação do balanço - Usos e costumes
1. Em mensagem do dia 23 de Setembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio, o nono, da sua série Pós-Guiné 65/67:
O PÓS-GUINÉ 65/67
9 - E A SAGA UMBIGAL CONTINUA
USOS E COSTUMES
(continuação do balanço)
Outro uso esquisito à brava, era aquele de todos comerem no mesmo prato. Punham lá dentro as mãos, embrulhavam a bianda fazendo bolas e metiam-nas na boquinha ávida.
Nisso não havia grandes diferenças com o que fazíamos no meu Alentejo, onde tragávamos todos do mesmo barranhão, mas aqui, cada um ia tirando para a sua própria malga, usando a sua própria colher.
E qu'alegria quando nos calhava também um pedacinho de conduto.
Experimentei, porque a psico assim o obrigava, amassando relutantemente, com o tamanho dos berlindes com que joguei na escola. Isto inicialmente, porque depois e porque o petisco até nem era nada mau... aviava... aviava, acabando por me tornar "garganêro" quanto baste.
E foi assim bastas vezes na tabanca em Farim, do meu amigo Felupe o 44, mas ao mesmo tempo, vinha a galinha de chabéu preparada por uma das suas mulheres e isso sim, era de comer e chorar por mais. Tudo regado naturalmente, com água de Lisboa, que eu levava num garrafão oval de 14 litros, mas do tinto para que não restem dúvidas.
Completava-se a refeição com um pedaço de ouvido de porco, outro da focinheira do mesmo animal, que previamente haviam salgado e cozinhado (ensinara-lhes eu) só para o "furriel", qu'eles não comiam, por via da religião, o que eu achava óptimo. Não comiam eles, mas deglutíamos nós depois no K3 o restante do "ólimal", o que era uma festa e aquela rapaziada estava sempre desejosa que eu chegasse.
Assavam o bicharoco em brasas de lume especialmente acendido para a ocasião, não sem que antes o besuntassem com toda a especiaria picante que por ali houvesse. O frigorífico a petróleo ficava vazio de bazucas nestas ocasiões e o vinho jorrava sim senhor, para além daquela bebida barata (50 pesos), o Vat 69, que nunca provara, mas que vira os cow-boys beberem, enquanto se matavam uns aos outros.
A princípio nem gostei por saber a tintura de iodo, mas depois de lhe ganhar o gosto, jamais abandonei. Hoje sorvo-o por imposição médica e às vezes até biso. A seguir e se houvesse qualquer operação na mata, parece que os IN's eram mais qu'a muitos quando afinal eram só muitos.
Oh maléficos benefícios do álcool!!! Só que então não havia disponíveis os vallium's, lexotans e quejandos.
E DEPOIS DO ABRIL DE 1974
Passaram-se anos, foi-se tornando mais fraco aquele grito da "luta continua", insisto, curiosamente a mando dos que nunca lutaram... em bocas de quem tece elogios aos desertores e fugitivos e na destes.
Mas qu'a raio percebem eles de luta e do sangue que daí advém?
Calem-se de vez e respeitem os combatentes.
Utilizem "o povo unido jamais será vencido" a outra "o povo é quem mais ordena", ainda a outra "a terra a quem a trabalha" (Tá bem dêxa, - deixem-me rir - e quem é que foi ou vai nisso ainda hoje?).
Tentem que sejam verdades, mas não esqueçam o que disse um Presidente dum País que esteve lá onde se reúnem os deputados, coitados que tão sacrificados e mal vistos continuam. Foi o seguinte: "a política é para os políticos... o trabalho para os trabalhadores".
Outro, 1.º M cá do burgo na altura, ainda foi mais concreto: "não gosto nada de ser sequestrado... Bardamerda".
Era o PREC e hoje pergunto-me: "préc... é qu'isso serviu"?
O pobre povo acreditou, as ocupações iam-se dando numa fugaz tentativa de melhoria de vida e desejo honesto que tal se desse, e as "manifes" no único trabalho útil. Como dizia o antes citado, numa dessas demonstrações populares:
- "È SÓ FUMAÇA"... enquanto iam rebentando uns realmente fumarentos e barulhentos petardos ali mesmo no Terreiro do Paço.
E acrescentou depois: -
"O POVO É SERENO".
O resultado está à vista: Os pobres estão mais pobres, os coitados dos ricos mais ricos e até estes recorrem à sopa do Sidónio, à Cáritas, às igrejas... e alguns até vão de Mercedes, onde transportam as lancheiras que entram vazias e saem cheias.
Azedume? Qu'al quê!!! Realidades que magoam.
6 DE JANEIRO DE 1992
Enriqueci neste dia e o acontecimento para além do mais, fez-me esquecer as baralhações e a inquietude que me acompanharam nestes anos subsequentes à desmobilização e depois, e pior, após a revolução.
Contudo tinha boas vidas, familiar e profissional. Nasceu o meu primeiro neto que, para além do mais, foi um ouvinte atento e A GUINÉ SEMPRE PRESENTE.
Nunca me interrompeu (o que fez, sim, quando começou a falar)... e serenamente adormecia.
Contei-lhe as minhas vivências boas e de tal forma que ele agora ao ler os "Melhores 40 meses da minha vida" apenas diz: "Já conhecia".
Rejuvenesci, foram-se algumas dores d'alma... ganhei nova vida e a alegria foi tanta que proclamei:
- A PARTIR DE HOJE QUE ESTE DIA SEJA RESPEITADO, CONHECIDO E COMEMORADO, COMO O "DIA DE REIS".
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 22 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12069: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (8): Continuação do balanço
O PÓS-GUINÉ 65/67
9 - E A SAGA UMBIGAL CONTINUA
USOS E COSTUMES
(continuação do balanço)
Outro uso esquisito à brava, era aquele de todos comerem no mesmo prato. Punham lá dentro as mãos, embrulhavam a bianda fazendo bolas e metiam-nas na boquinha ávida.
Nisso não havia grandes diferenças com o que fazíamos no meu Alentejo, onde tragávamos todos do mesmo barranhão, mas aqui, cada um ia tirando para a sua própria malga, usando a sua própria colher.
E qu'alegria quando nos calhava também um pedacinho de conduto.
Experimentei, porque a psico assim o obrigava, amassando relutantemente, com o tamanho dos berlindes com que joguei na escola. Isto inicialmente, porque depois e porque o petisco até nem era nada mau... aviava... aviava, acabando por me tornar "garganêro" quanto baste.
E foi assim bastas vezes na tabanca em Farim, do meu amigo Felupe o 44, mas ao mesmo tempo, vinha a galinha de chabéu preparada por uma das suas mulheres e isso sim, era de comer e chorar por mais. Tudo regado naturalmente, com água de Lisboa, que eu levava num garrafão oval de 14 litros, mas do tinto para que não restem dúvidas.
Frango de chabéu - Foto: © Fernando Gouveia
Completava-se a refeição com um pedaço de ouvido de porco, outro da focinheira do mesmo animal, que previamente haviam salgado e cozinhado (ensinara-lhes eu) só para o "furriel", qu'eles não comiam, por via da religião, o que eu achava óptimo. Não comiam eles, mas deglutíamos nós depois no K3 o restante do "ólimal", o que era uma festa e aquela rapaziada estava sempre desejosa que eu chegasse.
Assavam o bicharoco em brasas de lume especialmente acendido para a ocasião, não sem que antes o besuntassem com toda a especiaria picante que por ali houvesse. O frigorífico a petróleo ficava vazio de bazucas nestas ocasiões e o vinho jorrava sim senhor, para além daquela bebida barata (50 pesos), o Vat 69, que nunca provara, mas que vira os cow-boys beberem, enquanto se matavam uns aos outros.
A princípio nem gostei por saber a tintura de iodo, mas depois de lhe ganhar o gosto, jamais abandonei. Hoje sorvo-o por imposição médica e às vezes até biso. A seguir e se houvesse qualquer operação na mata, parece que os IN's eram mais qu'a muitos quando afinal eram só muitos.
Oh maléficos benefícios do álcool!!! Só que então não havia disponíveis os vallium's, lexotans e quejandos.
E DEPOIS DO ABRIL DE 1974
Passaram-se anos, foi-se tornando mais fraco aquele grito da "luta continua", insisto, curiosamente a mando dos que nunca lutaram... em bocas de quem tece elogios aos desertores e fugitivos e na destes.
Mas qu'a raio percebem eles de luta e do sangue que daí advém?
Calem-se de vez e respeitem os combatentes.
Utilizem "o povo unido jamais será vencido" a outra "o povo é quem mais ordena", ainda a outra "a terra a quem a trabalha" (Tá bem dêxa, - deixem-me rir - e quem é que foi ou vai nisso ainda hoje?).
Tentem que sejam verdades, mas não esqueçam o que disse um Presidente dum País que esteve lá onde se reúnem os deputados, coitados que tão sacrificados e mal vistos continuam. Foi o seguinte: "a política é para os políticos... o trabalho para os trabalhadores".
Outro, 1.º M cá do burgo na altura, ainda foi mais concreto: "não gosto nada de ser sequestrado... Bardamerda".
Era o PREC e hoje pergunto-me: "préc... é qu'isso serviu"?
O pobre povo acreditou, as ocupações iam-se dando numa fugaz tentativa de melhoria de vida e desejo honesto que tal se desse, e as "manifes" no único trabalho útil. Como dizia o antes citado, numa dessas demonstrações populares:
- "È SÓ FUMAÇA"... enquanto iam rebentando uns realmente fumarentos e barulhentos petardos ali mesmo no Terreiro do Paço.
E acrescentou depois: -
"O POVO É SERENO".
O resultado está à vista: Os pobres estão mais pobres, os coitados dos ricos mais ricos e até estes recorrem à sopa do Sidónio, à Cáritas, às igrejas... e alguns até vão de Mercedes, onde transportam as lancheiras que entram vazias e saem cheias.
Azedume? Qu'al quê!!! Realidades que magoam.
6 DE JANEIRO DE 1992
Enriqueci neste dia e o acontecimento para além do mais, fez-me esquecer as baralhações e a inquietude que me acompanharam nestes anos subsequentes à desmobilização e depois, e pior, após a revolução.
Contudo tinha boas vidas, familiar e profissional. Nasceu o meu primeiro neto que, para além do mais, foi um ouvinte atento e A GUINÉ SEMPRE PRESENTE.
Nunca me interrompeu (o que fez, sim, quando começou a falar)... e serenamente adormecia.
Contei-lhe as minhas vivências boas e de tal forma que ele agora ao ler os "Melhores 40 meses da minha vida" apenas diz: "Já conhecia".
Rejuvenesci, foram-se algumas dores d'alma... ganhei nova vida e a alegria foi tanta que proclamei:
- A PARTIR DE HOJE QUE ESTE DIA SEJA RESPEITADO, CONHECIDO E COMEMORADO, COMO O "DIA DE REIS".
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 22 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12069: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (8): Continuação do balanço
domingo, 22 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12069: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (8): Continuação do balanço
1. Em mensagem do dia 16 de Setembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:
O PÓS-GUINÉ 65/67
8 - A MINHA CICATRIZ RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL
(CONTINUAÇÃO DO BALANÇO)
Chegado à Guiné, cedo me apercebi (em Setembro de 1965) d'alguns diferentes usos e costumes.
E propus-me vir a praticar aquela religião que permitia que um homem pudesse comprar qualquer mulher e até porque o preço, não me parecia exagerado. Dessa forma não trabalharia mais porque teria as escravas a fazer tudo.
Na verdade, mil e quinhentos e uma vaca estavam bem dentro das minhas posses, pois se bem m'alembro o pré do furriel que fui, andava à volta de três mil e quatrocentos pesos e vacas tuberculosas era pr'ali o que não faltava na mata. Era-me estranho, mas até invejava o macho a descansar à sombra, deitado na sua rede presa entre duas palmeiras e controlando as sete.
Umas apanhando o arroz... outras, arando com aqueles primitivos aparelhos... uma ou outra lavando... outras colhendo alguns tomates que iam nascendo sem serem semeados, mais algumas bananas ou caju (que delicioso e refrescante este sabia, caraças !!! pegava-se-lhe pela castanha... trincava-se... chupava-se tendo todavia o cuidado de não engolir o fruto)... e tudo enquanto o dono mascava a sua noz de cola, tomava o seu vinho de palma... ao mesmo tempo que ia arengando com todas elas.
Tratavam-se de tradições estranhas embora na Metrópole, também as pobres mulheres, estivessem sob o jugo do marido, poucas trabalhavam fora de casa, (tinham a missão espantosa de criar e educar os filhos) e até precisassem da sua, dele marido, autorização para se deslocarem ali ao lado a Badajoz onde iam comprar o café, as gasosas e as meias de nylon. Em boa verdade alguns, nanja eu puritano que continuo, até iam fazendo das suas, mas a esposa verdadeira só podia ser uma e mais nenhuma, o que era desprestigiante para as outras nunca assumidas, embora andassem na boca suja dos maldizentes. Contudo todos fechavam os olhos e até se aprovavam as aventuras de qualquer vangloriante garanhão de raça Lusitana. E quando digo... "puritano que continuo" mas que poderia ter deixado de o ser, pois que e dadas as minhas, popularidade e simpatia, resultantes do facto de ser o vocalista do Conjunto Sôr-Ritmo... com boa voz... boa presença e quiçá beleza... ou seja só me faltava a auréola, porque admiradoras não me faltavam "nã sinhor".
De todo o modo, eu até achei, em Mansabá, onde fui confrontado com a situação em causa, que estava certo comprá-las e mantê-las. Sim porque o facto de as ter adquirido, também lhes dava a responsabilidade de as sustentar senão o vendedor poderia exigir a devolução do bem transaccionado... Convenhamos que dar a papa biandense a sete mais os filhos que iam aparecendo, não era nada fácil.
Disse no inicio que me propus etc, etc, e por isso houve que estudar como "religiãonizar-me" mas... se aceites as duas condições qu'abaixo descrevo:
Após demoradas pesquisas, cansativas noites mórbidas, pensamentos enviesados, cheguei à que penso bem elaborada e pior brilhante conclusão final: lá ter sete esposas, tudo bem, mas eu ter de alimentá-las não queria. Daí que só aceitaria se numa primeira fase se acabasse com essa mordomia e qu'elas que adultas são, se desenrascassem.
Numa segunda fase impor-lhes-ia a contribuição de vinte por cento dos ganhos que tivessem e fosse lá da forma como o conseguissem. Afinal adaptando o sistema deles, ao nosso Ocidental, onde já existia uma classe bem posicionada na vida e conhecida por chulos.
JUNHO DE 1967
Acabadinho de regressar e já com as "sódadinhas" iguais às d'agora e porque antes não tinha tido tempo... porque me não apetecera... porque andar na borga era bem mais divertido... porque o que eu queria era ser 1.º trompete lá na Banda Filarmónica da Ponte de Sôr, não estudei o suficiente, na idade própria para tal, mas trabalhei desde os 10 anos, ora bem!!!
Dado que permitiam aos militares no activo e aos regressados, fazer exames liceais em qualquer altura, desde que houvessem passado 60 dias após o último exame, entendi que devia completar o 5.º ano Liceal, Secção de Ciências... qu'a de Letras já tinha e tal impunha-se até para poder subir, através de concursos, na função pública.
Foi canja e em Dezembro desse ano estava feito. Para além da obrigatoriedade de pagar trinta escudos para a Mocidade Portuguesa, os dirigentes dessa e porque eu até sabia escrever à máquina Remington teclado AZERT, pediram-me para ser o elemento que contactaria com outros grupos congéneres, no sentido de se organizarem alguns convívios, com jogos à mistura quer fossem de futebol, ou outro desporto com bola. Para além do mais poderia dar também umas dicas aos moços, sobre alguns aspectos com que eles mesmos um dia se iriam confrontar, se mobilizados.
Ali numa terra perto e tal como eu, havia uma rapaz a procurar saber mais (e que por isso também andava a estudar à noite) e que fora o indigitado para ser o impulsionador do desporto, tal como me acontecera.
Convém acrescentar e elucidar, que qualquer correspondência trocada entre organismos públicos, terminava sempre assim: A BEM DA NAÇÃO.. e por baixo a função de quem escrevia, ou seja "O Chefe (disto ou daquilo) ou o Director, etc etc.
Ora a determinada altura recebi um convite em papel timbrado, onde convidavam o nosso grupo para um jogo, almoçarado antes, e a realizar daí a 15 dias.
Tudo bem... falei com o verdadeiro Cmdt de Bandeira lá do sítio, anuímos mas ri... ri muito. É que o ofício terminava:
"A BEM DA NAÇÃO"
O barbeiro cá da terra.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 15 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12046: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (7): A saga do corte umbilical
O PÓS-GUINÉ 65/67
8 - A MINHA CICATRIZ RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL
(CONTINUAÇÃO DO BALANÇO)
Chegado à Guiné, cedo me apercebi (em Setembro de 1965) d'alguns diferentes usos e costumes.
E propus-me vir a praticar aquela religião que permitia que um homem pudesse comprar qualquer mulher e até porque o preço, não me parecia exagerado. Dessa forma não trabalharia mais porque teria as escravas a fazer tudo.
Na verdade, mil e quinhentos e uma vaca estavam bem dentro das minhas posses, pois se bem m'alembro o pré do furriel que fui, andava à volta de três mil e quatrocentos pesos e vacas tuberculosas era pr'ali o que não faltava na mata. Era-me estranho, mas até invejava o macho a descansar à sombra, deitado na sua rede presa entre duas palmeiras e controlando as sete.
Umas apanhando o arroz... outras, arando com aqueles primitivos aparelhos... uma ou outra lavando... outras colhendo alguns tomates que iam nascendo sem serem semeados, mais algumas bananas ou caju (que delicioso e refrescante este sabia, caraças !!! pegava-se-lhe pela castanha... trincava-se... chupava-se tendo todavia o cuidado de não engolir o fruto)... e tudo enquanto o dono mascava a sua noz de cola, tomava o seu vinho de palma... ao mesmo tempo que ia arengando com todas elas.
Tratavam-se de tradições estranhas embora na Metrópole, também as pobres mulheres, estivessem sob o jugo do marido, poucas trabalhavam fora de casa, (tinham a missão espantosa de criar e educar os filhos) e até precisassem da sua, dele marido, autorização para se deslocarem ali ao lado a Badajoz onde iam comprar o café, as gasosas e as meias de nylon. Em boa verdade alguns, nanja eu puritano que continuo, até iam fazendo das suas, mas a esposa verdadeira só podia ser uma e mais nenhuma, o que era desprestigiante para as outras nunca assumidas, embora andassem na boca suja dos maldizentes. Contudo todos fechavam os olhos e até se aprovavam as aventuras de qualquer vangloriante garanhão de raça Lusitana. E quando digo... "puritano que continuo" mas que poderia ter deixado de o ser, pois que e dadas as minhas, popularidade e simpatia, resultantes do facto de ser o vocalista do Conjunto Sôr-Ritmo... com boa voz... boa presença e quiçá beleza... ou seja só me faltava a auréola, porque admiradoras não me faltavam "nã sinhor".
De todo o modo, eu até achei, em Mansabá, onde fui confrontado com a situação em causa, que estava certo comprá-las e mantê-las. Sim porque o facto de as ter adquirido, também lhes dava a responsabilidade de as sustentar senão o vendedor poderia exigir a devolução do bem transaccionado... Convenhamos que dar a papa biandense a sete mais os filhos que iam aparecendo, não era nada fácil.
Disse no inicio que me propus etc, etc, e por isso houve que estudar como "religiãonizar-me" mas... se aceites as duas condições qu'abaixo descrevo:
Após demoradas pesquisas, cansativas noites mórbidas, pensamentos enviesados, cheguei à que penso bem elaborada e pior brilhante conclusão final: lá ter sete esposas, tudo bem, mas eu ter de alimentá-las não queria. Daí que só aceitaria se numa primeira fase se acabasse com essa mordomia e qu'elas que adultas são, se desenrascassem.
Numa segunda fase impor-lhes-ia a contribuição de vinte por cento dos ganhos que tivessem e fosse lá da forma como o conseguissem. Afinal adaptando o sistema deles, ao nosso Ocidental, onde já existia uma classe bem posicionada na vida e conhecida por chulos.
JUNHO DE 1967
Acabadinho de regressar e já com as "sódadinhas" iguais às d'agora e porque antes não tinha tido tempo... porque me não apetecera... porque andar na borga era bem mais divertido... porque o que eu queria era ser 1.º trompete lá na Banda Filarmónica da Ponte de Sôr, não estudei o suficiente, na idade própria para tal, mas trabalhei desde os 10 anos, ora bem!!!
Dado que permitiam aos militares no activo e aos regressados, fazer exames liceais em qualquer altura, desde que houvessem passado 60 dias após o último exame, entendi que devia completar o 5.º ano Liceal, Secção de Ciências... qu'a de Letras já tinha e tal impunha-se até para poder subir, através de concursos, na função pública.
Foi canja e em Dezembro desse ano estava feito. Para além da obrigatoriedade de pagar trinta escudos para a Mocidade Portuguesa, os dirigentes dessa e porque eu até sabia escrever à máquina Remington teclado AZERT, pediram-me para ser o elemento que contactaria com outros grupos congéneres, no sentido de se organizarem alguns convívios, com jogos à mistura quer fossem de futebol, ou outro desporto com bola. Para além do mais poderia dar também umas dicas aos moços, sobre alguns aspectos com que eles mesmos um dia se iriam confrontar, se mobilizados.
Ali numa terra perto e tal como eu, havia uma rapaz a procurar saber mais (e que por isso também andava a estudar à noite) e que fora o indigitado para ser o impulsionador do desporto, tal como me acontecera.
Convém acrescentar e elucidar, que qualquer correspondência trocada entre organismos públicos, terminava sempre assim: A BEM DA NAÇÃO.. e por baixo a função de quem escrevia, ou seja "O Chefe (disto ou daquilo) ou o Director, etc etc.
Ora a determinada altura recebi um convite em papel timbrado, onde convidavam o nosso grupo para um jogo, almoçarado antes, e a realizar daí a 15 dias.
Tudo bem... falei com o verdadeiro Cmdt de Bandeira lá do sítio, anuímos mas ri... ri muito. É que o ofício terminava:
"A BEM DA NAÇÃO"
O barbeiro cá da terra.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 15 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12046: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (7): A saga do corte umbilical
domingo, 15 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12046: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (7): A saga do corte umbilical
1. Em mensagem do dia 9 de Setembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:
O PÓS-GUINÉ 65/67
7 - E LÁ VOLTA À BAILA A CICATRIZ RESULTANTE.. etc, etc, etc, etc,
1986?
A determinada altura decidi que havia de fazer um balanço sério e honesto do que fora a minha contribuição enquanto Combatente na Guiné. Competia-me a mim analisar e fi-lo seguindo a voz da consciência, que tantas vezes me condena e que n'algumas vezes (o seu lado mau) me tentou empurrar para o descalabro. Só que nunca gostei de ser empurrado e até reajo mal a quem mo faça e se calhar é por isso que ainda por aqui ando e andarei. Quanto mais ruim for, melhor... porque se diz que só morrem os bons.
E ASSIM "FONDO":
Já escrevinhei como fui prá tropa depois de ter ido "às sortes"... para onde fui e pelo que passei, aprendi e ensinei... pelas amizades conseguidas e também pelos poucos alguns ódios (decerto resultantes da inveja que também é um pecado capital) com que tentaram destruir-me.
Só que e já o Senhor Almeida Garret dizia no Frei Luís de Sousa, pela boca de Telmo Pais: "Ruim terra te comerá cedo, corpo da maior alma que deitou Portugal". Mas enganou-se, no "te comerá cedo", se é qu'a coisa se adapta ao meu caso.
Voltemos ao balanço na guerra, não sem que antes vos pergunte:
SOU OU NÃO ERUDITO?
Começo:
PORQUE É QUE NÃO GOSTO OU GOSTAREI d'alguns países?
Simples... muito simples mesmo:
Porque soube que apoiaram o PAIGC e com isso contribuíram para que tanta rapaziada nossa não tenha voltado com vida e que outros tenham voltado com graves mazelas.
PORQUE É QUE NÃO GOSTEI do chefe inimigo?
Ora, sendo este o causador também dos infortúnios atrás assinalados... e mais... considerando que estudou em Portugal à nossa custa, tirou cursos, trabalhou e conviveu com gentes honradas... porquê enveredar pela luta armada contra militares "DO POVO DAQUI", que apenas foi obrigado a cumprir um dever?
Não me agradou, apesar de tudo, o seu fim mas "Quem com ferros mata, com ferros morre";
PORQUE É QUE DESGOSTEI daquele valente cubano que sempre admirei?
Desgostei eu e o seu líder, que a determinada altura o repudiou.
Eu... porque embora a figurinha me merecesse algum respeito e até alguma romântica admiração mas unicamente até ao dia em que soube que também ele se ofereceu para combater contra nós, o que não foi aceite pelos movimentos que nos obrigaram a defender a Pátria devido à internacionalização da guerra que daí poderia advir, o que lhes não convinha.
O seu fim também não foi do meu agrado, mas todos os sonhadores assim acabam.
PORQUE É QUE CONTINUO A NÃO GOSTAR dos desertores e se calhar nem eles gostam agora de si próprios?
Porque por cada um que fugiu com medo, correspondeu a mais um dia que ficámos nós a penar no inferno.
Perdoo, mas um poucochinho apenas, aqueles poucos que já se retrataram.
PORQUE É QUE NUNCA GOSTEI OU GOSTAREI dos que fugiram? E fizeram-no mesmo sem saber se seriam apurados... sim... porque se na altura até os medrosos... os mERDosos e os maricas ficavam "livres", porquê ir a salto lá pr'ós bens-bons?
Voltaram e bem recebidos foram... que lhes faça bom proveito.
E PORQUE É QUE NÃO GOSTO d'alguns QU'ATÈ cantam?
Cantam? ná... protestam, ou melhor agora estão mais comedidos, que o dinheiro faz-lhes falta.
Tenho-lhes um pó, que nem vos digo nem vos conto e também tenho nas, rádio e TV, botões que os desligam e dessa forma corto-lhes o pio.
Fim, por hoje, do maldizer que foi a realidade.
Proximamente falarei das boas coisas.
E A GUINÉ SEMPRE PRESENTE
O grupo desportivo do Banco onde trabalhei bem e depressa e por isso também me pagaram e reconheceram o mérito, tinha uma Secção de Judo.
Fui ver... gostei e decidi-me participar, porque e até dado que o "Mestre" tinha sido Fuzileiro Especial e combatera na Guiné.
Pensando nas recordações que poderíamos a vir a desbobinar, lá fui e por lá andei anos a fio... e falámos... falámos, sobre as amargas experiências... sobre outras menos desagradáveis... enfim partilhámos emoções, saudades e o desejo firme de lá voltar sempre presente, bem como a ânsia de regressarmos aos vinte e poucos anos.
Conheci os acontecimentos sobre a operação a Conacry, com maior profundidade e até alguns outros que não mais vi sequer comentados e mais se me arreigou a certeza de que as, valentia e sofrimento das nossas tropas foram bastante superiores àquilo porque eu também passara.
Até que certo dia desisti.
Já não aguentava mais, tanta demonstração (para promoção) e onde me calhava ser sempre eu a cair. É que nem me salvava com aquela máxima judoca que diz: "Quanto maior for o nosso adversário, maior será a sua queda".
Tantas levei qu'agora uso apenas o quimono para avivar a memória cá em casa e numa demonstração de força psicológica - SÓ, pois que a verdadeira foi-se.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 8 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12015: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (6): A saga do corte umbilical
O PÓS-GUINÉ 65/67
7 - E LÁ VOLTA À BAILA A CICATRIZ RESULTANTE.. etc, etc, etc, etc,
1986?
A determinada altura decidi que havia de fazer um balanço sério e honesto do que fora a minha contribuição enquanto Combatente na Guiné. Competia-me a mim analisar e fi-lo seguindo a voz da consciência, que tantas vezes me condena e que n'algumas vezes (o seu lado mau) me tentou empurrar para o descalabro. Só que nunca gostei de ser empurrado e até reajo mal a quem mo faça e se calhar é por isso que ainda por aqui ando e andarei. Quanto mais ruim for, melhor... porque se diz que só morrem os bons.
E ASSIM "FONDO":
Já escrevinhei como fui prá tropa depois de ter ido "às sortes"... para onde fui e pelo que passei, aprendi e ensinei... pelas amizades conseguidas e também pelos poucos alguns ódios (decerto resultantes da inveja que também é um pecado capital) com que tentaram destruir-me.
Só que e já o Senhor Almeida Garret dizia no Frei Luís de Sousa, pela boca de Telmo Pais: "Ruim terra te comerá cedo, corpo da maior alma que deitou Portugal". Mas enganou-se, no "te comerá cedo", se é qu'a coisa se adapta ao meu caso.
Voltemos ao balanço na guerra, não sem que antes vos pergunte:
SOU OU NÃO ERUDITO?
Começo:
PORQUE É QUE NÃO GOSTO OU GOSTAREI d'alguns países?
Simples... muito simples mesmo:
Porque soube que apoiaram o PAIGC e com isso contribuíram para que tanta rapaziada nossa não tenha voltado com vida e que outros tenham voltado com graves mazelas.
PORQUE É QUE NÃO GOSTEI do chefe inimigo?
Ora, sendo este o causador também dos infortúnios atrás assinalados... e mais... considerando que estudou em Portugal à nossa custa, tirou cursos, trabalhou e conviveu com gentes honradas... porquê enveredar pela luta armada contra militares "DO POVO DAQUI", que apenas foi obrigado a cumprir um dever?
Não me agradou, apesar de tudo, o seu fim mas "Quem com ferros mata, com ferros morre";
PORQUE É QUE DESGOSTEI daquele valente cubano que sempre admirei?
Desgostei eu e o seu líder, que a determinada altura o repudiou.
Eu... porque embora a figurinha me merecesse algum respeito e até alguma romântica admiração mas unicamente até ao dia em que soube que também ele se ofereceu para combater contra nós, o que não foi aceite pelos movimentos que nos obrigaram a defender a Pátria devido à internacionalização da guerra que daí poderia advir, o que lhes não convinha.
O seu fim também não foi do meu agrado, mas todos os sonhadores assim acabam.
PORQUE É QUE CONTINUO A NÃO GOSTAR dos desertores e se calhar nem eles gostam agora de si próprios?
Porque por cada um que fugiu com medo, correspondeu a mais um dia que ficámos nós a penar no inferno.
Perdoo, mas um poucochinho apenas, aqueles poucos que já se retrataram.
PORQUE É QUE NUNCA GOSTEI OU GOSTAREI dos que fugiram? E fizeram-no mesmo sem saber se seriam apurados... sim... porque se na altura até os medrosos... os mERDosos e os maricas ficavam "livres", porquê ir a salto lá pr'ós bens-bons?
Voltaram e bem recebidos foram... que lhes faça bom proveito.
E PORQUE É QUE NÃO GOSTO d'alguns QU'ATÈ cantam?
Cantam? ná... protestam, ou melhor agora estão mais comedidos, que o dinheiro faz-lhes falta.
Tenho-lhes um pó, que nem vos digo nem vos conto e também tenho nas, rádio e TV, botões que os desligam e dessa forma corto-lhes o pio.
Fim, por hoje, do maldizer que foi a realidade.
Proximamente falarei das boas coisas.
E A GUINÉ SEMPRE PRESENTE
O grupo desportivo do Banco onde trabalhei bem e depressa e por isso também me pagaram e reconheceram o mérito, tinha uma Secção de Judo.
Fui ver... gostei e decidi-me participar, porque e até dado que o "Mestre" tinha sido Fuzileiro Especial e combatera na Guiné.
Pensando nas recordações que poderíamos a vir a desbobinar, lá fui e por lá andei anos a fio... e falámos... falámos, sobre as amargas experiências... sobre outras menos desagradáveis... enfim partilhámos emoções, saudades e o desejo firme de lá voltar sempre presente, bem como a ânsia de regressarmos aos vinte e poucos anos.
Conheci os acontecimentos sobre a operação a Conacry, com maior profundidade e até alguns outros que não mais vi sequer comentados e mais se me arreigou a certeza de que as, valentia e sofrimento das nossas tropas foram bastante superiores àquilo porque eu também passara.
Até que certo dia desisti.
Já não aguentava mais, tanta demonstração (para promoção) e onde me calhava ser sempre eu a cair. É que nem me salvava com aquela máxima judoca que diz: "Quanto maior for o nosso adversário, maior será a sua queda".
Tantas levei qu'agora uso apenas o quimono para avivar a memória cá em casa e numa demonstração de força psicológica - SÓ, pois que a verdadeira foi-se.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 8 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12015: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (6): A saga do corte umbilical
domingo, 8 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12015: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (6): A saga do corte umbilical
1. Em mensagem do dia 4 de Setembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:
O PÓS-GUINÉ 65/67
6 - E A SAGA DA MINHA CICATRIZ RESULTANTE, etc etc etc, CONTINUA
FIM DO ANO DE 1966
Baile na UDIB em Bissau, tocava um conjunto de música ligeira do Exército, onde tinha dois estimados amigos, um guitarra eléctrica, outro, organista electrónico. Interpretavam uma linda melodia para dançar à moda antiga (ou seja agarradinhos como convinha), chamada "Aline" e eu volteando com a namorada dum deles que só deixava que fosse eu o seu acompanhante e tal me houvera pedido, coisa que os pais dela presentes também, nem viam com desagrado, pois sabiam que eu era casado... bom rapaz... e conhecíamo-nos todos.
Só que:
Eu que nem era atrevidote, ou sequer disso fazia questão, e estava um pouco triste porque a minha mulher e a minha filha haviam regressado para a Metrópole nessa mesma manhã... atrevi-me... e... levei uma tal bofetada qu'ainda hoje a sinto aqui no semblante da face da cara, do lado esquerdo que m'alembro bem.
Apesar disso a noite passou-se depois em beleza, contrastando com o que se passava no mato, embora as comemorações hajam sido feitas um pouco por todo o lado.
Constatei que éramos capazes de esquecer o que de mau se passava, não nos entregávamos ao desalento, lutávamos e uníamo-nos se caso disso, distraíamo-nos quando a oportunidade surgia.
A noite acabou em completa e organizada desordem, própria daquela irreverente mas aguerrida juventude.
As ruas "na" Bissau, ao aparecer do nascer do dia, mais pareciam uma adega de garrafas partidas por tudo o que era sítio, e ali na Praça do Império ressonava-se no chão, vendo-se os três ramos das forças armadas a serem acordados com carinho pelas polícias militares.
Uns lá partiam para o mata-bicho disponível nos cafés das redondezas, outros tremelicando e ora caindo ora se levantando, provavelmente até devido às artroses, artrites, hérnias, enfim!!!
Bom.... depois veio um dia 25, (o que acontece curiosamente doze vezes por ano) em que acordei cedo, ouvi que havia uma revolução e todo contente fiquei, e ainda saudoso dos meus tempos de combatente, até ganhei novo alento e julguei que iria de novo pegar no meu morteiro 60, na minha G3 ou quiçá até, na Parabellum 9mm.
É que lá fora na rua, só ouvia "a luta continua" e para mim o significado de luta era combater contra quem nos emboscava nas matas da Guiné, ou seja responder aos tiroteios.
Cedo me desiludi, pois que afinal "luta" agora era outra coisa nada parecida, mas bem desvirtuada.
Por isso nem gritei VAMOS A ELES, avisando a malta.
Mas lá que foi divertido, foi.
Vi a tropa na rua, a princípio alinhada, disciplinada mas pouco, fardada qb que poucos dias depois desalinhou, indisciplinou-se e tanto andava com barba por fazer, cabelo comprido, G3 engatilhada e usada a tiracolo assim como eu hoje uso o chapéu que levo para tapar o sol na praia e até assisti a um juramento de bandeira na TV, que deveras me espantou dada a desagregação total das práticas constantes no RDM.
Tal rebalderia era vulgar acontecer nalguns aquartelamentos da mata, mas aí nem havia a presença de populações civis, como no caso da minha CCAÇ 1422 quando no K3. Por isso se fechava o olho, permitindo-se o uso de nem que mais não fosse, duns simples calções, bivaques em vez das tradicionais boinas, chinelos de enfiar... mas aqui na Metrópole este abandalhamento chocou-me sim senhor. E será que faria mesmo parte da "revolução em curso" como diziam, alguns dos seus tutores?
ÓSPOIS
Lisboa transfigurou-se:
Deram-se as províncias ultramarinas... abandonaram-se os seus autóctones Portugueses que combateram ao nosso lado... regressaram os aqui nascidos e que haviam ido em procura de melhor futuro.
Os cais donde partíramos e chegáramos pareciam agora enormes armazéns onde milhares e milhares deixavam os poucos bens que conseguiram trazer. Retornados lhes chamaram, "alguns" daqueles, qu'agora mandavam, eles próprios também retornados, mas do exílio dourado e que foram recebidos como gente importante apesar de... e de.
Claro que também conhecemos as honrosas excepções.
Para além disso, afirmavam estes, os no poder à época, que tudo resultava duma descolonização exemplar.
E eu que revoltado já era, assisti, e como eu outros muitos mais, com muita tristeza e raiva ao que ia acontecendo e à malfadada sorte dos nossos amigos que ficaram lá na sua terra, e AO NOSSO LADO COMBATERAM.
Repito: "tudo resultava duma descolonização exemplar", como afirmavam os no poder à época.
Começaram contudo e felizmente a aparecer vozes discordantes e quem se insurgisse contra o descalabro para onde queriam levar o País... militares guerreiam contra militares... dão-se golpes e contra-golpes... e o pobre povo lá se ia manifestando gritando:
- "A luta continua".
E assim se passaram anos até que certo dia, o meu clube prega uma abada de 7 a 1 a um outro qu'até tinha um emblema com um "pesserinho" pousado em cima duma roda de bicicleta com pneu e tudo, e lá se apaziguaram os ânimos daqueles que com'a mim utilizavam os campos de futebol, para extravasar e largar uns inocentes palavrões.
Tive imensa pena de não ter visto o jogo, mas na semana anterior havia abandonado de vez o futebol que tanto me incomodava psiquícamente. Soube do resultado através do rádio ao vir de Peniche onde fora à pesca... trazia dois baldes grandes cheios de sargos dourados, mas comentei:
- Este gajo enganou-se...7 a 1? Pode lá ser ?
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 1 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11998: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (5): A saga do corte umbilical
O PÓS-GUINÉ 65/67
6 - E A SAGA DA MINHA CICATRIZ RESULTANTE, etc etc etc, CONTINUA
FIM DO ANO DE 1966
Baile na UDIB em Bissau, tocava um conjunto de música ligeira do Exército, onde tinha dois estimados amigos, um guitarra eléctrica, outro, organista electrónico. Interpretavam uma linda melodia para dançar à moda antiga (ou seja agarradinhos como convinha), chamada "Aline" e eu volteando com a namorada dum deles que só deixava que fosse eu o seu acompanhante e tal me houvera pedido, coisa que os pais dela presentes também, nem viam com desagrado, pois sabiam que eu era casado... bom rapaz... e conhecíamo-nos todos.
Sede da União Desportiva Internacional de Bissau
Com a devida vénia a Nelson Herbert
Só que:
Eu que nem era atrevidote, ou sequer disso fazia questão, e estava um pouco triste porque a minha mulher e a minha filha haviam regressado para a Metrópole nessa mesma manhã... atrevi-me... e... levei uma tal bofetada qu'ainda hoje a sinto aqui no semblante da face da cara, do lado esquerdo que m'alembro bem.
Apesar disso a noite passou-se depois em beleza, contrastando com o que se passava no mato, embora as comemorações hajam sido feitas um pouco por todo o lado.
Constatei que éramos capazes de esquecer o que de mau se passava, não nos entregávamos ao desalento, lutávamos e uníamo-nos se caso disso, distraíamo-nos quando a oportunidade surgia.
A noite acabou em completa e organizada desordem, própria daquela irreverente mas aguerrida juventude.
As ruas "na" Bissau, ao aparecer do nascer do dia, mais pareciam uma adega de garrafas partidas por tudo o que era sítio, e ali na Praça do Império ressonava-se no chão, vendo-se os três ramos das forças armadas a serem acordados com carinho pelas polícias militares.
Uns lá partiam para o mata-bicho disponível nos cafés das redondezas, outros tremelicando e ora caindo ora se levantando, provavelmente até devido às artroses, artrites, hérnias, enfim!!!
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ABRIL DE 1974Bom.... depois veio um dia 25, (o que acontece curiosamente doze vezes por ano) em que acordei cedo, ouvi que havia uma revolução e todo contente fiquei, e ainda saudoso dos meus tempos de combatente, até ganhei novo alento e julguei que iria de novo pegar no meu morteiro 60, na minha G3 ou quiçá até, na Parabellum 9mm.
É que lá fora na rua, só ouvia "a luta continua" e para mim o significado de luta era combater contra quem nos emboscava nas matas da Guiné, ou seja responder aos tiroteios.
Cedo me desiludi, pois que afinal "luta" agora era outra coisa nada parecida, mas bem desvirtuada.
Por isso nem gritei VAMOS A ELES, avisando a malta.
Mas lá que foi divertido, foi.
Vi a tropa na rua, a princípio alinhada, disciplinada mas pouco, fardada qb que poucos dias depois desalinhou, indisciplinou-se e tanto andava com barba por fazer, cabelo comprido, G3 engatilhada e usada a tiracolo assim como eu hoje uso o chapéu que levo para tapar o sol na praia e até assisti a um juramento de bandeira na TV, que deveras me espantou dada a desagregação total das práticas constantes no RDM.
Tal rebalderia era vulgar acontecer nalguns aquartelamentos da mata, mas aí nem havia a presença de populações civis, como no caso da minha CCAÇ 1422 quando no K3. Por isso se fechava o olho, permitindo-se o uso de nem que mais não fosse, duns simples calções, bivaques em vez das tradicionais boinas, chinelos de enfiar... mas aqui na Metrópole este abandalhamento chocou-me sim senhor. E será que faria mesmo parte da "revolução em curso" como diziam, alguns dos seus tutores?
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ÓSPOIS
Lisboa transfigurou-se:
Deram-se as províncias ultramarinas... abandonaram-se os seus autóctones Portugueses que combateram ao nosso lado... regressaram os aqui nascidos e que haviam ido em procura de melhor futuro.
Os cais donde partíramos e chegáramos pareciam agora enormes armazéns onde milhares e milhares deixavam os poucos bens que conseguiram trazer. Retornados lhes chamaram, "alguns" daqueles, qu'agora mandavam, eles próprios também retornados, mas do exílio dourado e que foram recebidos como gente importante apesar de... e de.
Claro que também conhecemos as honrosas excepções.
Para além disso, afirmavam estes, os no poder à época, que tudo resultava duma descolonização exemplar.
E eu que revoltado já era, assisti, e como eu outros muitos mais, com muita tristeza e raiva ao que ia acontecendo e à malfadada sorte dos nossos amigos que ficaram lá na sua terra, e AO NOSSO LADO COMBATERAM.
Repito: "tudo resultava duma descolonização exemplar", como afirmavam os no poder à época.
Começaram contudo e felizmente a aparecer vozes discordantes e quem se insurgisse contra o descalabro para onde queriam levar o País... militares guerreiam contra militares... dão-se golpes e contra-golpes... e o pobre povo lá se ia manifestando gritando:
- "A luta continua".
E assim se passaram anos até que certo dia, o meu clube prega uma abada de 7 a 1 a um outro qu'até tinha um emblema com um "pesserinho" pousado em cima duma roda de bicicleta com pneu e tudo, e lá se apaziguaram os ânimos daqueles que com'a mim utilizavam os campos de futebol, para extravasar e largar uns inocentes palavrões.
Tive imensa pena de não ter visto o jogo, mas na semana anterior havia abandonado de vez o futebol que tanto me incomodava psiquícamente. Soube do resultado através do rádio ao vir de Peniche onde fora à pesca... trazia dois baldes grandes cheios de sargos dourados, mas comentei:
- Este gajo enganou-se...7 a 1? Pode lá ser ?
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 1 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11998: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (5): A saga do corte umbilical
domingo, 1 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P11998: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (5): A saga do corte umbilical
1. Em mensagem do dia 26 de Agosto de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:
O PÓS-GUINÉ 65/67
5 - A SAGA DO CORTE UMBILICAL
A outra peça que encontrei, é uma espécie de punhal, feito em ferro pelo meu amigo felupe, O QUARENTA E QUATRO, (como gostava que o chamasse), com a pega adornada em pele estriada e de variegadas cores. A bainha em couro também embelezada da mesma forma.
A lâmina propriamente dita, foi batida a martelo por ele próprio e afiada com esmero.
Foi num dia qualquer de 1966, que ma ofereceu e ma colocou no cinto, tendo o cuidado de me avisar:
- "Furrié" entrará sempre na tabanca, sem problemas e bem-vindo se a tiver à vista e "se a levares pró mato, poderá ser-te útil também".
Sempre fui de não acreditar em amuletos, mas que resultou... resultou. Aquele 44, de quem nunca mais soube, para além de guia, foi também membro da minha Secção de Morteiros e também meu protector quase invisível quando em combate.
Lembro-o sempre com muita saudade e procurei saber do seu destino, através de muitas tentativas mas nunca obtive respostas.
Mantenho preservada apenas uma foto que tirámos, vendo-se Farim lá depois do rio.
FOI NUM DIA DE JUNHO DE 1966
Que devo ter chorado tudo o que haveria para chorar, mas de alegria.
Um helicóptero aproximava-se vindo dos lados do Olossato e pairava sobre o K3, deixando a impressão de que iria pousar e pousou.
Tal era inédito e pensámos que seria alguém importante para saber algo sobre os funestos acontecimentos do dia anterior em que mais chorei, mas de dor e raiva.
Ainda atordoado, deixei-me ficar sossegado à porta da minha suite e esperei não ser incomodado, mas fui bíspando o que se passava.
Nisto oiço que me chamam e vejo que indicam a minha mansão a alguém que viera lá do ar.
Era um 2.º Sargento lá da minha terra, que estava sediado em Teixeira Pinto e que viera para visitar o meu "corpo" que ele houvera ouvido dizer, estar também esfrangalhado.
Digam lá se o Mundo e a Camaradagem não eram então coisas lindas?
E foi com um apertado abraço (e gratidão minha) que celebrámos este encontro e foi com esta prova espantosa, que me fez entender ainda mais, o que são as fraternidade e amizade.
O SOLDADO CHICO QUE ERA PALHAÇO
Este rapaz tinha sido um verdadeiro palhaço e a isso voltou, num dos circos que deambulavam pela feiras da nossa terra e onde eu tanto gostava d'ir, mais pelas pernas das trapezistas... ora bem. Fazia parte da comitiva que comigo permaneceu no Pelundo e conseguiu indrominar e fazer rir de tal forma, quer o homem grande (Ti Vicente se chamava) quer os seus ministros que nem ler sabiam, que decidiram oferecer-lhe algumas benesses em paga da alegria que lhes proporcionava.
Tudo o que tinham de melhor lhe pertenceria se ele ficasse por ali desde já e prontificaram-se a falar com as altas chefias militares.
Davam-lhe as filhas, as vacas e os porcos, a fonte e a igreja, a bolanha e alguns terrenos cultiváveis... parte doutros que iam até Bula, e para comer só do bom e do melhor, nem que para tal, houvessem de se deslocar e aviar onde fosse necessário, para além das fracas galinhas e cabras que lhes pertenciam. Além disso, prometiam-nos segurança ali na zona, que convenhamos, à época era mesmo sossegada, talvez devido ao medo que tinham de nós, gentes aguerridas que éramos, embora não descarte que por vezes, também alguma cagunfa sentíssemos.
O rapaz pediu-me conselhos e direcções a tomar... prometi apresentar o assunto superiormente... e dar-lhe-ia a resposta um destes dias.
Mas o destino não o quis (e nem ele próprio como mo confessou depois) mas enquanto pudemos fomos aproveitando a maré e usufruindo do que pudéssemos, Pouco tempo depois correm connosco dali, precisamente no dia seguinte a termos ido em visita de cortesia até Jolmete para uma belíssima jantarada que nos ofertaram, só que e porque se resolveram atacar o aquartelamento, pouco comemos.
Safei-me, porque logo que os tiros começaram, guardei nos bolsos, umas perninhas, ou seja, no bolso esquerdo uma de borrego e na direita duas de galinha assadas em brasas de lume, pitéus que continuo a incluir ma minha dieta mediterrânica.
NOUTRO DIA QUALQUER DE QUALQUER MÊS DE 1967
(O que me lembro é que havia regressado em Abril) e quando me encontrava desempenhando a minha função na Tesouraria da Fazenda Pública em Ponte de Sôr, recebi a visita dum individuo bem trajado que pretendia fazer-me umas perguntas, tendo-se antes identificado como agente da Polícia Política d'então.
Afinal apenas queria saber se tinha sido eu a colocar um qualquer petardo que havia rebentado ali perto da Assembleia Nacional e isto porque ao analisarem a minha ficha cadastral, haviam verificado que eu chegara da Guiné e tinha todas as condições para o ter feito, para além do mais e até, porque eu era especialista de Tancos, com um grau apreciável na preparação de Minas e Armadilhas.
Comprovadamente verificou que não era eu o procurado, e pronto o caso ficou encerrado, embora me preocupasse, porque nessa época, era-se preso por ter cão... e por não o ter.
É nesse entrementes que resolvi ir para a arbitragem de futebol, devido à necessidade imperiosa do "sentir" do perigo.
Cheguei lá... apitei uns jogos da regional... e... levei umas pedradas de quando em vez... e... com um bocado de madeira da bancada do Estádio da Fontedeira em Portalegre doutra vez... e... insultos do piorio... e até que um dia, perante a luta desigual, pois que não podia corresponder... decidi e comuniquei:
- Ou em vez do apito levo uma G3 comigo, ou não quero mais.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 25 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11978: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (4): O diacho da cicatriz
O PÓS-GUINÉ 65/67
5 - A SAGA DO CORTE UMBILICAL
A outra peça que encontrei, é uma espécie de punhal, feito em ferro pelo meu amigo felupe, O QUARENTA E QUATRO, (como gostava que o chamasse), com a pega adornada em pele estriada e de variegadas cores. A bainha em couro também embelezada da mesma forma.
A lâmina propriamente dita, foi batida a martelo por ele próprio e afiada com esmero.
Foi num dia qualquer de 1966, que ma ofereceu e ma colocou no cinto, tendo o cuidado de me avisar:
- "Furrié" entrará sempre na tabanca, sem problemas e bem-vindo se a tiver à vista e "se a levares pró mato, poderá ser-te útil também".
Sempre fui de não acreditar em amuletos, mas que resultou... resultou. Aquele 44, de quem nunca mais soube, para além de guia, foi também membro da minha Secção de Morteiros e também meu protector quase invisível quando em combate.
Lembro-o sempre com muita saudade e procurei saber do seu destino, através de muitas tentativas mas nunca obtive respostas.
Mantenho preservada apenas uma foto que tirámos, vendo-se Farim lá depois do rio.
Na foto > De pé: (?), Samba, Soares, (?), Nascimento e (?). De cócoras: 44, Tarouca e Domingues
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FOI NUM DIA DE JUNHO DE 1966
Que devo ter chorado tudo o que haveria para chorar, mas de alegria.
Um helicóptero aproximava-se vindo dos lados do Olossato e pairava sobre o K3, deixando a impressão de que iria pousar e pousou.
Tal era inédito e pensámos que seria alguém importante para saber algo sobre os funestos acontecimentos do dia anterior em que mais chorei, mas de dor e raiva.
Ainda atordoado, deixei-me ficar sossegado à porta da minha suite e esperei não ser incomodado, mas fui bíspando o que se passava.
Nisto oiço que me chamam e vejo que indicam a minha mansão a alguém que viera lá do ar.
Era um 2.º Sargento lá da minha terra, que estava sediado em Teixeira Pinto e que viera para visitar o meu "corpo" que ele houvera ouvido dizer, estar também esfrangalhado.
Digam lá se o Mundo e a Camaradagem não eram então coisas lindas?
E foi com um apertado abraço (e gratidão minha) que celebrámos este encontro e foi com esta prova espantosa, que me fez entender ainda mais, o que são as fraternidade e amizade.
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O SOLDADO CHICO QUE ERA PALHAÇO
Este rapaz tinha sido um verdadeiro palhaço e a isso voltou, num dos circos que deambulavam pela feiras da nossa terra e onde eu tanto gostava d'ir, mais pelas pernas das trapezistas... ora bem. Fazia parte da comitiva que comigo permaneceu no Pelundo e conseguiu indrominar e fazer rir de tal forma, quer o homem grande (Ti Vicente se chamava) quer os seus ministros que nem ler sabiam, que decidiram oferecer-lhe algumas benesses em paga da alegria que lhes proporcionava.
Tudo o que tinham de melhor lhe pertenceria se ele ficasse por ali desde já e prontificaram-se a falar com as altas chefias militares.
Davam-lhe as filhas, as vacas e os porcos, a fonte e a igreja, a bolanha e alguns terrenos cultiváveis... parte doutros que iam até Bula, e para comer só do bom e do melhor, nem que para tal, houvessem de se deslocar e aviar onde fosse necessário, para além das fracas galinhas e cabras que lhes pertenciam. Além disso, prometiam-nos segurança ali na zona, que convenhamos, à época era mesmo sossegada, talvez devido ao medo que tinham de nós, gentes aguerridas que éramos, embora não descarte que por vezes, também alguma cagunfa sentíssemos.
O rapaz pediu-me conselhos e direcções a tomar... prometi apresentar o assunto superiormente... e dar-lhe-ia a resposta um destes dias.
Mas o destino não o quis (e nem ele próprio como mo confessou depois) mas enquanto pudemos fomos aproveitando a maré e usufruindo do que pudéssemos, Pouco tempo depois correm connosco dali, precisamente no dia seguinte a termos ido em visita de cortesia até Jolmete para uma belíssima jantarada que nos ofertaram, só que e porque se resolveram atacar o aquartelamento, pouco comemos.
Safei-me, porque logo que os tiros começaram, guardei nos bolsos, umas perninhas, ou seja, no bolso esquerdo uma de borrego e na direita duas de galinha assadas em brasas de lume, pitéus que continuo a incluir ma minha dieta mediterrânica.
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NOUTRO DIA QUALQUER DE QUALQUER MÊS DE 1967
(O que me lembro é que havia regressado em Abril) e quando me encontrava desempenhando a minha função na Tesouraria da Fazenda Pública em Ponte de Sôr, recebi a visita dum individuo bem trajado que pretendia fazer-me umas perguntas, tendo-se antes identificado como agente da Polícia Política d'então.
Afinal apenas queria saber se tinha sido eu a colocar um qualquer petardo que havia rebentado ali perto da Assembleia Nacional e isto porque ao analisarem a minha ficha cadastral, haviam verificado que eu chegara da Guiné e tinha todas as condições para o ter feito, para além do mais e até, porque eu era especialista de Tancos, com um grau apreciável na preparação de Minas e Armadilhas.
Comprovadamente verificou que não era eu o procurado, e pronto o caso ficou encerrado, embora me preocupasse, porque nessa época, era-se preso por ter cão... e por não o ter.
É nesse entrementes que resolvi ir para a arbitragem de futebol, devido à necessidade imperiosa do "sentir" do perigo.
Cheguei lá... apitei uns jogos da regional... e... levei umas pedradas de quando em vez... e... com um bocado de madeira da bancada do Estádio da Fontedeira em Portalegre doutra vez... e... insultos do piorio... e até que um dia, perante a luta desigual, pois que não podia corresponder... decidi e comuniquei:
- Ou em vez do apito levo uma G3 comigo, ou não quero mais.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 25 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11978: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (4): O diacho da cicatriz
domingo, 25 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11978: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (4): O diacho da cicatriz
1. Em mensagem do dia 19 de Agosto de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:
O PÓS-GUINÉ 65/67
4 - O DIACHO DA CICATRIZ
E quando contei o acontecido ao meu "velho" ele apenas disse, lá do alto da sua sabedoria:
- Então não és tu, quem está sempre a ajudar os mais pobres do que nós? - E não é ao marido duma dessas, que dás as tuas roupas, mesmo já gastas?
Esclareço que o meu PAI era Homem trabalhador, Técnico Superior na área da construção civil e sem a sua mestria não se fariam ou consertavam casas.
Várias vezes o vi a preparar a massa de cimento, a que adicionava areia qb e água, que misturava com a enxada e a força dos seus braços. A pasta daí resultante, colava os tijolos um a um. Feita, pegava nela em baldes de lata, que transportava aos ombros e vertia junto aos pedreiros.
E estes sempre a pedir mais:
- Ó Manecas traz massa...
- Se queres pressas, vem fazê-la... porra.(não era bem esse o termo que utilizava, só que a minha "superior" cultura não me permite dizer a verdadeira palavra... começada por éfe).
Também caiava casas e ensinou a conduzir, pois que tinha sido condutor na tropa.
No dia em que regressei da minha Guiné, fez questão de fazer uma festa e convidar os que por mim lhe haviam perguntado e até o Senhor Padre Frederico esteve presente, vejam bem !!!
Comeram-se uns barbos apanhados à rede e à socapa, no rio Sôr, umas galinhas assadas na brasa de lenha de azinheira e até uns coelhos mansos, à caçadora, (com sabor a bravos que lhes era e é dado pela carqueja) nascidos e criados à moda antiga lá na capoeira do nosso quintal, onde e para além disso, também tínhamos umas rolas que tão boas eram, fritas em banha.
Aqui na Enciclopédia que é e será o nosso Blogue, tenho aprendido (e só vou a meio)... muito e devido às publicações de quem por aqui vai dissertando.
Há quem opine, há quem descreva o que passou o que não é fácil... há quem discorde e quem concorde com a guerra, QUE NÃO FOMOS NÓS A INICIAR e também os que nunca desembainharam a espada e dizem o pior dos piores dos que lhe protegeram a vida.
Eu que e apesar de não ter sido voluntário, mas obrigado, (e como eu mais um milhão dos jovens que nunca admitimos a deserção embora o pudéssemos ter feito), apenas cumpri o Dever imposto e com muito gosto.
O que ansiava era regressar para junto das família que deixara aqui e tive sempre presente a frase um Senhor chamado De Gaulle, (pessoa que sendo tão alta, eu nunca convidaria para apanhar figos comigo) qu'até chefiou os destinos da França e que quando da partida das tropas francesas para a Argélia, disse:
- Na guerra, ou matas ou morres.
E A GUINÉ... SEMPRE PRESENTE
Ao proceder a uns arrumos de caixotes de pau feitos, cheios de teias de aranhas (e até uma centopeia com mais ou menos 15 centímetros de lá saltou e que esmaguei impediosamente com o pé esquerdo pois que o direito mal mexe) encontrei duas fantásticas peças, sendo uma delas importante e de tal maneira me salvou de problemas, que julgo ter de lhe dedicar umas escassa palavras.
Então lá vai:
Quando pediram à minha CCAÇ 1422, para salvar a Pátria e nos colocaram no K3, foram-nos distribuídas armas novas em folha, desde a G3 especial distribuída aos graduados que era aquela, qu'até tinha bipé e fazia de metralhadora, e também virgens eram, os morteiros 60 de origem espanhola e que se revelaram falsos com'ó caraças.
Para quem não saiba, particularmente para os que nunca foram ao mato (mas que tão importantes foram, porque uma guerra sem uma boa retaguarda, não ata nem desata) e nem sequer usaram armas ou meteram uma bala na câmara (não deviam era orgulhar-se disso e há quem o faça) para esses sempre vos digo que o morteiro era:
Assim uma espécie de tubo, fechado num dos lados, e que fazia atirar para cima, uma granada (uma espécie de supositório, mas muito maior) depois de a pousarmos nas bordas desse mesmo tubo e a largarmos e no lado que estava aberto, naturalmente.
Ao chegar lá abaixo e já devidamente programada com uns adicionais para que fosse cair no chão e no local que pretendíamos, ou seja a 100 e por aí fora, metros, ao chegar lá abaixo, repito e ao bater num pinchavelho mais conhecido por percutor, ela (a granada) saía disparada que nem ginjas e lá ia na sua nobre missão de nos defender, qual remédio contra melgas, mosquitos e outros parasitas incomodativos assim "tipo" o IN.
Ao sair provocava um típico ruído, tal e qual como quando descalçamos um sapato apertado... daqueles que fazem calos no dedo mindinho. Era pressuposto fazer tiro a tiro e nunca tiro de rajada.
Devia estar assente em qualquer coisa rija mas não o prato base, qu'era pesado e não levávamos e por isso usávamos o capacete, embora nas bolanhas de pouco servisse, pois que mesmo assim acabava por se enterrar naquela porcaria lamacenta.
Pois e de acordo como lá em cima referi "falsos com'ó caraças", quis eu dizer que o percutor, que nos modelos que usara em treinos na Metrópole era b'óptimo, este, partia à terceira granada disparada, quando não logo à primeira, o que obstaculizava a eficiência da defesa, dado que tínhamos de mudar o dito cujo, usando para isso a tal peça com 10 centímetros de comprimento, que servia para desatarraxar o fundo e colocar um novo e que encontrei, guardei e a quem devo se calhar o facto de estar ainda por aqui.
Vai acompanhar-me d'ora em diante, aqui na minha pasta qu'uso a tiracolo.
FALEI-VOS DA MINHA AMADA CHAVE DE FENDAS.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11951: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (3): O bi-fascita da cicatriz
O PÓS-GUINÉ 65/67
4 - O DIACHO DA CICATRIZ
E quando contei o acontecido ao meu "velho" ele apenas disse, lá do alto da sua sabedoria:
- Então não és tu, quem está sempre a ajudar os mais pobres do que nós? - E não é ao marido duma dessas, que dás as tuas roupas, mesmo já gastas?
Esclareço que o meu PAI era Homem trabalhador, Técnico Superior na área da construção civil e sem a sua mestria não se fariam ou consertavam casas.
Várias vezes o vi a preparar a massa de cimento, a que adicionava areia qb e água, que misturava com a enxada e a força dos seus braços. A pasta daí resultante, colava os tijolos um a um. Feita, pegava nela em baldes de lata, que transportava aos ombros e vertia junto aos pedreiros.
E estes sempre a pedir mais:
- Ó Manecas traz massa...
- Se queres pressas, vem fazê-la... porra.(não era bem esse o termo que utilizava, só que a minha "superior" cultura não me permite dizer a verdadeira palavra... começada por éfe).
Também caiava casas e ensinou a conduzir, pois que tinha sido condutor na tropa.
No dia em que regressei da minha Guiné, fez questão de fazer uma festa e convidar os que por mim lhe haviam perguntado e até o Senhor Padre Frederico esteve presente, vejam bem !!!
Comeram-se uns barbos apanhados à rede e à socapa, no rio Sôr, umas galinhas assadas na brasa de lenha de azinheira e até uns coelhos mansos, à caçadora, (com sabor a bravos que lhes era e é dado pela carqueja) nascidos e criados à moda antiga lá na capoeira do nosso quintal, onde e para além disso, também tínhamos umas rolas que tão boas eram, fritas em banha.
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Aqui na Enciclopédia que é e será o nosso Blogue, tenho aprendido (e só vou a meio)... muito e devido às publicações de quem por aqui vai dissertando.
Há quem opine, há quem descreva o que passou o que não é fácil... há quem discorde e quem concorde com a guerra, QUE NÃO FOMOS NÓS A INICIAR e também os que nunca desembainharam a espada e dizem o pior dos piores dos que lhe protegeram a vida.
Eu que e apesar de não ter sido voluntário, mas obrigado, (e como eu mais um milhão dos jovens que nunca admitimos a deserção embora o pudéssemos ter feito), apenas cumpri o Dever imposto e com muito gosto.
O que ansiava era regressar para junto das família que deixara aqui e tive sempre presente a frase um Senhor chamado De Gaulle, (pessoa que sendo tão alta, eu nunca convidaria para apanhar figos comigo) qu'até chefiou os destinos da França e que quando da partida das tropas francesas para a Argélia, disse:
- Na guerra, ou matas ou morres.
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E A GUINÉ... SEMPRE PRESENTE
Ao proceder a uns arrumos de caixotes de pau feitos, cheios de teias de aranhas (e até uma centopeia com mais ou menos 15 centímetros de lá saltou e que esmaguei impediosamente com o pé esquerdo pois que o direito mal mexe) encontrei duas fantásticas peças, sendo uma delas importante e de tal maneira me salvou de problemas, que julgo ter de lhe dedicar umas escassa palavras.
Então lá vai:
Quando pediram à minha CCAÇ 1422, para salvar a Pátria e nos colocaram no K3, foram-nos distribuídas armas novas em folha, desde a G3 especial distribuída aos graduados que era aquela, qu'até tinha bipé e fazia de metralhadora, e também virgens eram, os morteiros 60 de origem espanhola e que se revelaram falsos com'ó caraças.
Para quem não saiba, particularmente para os que nunca foram ao mato (mas que tão importantes foram, porque uma guerra sem uma boa retaguarda, não ata nem desata) e nem sequer usaram armas ou meteram uma bala na câmara (não deviam era orgulhar-se disso e há quem o faça) para esses sempre vos digo que o morteiro era:
Assim uma espécie de tubo, fechado num dos lados, e que fazia atirar para cima, uma granada (uma espécie de supositório, mas muito maior) depois de a pousarmos nas bordas desse mesmo tubo e a largarmos e no lado que estava aberto, naturalmente.
Ao chegar lá abaixo e já devidamente programada com uns adicionais para que fosse cair no chão e no local que pretendíamos, ou seja a 100 e por aí fora, metros, ao chegar lá abaixo, repito e ao bater num pinchavelho mais conhecido por percutor, ela (a granada) saía disparada que nem ginjas e lá ia na sua nobre missão de nos defender, qual remédio contra melgas, mosquitos e outros parasitas incomodativos assim "tipo" o IN.
Ao sair provocava um típico ruído, tal e qual como quando descalçamos um sapato apertado... daqueles que fazem calos no dedo mindinho. Era pressuposto fazer tiro a tiro e nunca tiro de rajada.
Devia estar assente em qualquer coisa rija mas não o prato base, qu'era pesado e não levávamos e por isso usávamos o capacete, embora nas bolanhas de pouco servisse, pois que mesmo assim acabava por se enterrar naquela porcaria lamacenta.
Pois e de acordo como lá em cima referi "falsos com'ó caraças", quis eu dizer que o percutor, que nos modelos que usara em treinos na Metrópole era b'óptimo, este, partia à terceira granada disparada, quando não logo à primeira, o que obstaculizava a eficiência da defesa, dado que tínhamos de mudar o dito cujo, usando para isso a tal peça com 10 centímetros de comprimento, que servia para desatarraxar o fundo e colocar um novo e que encontrei, guardei e a quem devo se calhar o facto de estar ainda por aqui.
Vai acompanhar-me d'ora em diante, aqui na minha pasta qu'uso a tiracolo.
FALEI-VOS DA MINHA AMADA CHAVE DE FENDAS.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11951: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (3): O bi-fascita da cicatriz
domingo, 18 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11951: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (3): O bi-fascista da cicatriz
1. Em mensagem do dia 12 de Agosto de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o terceiro episódio do seu Pós-Guiné:
O PÓS-GUINÉ 65/67
3 - O BI-FASCITA DA CICATRIZ
FOI UMA VEZ, num dia de Setembro de 1965.
A CCAÇ 1422, é "convidada" a ir até Mansabá, para ir "aprender" com uma das últimas Companhia dos "ÁGUIAS NEGRAS" que usavam, então e ainda, a farda amarela.
Partiriam para a Metrópole dentro de pouco tempo, mas a heroicidade permanecia latente e não se escusavam a manter-se operacionais aguerridos.
A minha Secção de Morteiros 60 é destacada para acompanhar um dos seus pelotões, numa operação marcada para essa noite e claro que desejosos de entrar em acção, contentíssimos ficámos por finalmente irmos saber como era aquela coisa da guerra e ganhá-la pois então... e até comprámos dois sacos de adrenalina, na loja dum Libanês.
Chovia tão torrencialmente como eu nunca houvera visto, a selva, pareceu-me e era, escura. a progressão demorada, cheia de silêncios e sem fumar, (o que muito me custou) mas lá chegámos ao objectivo, que rodeámos sem termos sido detectados.
Foi-me determinado que incendiasse as moranças frente do local onde estávamos emboscados, logo após a ordem que receberia depois da fogaracha que iria acontecer e aconteceu e também que disparasse ao ver algum elemento armado o que também fiz. Entretido, dei a determinada altura, que estava só, com os meus oito homens, porque os outros que viera coadjuvar, já por ali não estavam.
Sem guia, sem saber por onde ir, mas temente a granadas que começavam a cair, enviadas pelo IN, decidi organizar a defesa possível, enquanto esperava que alguém desse pela nossa falta e nos resgatasse. Meia hora depois tal aconteceu, vieram o Senhor Alferes, Cmdt do grupo, um guia e o "Manel" de Mora, com quem convivo uma vez por ano e também a recriminação suavizada por ser a minha 1ª vez:
- É pá, f...-se, podias ter sido comido vivo, aquilo era para destruir e abandonar em passo de corrida.
FOI OUTRA VEZ EM SETEMBRO, MAS DE 1974
Depois, veio o não reconhecimento pelo facto de ter cumprido o serviço militar obrigatório e ter cumprido o meu Dever: Um grupo de pobres gentes, manifestavam-se (falo da época das ocupações, lembram-se?) numa estrada em frente a um Hospital e a quem buzinei para passar no meu bólide de 40 contos novo em folha, mas essas gentes resolveram atirar-me pedrinhas o que me desagradou sobretudo.
Claro que saí, e perguntei do porquê, pois que eu nem pertencia à administração, nem enfermeiro era. A resposta veio pela voz de duas mulheres presentes ali na turba, por sinal até ainda ligadas à família, e fascista me chamaram e mais disseram porquê:
- Foste combatente na Guiné, colaboraste com os fascistas, és fascista.
Outra proferiu o seguinte:
- Tens um carro, és fascista.
Pois bem, segundo a maldade que imperava então, só os desertores eram considerados e recebidos com pompa. Foi o tempo da gritaria do "acabemos com os ricos" ao contrário do que hoje acontece em que estão, sem gritar, a acabar com os pobres.
No fundo nada mudou, nem o tratamento que continua a ser dado aos Combatentes, que lá longe no "paraíso" onde estivemos, muito do pior presenciámos. E se então fui vilipendiado, e agora continuo esquecido, é lá com esses, que também morrem.
Por mim, não esquecerei e se por acaso nos encontrarmos no purgatório, garanto-lhes uma recepção digna.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 11 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11931: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (2): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical
O PÓS-GUINÉ 65/67
3 - O BI-FASCITA DA CICATRIZ
FOI UMA VEZ, num dia de Setembro de 1965.
A CCAÇ 1422, é "convidada" a ir até Mansabá, para ir "aprender" com uma das últimas Companhia dos "ÁGUIAS NEGRAS" que usavam, então e ainda, a farda amarela.
Partiriam para a Metrópole dentro de pouco tempo, mas a heroicidade permanecia latente e não se escusavam a manter-se operacionais aguerridos.
Vista aérea de Mansabá
A minha Secção de Morteiros 60 é destacada para acompanhar um dos seus pelotões, numa operação marcada para essa noite e claro que desejosos de entrar em acção, contentíssimos ficámos por finalmente irmos saber como era aquela coisa da guerra e ganhá-la pois então... e até comprámos dois sacos de adrenalina, na loja dum Libanês.
Chovia tão torrencialmente como eu nunca houvera visto, a selva, pareceu-me e era, escura. a progressão demorada, cheia de silêncios e sem fumar, (o que muito me custou) mas lá chegámos ao objectivo, que rodeámos sem termos sido detectados.
Foi-me determinado que incendiasse as moranças frente do local onde estávamos emboscados, logo após a ordem que receberia depois da fogaracha que iria acontecer e aconteceu e também que disparasse ao ver algum elemento armado o que também fiz. Entretido, dei a determinada altura, que estava só, com os meus oito homens, porque os outros que viera coadjuvar, já por ali não estavam.
Sem guia, sem saber por onde ir, mas temente a granadas que começavam a cair, enviadas pelo IN, decidi organizar a defesa possível, enquanto esperava que alguém desse pela nossa falta e nos resgatasse. Meia hora depois tal aconteceu, vieram o Senhor Alferes, Cmdt do grupo, um guia e o "Manel" de Mora, com quem convivo uma vez por ano e também a recriminação suavizada por ser a minha 1ª vez:
- É pá, f...-se, podias ter sido comido vivo, aquilo era para destruir e abandonar em passo de corrida.
FOI OUTRA VEZ EM SETEMBRO, MAS DE 1974
Depois, veio o não reconhecimento pelo facto de ter cumprido o serviço militar obrigatório e ter cumprido o meu Dever: Um grupo de pobres gentes, manifestavam-se (falo da época das ocupações, lembram-se?) numa estrada em frente a um Hospital e a quem buzinei para passar no meu bólide de 40 contos novo em folha, mas essas gentes resolveram atirar-me pedrinhas o que me desagradou sobretudo.
Claro que saí, e perguntei do porquê, pois que eu nem pertencia à administração, nem enfermeiro era. A resposta veio pela voz de duas mulheres presentes ali na turba, por sinal até ainda ligadas à família, e fascista me chamaram e mais disseram porquê:
- Foste combatente na Guiné, colaboraste com os fascistas, és fascista.
Outra proferiu o seguinte:
- Tens um carro, és fascista.
Pois bem, segundo a maldade que imperava então, só os desertores eram considerados e recebidos com pompa. Foi o tempo da gritaria do "acabemos com os ricos" ao contrário do que hoje acontece em que estão, sem gritar, a acabar com os pobres.
No fundo nada mudou, nem o tratamento que continua a ser dado aos Combatentes, que lá longe no "paraíso" onde estivemos, muito do pior presenciámos. E se então fui vilipendiado, e agora continuo esquecido, é lá com esses, que também morrem.
Por mim, não esquecerei e se por acaso nos encontrarmos no purgatório, garanto-lhes uma recepção digna.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 11 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11931: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (2): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical
domingo, 11 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11931: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (2): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical
1. Em mensagem do dia 31 de Julho de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o segundo episódio do seu Pós-Guiné:
O PÓS-GUINÉ 65/67
2 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL
Pois é... já lavei a cicatriz... guardei o cotão, (tem muito para contar e dará muito pano para mangas) mas vou continuar a falar de mim, da Guiné e até ao dia que me cortem o pio.
Continuarei a descrever uma vivida realidade... não falarei sobre as cicatrizes d'outros.
Manter-me-hei atento e venerador ao que escrevem... continuarei a ser o mais honesto possível... não criticarei abertamente seja quem for, mesmo que mais sábios e eruditos, do qu'a mim...
Aqui no blogue, pretende-se deixar algo para memória futura, eu tive a sorte de que publicassem aquelas minhas croniquetas d"OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA", onde e de forma graciosa (pretensiosismo meu) contei o que vivi, sem sangue... sem botas com apenas pés lá dentro... sem corpos dos nossos cortados ao meio pelas balas ou minas inimigas.
Por aí não enveredarei, embora saiba fazê-lo pois que à 4ª classe tirada nas Aulas Regimentais, ajuntei depois mais alguma cultura, com quem era mesmo culto e falo do SENHOR Ferreira de Castro, escritor... dum Senhor Presidente do Brasil, exilado em Portugal e outros que direi um dia, e com quem tive o grato prazer de partilhar apertos de mão e conviver, enquanto "caixa" que fui no Banco onde desempenhei a função, com as mesmas, disciplina e hombridade, aprendidas no Exército.
Em boa verdade, a Guiné esteve sempre presente e continua, como ainda hoje 30/7/2013 ao ir no hospital para uma pequena cirurgia ao sobrolho, após ter caído na rua, sem que alguém me tocasse e apenas porque uma elevação de dois centímetros se opôs à minha passagem. O médico guineense com quem conversei e que vai abrir consultório em Bissau, apesar de tudo e sabendo que eu sou do Sporting, afinfou-me três pontos que permitirão ao meu clube, partir com esse avanço.
Anteriormente, e aquando dum grave problema de comichão na barriga, e deveras parecida com as borbulhagens da mata, e ainda, após dois meses de tratamentos com os melhores e mais dispendiosos, como se chamam?... como se chamam?... ah, já sei... dermatologistas pois então (estive alguns minutos a pensar... e quase a desistir).
Pois como ia a dizer, pedi que me dessem a mesinha da Guiné, que era apenas e só, o 1214 (qu'até dava para se beber na falta do Vat 69), mas foi escusado que ninguém conhecia tal tratamento. Em boa verdade a coisa resultava se besuntada ao mesmo tempo que se tomava, pelos gorgomilos abaixo, uma generosa dose de gin Gordon's misturado com água tónica e cinco pedras de gelo... tudo servido em copo de cristal, feito a partir de qualquer garrafa, que levava óleo quente até ao tamanho pretendido e depois colocada em água fria, partia por aí.
Lá, a segunda parte do tratamento antibiotecário, fiz mas não tendo resultado, falei com um veterinário, que o não era então, aquando fur. mil. no QG do CTIG, expus-lhe a situação, deu-me uma pomada que usava no tratamento de equimoses nos cães e cadelas obviamente, e passou, eia... sus.
E em 1970 ou 71, fiz amizade, que se manteve por muitos e bons anos, com um Senhor Capitão, acabado de chegar do comando duma CART, operacional. Como não poderia deixar de ser, lá vieram as memórias e alguns relatos, embora a sua relutância pelo narrar coisas que lhe eram dolorosas, mesmo sendo Homem experimentado e esta tinha sido a sua 3.ª comissão.
Criámos um dia semanal para almoçarmos (nesta época os Bancos fechavam para almoço, das 12 às 14 h) e algumas vezes com outros seus camaradas, Oficiais do Quadro e com quem eu aprofundava o mais saber.
Em 1974, quando se deu a revolução, que tantos ódios (esperava-se o contrário e eu próprio, feito tonto, esperei mais amor, mas este foi-se e nunca mais voltou), que tantos ódios, repito, trouxe a este já pobre País, recebia-me ali no QG ali em S. Sebastião da Pedreira. Na porta d'armas identificava-me telefonavam... mandavam-me entrar até que, duas ou três vezes depois:
- Ah... é o "Capitão" Veríssimo... pode entrar... vem para o cafezinho com o Nosso Major.
Bom só vos digo que perante esta tão rápida promoção, até andava ao passo cansativo do bater no solo com os dois pés ao mesmo tempo e se mais tivesse mais bateria. Até a barriga ia mais pra dentro, qu'a cerveja estava dando resultados.
Depois? Pois depois, tornei-me rezingão e não tendo inimigos para combater, criei-os eu mesmo. Só eu tinha razão... só eu sabia e aqui terei necessitado de ajuda.
Foi um curto período mas após um curso de Análise Transacional proporcionado pelo meu patrão, lá dei a volta e consegui abandalhar-me mas com classe, acompanhando o País e o que aqui se passava.
(continua)
____________
Nota do editor
Primeiro poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão
O PÓS-GUINÉ 65/67
2 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL
Pois é... já lavei a cicatriz... guardei o cotão, (tem muito para contar e dará muito pano para mangas) mas vou continuar a falar de mim, da Guiné e até ao dia que me cortem o pio.
Continuarei a descrever uma vivida realidade... não falarei sobre as cicatrizes d'outros.
Manter-me-hei atento e venerador ao que escrevem... continuarei a ser o mais honesto possível... não criticarei abertamente seja quem for, mesmo que mais sábios e eruditos, do qu'a mim...
Aqui no blogue, pretende-se deixar algo para memória futura, eu tive a sorte de que publicassem aquelas minhas croniquetas d"OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA", onde e de forma graciosa (pretensiosismo meu) contei o que vivi, sem sangue... sem botas com apenas pés lá dentro... sem corpos dos nossos cortados ao meio pelas balas ou minas inimigas.
Por aí não enveredarei, embora saiba fazê-lo pois que à 4ª classe tirada nas Aulas Regimentais, ajuntei depois mais alguma cultura, com quem era mesmo culto e falo do SENHOR Ferreira de Castro, escritor... dum Senhor Presidente do Brasil, exilado em Portugal e outros que direi um dia, e com quem tive o grato prazer de partilhar apertos de mão e conviver, enquanto "caixa" que fui no Banco onde desempenhei a função, com as mesmas, disciplina e hombridade, aprendidas no Exército.
Em boa verdade, a Guiné esteve sempre presente e continua, como ainda hoje 30/7/2013 ao ir no hospital para uma pequena cirurgia ao sobrolho, após ter caído na rua, sem que alguém me tocasse e apenas porque uma elevação de dois centímetros se opôs à minha passagem. O médico guineense com quem conversei e que vai abrir consultório em Bissau, apesar de tudo e sabendo que eu sou do Sporting, afinfou-me três pontos que permitirão ao meu clube, partir com esse avanço.
Anteriormente, e aquando dum grave problema de comichão na barriga, e deveras parecida com as borbulhagens da mata, e ainda, após dois meses de tratamentos com os melhores e mais dispendiosos, como se chamam?... como se chamam?... ah, já sei... dermatologistas pois então (estive alguns minutos a pensar... e quase a desistir).
Pois como ia a dizer, pedi que me dessem a mesinha da Guiné, que era apenas e só, o 1214 (qu'até dava para se beber na falta do Vat 69), mas foi escusado que ninguém conhecia tal tratamento. Em boa verdade a coisa resultava se besuntada ao mesmo tempo que se tomava, pelos gorgomilos abaixo, uma generosa dose de gin Gordon's misturado com água tónica e cinco pedras de gelo... tudo servido em copo de cristal, feito a partir de qualquer garrafa, que levava óleo quente até ao tamanho pretendido e depois colocada em água fria, partia por aí.
Lá, a segunda parte do tratamento antibiotecário, fiz mas não tendo resultado, falei com um veterinário, que o não era então, aquando fur. mil. no QG do CTIG, expus-lhe a situação, deu-me uma pomada que usava no tratamento de equimoses nos cães e cadelas obviamente, e passou, eia... sus.
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E em 1970 ou 71, fiz amizade, que se manteve por muitos e bons anos, com um Senhor Capitão, acabado de chegar do comando duma CART, operacional. Como não poderia deixar de ser, lá vieram as memórias e alguns relatos, embora a sua relutância pelo narrar coisas que lhe eram dolorosas, mesmo sendo Homem experimentado e esta tinha sido a sua 3.ª comissão.
Criámos um dia semanal para almoçarmos (nesta época os Bancos fechavam para almoço, das 12 às 14 h) e algumas vezes com outros seus camaradas, Oficiais do Quadro e com quem eu aprofundava o mais saber.
Em 1974, quando se deu a revolução, que tantos ódios (esperava-se o contrário e eu próprio, feito tonto, esperei mais amor, mas este foi-se e nunca mais voltou), que tantos ódios, repito, trouxe a este já pobre País, recebia-me ali no QG ali em S. Sebastião da Pedreira. Na porta d'armas identificava-me telefonavam... mandavam-me entrar até que, duas ou três vezes depois:
- Ah... é o "Capitão" Veríssimo... pode entrar... vem para o cafezinho com o Nosso Major.
Bom só vos digo que perante esta tão rápida promoção, até andava ao passo cansativo do bater no solo com os dois pés ao mesmo tempo e se mais tivesse mais bateria. Até a barriga ia mais pra dentro, qu'a cerveja estava dando resultados.
Depois? Pois depois, tornei-me rezingão e não tendo inimigos para combater, criei-os eu mesmo. Só eu tinha razão... só eu sabia e aqui terei necessitado de ajuda.
Foi um curto período mas após um curso de Análise Transacional proporcionado pelo meu patrão, lá dei a volta e consegui abandalhar-me mas com classe, acompanhando o País e o que aqui se passava.
(continua)
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Nota do editor
Primeiro poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão
domingo, 4 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão
1. Em mensagem do dia 31 de Julho de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o primeiro episódio do seu Pós-Guiné, que esperamos nos traga ironia e humor, mesmo tratando um assunto muito sério como se adivinha.
O PÓS-GUINÉ 65/67
1 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL, ESTÁ CHEIA DE COTÃO
E ao pisar o cais de desembarque, plagiei e gritei:
- Mulheres... cheguei. Regressei à minha terra e para o anterior emprego de funcionário público.
E na viagem nocturna em comboio correio, (que demorava seis horas para chegar ao destino), devidamente acompanhado pela minha mulher, que me fora esperar, aconteceu mais uma cena de solidariedade linda que conto, porque digna de se saber.
Então lá vai:
O revisor, que me afirmara ter um filho na Guiné, quando ao picar dos bilhetes da 3ª classe (bancos em madeira) apercebeu-se que eu havia chegado da guerra e convidou-me para mudar para a carruagem da 1ª, qu'até cama tinha e comprometeu-se a acordar-nos quando estivéssemos próximo da Ponte de Sôr (como se eu fosse dormir numa cama daquelas e embalado que seria pelo solavanquear... também resultado, das rodas quadradas do TGV d'então.
Surpreso fiquei pela amabilidade, fui... ai nanas !!! Quem não iria?
E assim se passou um ano, naquele ramerrame, com as sem jeito, mas costumadas conversas de café.
No fundo, começava a sentir a saudade dos "meus" da 1422.
E que falta me fazia, aquela adrenalina anterior... a alegria do "acordar" e de continuar vivo...
E que falta me estava a fazer aquela camaradagem que houvera tido e que sabemos quão boa e saudável.
Numa tentativa de alterar qualquer coisa que ainda nem sabia bem o quê, consegui emprego na capital do Império, onde amenizei saudades conversando com a rapaziada amiga e com quem convivera a maior parte dos meus melhores 40 meses da minha vida.
Aqui, Restauradores em Lisboa, acabei por me envolver de novo com tudo o que se ia passando, por lá longe. Primeiro, pelos contactos que começaram a acontecer com os ex-soldados Domingues, Soares e Lavado, com o ex-1º Cabo Fernando Nascimento da minha Secção de Morteiros 60, com o ex-fur. mil. Raul Durão (almoçámos todos várias vezes), com os ex-alf. mil's Macedo e Simões, mensalmente, com o Gualter, com o Formigo (estes dois também ex-furriéis) e mais ainda com alguns camaradas doutras companhias chegantes e com quem ia acabando por me actualizar.
E foi assim que soube do desaparecimento físico, na estrada do Pelundo para Jol*, dos nossos homens (sete ao todo), que desarmados, foram cruel e barbaramente assassinados a sangue frio...
E foi assim que tomei conhecimento da operação a Conakry, que tanto me enche, ainda hoje, de orgulho.
E foi assim, que soube da morte do Amílcar Cabral, cuja causa ainda hoje não esclarecida, embora a versão à época, seja bem diferente das que, de quando em vez por aí circulam.
Elucidado fui mais tarde, do porquê de nos chamarem "Brancos" e refiro-me particularmente aos felupes e futa-fulas com quem convivi no K3, pois que e quanto aos outros chamavam russos, americanos, suecos, e por aí fora. Compreendia finalmente, que aquela generosidade, apenas queria dizer que nos consideravam a raça superior.
Nem tudo era fácil e lembro-me até daquele dia a que fui assistir à estreia do filme Apocalipse Now, ali no cinema Monumental, e embora posteriormente já o tenha visto... revisto e revisto, na altura saí da sala, enervado, tremente e passados que foram os primeiros dez minutos projectados.
Apanhado pelo clima? Quem disse?
Mas a alegria também aconteceu, como naquela vez que recebi uma carta do Batalhão de Caçadores 1 e pensei cheio de fé que me estariam a convidar de novo a integrar as fileiras (era normal então voltar ao combate, até que fizéssemos 45 anos de idade), mas não... apenas me informavam que havia sido promovido a 2º Sargento.
Como atrás refiro, ia entendendo que tudo estava a mudar para pior para as NT, que agora combatiam ainda e se possível mais aguerridamente, um IN porém mais municiado, com a ajuda de países que ainda agora alguns põem nos píncaros, esquecendo que foram estes os causadores de muitas vidas desfeitas.
Posteriormente, não me foi fácil também, aceitar o acolhimento em Portugal, dalguns exilados chefes inimigos, principescamente recebidos e alguns até desdenhando publicamente das nossas tropas, quando em solo nacional estavam a beneficiar de benesses que deveriam antes, ser concedidas àquelas etnias guineenses que combateram do nosso lado.
Como Portugueses que foram, eram e continuariam provavelmente a gostar de ser, deveriam ter sido melhor tratados.
(Continua)
____________
OBS:
(*) Jol - o mesmo que Jolmete
Negritos e itálicos da responsabilidade do editor
Emblema da CCAÇ 1422 da coleçção do nosso camarada Carlos Coutinho
O editor
____________
Nota do editor
Vd. série anterior de Veríssimo Ferreira: "Os melhores 40 meses da minha vida
O PÓS-GUINÉ 65/67
1 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL, ESTÁ CHEIA DE COTÃO
E ao pisar o cais de desembarque, plagiei e gritei:
- Mulheres... cheguei. Regressei à minha terra e para o anterior emprego de funcionário público.
E na viagem nocturna em comboio correio, (que demorava seis horas para chegar ao destino), devidamente acompanhado pela minha mulher, que me fora esperar, aconteceu mais uma cena de solidariedade linda que conto, porque digna de se saber.
Então lá vai:
O revisor, que me afirmara ter um filho na Guiné, quando ao picar dos bilhetes da 3ª classe (bancos em madeira) apercebeu-se que eu havia chegado da guerra e convidou-me para mudar para a carruagem da 1ª, qu'até cama tinha e comprometeu-se a acordar-nos quando estivéssemos próximo da Ponte de Sôr (como se eu fosse dormir numa cama daquelas e embalado que seria pelo solavanquear... também resultado, das rodas quadradas do TGV d'então.
Surpreso fiquei pela amabilidade, fui... ai nanas !!! Quem não iria?
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E assim se passou um ano, naquele ramerrame, com as sem jeito, mas costumadas conversas de café.
No fundo, começava a sentir a saudade dos "meus" da 1422.
E que falta me fazia, aquela adrenalina anterior... a alegria do "acordar" e de continuar vivo...
E que falta me estava a fazer aquela camaradagem que houvera tido e que sabemos quão boa e saudável.
Numa tentativa de alterar qualquer coisa que ainda nem sabia bem o quê, consegui emprego na capital do Império, onde amenizei saudades conversando com a rapaziada amiga e com quem convivera a maior parte dos meus melhores 40 meses da minha vida.
Aqui, Restauradores em Lisboa, acabei por me envolver de novo com tudo o que se ia passando, por lá longe. Primeiro, pelos contactos que começaram a acontecer com os ex-soldados Domingues, Soares e Lavado, com o ex-1º Cabo Fernando Nascimento da minha Secção de Morteiros 60, com o ex-fur. mil. Raul Durão (almoçámos todos várias vezes), com os ex-alf. mil's Macedo e Simões, mensalmente, com o Gualter, com o Formigo (estes dois também ex-furriéis) e mais ainda com alguns camaradas doutras companhias chegantes e com quem ia acabando por me actualizar.
E foi assim que soube do desaparecimento físico, na estrada do Pelundo para Jol*, dos nossos homens (sete ao todo), que desarmados, foram cruel e barbaramente assassinados a sangue frio...
E foi assim que tomei conhecimento da operação a Conakry, que tanto me enche, ainda hoje, de orgulho.
E foi assim, que soube da morte do Amílcar Cabral, cuja causa ainda hoje não esclarecida, embora a versão à época, seja bem diferente das que, de quando em vez por aí circulam.
Elucidado fui mais tarde, do porquê de nos chamarem "Brancos" e refiro-me particularmente aos felupes e futa-fulas com quem convivi no K3, pois que e quanto aos outros chamavam russos, americanos, suecos, e por aí fora. Compreendia finalmente, que aquela generosidade, apenas queria dizer que nos consideravam a raça superior.
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Nem tudo era fácil e lembro-me até daquele dia a que fui assistir à estreia do filme Apocalipse Now, ali no cinema Monumental, e embora posteriormente já o tenha visto... revisto e revisto, na altura saí da sala, enervado, tremente e passados que foram os primeiros dez minutos projectados.
Apanhado pelo clima? Quem disse?
Mas a alegria também aconteceu, como naquela vez que recebi uma carta do Batalhão de Caçadores 1 e pensei cheio de fé que me estariam a convidar de novo a integrar as fileiras (era normal então voltar ao combate, até que fizéssemos 45 anos de idade), mas não... apenas me informavam que havia sido promovido a 2º Sargento.
Como atrás refiro, ia entendendo que tudo estava a mudar para pior para as NT, que agora combatiam ainda e se possível mais aguerridamente, um IN porém mais municiado, com a ajuda de países que ainda agora alguns põem nos píncaros, esquecendo que foram estes os causadores de muitas vidas desfeitas.
Posteriormente, não me foi fácil também, aceitar o acolhimento em Portugal, dalguns exilados chefes inimigos, principescamente recebidos e alguns até desdenhando publicamente das nossas tropas, quando em solo nacional estavam a beneficiar de benesses que deveriam antes, ser concedidas àquelas etnias guineenses que combateram do nosso lado.
Como Portugueses que foram, eram e continuariam provavelmente a gostar de ser, deveriam ter sido melhor tratados.
(Continua)
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OBS:
(*) Jol - o mesmo que Jolmete
Negritos e itálicos da responsabilidade do editor
Emblema da CCAÇ 1422 da coleçção do nosso camarada Carlos Coutinho
O editor
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Nota do editor
Vd. série anterior de Veríssimo Ferreira: "Os melhores 40 meses da minha vida
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