1. Em mensagem do dia 9 de Setembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:
O PÓS-GUINÉ 65/67
7 - E LÁ VOLTA À BAILA A CICATRIZ RESULTANTE.. etc, etc, etc, etc,
1986?
A determinada altura decidi que havia de fazer um balanço sério e honesto do que fora a minha contribuição enquanto Combatente na Guiné.
Competia-me a mim analisar e fi-lo seguindo a voz da consciência, que tantas vezes me condena e que n'algumas vezes (o seu lado mau) me tentou empurrar para o descalabro. Só que nunca gostei de ser empurrado e até reajo mal a quem mo faça e se calhar é por isso que ainda por aqui ando e andarei. Quanto mais ruim for, melhor... porque se diz que só morrem os bons.
E ASSIM "FONDO":
Já escrevinhei como fui prá tropa depois de ter ido "às sortes"... para onde fui e pelo que passei, aprendi e ensinei... pelas amizades conseguidas e também pelos poucos alguns ódios (decerto resultantes da inveja que também é um pecado capital) com que tentaram destruir-me.
Só que e já o Senhor Almeida Garret dizia no Frei Luís de Sousa, pela boca de Telmo Pais: "Ruim terra te comerá cedo, corpo da maior alma que deitou Portugal".
Mas enganou-se, no "te comerá cedo", se é qu'a coisa se adapta ao meu caso.
Voltemos ao balanço na guerra, não sem que antes vos pergunte:
SOU OU NÃO ERUDITO?
Começo:
PORQUE É QUE NÃO GOSTO OU GOSTAREI d'alguns países?
Simples... muito simples mesmo:
Porque soube que apoiaram o PAIGC e com isso contribuíram para que tanta rapaziada nossa não tenha voltado com vida e que outros tenham voltado com graves mazelas.
PORQUE É QUE NÃO GOSTEI do chefe inimigo?
Ora, sendo este o causador também dos infortúnios atrás assinalados... e mais... considerando que estudou em Portugal à nossa custa, tirou cursos, trabalhou e conviveu com gentes honradas... porquê enveredar pela luta armada contra militares "DO POVO DAQUI", que apenas foi obrigado a cumprir um dever?
Não me agradou, apesar de tudo, o seu fim mas "Quem com ferros mata, com ferros morre";
PORQUE É QUE DESGOSTEI daquele valente cubano que sempre admirei?
Desgostei eu e o seu líder, que a determinada altura o repudiou.
Eu... porque embora a figurinha me merecesse algum respeito e até alguma romântica admiração mas unicamente até ao dia em que soube que também ele se ofereceu para combater contra nós, o que não foi aceite pelos movimentos que nos obrigaram a defender a Pátria devido à internacionalização da guerra que daí poderia advir, o que lhes não convinha.
O seu fim também não foi do meu agrado, mas todos os sonhadores assim acabam.
PORQUE É QUE CONTINUO A NÃO GOSTAR dos desertores e se calhar nem eles gostam agora de si próprios?
Porque por cada um que fugiu com medo, correspondeu a mais um dia que ficámos nós a penar no inferno.
Perdoo, mas um poucochinho apenas, aqueles poucos que já se retrataram.
PORQUE É QUE NUNCA GOSTEI OU GOSTAREI dos que fugiram?
E fizeram-no mesmo sem saber se seriam apurados... sim... porque se na altura até os medrosos... os mERDosos e os maricas ficavam "livres", porquê ir a salto lá pr'ós bens-bons?
Voltaram e bem recebidos foram... que lhes faça bom proveito.
E PORQUE É QUE NÃO GOSTO d'alguns QU'ATÈ cantam?
Cantam? ná... protestam, ou melhor agora estão mais comedidos, que o dinheiro faz-lhes falta.
Tenho-lhes um pó, que nem vos digo nem vos conto e também tenho nas, rádio e TV, botões que os desligam e dessa forma corto-lhes o pio.
Fim, por hoje, do maldizer que foi a realidade.
Proximamente falarei das boas coisas.
E A GUINÉ SEMPRE PRESENTE
O grupo desportivo do Banco onde trabalhei bem e depressa e por isso também me pagaram e reconheceram o mérito, tinha uma Secção de Judo.
Fui ver... gostei e decidi-me participar, porque e até dado que o "Mestre" tinha sido Fuzileiro Especial e combatera na Guiné.
Pensando nas recordações que poderíamos a vir a desbobinar, lá fui e por lá andei anos a fio... e falámos... falámos, sobre as amargas experiências... sobre outras menos desagradáveis... enfim partilhámos emoções, saudades e o desejo firme de lá voltar sempre presente, bem como a ânsia de regressarmos aos vinte e poucos anos.
Conheci os acontecimentos sobre a operação a Conacry, com maior profundidade e até alguns outros que não mais vi sequer comentados e mais se me arreigou a certeza de que as, valentia e sofrimento das nossas tropas foram bastante superiores àquilo porque eu também passara.
Até que certo dia desisti.
Já não aguentava mais, tanta demonstração (para promoção) e onde me calhava ser sempre eu a cair. É que nem me salvava com aquela máxima judoca que diz: "Quanto maior for o nosso adversário, maior será a sua queda".
Tantas levei qu'agora uso apenas o quimono para avivar a memória cá em casa e numa demonstração de força psicológica - SÓ, pois que a verdadeira foi-se.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 8 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12015: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (6): A saga do corte umbilical
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
A chaga do corte do cordao umbilical deixou-te confuso. Organiza-te.
Verissimo S.
Caro Veríssimo e caros camaradas
Não deve ser estranho para ninguém se disser (escrever) que sou apreciador dos textos e das histórias do Veríssimo.
Da sua fina ironia, da forma como nos diz ou dá a conhecer as duras realidades do seu desempenho em terras da Guiné.
Nem sempre tem calhado comentar as suas 'postagens' mas tenho-o feito na maioria delas. E procuro fazê-lo tentando entrar no 'espírito' do artigo.
Nem sempre concordo com tudo o que fica escrito mas isso não impede o desenvolvimento de sólida amizade. Não será por acaso que nas nossas correspondências pessoais e/ou nas 'bocas' no 'Face' às vezes faço referência à sua 'velhice' (como forma de respeito, já que, como sabemos, 'velhice é um posto'!) e ele chama-me 'jovem Hélder'...
Ora bem, a amizade não é, não pode ser, seguidismo, é dizer francamente, sem reservas mentais, quando se discorda, ou pelo menos, como neste caso de alguns dos pontos de vista do Veríssimo, quando não se subscreve.
Sim, é verdade, mesmo sem dar-mos por isso durante muito tempo, a Guiné está sempre no nosso pensamento, seja para 'catarse' dos momentos que passámos seja até, como dizes, "como a ânsia de regressarmos aos vinte e poucos anos". Daí que as tuas conversas com o instrutor/fuzileiro fossem sempre 'alimentadas'.
O pequeno pormenor de andares sempre a cair "para demonstração", vai-se a ver só acontecia exactamente pela razão de que te socorres da máxima judoca: "Quanto maior for o nosso adversário, maior será a sua queda".....
Relativamente à tua táctica de te tornares o mais ruim possível para retardar a tua passagem, confiado na expressão de que "só morrem os bons", só te posso dizer que, desde que acredites nisso, estás garantido!
Agora, relativamente aos teus 'gostos e desgostos' não concordo, ou melhor, não subscrevo, todas as tuas 'razões', ou 'motivos', ou 'pretextos'. Mas, obviamente, respeito-os porque são os teus.
Tenho os meus 'pontos de vista', as minhas 'razões' e não são coincidentes com algumas das que invocas, nem com a 'forma' como são apresentadas para depois concluíres do modo como o fazes.
E pronto, quando gosto, gosto e quando não concordo (não tenho que gostar ou deixar de gostar, são os teus legítimos sentimentos) digo que não concordo, como o faço agora.
Abraço
Hélder S.
Caro Veríssimo.
Sou Potuguês. Revejo-me muito no teu pensamento.
Falta coragem a muitos para dizerem o mesmo.
João Sacôto
Ex-Alf.Mil.
CC 617
Guiné 1964/1966
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