domingo, 15 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12047: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (13): A minha singela homenagem aos pais de todos nós

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 24 de Agosto de 2013:

Cordiais saudações.
Tem-se falado muito que a nossa geração foi sacrificada, no que concordo plenamente.
Tenho dito em alguns comentários, e confirmo, que os nossos toscos, arrogantes e oportunistas líderes políticos nos derespeitaram e continuam fazendo-o, ao não reconhecer que estávamos a serviço compulsório do ESTADO PORTUGUÊS,  aliás é essa a minha opinião sobre as as nossas PSEUDO ELITES de longa data, com raras e honrosíssimas excepções.

Mas divaguei demais sobre algo que não era a minha ideia inicial.
Queria lembrar a ansiedade e sofrimento de nossos pais e demais familiares, enquanto nós estávamos por lá "perdidos" nas bolanhas de uma África inóspita.

Ao enviar a foto de meus pais, quero homenagear os de todos nós.
Será que o sofrimento deles foi em vão?

Forte abraço
Vasco Pires

 A família de Vasco Pires e um amigo (com óculos, à direita) da diáspora de Goa


José Martins Pires, pai de Vasco Pires, em 1930
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11929: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (12): Fotos do Cap Op Esp Fernando Assunção Silva em confraternização com oficiais e sargentos sob o seu comando

9 comentários:

Torcato Mendonca disse...

E eu agradeço, meu caro camarada (militar)

Um abraço do Torcato que, com a sua estadia pelas Áfricas, fez sofrer os Pais.

Ab,T.

Hélder Valério disse...

Caro camarada Vasco Pires

Esta tua homenagem aos Pais é justa, devida e merecida.
Fizeste-a aos teus mas foste generoso ao estendê-la a todos nós. Por mim, agradeço, e creio ser esse um sentimento que será fortemente partilhado.

Na verdade, essas questões, de como a guerra foi vivida na rectaguarda, sejam os familiares directos, as namoradas, amigos, vizinhos, etc., já foram aqui, por vezes, afloradas, mas nunca é demais falar disso até porque a verdadeira dimensão do que foi a "guerra de África", nos seus aspectos psicológicos e de relações familiares não pode 'passar ao lado'.

Obrigado e um abraço
Hélder S.

Manuel Reis disse...


Caro amigo Vasco

De acordo contigo Vasco. Enorme foi o sofrimento de nossos pais, que viviam diariamente com o fantasma da guerra, pedindo que que nenhum mensageiro lhes aparecesse por lá.

Na foto o teu pai está bem identificado para mim, não tanto a tua mãe e a tua irmã.

Um grande abraço, grande amigo. Lembra-te que as caçoilas estão preparadas. É só apareceres!

Manuel Augusto

Anónimo disse...

Caro camarada Vasco Pires

Pelo que me toca, igualmente agradeço a tua homenagem aos nossos progenitores que muito sofreram enquanto não nos viram chegar sãos e escorreitos, sofrimento esse muito mais prolongado e sem consolo para os que não tiveram essa sorte.

Aí vai um abraço desde esta praia da Costa Nova, se é que ainda te diz algo.

JPicado

Anónimo disse...

Caríssimo Amigo Manuel Augusto,

Claro que não esqueci a chanfana, além disso temos que ir às enguias fritas ou caldeirada, com o nosso amigo Acacio Conde.
forte abraço
VP

Anónimo disse...

Caríssimo JPicado,

Quem nasce na "GRANDE NAÇÃO BAIRRADINA", nunca esquece as suas raízes nem os vizinhos.

forte abraço
VP

José Marcelino Martins disse...

Na realidade os pais e a familia próxima, e nalguns casos da nossa ruralidade, os vizinhos, sofreram com a ausência.

Para nós só havia "um momento", porque os seguintes já eram passado, porque foram vividos por nós.

Cá vivia-se à espera do correio, que não tinha regularidade, pois dependia dos transportes.

No meu caso, aminha mãe despediu-se do pai quando este foi para França na Grande Guerra, e nunca imaginaria que, 52 anos depois, se despediria de mim, quando fui mobilizado,

Anónimo disse...

De Joaquim L. Fernandes

Muito oportuna a tua lembrança de recordar o sofrimento dos que ficavam, vendo partir para um destino inserto, que poderia ser cruel, aqueles que amavam. Tenho vindo a refletir sobre o assunto o que me levou a rebuscar algumas das minhas cartas da Guiné que testemunham esse sofrimento.

Claro que aos pais devemos juntar as esposas,em alguns casos os filhos,as avós,as namoradas/noivas, os irmãos, amigos, etc.

Todos sofriam a ansiedade da incerteza de cada dia que passava.
Nós no terreno, controlávamos as situações, umas vezes perigosas outras nem tanto. Mas eles como poderiam controlar as suas emoções e a ansiedade?

E quando as notícias eram más? As doenças,os ferimentos, a fome e a sede. Como não deveriam ficar destroçados os corações dos nossos pais.
Como terá sido importante a ajuda espiritual para aqueles que professavam a Fé em Deus,Pai Misericordioso e, através da Virgem Maria imploravam ajuda e proteção?

E quando a notícia medonha e terrível da morte fulminava uma família? Quantas mães em sofrimento a terão pressentido? Como resistiram a tamanha dor?
Monstruoso o efeito nefasto da guerra. Daí, deveríamos somar aos milhares de mortos e feridos incapacitados, as suas famílias que também morreram de outro modo ou, igualmente foram atingidas na incapacidade.

Monstruoso o custo da guerra!... E para quê?...

Um abraço camaradas.

Luís Graça disse...

Justíssima homenagem... Associo-me à tua, republicando um poema (meu, já conhecido), em versão mais recente que vou incluir na minha antologia poética a publicar, espero, em 2014.

V4.30.8.2013
Hoje tenho pena de nunca ter escrito
um aerograma a uma madrinha de guerra

À minha mãe, ás minhas manas (Graciete, Zairinha, Béu)

Com o atraso de décadas, quiçá de séculos,
presto hoje o meu preito
às mulheres portuguesas
que se vestiam de luto
enquanto os maridos ou noivos ou namorados ou irmãos
ou simplesmente amigos
andavam na guerra do ultramar.
Ou guerra colonial, como se queira.
Já foi há tanto tempo que eu perdi as contas aos contos,
às estórias, às vidas, às lendas, às narrativas.

Venço, por fim, a minha relutância,
o meu preconceito, o meu medo do irracional
e porventura o meu medo visceral do sagrado,
e presto a minha homenagem
às mulheres que rastejavam no chão de Fátima,
implorando à Virgem o regresso dos seus filhos,
sãos e salvos.
Só as mulheres, em bando, são capazes
de implorar a piedade dos deuses
e ao mesmo aplacar a sua ira,
para logo a seguir imprecar contra eles,
se for caso disso.

Decididamente, sem pejo nem pudor,
presto a minha homenagem
às mulheres que continuavam,
silenciosas e inquietas, ao lado dos homens
nos campos, nas fábricas e nos escritórios.
Por que havia um silêncio
que não era cumplicidade,
que não era traição,
que era inquietação, que não era claudicação,
que era a raiva a crescer dentro do peito,
que era porventura já
a emergência, a explosão da revolta e da liberdade.

Descubro a cabeça, tiro o chapéu,
ajoelho-me,
perante estas mulheres do meu país
que ficavam em casa,
rezando o terço à noite,
como a minha mãe
e as minhas manas e até o meu pai,
a quem, de resto, nunca agradeci este gesto de amor.
Nem em público nem em privado.
Nunca saberia, porventura, merecê-lo
nem muito menos agradecê-lo.

Mas também endosso
as minhas palavras de admiração
às que aguardavam com angústia,
pelo aerograma, na hora matinal (e às vezes mortal)
do correio, vindo do SPM número tal.
Sem esquecer as que, muito poucas,
subscreviam abaixo-assinados
contra a guerra colonial.
Às que, muito poucas, escreviam, liam,
tiravam a stencil e distribuíam
comunicados e folhetos clandestinos.

Às que, também raras,
sintonizavam altas horas da madrugada
as vozes da rádio que vinham de longe
e que falavam de resistência
em tempo de solidão e de servidão.

Homenageio, sim, àquelas que, muitas,
tiravam carinhosamente
do fumeiro (e da barriga)
as chouriças e os salpicões
e os nacos de presunto, as morcelas e as alheiras
que iriam levar até junto dos seus filhos,
homens-toupeiras,
no outro lado do mundo,
no calor dos trópicos e na humidade dos abrigos,
um pouco do amor de mãe,
das saudades da terra,
dos cheiros da casa e dos animais,
dos sabores da comida,
e da alegria da festa.

Mas também, e por que não,
às, muitas, e em geral adolescentes, virgens,
e às jovens solteiras, namoradeiras,
que se correspondiam com os soldados
mobilizados para o ultramar,
na qualidade de madrinhas de guerra.

Não tive, nunca quis ter, madrinha de guerra,
por preconceito, por orgulho e preconceito,
por achar que era uma instituição ou criação
do Estado Novo,
dos senhores da guerra,
e das senhoras que os geravam…

Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma
a uma madrinha de guerra.

Lisboa, 1981/2004