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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25447: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5.ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte III


Timor Leste > Um pequeno país da CPLP (c. 15 mil km2, mais de 1,3 milhões de habitantes), ocupa a parte oriental da ilha de Timor. Independente desde 2002, esteve ocupada pela Indonésia desde final de 1975. Cerca de 10% da população terá sido morta durante o período da ocupação indonésia (1975-2002). A população é predominantemente católica (c. 97%). Línguas oficiais: português e tétum, mas a língua mais falada ainda é o indonésio. E o inglês é uma língua de trabalho.  Dili é a capital e o município mais populoso (c. 200 mil  habitantes), Liquiça surge em 4.º lugar (c. 20 mil).  O tétum é uma língua crioula, com muitos vocábulos malaios e portugueses, falada sobretudo em Díli. O analfabetismo ronda os 50%.  Presidente da República: José Ramos-Horta; primeiro-ministro: Xanana Gusmão.  


De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte III



Rui Chamusco e o seu amigo e 'mano'
Eustáquio. Foto: LG (2017)
Terceira crónica, enviada de Timor Leste, pelo Rui Chamusco, na sua 5ª estadia (fev/maio 2024).

Ele deve regressar a casa por volta de meados de maio. Mas até lá espera poder ultrapassar dificuldades burocráticas e falta de pessoal docente, problemas que afetam o funcionamento e o futuro da Escola São Francisco de Assis (ESFA), construída e apoiada pela ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste.

A ASTiL, como projeto de solidariedade, começou a ser pensada em 23 de Dezembro de 2015 na Aldeia de Malcata, Sabugal. Como organização foi formalmente constituída, em 18 de Setembro de 2017, em Coimbra. A ASTiL é uma instituição privada de solidariedade sem fins lucrativos.

Ao fim destes anos, continua a lutar pela divulgação da língua e cultura portuguesa no interior profundo de Timor-Leste, em Manati-Boebau, Suco de Leotalá e Município de Liquiçá.  Para o efeito, já   construiu e inaugurou a Escola de S. Francisco de Assis Paz e Bem em Manati/Boebau com capacidade para 180 alunos, além da casa para os professores e a  cozinha escolar.  Apesar das suas dificuldades financeiras, assegura também o funcionamento da escola, mas luta  há muito com falta de pessoal docente. (LG).
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16.03.2024, sábado - Há dias assim

Umas vezes parece que temos todo o tempo do mundo, outras vezes parece que o tempo não dá para nada. Hoje é daqueles dias que parece que nunca mais acabam. Nada previsto para hoje, nada a fazer a não ler, escrever e “matar” o tempo. Há ao menos tempo para descansar. 

Lá em casa tudo está calmo e tranquilo. Lá fora o barulho das crianças que brincam, com qualquer coisa que as entretenham, nem que seja a queimar uma garrafa de plástico. Os “motores” que passam apitando, com os canos de escape ruidosamente roncando, quebram a monotonia de quem não sai de casa. 

De vez em quando venho à varanda ver o que se passa, e logo as crianças que me avistam começam a Chamar: “Malae! Malae! Malae!...”  (Estrangeiro, em tetum.) Claro que tive de lhes acenar e dizer “adeus!...”

16.03.204 - Uma voltinha em “motor”

Desde março do ano passado que não andava de mota. Depois da aquisição da pickup nunca mais permitiram que isso acontecesse, com medo das mazelas que me pudesse causar. Mas hoje teve de ser, pois o Eustáquio foi ontem de mota para Boebau, e não tinha condutor para a pickup.

A professora Cristina mandou ontem à noite uma mensagem para nos encontrarmos amanhã no Pateo. Como a mota da casa estava ausente, falei com a Adobe sobre o convite da professora Cristina e pedi-lhe para ir comigo na microlete até ao local do encontro. 

Ela acedeu, mas adiantou logo: “Não, não vamos de microlete.(#) Vou pedir à tia Benedita que me empreste a mota dela, e vamos de motor.” E pronto, a Adobe que ainda não tem carta porque só tem 16 anos, mas que conduz muito bem e com muita segurança, mereceu logo o meu sim. 

Mais ou menos à hora combinada, aparece com a mota e dois capacetes, e lá vamos nós até ao Pateo. Foi uma manhã bem passada, bem diferente de estar em casa fazendo não sei o quê, talvez escrevendo. Obrigado, Adobe!

Bem-haja, professora Cristina!

21.03.2024, quarta feira  - Treino militar?...

“Que voz é esta que se está ouvindo através de grande amplificação sonora?” Perguntei eu a Adobe que chegava da escola. 

“É a instrução militar no quartel de Hera”,  respondeu a moça.

Com efeito, hoje durante todo o dia fomos agredidos com decibéis, que umas vezes eram vozes de comandos, outras eram o ribombar e o rufar de tambores, e outras até era a banda militar. Começou muito cedo com o toque do clarim, com o içar da bandeira que em Timor é algo moroso e espetacular, e continuou pelo dia a fora com as práticas afetas à instrução em causa.

 Não sei é por que se faz amplificação do som, de tal modo que aqui, em Ailok Laran , se ouvia com nitidez as vozes e os sons que comandavam. E dou comigo a pensar na marcha “O Magala” que o saudoso Max popularizou.

“Toca a marchar, andar a fartar / Se és bom militar galopa! / Anda pra frente / E mostra que és gente / E sabes andar na tropa!”

22.03.2024, quinta feira  - Contra os mosquitos marchar, marchar...

Luta inglória esta,  de perseguir adversários que tanto nos incomodam. Alguns quase invisíveis, que só nos damos conta deles depois da picada; outros que anunciam a sua chegada através de sonido irritante, as famosas melgas que até dão o nome a pessoas que não param de nos chatear. “És uma melga!...” 

Mas o pior ainda é quando, furiosos, nos lançamos a eles na certeza que, com uma palmada, os vamos esborraçar e, afinal, acabamos de nos agredir a nós próprios com uma valente bofetada. Até os mosquitos se riem!... 

Claro que temos as armas químicas que dão cabo deles. Mas, luta por luta, dão-nos um baile do caraças. Ouço alguém a cantar: “Não és homem p’ra mim...” Creio que nem o Dom Quixote de la Mancha nem o seu aio Sancho Panza nos poderão valer qualquer coisa. Aqui não há moinhos de vento, mas há muitos mosquitos contra que lutar. Contra os mosquitos marchar, marchar!...

23.03.2024. sexta feira  - O que foi que ele disse...! O que foi que ele disse...!

Hoje ao almoço, na troca de encontrar provérbios com a Adobe, apanhei este que diz tudo sobre o modo de ser timorense. Mais a mais são os chineses,  que por cá andam,  os“paizinhos” deste dito. 

Então o que é que eles dizem?... Aqui vai: “ os timorenses trabalham mas não suam; os timorenses comem e estão sempre a suar”. Este dito revela algo dos timorenses que, quem está por cá, pode observar. 

Mas não diz tudo. Qualquer ser humano em qualquer parte do mundo não está feito para trabalhar desalmadamente, de modo a não ver mais nada que o trabalho, custe o que custar. Por isso os timorenses, e não devem ser os únicos, preferem ir trabalhando, de modo a garantirem a sobrevivência, mesmo que seja com pouco. Quem estará certo?

Trabalhar para viver ou viver para trabalhar?

 Para a maioria das pessoas o trabalho em excesso serve para acumular riqueza, para ser maior do que o outro. Gente rica é outra  coisa! Nem que essa riqueza não seja usufruída nesta vida, que é efémera. “Ricos e pobres sempre os tereis connvosco”... E enquanto durar esta dicotomia teremos de conviver como podemos, suando a trabalhar e suando a comer.É assim a vida!... (...)

25.03.2024, domingo - A caminho de Boebau

Viagem programada, que nos leva de novo até às terras montanhosas do interior deste país. O caminho já é sobejamente conhecido, até por que agora só este dá acesso a Boebau. Depois do temporal que se abateu sobre estes montes, que derrubou árvores de grande porte sobre o caminho, levou telhados de casas e danificou os postes da luz, havia alguma apreensão sobre esta viagem. 

Pelo sim e pelo não, o Eustáquio fez o reconhecimento da passagem, em “motor”, e trouxe-nos a certeza de que, com algumas dificuldades, já se podia passar. E aí vamos nós (Adobe, Monízia, Fátima, Eustáquio e eu), de manhã, até Liquiçá, aonde tivemos algumas diligências a fazer.

25.03 - Tum-tum  pela 1ª vez

Quem conhece um pouco da vida de Timor sabe bem que os Tum-tum  são um meio de transporte muito peculiares: motor silencioso, decorações e música “ad libitum”, sem portas nem janelas, com quatro assentos, mas com lotação inesgotada. Cada cidade tem os seus, exceto Dili, a capital, que tem serviço de táxis tradicionais e os carros da Uber.

Por diversas vezes senti vontade de viajar neles, e é agora a ocasião. Como tivemos de parar em Lahuata para apanhar o professor Alarico, tomamos a decisão: o Alarico, eu, a Adobe e a Monízia vamos no Tum-tum; o Eustáquio e a Fátima vão na pickup

E que viagem agradável!... Sem pressas, sem stress, observando regaladamente a paisagem, o movimento, dando e recebendo os cumprimentos de “bom dia!” Poderei até dizer que, em Liquiçá, o movimento de tantos Tum-tum é um grande cartaz de visita. E, há sempre uma primeira vez...

Ao princípio da tarde foi a 2ª etapa da viagem, sempre a mais difícil, a mais dolorosa pelas dificuldades do caminho: o leito da ribeira, as curvas e contracurvas, o caminho estreito, a profundeza de buracos, os troncos das árvores, os precipícios, as paisagens vertiginosas. 

Mas chegamos sãos e salvos. Ok! Agora há que descansar e preparar a reunião de amanhã.

26.03.2024, segunda feira  - Reunião com os Pais e Encarregados

Hoje é dia que escolhemos para reunir as escolas São Francisco de Assis e a escola de Kilo, os professores, os encarregados de educação de ambas as escolas, chefes e ex-chefes do poder local, com o objetivo de apresentarmos uma proposta de colaboração, que depois de ser dada a conhecer a todos os presentes irá ser discutida e votada.

Seguidamente será entregue na Educação Distrital da Educação de Liquiçá, que a fará chegar ao Ministério da Educação de Timor-Leste, juntamente com a lista de presenças.

26.03.2024 - “Devagar que tenho pressa!”

Sempre a aprender... E nada adianta que temos de começar a horas, porque aqui é assim.

A reunião está marcada para as 9.00 horas, mas ninguém me sabe dizer a que horas vai verdadeiramente começar. As pessoas vêm para passar o tempo que for preciso, mesmo que seja o dia todo. 

Mas para isso há que assegurar a comida. Por isso o primeiro ato é o “matabicho”. Depois vem a reunião. E, depois da reunião o “almoço”. Por isso não adianta marcar horas. A gente junta-se para a reunião, mas também para conviver.  E está bem assim. Aqui, na montanha, temos todo o tempo do mundo. Talvez até porque há pouca gente com relógio. Os relógios roubam-nos o tempo porque o controlam.

26.03 - Proposta de colaboração aprovada

É com regozijo que verificamos o interesse e a vibração com que esta proposta foi acolhida. Ninguém se manifestou contra, e por isso foi aprovada por unanimidade.

Todos se manifestaram prontos a fazer o que lhes for possível para que ela se concretize, a saber: alargamento do ensino escolar com o pré escolar e o 1º ciclo na Escola São Francisco de Assis, e o 2º ciclo (5º e 6º anos) na Escola de Quilo. 

Será um benefício grande para a região, para as crianças e encarregados de educação, evitando que os seus alunos tenham de se deslocar para longe para continuarem a estudar. 

Se conseguirmos que esta proposta se concretize, já valeu a pena estarmos em Timor pela quinta vez.

26.03 - A anona mais saborosa

Não há nada que pague estes momentos. De tarde, frente à casa do Cesáreo, avisto uma árvore que, só pelo fruto, consigo identificar. No início quase impercetíveis, para logo aseguir descobrir anonas abundantes. 

Foi então que o Alarico, qual chipanzé trepador, sobe pela árvore afora procurando a anona mais madura. Que sabor! Que delícia! Que néctar divino! Foi com certeza a melhor anona que até agora já comi.

26.03 - Milho e mais milho... (Batar, em tetum)

Ao longo do caminho que percorremos até Boebau, fomos observando que, ao redor das casas por ali existentes, havia manchas amarelas em abundância. Quis saber o que era aquilo, e perguntei ao Eustáquio que, de repente me respondeu: “ Tiu, é batar, é milho que está a secar.”

 Alguma vez eu pensava que no mês de março se secava o milho!...

Com o fuso horário trocado, dou comigo a pensar que, em Portugal, estas tarefas dão-se no mês de setembro. Ficamos com os neurónios num oito. Isto pode lá ser!?... 

O melhor de tudo é esquecer esta disparidade e saborear este alimento tão generalizado no mundo, e base da alimentação de alguns povos. Que venha a broa de Portugal, que venha o  batardan  (##) de Timor-Leste, que venha o .......... do México! 

Amarelo, vermelho, branco, ou mesmo às cores. Milho verde, milho maduro, em grão ou em massaroca. Venha milho, e vira milho!...

27.03.2024, terça feira  - Afazeres em Liquiçá

A manhã foi passada com os alunos da Escola São Francisco de Assis, com atividades musicais, como é costuma sempre que por aqui estou. Depois do almoço na casa do Cesáreo,  descemos outra vez até Liquiçá, para a Direção da Educação Distrital, e fim de completarmos e entregarmos a candidatura a um programa de melhoramento dos espaços escolares. Pode ser que caia alguma coisinha para o nosso lado. 

Depois foi rumar até Dili, até Ailok Laran e encontrar o sítio tão desejado para fazer a toba (sesta), porque o cansaço já era tanto, que a vontade de chegar a casa era o nosso maior desidério.

28.03.2024, quarta feira  - Aqui, em Timor, é assim.

Quinta feira Santa, em Ailok Laran. Logo, bem cedo, me dei conta do movimento não habitual. Cá em casa, todos buliam na limpeza e arrumação dos espaços. 

Perguntei à Adobe o porquê desta agitação, e la pronto me deu a resposta: “Amanhã é sexta feira Santa, e não podemos varrer, nem cantar, nem fazer barulho”. 

E, por mais que eu tentasse fazer-lhe ver que isso não tem importância, que noutros países, noutras terras não era assim, ela manteve a sua postura e respondeu-me:  "Ok! Eu compreendo e sei que os costumes e hábitos de outras terras são diferentes mas,  aqui em Timor é assim".

Temos de respeitar e seguir a tradição”. E pronto! Não está cá mais quem falou. 

“ Ó tempora, ó mores!...” (###)

29.03.2024, sexta feira  santa - Meditando...

A vida e a morte. Independentemente de qualquer ideologia ou religião, temos a certeza de que tudo o que nasce há de morrer. Mas será que este destino é linear? Será que nascemos para morrer, só e nada mais? Será que o nascimento não será o princípio de tudo o mais que possa acontecer? Nascer somente para morrer para morrer parece-me demasiado trágico. 

Prefiro dar um sentido à morte, como uma passagem para outro modo de ser, seja ele qual for. Nem que seja para uma existência cósmica, para além do pó da terra. “Nada se perde: tudo se transforma” dizia Pascal. “Se a semente que cai naterra não morrer e germinar, não poderá dar o seu fruto”. 

“Por cada flor estrangulada há milhões de flores que florescem”. 

Hoje, dia em que os cristãos celebram a morte deJesus Cristo, quero acreditar que a morte tem sentido, sempre que ela traz transformação, salvação. Cristo Alfa e Ómega é ponto de partida e de chegada, segundo o antropólogo e teólogo Teillard de Chardin. 

Mesmo que não concordemos com muito do folclore religioso associado às celebrações religiosas destes dias, faz-nos bem pensar de que isto tudo não acaba por aqui. 

Que uma vida nova, melhor até do que esta que nos é permitido viver, é possível e desejável. E só assim consigo entender a atitude de São Francisco de Assis que, chamando irmãs a todas as criaturas, não se esqueceu de chamar também irmã à morte corporal. 

A fé é um dom que podemos ou não aceitar e cultivar. Quem puder acreditar, acredite.

31.03.2024, domingo - Páscoa de 2024

Hoje, dia de Páscoa de 2024, amanheceu com o sol radiante aqui em Dili. Toda a natureza exulta de alegria: as aves, sobretudo a passarada, as árvores que viçosas ostentam os seus ramos e as suas flores, as pessoas que, anafaiadas (####), percorrem as veredas e caminhos deste recanto. Tudo parece feliz, tudo canta...Tudo é vida! 

Neste país maioritariamente de religião católica, é fácil compreender a razão de todo estecontentamento. Jesus Ressuscitou! Nova vida, nova esperança para todos. A Páscoa é a certeza de que esta vida não acaba, apenas se transforma. A própria natureza, transborda este anúncio.

“Na natureza tu podes ver / o sol acaba sem medo / para o dia de novo nascer”. 

É este elã vital que habita em cada um de nós que nos transforma e nos faz querer ser homens novos, com capacidade de ajudarmos a transformar este mundo num mundo melhor. Feliz Páscoa!...

(Revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação deste poste: LG)

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Notas de LG:

(#) Veículo privado de transporte colectivo de passageiros. Origem etimológica obscura

"microlete", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/microlete.

(##) Prato tradicional timorense à base demilho (batar)

(###) Frase latina, atribuída a Cícero: Que época, que costumes!

(####) Julgo tratar-se de um regionalismo beirão (o autor é do Sabugal...), derivado de "anafaia", do árabe... (Os primeiros fios que faz o bicho-da-seda, antes de formar casulo). 

"anafaia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/anafaia.

Para os leitores que se queiram associar a este projeto, aqui fica a conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL) (Página do Facebook)

IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25405: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5.ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte II


Rui Chamusco,
Lourinhã, 2016

De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte II


Segunda crónica, enviada de Timor Leste, pelo Rui Chamusco, na sua 5ª estadia (fev/maio 2024). Fez nesse dia, 16 de março,  quatro semanas que ele está lá, não só para celebrar o 6º aniversário da Escola São Francisco de Assis (ESFA) como para resolver o magno problema da falta de professores, que lhe andam a prometer,  há muito, os ministérios da educação dos dois países, Portgal e Timor Leste... Ele deve regressar a casa por volta de meados de maio.

(...) 2 mar 2024  - Nem tudo é o que parece.

Rui Chamusco, professor de música.
Lourinhã (2012). Foto do autor
Hoje, por decisão minha, fomos a Tassitolo a casa dos pais da Nanda (Fernanda), mulher do
Zinon Sobral (a trabalhar na Inglaterra) e nora do Eustáquio, para conhecê-la pesoalmente e para a pudermos ajudar e animar pois bem precisa dessa ajuda. 

Mais ao menos à hora combinada lá vamos nós para Tassitolo (tassi=mar e tolo=três). Nem imaginam o que é preciso para chegar à casa da Nanda. Como ontem choveu a cântaros, não eram três mares, eram muitos mares. Ou seja, o percurso está cheio de grandes covas e buracos, em caminhos muito estreitos, onde só a grande perícia do condutor (sempre o Eustáquio) conseguiu levar a pikup (o "barco") a bom porto. Caminhos rodeados de folhas de cinco 
envelhecido, que até arrepia ter de passar por entre eles.                                                E fizemos este trajeto quatro vezes, pois levamos a Nanda a almoçar connosco ao Timor Plaza.

E pensar que tantas e tantas vezes já passamos em Tassitolo, todo muito bonito para quem passa na marginal. Mas quem se pergunta o que está lá para dentro? Quanta barracas, quantas “chabolas” esconde todo aquele arboredo. “Quem vê caras não vê corações”. “As aparências iludem”.“Nem tudo o que reluz é ouro”.

E pensar que tanta gente vive nestas condições, e noutras ainda mais gravosas. Dói o coração não podermos fazer grande coisa para a resolução de tantas necessidades. Mas pergunto: Porquê uns têm tanto e outros tão pouco? Onde está a distribuição das riquezas? Porquê tanta opulência de alguns? 

"Aí Timor!.... Ouvem-se as vozes dos teus avós. Aí Timor! Se outros calam, cantemos nós”.

4 mr 2024  - A esperança é a última coisa a morrer

O desencontro de há dias com as irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, mais concretamente com a irmã Flaviana, aconteceu hoje, às horas marcadas, em Fatumeta. O objetivo desta visita era saber qual o processo perante o ministério para requisitar professores para a ESFA, uma vez que estas irmãs também têm uma escola particular em Baucau. 

Surpresa das surpresas: também elas não têm professores para essa escola, porque o atual ministério da educação timorense este ano ainda não colocou os professores. Parece que não estamos sós nesta angústia pela falta de professores. Segundo explicou a irmã Flaviana, o ministério tem dado respostas desconcertantes, como por exemplo: “ a vossa escola não tem professores? Há escolas públicas que nem cadeiras e carteiras têm.” E assim nos arrumam de vez. (...)
 
7 mar 2024  - "Prá frente é que é o caminho, para trás mija a burra”

Cada dia com sua surpresa. Logo de manhã, ainda muito perto de casa, quando o Eustáquio e eu nos dirigíamos para Dili rumo a Baucau e Com, um facto insólito que nos pôs logo bem dispostos, à gargalhada. No caminho estreito onde quando se cruzam veículos algum deles tem de esperar, deparámo-nos com uma carrinha que não avançava nem recuava. 

Foi então que o condutor, o senhor Jaime, saiu do veículo e comentou para o Eustáquio: “eu não consigo fazer marcha atrás. Já aí vem o meu irmão para fazer a manobra”. E o irmão que chegou no seu “motor” (motorizada), sem cerimónias entra no veículo e, sem qualquer dificuldade recua e sai do caminho para que nós pudéssemos passar. (...)


Lourinhã (2017) > O Rui e o "mano" Eustáquio. Foto: LG

7 mar 2024 - Encontros e desencontros


Esta foi a terceira vez que, estando em Timor, fomos até à Escola Cafe de Baucau, a fim de visitarmos a educadora Palmira Baltazar, tojeira raiana do nosso concelho de Sabugal. E, como se diz, não há duas sem três. Desta vez acertamos na “mouche”. 

A Palmira depressa se deu conta da nossa presença que, desde a janela observávamos a sua aplicação ao trabalho árduo numa sala de aula cheia de crianças do pré-escolar. A reação foi surpreendente por ser uma visita inesperada, mas que nos trouxe muita alegria pois, finalmente, nos pudemos encontrar tão longe da nossa terra natal. E durante algumas horas (hora de almoçar) conseguimos pôr a conversa em dia, assim como partilhar ideias e informações sobre os projetos de solidariedade da Astil. Foi muito bom. Obrigado, Palmira e colega que nos acompanharam durante a nossa curta estadia em Baucau.

Depois, fiz questão de passarmos pela casa da diocese a fim de visitar a estátua que ergueram ao amigo e colega de trabalho na comunidade portuguesa de Gentilly (arredores de Paris), Dom Basílio do Nascimento (já falecido), que durante muitos anos foi figura preeminente da igreja católica de Timor-Leste.

7, 8 mar 2024 - Até Com, em direção ao oriente...

Como agradecimento à professora Angelina que teve a coragem e a amabilidade de se deslocar à Escola São Francisco de Assis, em Boebau/Manati, programamos esta pequena viagem por Timor a fim de lhe darmos a conhecer esta parte oriental da ilha; Manatuto, Baucau, Laha, Lautem. 

Em Com assentamos o arraial. Numa pensão que já conhecíamos fizemos a nossa morada, Ainda que as condições meteorológicas não fossem as melhores, deu perfeitamente para relaxar, gozar um pouco das águas mornas deste mar e saborear sobretudo o bom peixe desta baía. 

A presença portuguesa dos tempos coloniais ainda se faz notar na fortaleza em ruínas que existe na outra ponta da baía, e dos nomes e apelidos portugueses que aqui, como em qualquer outra parte de Timor, as pessoas ostentam. E foi assim que mal procurei pelo senhor Ângelo Silva (para lhe dar um abraço do amigo comum Henrique Semedo), depressa me indicaram a casa onde morava. Foi mais um momento agradável, e uma satisfação enorme de poder ser útil. (...)

11 mar 2024 - A caminho de Liquiçá


Para hoje a nossa tarefa é esta: ir a Liquiçá apresentar a Maria (pré-escolar) e a Titânia (5º ano) provinda da Escola São Francisco de Assis. O processo de matrícula e transferência já tinha sido tratado com a professora Tereza Costa, coordenadora da Escola Cafe de Liquiçá, e por isso foi mais uma questão formal que tivemos de fazer. 

Graças à amabilidade e competência da coordenadora tudo foi mais fácil. Amanhã as duas alunas começam a frequência deste ano escolar, e esperamos que com sucesso. Obrigado, professora Tereza. Obrigado, colegas professores, que exerceis com zelo a vossa nobre profissão.

Aproveitamos também a estadia em Liquiçá para passar pelo Município, para ver como estavam as coisas em relação ao acordo de colaboração com o município de Sabugal (Portugal). Já há mais de 15 dias que eu fui portador de material informativo sobre o concelho de Sabugal, que foi entregue formalmente ao assessor do senhor presidente do município, com a promessa de marcar uma reunião entre ambos a fim de lhe dar informações sobre o teor desse acordo de colaboração. 

Em conversa com o senhor Renato Serrão, um dos elementos que integrou a equipa que visitou o Sabugal e assinou o dito acordo, e que integra a nova equipa que atualmente preside ao município, fiquei a saber que que não sabia de nada, mas que iria averiguar a situação para depois me comunicar. E assim vai a vida por aqui. Ficamos pasmados com esta gente. Parece que estamos sempre a recomeçar, pois o que foi feito pelos outros, mesmo que seja bom, não é comunicado e, pior ainda, não é aceite. (...)


12 mar 2024 - Acontece... e com frequência

Foto:  Rui Chamusco
(20189)
A presença dos indonésios nestas terras do sol nascente foi e continua a ser muito forte. Durante os anos de ocupação, muitos negócios, casa comerciais, escolas, famílias se estabeleceram em território timorense. Mas a sua maior presença foi e é através de falantes do bahassa, língua oficial da Indonésia. 

Tudo fizeram para o conseguir, e conseguiram-no. Fala-se bahassa em todo o lado, desde as crianças aos mais velhos. O tétum e o português são as línguas oficiais, mas desiludam-se os que pensem que são as línguas mais faladas. 

Apesar dos muitos esforços dos governos de Portugal e de Timor Leste, o bahassa está muito bem implantado. Ouve-se bahassa na rádio, vêm-se programas na televisão, fala-se bahassa na rua. Ainda hoje, quando saímos do aeroporto Nicolau Lobato, ao fazermos o pagamento do estacionamento aconteceu. O Eustáquio entregou o talão respetivo e perguntou em tétum: Hira? Em português: Quanto é? A resposta do funcionário em serviço foi pronta: “Satu dólar” que em bahassa quer dizer 1 dólar.

E digam lá se não temos nada a aprender no domínio do ensino da língua portuguesa!...

12 mr 2024  - Será que é desta?...

A professora Angelina muita preocupada com a resolução da grande necessidade da Escola São Francisco de Assis, a saber: colocação de professores que garantam a sustentabilidade da ESFA, conseguiu um encontro importante que nos poderá trazer alguma esperança. Marcou um encontro para dia 12, no qual ela já não esteve presente porque já regressou a Portugal, no Hotel Timor, com o senhor Dr. Joaquim Cunha, nada mais nada menos que o Assessor Internacional no Ministério da Administração Interna de Timor-Leste. 

À hora marcada, lá estávamos nós (eu e o Eustáquio) para o encontro agendado. Depois de nos conhecermos mutuamente, criou-se logo um clima de diálogo muito ameno porque, para além de tudo, ambos estudamos desde crianças no Porto, com lugares-comuns a recordar. 

Apesar da importância do cargo que exerce, o Dr. Joaquim (Joaquim como ele me disse para chamar) é uma pessoa muito simples e muito afável. Quis saber do projeto de solidariedade da Astil, e em particular da Escola São Francisco de Assis. Até prometeu que, quando possível, lhe faria uma visita.

Ainda mais, vai fazer todos os possíveis para que sejamos recebidos pela ministra da educação do governo de Timor-Leste a Dra. Dulce Soares. Será com certeza uma porta aberta para concretizarmos o pedido que temos em mãos. Oxalá a senhora ministra tome a decisão favorável à proposta que lhe iremos apresentar. Que São Francisco de Assis e todos os santos nos valham e nos acudam...

13 mar 2024 - Chuva! Chuva e mais chuva!...


Hoje parece não deixar de chover, umas vezes chuviscos outras vezes mais forte e com algum vento. O sol ainda não apareceu. Será a despedida do inverno? Isto está a complicar-se para o nosso lado, uma vez que temos marcada a celebração do 6º aniversário da ESFA para o dia 16, e ainda a mais na montanha. 

Agora chove bem, e ouve-se um ruído ensurdecedor da água a bater nos telhados de zinco que todas as casas daqui têm. Vou pedir ó São Pedro que feche as torneiras do céu para estes próximos dias. Caso contrário, vale mais adiar a festa. Não sei não!... A ver vamos.

14 mar 2024  - Cancelamento da festa do 6º aniversário de ESFA

A notícia veio logo cedo, e caíu que nem um bomba: o temporal que assolou as montanhas de Boebau, Hatumassi e outras fez estragos incalculáveis, derrubando árvores, levando telhados, arrastando terras e enxurradas que bloquearam o caminho de acesso. Nem as angunas passam. Não há luz porque alguns postes de eletricidade ficaram sem fios com o tombo das árvores, não há comunicações. 

Perante este cenário destrutivo, não nos resta mais que tomar a decisão de cancelar a festa do aniversário prevista para o dia 16, uma vez que não há condições para tal. As escolas também têm estado fechadas. Também no telhado do edifício da ESFA há estragos. (...)


O "malae mutin los" (branco muito branco), 
"bô" Rui


15 mar 2024  - Em cada esquina um amigo


Estava eu e o Eustáquio no átrio da sua casa examinando árvores e arbustos, quando surge uma criança, talvez que já tenha dois anos e meio, trajando a roupa com que saímos do ventre da nossa mãe, e gritava:Malae!... Malae!... 

Como a criança já conhecia o Eustáquio, foi-se aproximando, aproximando até que lhe ouvimos o seguinte comentário: “ Malae mutin los!” ou seja “o malae (que neste caso sou eu) é muito branco!” 

Pudera, já katuas (velhote) como sou, com cabelo branco, pele branca e de camisola branca, como não ser muito branco? Bem-dito e bem observado por este menino engraçado. Mas não quis mais conversa comigo, talvez tivesse medo, e depressa se pirou dali. (...)

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, edição de fotos, negritos e italicos: LG)
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Timor Leste > Posição relativa de Boebau e da Escola de São Francisco de Assis, nas montanhas de Liquiçá. Liquiçá é a sede do munícipio, com cerca de 20 mil habitantes. Recorde-se que em Abril de 1999, na sequência da campanha de terror que antecedeu o referendo sobre a independência, mais de 200 pessoas foram mortas na igreja católica de Liquiçá, quando membros da milícia Besi Merah Putih, apoiados por soldados e polícias indonésias, atacaram a igreja. De Dili a Boebau, em plena montanha, são cerca de 50 km (e de Liquição 20 km) que em viatura podem demorar a percorrer 4 ou 5 horas, niomeadamenet  na época da monção (chuvs)...

Infografia: página do Facebook da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (com a devdia vénia...)

Para os leitores que se queiram associar a este projeto, aqui fica a conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL) (Página do Facebook)

IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4

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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25398: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5.ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte I

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25398: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5.ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte I




Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > Fevereiro de 2024 > Escola de 
São Francisco de Assis (ESFA) (iria celebrar o seu 6º aniversário em 16 de março)
 

Fotos (e legenda): © Rui Chamusco (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Crónicas de Timor Leste - 5ª. Estadia (2024)


1. Mensagem enviada pelo nosdo amigo Rui Chamusco  em 3 de março de 2024, 00:11


Estimados sócios e amigos da ASTIL;

Junto envio-vos, em anexos, o meu primeiro bloco de Crônicas da 5º estadia em Timor Leste e algumas fotos dos dias passados na Escola São Francisco de Assis (ESFA).

No próximo dia 16 de Março vamos celebrar o 6º aniversário da inauguração da ESFA, a nossa menina dos olhos neste projeto de solidariedade. Peço-vos que estejam connosco, ainda que ausentes, e que a vossa força mental nos ajude a superar alguns dos problemas que enfrentamos.

Com um forte abraço para cada um de vós, Rui.


Lourinhã > Praia da Areia Branca >
Rui Chamusca
e Eustáquio (João Sobral) 
 (2017)


2. Publicamos a primeira crónica que o nosso amigo Rui Chamusco (77 anos, professor de educação musical reformado, do Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã, natural de Malcata, concelho de Sabugal, cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste, membro da antiga Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã ) nos mandou, na sequência da sua 5.ª viagem àquele país lusófono em missão solidária (2024) (*).

Esteve já lá 5 vezes, em 2016, 2018, 2019, 2023 e agora 2004, no âmbito da construção, 
organização e funcionamemento 
da Escola de  São Francisco de Assis (ESFA), 
em Boebau, Manati, município de Liquiçá.

O Rui Chamusco, o "abô" Rui, é juntamente com a família luso-timorense Sobral um dos grandes pilares deste projeto de solidariedade com o povo timorense. É um exemplo inspirador, de amor à lusofonia e de solidariedade para com o povo de Timor Leste, que merece ser conhecido (e acarinhado) pelos nossos leitores.  Mais: é um exemplo de rigor,   paixão e tenacidade nas causas em que se mete.

Ele faz como.como ninguém a ponte com um país que tem parte da sua história em comum com Portugal e por quem os portugueses têm um especial carinho,  mas do qual sabem pouco.  De facto, há aspetos da história, da geografia e da cultura timorenses que nos são totalmente desconhecidos, daí também o interesse destas crónicas para os nossos leitores.

Para os leitores que se queiram associar a este projeto, aqui fica a conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL) (Página do Facebook)

IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4

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De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte I


15/16/17 fev 2024  – Voando rumo à “Terra do Sol Nascente”

Estas viagens tão longas, com tantas horas de vôo, deixam-os sempre
bastante apreensivos. Aguentaremos tantas horas sentados? Como vão ser os transbordos? A bagagem chegará a tempo e em bom estado? E assim vamos matutando com estas e outras inquietações.

Nesta viagem e durante um mês de estadia temos a companhia da professora Angelina Ribeiro, que decidiu conhecer o nosso projeto de solidariedade “in loco” e para o qual quer contribuir com a sua larga e valorosa experiência sobre a dislexia, a quem agradecemos desde já a sua disponibilidade. 

Ficará, com certeza, ainda mais rica depois de conhecer este povo timorense, que dispensa gatuitamente sorrisos e veneração a todos os que a eles se dedicam. Que o digam as crianças.

Com algumas peripécias pelo caminho próprias para quem vem para o “fim mundo”, chegamos sãos e salvos à terra do sol nascente, que em tetum de diz “Terra de Loro s’ae”. 

Sem atrasos (que os aviões não esperam por ninguém), o avião da AeroDili (companhia timorense) aterrou sob um calor sufocante e húmido como é próprio de todos os países tropicais junto à linha do equador. 

À nossa espera estavam os irmãos Mári (mário) e Eustáquio (João Sobral), dando-nos os abraços de “boas vindas” e a "pickup"  da ASTILMB que nos levou aos nossos destinos. 

Como sempre, muito fatigados fisicamente, KO como se costuma dizer, ao final do dia entramos no “nirvana” através de um sono reparador que nos deu força e vigor para continuar no dia seguinte com vontade de rever pessoas, locais, paisagens que nos enchem o peito de ar e batem no coração.


18  fev 2024   - Dando a conhecer a cidade de Dili

É sempre agradável dar a conhecer e revisitar os lugares mais icónicos da cidade de Dili. 

Depois do almoço no Timor Plaza, visitamos o monumento a João Paulo II, em Tassitolo, o Largo e igreja de Motael, as Praias de Areia Branca e Cristo Rei, o mercado do Tais em Caicoli, a Catedral, o mercado de Perunas, a casa da família do Eustáquio, o mercado da fruta em Lecidere. 

Embora seja dia de domingo, pouco mais tempo tivemos para fazermos outras andanças. A tarde e a noite foram tomando conta do dia, e o cansaço (ainda não refeitos da viagem) levou-nos facilmente à letargia do sono dando lugar a sonhos e fantasias que edificam as nossas noites. Até amanhã e bom descanso.


19 fev 2024   - Quando o sonho comanda a vida

Já referi em noticiário anterior que a razão mais forte desta minha vinda a Timor é a tarefa de resolvermos o problema falta de professores para a Escola São Francisco de Assis, em Boebau/Manati. Por isso a programação das atividades para este dia está sujeita a este objetivo.

Na falta de resposta adequada dos ministérios da educação de Portugal e de Timor, que prometem e não cumprem, temos forçasamente de nos virar para outras possíveis respostas. Iremos aonde for preciso, para que alguém, pessoas ou instituições com espírito de missão e de serviço nos possam valer.

Assim, logo de manhã, fomos á faculdade de Filosofia e Teologia do Seminário Maior para nos encontrarmos com as Irmãs Franciscanas Vitorianas a fim de sermos informados das suas presenças em Timor Leste, particularmente da comunidade de Kaité’hu. (...)

E, como não há tempo a perder, rumamos de seguida para a Universidade Católica, com o objetivo de falarmos com o Reitor, frei Joel como ele gosta que lhe chamem os amigos. Como já nos conhecíamos da visita do ano passado, foi mais fácil entendermo-nos. Para além de outros assuntos fiz-lhe o convite de participar na celebração do 6º aniversário da ESFA, que aceitou, se nada de imprevisto acontecer.


20 fev 2024  - Rumo a Kaité’hu, Liquiçá

Logo de manhã, depois de uma passagem pelo BNU/CGD de Dili a fim de resolvermos situações imprevistas, aí vamos nós visitar as Irmãs Franciscanas de Kaité´hu, tendo em vista encontrarmos um apoio para a resolução do problema que nos aflige, a dificuldade de arranjar professores para a ESFA. A visita foi breve, mas deu para ter novas ideias, sobretudo novos contatos de alguém que teve já de percorrer o mesmo caminho. Por aí iremos.

De chegada a Liquiçá, fomos diretos que nem um fuso para a Escola CAFE à procura da professora Teresa Costa, coordenadora, que exultou de alegria quando nos viu chegar. Eu e o Eustáquio já éramos conhecidos dos anos anteriores (o ano passado a professora Teresa esteve na celebração do 5º aniversário da ESFA). Mas a surpreza foi grande quando se olharam face a face, a professora Tereza e a professora Angelina. 

Então não é que ambas habitam na Guarda e na mesma rua? A pouco e pouco foram juntando pormenores que depressa as irmanou. Momentos muito bem passados, em conversa amena com alguns professores. Novas amizades, novos contactos.

Depois do almoço, quando o que apetece é fazer a “toba” (dormir a sesta), 
fomos até ao município a fim de entregar o material que a câmara municipal de Sabugal por mim enviou. Só que, sem marcação antecipada, o novo presidente não estava. Fomos recebidos pelo seu assessor, que depressa se entusiasmou com o que íamos dizendo e revelando logo uma vontade enorme de visitar Portugal. (...)

A última visita foi reservada para o novo diretor da educação de Liquiçá. Não sei porquê, entrei sem qualquer esperança para a resolução do problema e saí de lá com um sentimento contrário. Penso que, pela atitude e interesse do novo diretor, a nossa proposta de colaboração entre a escola de São Francisco e a escola de Quilo, pelo menos, vai ser entregue a ministra de educação de Timor. (...)


21 fev 2024  - Na Galeria “Memória Viva”

Custou, mas desta foi de vez. O que fazem os amigos!... Coube-me nesta viagem de regresso a este país trazer na minha bagagem algumas prendas para entregar aos amigos de amigos. Foi sempre assim, e por isso nada de novo, tudo dentro das regras da amizade. 

A maior parte das prendas destinam-se aos afilhados dos padrinhos da Astil, uma vertente do nosso projeto de solidariedade. E, como por delicadeza, não verifico o conteúdo de cada uma, às vezes temos “chatices” na passagem de fronteiras. 

E pronto, lá ficaram tesouras, tubos que excediam as dosagens, peças que incluiam metais. Malas abertas, sacos passados a pente fino, peças metálicas no corpo... farta-se a gente de ser apalpada. Na mala de porão, nem sei o que se passou. Mas que é chato e stressante, lá isso é.

A fim de entregar uma destas encomendas, deslocà-mo-nos por três vezes ao Farol, nas imediações de Santo Antóniuo de Motael, a fim de encontramos a Galeria Memória Viva para entregar a encomenda de um amigo comum. E desta vez conseguimos encontrar o local e a pessoa certa. Depressa criamos amizade, não fosse a Lourinhã vizinha de Peniche.

Eis senão quando, a convite do amigo que nos recebeu, deparo com um piano vertical entre a variedade dos artigos expostos nesta galeria. Quis saber de imediato se funcionava e, depois de verificar o bloqueio do teclado, foi me dito a quem pertencia este piano (nada mais nada menos que ao Sr. Presidente da República Dr. Ramos Horta) e que estava assim porque não se arranja um afinador de pianos para o pòr a funcionar. E que seria uma grande alegria para
o sr. Presidente que alguém o pudesse restaurar.

Na minha insignificância de saber alguma coisa de música pois foi esta a minha arte em toda a vida, informei que eu já afinei alguns pianos, mas tenho a chave de afinação em Portugal, e que estarei disposto a fazer esse trabalho caso estejam interessados. A resposta foi imediata, e começamos a fazer diligências em mandar vir a chave de afinação. (...)
 

23 fev2024  - Relíquia musical

Foi-me dito que este foi o primeiro piano de Timor Leste. Custa-me a crer. Mas intrigado com a importância deste instrumento, passei de novo na Galeria Memória Viva para me certificar de como esteva o piano por dentro.

 Abri, desmontei e fiquei perplexo. Todo danificado: martelos, abafadores, algumas cordas, teclas. Disseram-me que tinha passado pelo incêndio, durante a invasão indonésia.

Seja como for, este piano precisa de uma grande recuperação antes de ser afinado. Valerá a pena? Mas para isso outras mãos são necessárias. Assim, a música é outra! (...) 


25 fev 2024  - Subindo a montanha, a caminho de Boebau, calços e precalços

Esta seria sem dúvida a nossa intenção. E para isso logo de manhã, fomos a Bidau buscar a professora Angelina, e partimos para Liquiçá, a fim de nos abastecermos dos bens alimentares que garantam a nossa estadia em Boebau.

 E, já depois de fazermos uma parte do percurso através do leito acidentado de uma ribeira, eis a surpresa: um carreta(camião) com areia, não conseguiu desfazer bem a curva na subida e tombou, ocupando literalmente todo o caminho. Nenhum carro ou carreta podia passar, para cima ou para baixo. Os populares foram se juntando (ao menos há novidades), mas nada podiam fazer pois o peso e a estrutura do camião estavam inamovíveis.

Chegou o patrão da viatura e, depois de examinar o acontecido, partiu de novo, com certeza à procura de uma solução. Como ninguém sabia o tempo que isso iria demorar, não tivemos outro remédio que não fosse voltar para casa, voltar para Dili.  (...)


26 fev 2024  - Finalmente em Boebau

Desta vez tudo correu bem. Mesmo com os ossos a ranger, chagamos sãos e salvos, sem percalços. Um pouco de chuva, algum nevoeiro e paisagens deslumbrantes de cortar a respiração. 

Ao longo do percurso e de pequenas paragens fomos recebendo e dando os sorrisos e o “bom dia!” de bandos de crianças que regressavam das suas escolas. E ao chegar a Boebau, à Escola de São Francisco de Assis, aquela emoção de sempre que nos embarga a voz e faz bater o coração. A felicidade reina por aqui, nos rostos de quem chega e de quem acolhe. 

A nossa presença é um presente, e depressa se espalha a notícia da chegada do avô Rui e do Painino (Eustáquio), desta vez acompanhados da “malai” professora Angelina

Estou certo de que quem tem a coragem de fazer esta experiência de vida, nunca mais irá esquecer estas crianças, este povo. Que o diga a Maria e o João Picão; que o diga A Angelina.

Faz-me lembrar a letra da canção “Chuva” de Jorge Fernando:

As coisas vulgares que há na vida não deixam saudades / Só as lembranças que doem ou fazem sorrir / Há gente que fica na história, na história da gente / E outras de quem nem o nome ousamos dizer. / São emoções que dão vida…”


27,28,29 fev 2024  - De manhãzinha se começa o dia

Eram 6 horas da manhã e já o sol espreitava para de novo nascer. O cantar dos galos, o barulho das angunas que passavam na recolha de passageiros, algumas vozes da vizinhança junto à casa dos professores, tudo indicava o começo de um novo dia. Em atitude contemplativa, projetava o meu olhar sobre a beleza da paisagem, sobre os vales de Atabai e sobre os montes de Ermera.

Lá ao fundo, a ribeira de Laoeli. Umas horas depois são as crianças que se vão agrupando a caminho da escola e que, quais cabritos brincalhões, vão animando o caminho a fazer. À chegada ao local, as crianças atropelam-se para o beija-mão aos professores malai’s, seguido da saudação do “Bom dia!”.

Durante a nossa estadia o tempo das aulas é assim repartido: o 1º tempo (90 minutos) está à responsabilidade do avô Rui, que vai ocupar-se da sala São Francisco de Assis, onde estão todas as crianças. Através da música, com sons, vocábulos, sílabas, palavras e frases em português, canções didáticas, vamos transmitindo e envolvendo todos os presentes, numa participação ativa.

Segue-se o intervalo, estes dias adocicado com rebuçados distribuídos pelos malai’s. 

O segundo tempo (também de 90 minutos) é passado nas respetivas salas, com os alunos assim distribuídos: pré-escolar grupo A e grupo B na sala 2, com as professoras Adelina e Fátima; 1º e 2º anos sala 1, com o professor
Alarico; 3º e 4º anos na sala 3, com a professora Angelina e professor
Eustáquio.

Para surpresa nossa, uma vizinha da escola veio-nos trazer o almoço, a saber: Arroz, acompanhado de galinha caseira em caldo (sim, por que aqui não há aviários). E que bem nos soube.

A tarde do dia é passada em contatos com as famílias das crianças
apadrinhadas
, e com outros transeuntes que calorosamente nos saúdam com o “Boa tardi!...” 

Mesmo ao fim do dia, algumas vezes até já de noite, são jovens e adultos que nos procuram para aprenderem mais portugûes, sejam estudando os verbos (muito difíceis para esta gente, pois o Tetum só tem uma forma verbal), seja cantando canções em língua portuguesa.


29 fev 2024  - De volta a Dili

Há mar e mar. Há ir e voltar. Desta vez tivemos que nos apressar, pois termina hoje às 18.00 horas a possibilidade de votar antecipadamente. De manhã desenvolvemos a atividade letiva, e pelas duas horas da tarde começamos a nossa viagem de regresso, acompanhados do professor Alarico e do Jerónimo, nosso vizinho da casa dos professores.

 E embora tenhamos chegado a Dili com o corpo feito num oito devido aos solibancos do caminho, lá vamos nós diretos à embaixada de Portugal exercer o nosso direito de voto. Foi rápido e simples.

À noite, em Ailok Laran, caíu uma tromba de água que nunca tal houvera visto.

Conclusão: falha de luz duranta toda a noite e luz muito fraca no dia seguinte. São as contingências deste país no meio do mar plantado.


1
 
 
Lourinhã (2017) > O João Crisóstomo,
 outro grande amigo de  Timor



mar 2024 - João Crisóstomo e Vilma

Já sabia que a Vilma faz hoje anos. O João Crisóstomo, grande amigo (mano) de coração, com grande excitação escreveu, publicou e telefonou para alertar todo o mundo: a minha querida “Vilma faz anos e celebra a obtenção de passaporte e de cidadania americana (USA). Quero e peço a todos os amigos que a saúdem por estes eventos”. 

E assim fizemos em Ailok Laran. A família do Eustáquio, da qual eu também já faço parte, reuniu-se para, em direto através do facebook, felicitarmos a Vilma e lhe cantarmos os parabéns, acompanhados por mim ao acordeão. Temos a certeza e sentimos que foi um momento muito especial para este casal extraordinário, que espalha felicidade e boa disposição por todo o lado. E eu que o diga!...


1 mar 2024 - Cultura tradicional timorense: médico, curandeiro, fisoterapeuta, ortopedista, osteopata

Tdo isto vem a propósito de um telefonema que fiz para a professora Cristina Castilho, que há dias deu um tombo de mota e partiu a cabeça do úmero em três fragmentos e que, segundo o ortopedista, vai ficar engessada três ou quatro semanas.

O Eustáquio que ouviu a conversa interveio no assunto e disse: “três ou quatro semanas é muito. Aqui em Timor há outra forma de curar essas coisas”. E informou que vive em Bidau um senhor que cura as fraturas em três dias, através de fricção com saliva, imobilização da área afetada com talas de cana de bambú e, muito importante, o estado de alma do doente.

 Se a pessoa tiver algum problema com alguém, por exemplo um mau relacionamento, tem de primeiro pacificar-se para que o resultado da cura se verifique no prazo previsto. 

E deu o exemplo da filha de uma vizinha que também caíu de mota e fraturou a tíbia da perna. A cura não se realizou no prazo previsto porque andava zangada com uma vizinha. Teve de primeiro reconciliar-se com ela.

Não sei se a professora Cristina alinharia neste processo, mas penso que não.

Claro que todos nós conhecemos em Portugal gente dotada para estas coisas. Quem é que nunca foi a um endireita? Normalmente os resultados são mais rápidos, embora talvez não tão seguros. Cá por mim, que não sou esquisito, acredito nestas terapias, e até já fui tratado pelo Eustáquio, que é um grande conhecedor da cultura e da tradição timorense, com resultados muito positivos.

E surprendentes. Quem puder entender que entenda...

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, edição de fotos, negritos e italicos: LG)
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Nota do editor:


Vd. também o primeiro poste, do Rui Chamusco,  que aqui publicámos há 7 anos:

2 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17814: Ser solidário (204): "Uma escola em Timor" - Parte I: o projeto de construção de uma escola em Manati-Boibau, Liquiçá, Timor Leste... (Rui Chamusco, tabanca de Porto Dinheiro)

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24947: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - II (e última) Parte

 

O "Senhor Timor"...  João Crisóstomo, ativista social, cofundador e líder do LAMETA (Luso-American Movement for East- Timor Autodetermination)... Acaba de receber, em Lisboa, no passado dia 11, o Prémio Tágides 2023... Afinal, quem disse que ninguém é profeta na sua terra ? Ele trocou o rincão natal, Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras pela megalópole de Nova Iorque, em 1975...

Foto: João Crisóstomo, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã, 1 de julho de 2017. Fotografado por Luís Graça.

Prémio Tágides (2023)


Num total de 171 candidatos, João Crisóstomo foi nomeado para a categoria "Portugal no Mundo" (inaugurada nesta 3ª edição, teve 3 fases de seleção, 14 candidatos, três finalistas, 
e o júri foi presidido por Isabel Mota). 

O prémio Tágides, criado em 2021, “pretende identificar, reconhecer, celebrar e premiar projetos, iniciativas ou trabalhos de pessoas que se destaquem na luta contra a corrupção e na promoção da integridade em Portugal”.

A candidatura de João Crisóstomo  foi apresentada por amigos e admiradores luso-americanos. Dos elementos que chegaram às nossas mãos, selecionámos este material informativo com dados biográficos e um resumo das actividades que o nosso camarada tem desenvolvido nos últimos três decénios na defesa de causas nobres, relevantes para Portugal e os portugueses no mundo. Esta é a segunda e última parte (*)

O nosso amigo e camarada João Crisóstomo é membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010, sentando-se à sombra do nosso poilão sob o nº 432 (somos já 881, entre vivos e mortos);  tem 212 referências no nosso blogue; é o régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona;  foi  alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67); vive em Queens, Nova Iorque,  desde 1975, mas vem cá com frequência, ao  seu querido Portugal.  


(...) 3. TIMOR-LESTE – 1998 (vd. Doc 3, 4, 5, 6, 7)

 

 Nos anos 1990, quando nem a política externa portuguesa nem a americana incluiam na sua agenda a independência de Timor Leste, João Crisóstomo e um grupo de amigos criou em 1998, em Nova Iorque, a associação LAMETA (Luso-American Movement for East- Timorese Autodetermination), através da qual apoiou pessoalmente nacionalistas timorenses que visitavam os Estados Unidos e promoveu acções de apoio à independência timorense junto de meios de comunicação social (NY Times, CNN e outros) e de órgãos do poder politico americanos. 

Entre outras iniciativas, organizou uma manifestação pró- independência em frente ao consulado indonésio em Nova Iorque (1999) e, com o apoio de associações luso- americanas e particulares, canalizou uma sucessão de donativos – a aproximar-se dos $200.000 dólares - para associações que no terreno timorense respondiam aos problemas sociais do território que se iria (re)tornar independente em 20 de Maio de 2002.

Graças a diligências suas e de figuras políticas contactadas, o Senado americano aprovou a Resolução 237 de 22 de Maio de 1998 apoiando a realização de um referendo em Timor-Leste. A resolução foi apresentada pelos senadores Feingold, Reed, Moynihan, Kohl, Kennedy, Harkin, e Wellstone.

Descendo a pequenos pormenores, numa altura em que pouco existia em Timor-Leste, e dada a sua proximidade com a causa timorense, chamou a si a tarefa de comprar uns óculos de que urgentemente precisava Taur Matan Ruak, então ligado ao comando da guerrilha nacionalista timorenses e futuro presidente de Timor Leste independente (2012-1017) e primeiro-ministro (2018- 2023). Os óculos, no valor de algumas centenas de dólares, foram comprados numa loja propriedade de Peter Pantoliano, situada na convergência da Niagara St. com a Ferry St. em Newark, NJ.


4. DIA DA CONSCIÊNCIA – 2004, 17 DE JUNHO (Vd. Doc 10)

 

 Desde 2004, tem estado empenhado na declaração mundial do dia 17 de junho como DIA DA CONSCIENCIA

O dia 17 de Junho de 1940 foi a data em que, contrariando as ordens de Lisboa mas obedecendo à sua consciência, Aristides de Sousa Mendes começou a conceder vistos em massa a judeus e a outros refugiados da Segunda Grande Guerra.

O Dia 17 de Junho de 2004 e o “Acto de Consciência” de Aristides de Sousa Mendes de 1940 foram celebrados nesse ano com cerca de oitenta acontecimentos por todo o mundo, com destaque para 34 Missas celebradas com a maior solenidade em 21 países. 

Esta data continuou a ser celebrada nos anos seguintes, alguns deles com grande notoriedade. Em 2010 registaram-se vários acontecimentos e entre eles uma concelebração de quatro cardeais em Roma, que mereceu devida cobertura pela Agência Zenit: “Tribute paid to those who followed conscience”, Rome June 18, 2010 ( Zenit.org).

Semelhantes acontecimentos ocorreram em outros países e no Parlamento do Canadá houve uma moção introduzida pelo legislador luso-americano Mario Silva,  “encouraging all parliamentarians to recognize this devotion to conscience by supporting my notion designate June 17 each year a day of conscience, consistent with the international efforts of João Crisóstomo”.

Na Audiência Geral de 17 de Junho de 2020 o Papa Francisco lembrou o dia: 

“Today is the Day of Conscience, inspired by the witness of the Portuguese diplomat Aristides Sousa Mendes, who around 80 years ago decided to follow his conscience and saved the lives of thousands of Jews and other persecuted people. May freedom of conscience be respected and always and everywhere and may every Christian give the example of the consistency of an upright conscience enlightened by the Word of God”.

Em 2019, a Assembleia Geral da ONU declarou 5 de Abril Dia da Consciência – sem qualquer relação com as acções de Sousa Mendes - decorrendo neste momento diligências para conciliar as datas.


5. ENCERRAMENTO DE CONSULADOS PORTUGUESES -  2006

   Quando em 2006, o governo português decidiu encerrar o Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque no âmbito de um programa de reorganização consular que queria implementar em todo o mundo, a acção foi vivamente contestada pela população luso-americana que o consulado servia. 

João Crisóstomo assumiu a liderança do movimento de contestação que, entre outras medidas, incluiu uma manifestação em Mineola, NY, em Janeiro de 2007. 

O Consulado Geral, que contava 45.000 inscritos, acabou por ser transformado num escritório consular e, mais tarde restituido ao seu estatuto anterior. Hoje é chefiado por uma diplomata do quadro a tempo inteiro.


6. LUSO-AMERICANO REFÉM DAS FARC NA COLÔMBIA  - 2008 (Vd. Doc 9)


Em Abril de 2008, as comunidades portuguesas dos Estados Unidos viviam com alguma ansiedade a sorte do luso-americano Marc Gonsalves, desde Fevereiro de 2003 refém das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). 

Aproveitando-se da visita que o primeiro-ministro português José Sócrates iria efectuar à Venezuela, João Crisóstomo lançou uma accão de mobilização das associações portuguesas, 33 das quais escreveram uma carta ao primeiro-ministro pedindo-lhe diligências a favor do refém luso-americano junto do líder venezuelano, que mantinha bom relacionamento com as FARC. 

“Estas associações de 6 estados norte-americanos, representando milhares de portugueses e luso-americanos, deram o seu apoio imediato a esta diligência que surgiu nos meios associativos portugueses de Newark, NJ, e que eu me limitei a coordenar em obediência a imperativos de consciência, por dever de solidariedade humana e por não desconhecer - como antigo combatente na Guiné - o que serão para um dos nossos - Marc Gonsalves - os horrores do isolamento e as tensões de um clima de guerra” – escreveu João Crisóstomo na carta que endereçou ao primeiro-ministro português.

 Marc Gonsalves e outros reféns foram libertados em 2 de Julho de 2008 na sequência de uma operação das forças militares colombianas sem que fosse necessária a pressão do primeiro-ministro português.


7. UMA ESCOLA CONSTRUÍDA NAS MONTANHAS DE TIMOR-LESTE CO-FINANCIADA E COM PROFESSOR – 2017-2018 (Vd. Doc. 11)


Em Setembro de 2016, João Crisóstomo avistou-se em Nova Iorque com o primeiro-ministro de Timor-Leste Rui Maria Araújo mostrando-lhe documentalmente o que as comunidades luso-americanas tinham feito, quase anonimamente, pela independência de Timor-Leste. 

O chefe do governo timorense confessou que também desconhecia esse esforço, mas encorajou o activista a colocar em livro essa longa jornada que ele dirigira ou encorajara nos anos dificeis que precederam a independência. 

O livro foi impresso em 2017 (“LAMETA, o Desconhecido Contributo das Comunidades Luso- Americanas para a independência de timor-Leste”) e o primeiro-ministro quis que João Crisóstomo o fosse lançar a Dili.

De passagem por Lisboa a caminho de Dili teve oportunidade de conhecer em Portugal o professor Rui Chamusco, natural do Sabugal e ex-professor na Lourinhã, com alguns largos meses passados em Timor-Leste. 

Foi o professor Chamusco que lhe falou dum projecto duma escola nas longínquas montanhas de Liquiçã em cuja construção estavam também dispostos a dar o seu melhor o casal timorense Gloria e Gaspar Sobral.

Conta João Crisóstomo: 

“Quando cheguei a Timor Leste procurei e encontrei o João Moniz (Eustáquio), irmão do Gaspar, que me levou às montanhas de Manati-Boibau, província de Liquiça, onde me aventurei para conhecer o local onde encontrei centenas de "crianças esquecidas" e deparei nesse local com as necessidades e o muito interesse das gentes nas montanhas de Boebau pela construção duma escola. No mesmo momento eu e minha esposa Vilma que tinha vindo connosco a estas montanhas, resolvemos dar um contributo para este projecto para que ele começasse imediatamente e dei conta desta decisão ao Rui Chamusco.”

O resultado foi que passadas duas semanas o local, sob a supervisão do Eustáquio, era já um fervilhar de actividades. A construção da escola tinha começado a todo o vapor.

Em princípios de 2018 a escola era uma realidade. Foi inaugurada no dia 19 de Março com a presença do Embaixador José Pedro Machado Vieira ; Mons Mario Codamo representante do Vaticano em Dili; Dr. Rui Acácio, director da escola portuguesa de Dili e outros que demostrando vontade e inspiradora coragem enfrentaram os difíceis acessos ao local para aí estarem presentes nesse dia.

Apesar de solicitadas, as autoridades portuguesas não dedicaram interesse a este projecto concretizado e os promotores da escola são também os responsáveis financeiros pelo salário do professor, para o qual construiram também uma residência.

A escola é um edifício simples que consta de 3 salas possibilitando o atendimento a 60 crianças, em dois turnos, 30 de manhã e 30 de tarde. A escola mais próxima fica de duas a três horas a pé, para cada lado, e o acesso é por trilhos. Mesmo assim, esta já não pode receber mais crianças do que as que já tem, por falta de condições. 

Estas escolas também ajudarão a dar futuro à língua portuguesa em Timor-Leste ensinando-a aos mais jovens (45% da população timorense tem menos de 50 anos de idade), muito pressionados a trocarem-na pela língua inglesa do seu poderoso vizinho Austrália.

Como acontece tantas vezes na vida das pessoas, João Crisóstomo tem lançado e lutado por estas e por outras causas por imposição da sua consciência cívica e cristã e nunca reivindicou créditos.

Como o seu herói Sousa Mendes, basta-lhe o aplauso da sua consciência.


Anexos:


Doc 3 - Recorte do "Luso-Americano", 10 de setembro de 1999



Doc 4 - Recorte do "Luso-Americano", 23/2/2000



Doc 5 -Recorte de "Luso-Americano", 8/5/2002



Doc 6 - Recorte de "Luso-Amerciano", 12/11/1999



Doc 7 - Recorte de "Luso-Americano", 2/2/2009




Doc 9 -  Recorte do "Luso-Americano", 9 de abril de 2008: Solidariedade com Marc Gonsalves


Doc 10 - Recorte da agência "Lusa", 16/6/2021: Entrevista a João Crisóstomo sobre o Dia da Consciência


Doc 11 - Recorte de "Comunidades", 28 de fevereiro de 2018

(Adaptação, revisão, fixação de texto, links, fotos no texto, negritos: LG)

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Nota do editor LG:

(*) Poste anterior: 

12 de dezembro de 2023: Guiné 61/74 - P24945: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - Parte I