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quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26100: (In)citações (267): Memorando sobre a Escola São Francisco de Assis, em Timor, entregue ao primeiro-ministro Xanana Gusmão através do embaixador Dionísio Babo Soares, representante do país nas Nações Unidas (João Crisóstomo)



Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  O João Crisóstomo com Xanana Gusmão:
 e "a expressão de surpresa deste por ver a Escola São Franciscoo de Assis em páginas do  blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné"…



Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  O João Crisóstomo, à direita, com 3 timorenses, da esquerda para a direita: 
(i) Luís Guterres, embaixador de Timor Leste em Washington;  (ii) Dionísio Babo Soares, embaixador de Timor nas Nações Unidas;  e (iii) uma senhora, possivelmente a ministra da educação do govermo de Xanana Gusmão


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2024). Todos os direitos reservados 
[Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


João Crisóstomo, um "advogado de causas 
justas e solidárias"


1. Mensagem de João Crisóstomo, com data de 4 do corrente, dando conta aos amigos de Timor da correspondência trocada com o embaixador timorense nas Nações Unidas, Dionísio Bobo Soares, depois do encontro que teve em Nova Iorque, em 23 de setembro último,com o primeiro-ministro Xanana Gusmão.

Sabemos que o embaixador Dionísio Babo Soares já encaminhou para o seu governo o memorando, feito pelo João Crisóstomo, na sua qualidade de sócio da ASTIL,  sobre a ESFA - Escola São Francisco de Assis. Fazemos votos para que estas diligências tinham um fim feliz, por mor das crianças de Liquiçá, Manatti / Boebau.


(i) Senhor Embaixador Dionísio Babo Soares, Representante de Timor Leste nas Nações Unidas Nova Iorque, 4 de Outubro de 2024

Creio que os dias de grande azáfama nas Nações Unidas devem ter passado ou pelo menos estarão agora reduzidos a programas menos prementes que lhe permitam já um pouco de merecido descanso. Por isso permito-me enviar o que segue, conforme acordado por Vossa Excelência depois do encontro com o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão.

Minha esposa Vilma associa-se a mim na certeza da nossa amizade e apreço pela sua atenção e os nossos respeitosos cumprimentos.

João Crisóstomo


(ii) Ex.mo Senhor Embaixador Dionísio Babo Soares

Mais uma vez o meu "Muito muito Obrigado" pela oportunidade e convite que nos permitiu encontramo-nos de novo no dia 23 de setembro, o que me permitiu ainda o encontrar-me com Sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão (*), Embaixador Luís Guterres, Senhora Elisabeth Exposto e tantos outros que fizeram desta ocasião um dia extraordinário.

Como sabe,  aproveitei a ocasião, e em boa hora o fiz, para pedir a sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão o favor da sua ajuda para a escola S. Francisco de Assis (por coincidiência hoje, dia 4 de outubro, é o dia de S. Francisco de Assis na Igreja Católica).

Conforme instruções do senhor Primeiro-Ministro, junto uma sinopse do que julgo ser o que Sua Excelência tinha em mente nas instruções que me deu:
 
  • A Escola S. Francisco de Assis é uma escola construida em 2017 nas montanhas de Liquiçá por iniciativa de alguns amigos de Timor Leste em Portugal e Estados Unidos, que para isso fundaram uma organização de solidariedade, a ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste ). 
  • Esta escola foi inaugurada a 19 de Março de 2018.
  • A "Escola S. Francisco de Assis, Paz e Bem” está localizada no Município de Liquiçá, Suco de Leotalá, povoação de Boebau e lugar de Manati.
  • A Escola S. Francisco de Assis está integrada na rede escolar do Ministério de Educação de Timor Leste com o número 36. 
  • O seu objectivo é providenciar às crianças de Manati /Boebau que por razões de distância e outras não têm acesso a escolas, os programas escolares instituídos pelo ministério de Educação de Timor Leste para os graus pré-escolar e ensino básico.
  • A Escola preocupa-se em formar os seus alunos no quadro dos valores universais e da cultura timorense, com especial ênfase para o ensino da língua e cultura portuguesa com  destaque para a música.
  • Quando em plenbo funcionamento a escola tem capacidade para 180 alunos, contabilizados nos dois períodos matinal e vespertinos.
  • Dadas as limitações e dificuldades ainda existentes a escola desde a sua inauguração tem funcionado e providenciado cada ano ensino apenas para 80 a 85 alunos.

Todos os encargos e despesas de construção, manutenção, ensino e outros relacionados têm até ao momento sido suportados essencialmente pelos membros da ASTIL e amigos.

A ASTIL tem neste momento 85 sócios. Deve-se a esta o seguinte :

(i) Construção da "Escola S. Francisco de Assis, Paz e Bem”, localizada no Município de Liquiçá, Suco de Leotalá, povoação de Boebau e lugar de Manati.

(ii) Construção de uma casa/residência, T3, para uso dos professores.

(iii) Construção de uma cozinha. (Esta porém como está é pequena demais e precisa de ser remodelada para maior eficiência.)

(iv) Um muro, que neste momento está ainda em vias de construção para proteção da escola e dos alunos

(v) Fornecimento de todo o equipamento escolar incluindo todo o mobiliário.

(vi) Fornecimento de formação gratuita , em média de 84 alunos, do ensino pré-escolar e ensino básico.

(vi) Pagamento das compensações, até ao momento a três professoras e um responsável de manutenção da escola. O seu bom funcionamento porém é mais devido ao sentido de solidariedade do que pelos benefícios derivados por emprego.

(vii) Os uniformes ( fardamento) e materiais escolares têm sido totalmente gratuitos.

À ASTIL se deve ainda :

(viii) A construção de uma casa /residência T3 para um antigo comandante de guerrilha em Ailok-Laram, já falecido em 2021,  que tinha uma grande família, mas que vivia em grandes dificuldades.

(ix) O fornecimento de ajuda a crianças pobres através dum programa de apadrinhamento criado pela ASTIL. Neste momento 41 crianças são ajudadas por membros da ASTIL, famílias portuguesas ou de origem portuguesa a residir no estrangeiro, nomeadamente nos Estados Unidos.

(x) Ajuda a dois jovens universitários, um de Liquiçá , que se licenciou em Gestão na Indonésia, e uma jovem, também de Boebau, que, graças também à ajuda da UNPAZ, se licenciou em Relações internacionais. Esta jovem é agora uma das professoras nesta escola S. Francisco de Assis.

A presente situação desta escola, mesmo nas condições presentes,  não é sustentável indeterminadamente. Temos feito vários contactos, nomeadamente com o Senhor Dr. Roger Soares, coordenador das escolas CAFE de Timor Leste.

A "Escola S. Francisco de Assis Paz e Bem “ para que possa continuar a funcionar precisa agora da ajuda das entidades oficiais de Timor Leste, especialmente na concessão de professores acreditados, para que possa funcionar e providenciar o ensino e ajuda a estas crianças.

O mentor e motor principal desta escola é o professor Rui Chamusco , cujos contactos são  (...).

Se achar que precisa de mais algo por favor não hesite em me contactar ou diretamente ao professor Rui Chamusco. 

João Crisóstomo (**)

(Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG)
___________________

Notas do editor

(*) Vd.poste de 24 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26072: (In)citações (266): Será que é desta ?... Se Xanana Gusmão não vai à nossa Escola nas montanhas de Liquiçá, a nossa Escola vai ter com ele em... Nova Iorque (João Crisóstomo)

(**) Último poste da série > 26 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26082: (In)citações (267): Não às armas nucleares e às mudanças climáticas: carta do Papa Francisco e o testemunho dos Hibakusha (os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki), cuja organização, a Nihon Hidankyo, acaba de receber o Nobel da Paz de 2024 (João Crisóstomo, Nova Iorque)

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26090: Timor Leste: Passado e presente (27): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo VI: um herói esqucido e injustilado, o tenente António PIres

O actor Marco Delgado no papel de Tenente Pires, na série "Abandonados" (realização de FranciscomManso, produção RTP, 2022). Imagem: cortesia de RTP e
 


1. No livro de José dos Santos Carvalho, que temos vindo a seguir (*), reproduzindo excertos e notas de leitura, há uma adenda, no final (pp. 195/204), que merece também destaque: nela o autor reproduz  informações complementares de dois sobreviventes, tal como ele, da tragédia que foi a ocupação japonesa de Timor  (fevereiro de 1942 / setembro de 1945). 

A adenda foi escrita em dezembro de 1970, quando o livro já estava no prelo. Por um feliz acaso encontrou em Lisboa Joaquim Luís Carrapito, antigo deportado, padeiro   (em Díli e depois em Baucau). Este, por sua vez, apresentou-lhe um segundo sobrevivente, César de Castro, também ele antigo deportado, serralheiro, a viver na Cova da Piedade, Almada. 

Na adenda tomamos conhecimentos de factos novos, ocorridos durante a ocupação nipónica. Mas, mais importante do que a revelação das circunstâncias e pormenores de mais uma série de crimes bárbaros, importa sublinhar o papel do tenente Manuel António Pires, um verdadeiro herói que arriscou a sua vida  para salvar compatriotas seus (e em especial mulheres e crianças, talvez cerca de uma centena, repatriados para a Austrália) e que foi um grande patriota (acabaria por morrer em 1944 na prisão,  às mãos dos japoneses).  
 
2. Sobre esse doloroso período (fevereiro de 1942 / setembro de 1945) (em que morreram 90 portugueses e c. 40 mil timorenses), o médico José dos Santos Carvalho publicou, 30 anos depois, um livro de memórias, "Vida e morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (imagem da capa, a seguir) . 



Capa do livro de José dos Santos
Carvalho:"Vida e Morte em
Timor Durante a Segunda
Guerra Mundial",
Lisboa: Livraria Portugal,
1972, 208 pp. , il


 
 O livro (disponível em formato digital na Internet Archive) e o autor merecem ser aqui lembrados. Recorde-se que a obra foi digitalizada e carregada, em 2010, no Archive.org, por um sobrinho do autor ("Fernando in Lisbon"). Na dedicatória lê-se: "Ao Fernando, com um abraço, muito amigo, do tio, José. Lisboa, 2/v/72" (**)
 
Recorde-se, entretanto, que dos 28 louvores atribuídos formalmente, pelo Governador aquando da cessação das suas funções, com datas de 10 de outubro e 21 de novembro de 1945, apenas se contempla um profissional de saúde (o médico de 2ª classe José dos Santos Carvalho). Os restantes são militares (oficiais, sargentos e praças) (n=10), pessoal da administração (chefes de posto e outros) (n=10), deportados (=6), além de 1 missionário e o diretor da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho...

Há um silêncio incómodo em relação à figura do tenente Manuel de Jesus Pires, administrador de Bacau.

Mais tarde, já em junho de 1947, no relatório que fez para o Governo sobre os "acontecimentos de Timor", o antigo Governador (alvo de suspeições de "colaboracionismo", de que acabou por ser ilibado)  alargou a lista dos portugueses e inclui uma mão cheia de timorenses, vivos e mortos, merecedores do reconhecimento da Pátria portuguesa: são mais de 60 os liurais, chefes de suco, "moradores" (milícias), e outros "indígenas" expressamente citados. 

Mais uma vez o tenente Manuel de Jesus Pires aparece como "persona non grata" aos olhos do regime de então, sendo completamente esquecido (para não dizer banido).  O Governador que esteve a desgraça de estar em Timor neste período trágico da sua (e nossa) história, não lhe terá perdoado a sua colaboração com os Aliados (australianos e americanos), desrespeitando assim a orientação superior (de Salazar) que era de manter, a todo o custo, a estrita neutralidade...face aos invasores estrangeiros do território (os australianos e depois os japoneses).

Mas este português (tal como outros que optaram por resistir aos japoneses, como o deportado político, o dr. Carlos Cal-Brandão) merece, oportunamente, um poste sobre a sua história. (Sobre ele, de resto, já aqui falámos no blogue em vários postes desta série e dissemos que, se ele fosse vivo, em 1945, no regresso a Portugal, seria seguramente preso e condenado por deserção e traição.)

 Recorde-se apenas, "en passant", que a sua história inspirou uma recente série televisisa, cujo guião teve por base o livro Timor na II Guerra Mundial: o diário do Tenente Pires (editado pelo ISCTE,  da autoria do historiador António Monteiro Cardosoentretanto falecido em 2016).


(...) "Portugal tem um novo herói. Chama-se Manuel de Jesus Pires, mas podemos tratá-lo como Tenente Pires. Foi ele o administrador da Vila de Baucau durante a invasão de Timor pelos japoneses, em 1942, e liderou a resistência ao invasor, tendo salvado quase uma centena de vidas numa altura em que o regime do Estado Novo abandonou portugueses à sua sorte. A sua história é agora uma série de ficção da RTP com o título 'Abandonados' " (....)
 

Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.)


Anexo VI:  Adenda: o papel do tenente Pires (pp. 195-204) (Excertos)

 


(...) Estando já no prelo o presente livro, um acaso providencial fez-me deparar numa das ruas de Lisboa com o sr. Joaquim Luís Carraquico que eu conhecera em Díli exercendo a profissão de industrial de padaria.

A sua amabilidade permitiu-me obter o esclarecimento de circunstâncias de acontecimentos de que eu tinha imperfeita noção e a notícia de outras que eu desconhecia e que é forçoso transmitir ao leitor para sua mais completa elucidação.

No dia 14 de novembro de 1942 encontrava-se o sr. Carraquico em Baucau onde residia após a evacuação de Díli ordenada pelo Governador.

Constando-lhe o assassinato de europeus em Manatuto por uma coluna [negra], que se dirigia a Baucau, afastou-se desta vila e seguiu para o interior na direcção de Quelicai.

Reuniram-se os foragidos de Baucau, e outras terras, cerca de 300 europeus e timorenses, nas faldas do monte Mate-Bían, no suco de Lai-Súru-Lau, sendo naturalmente guiados pelo tenente Pires e dedicadamente auxiliados por timorenses que lhes traziam alimentos e permanentemente os informavam dos movimentos dos japoneses.

Assim, chegou ao seu conhecimento que, após o assassinato do administrador de Manatuto [dr. João Mendes de Almeida, em 13 de novembro de 1942],e do secretário [Augusto Pereira] Padinha, haviam os japoneses passado em Vemasse, a caminho de Baucau, e, aquando ou depois da sua passagem, se tinha dado o assassinato do deportado sr. António Dias que vivia numa casa que possuía à beira da estrada de Manatuto a Baucau, num suco de Vemasse.

No dia seguinte ao da chegada dos japoneses a Baucau, uma coluna atingira Lautém onde então foram assassinados [em 17 de novembro de 1942] o administrador Manuel [Arroio E.] de Barros e a esposa [Maria das Dores de Barros], e dois deportados, os srs. António Teixeira e Mário Gonçalves [no dia seguinte].

O grupo de foragidos, de que faziam parte muitas mulheres e crianças, estava sob a permanente ameaça das colunas negras e, por isso, o tenente Pires contactando com um oficial australiano que se encontrava então por aqueles lados [1], conseguiu a sua evacuação para a Austrália num destroyer que veio ancorar na praia da Aliambata na noite de 18 de dezembro [de 1942].

Pressurosamente se apresentaram no local do embarque todos os foragidos, porém só foram autorizados a embarcar os constantes duma lista elaborada pelo tenente Pires, entre os quais todas as mulheres e crianças.

O sargento Martins, de metralhadora em punho, impediu, então a salvação de muitos dos homens, os quais teriam de ficar em Timor "para manter a soberania portuguesa naquela área e para auxiliarem as forças australianas que haveriam de vir a desembarcar na ilha".

Assim, o sr. Carraquico, o dr. [José Aníbal Torres] Correia Teles [médico] , o condutor de obras públicas, [Orlando] Vale do Rio Paiva, e vários outros, assistiram à partida das suas famílias e eles ficaram para ali, abandonados, fracionados em pequenos grupos para evitar as colunas negras que os perseguiam, mas amigável e caridosamente ajudados pelos timorenses da região.

Em breve os foragidos se sentiram cercados pelos japoneses que se instalaram em Ossú, Viqueque, Báguia e Quelicai, lançando colunas negras pelo interior.

Impôs-se-lhes, assim, a retirada para a zona litoral de Luca e Barique onde ainda não dominavam os nipónicos e havia locais propícios à ancoragem de embarcações que os viessem salvar, transportando-os para a Austrália.

Como a tropa japonesa patrulhasse incessantemente a estrada de Viqueque a Ossú, os foragidos só conseguiram atravessá-la divididos em pequenos grupos, altas horas da noite e guiados por dedicados amigos timorenses.

O grupo a que pertencia o sr. Carraquico foi acampar em Nátar-Bora, na região de Luca, e outros grupos ficaram por ali perto. Dois missionários [Padre António Manuel Serra e padre Júlio Augusto Ferreira], o secretário 
[de circunscrição José Luís] Howell de Mendonça e o chefe de posto Eugénio de Oliveira, juntaram-se ao deportado sr. Américo de Sousa [surrador, de profissão] e foram acolher-se à protecção de um chefe de um suco [2] ao qual pertencia a companheira do sr. Sousa e que também vinha com eles.

Em Nátar-Bora, o dr. Correia Teles que estava muito doente e extremamente debilitado, afastou-se momentaneamente dos seus companheiros e suicidou-se descalçando a bota alta e premindo o gatilho da caçadeira que trazia, com o dedo grande do pé, depois de ter apoiado os canos da espingarda contra o maxilar inferior.

Em janeiro de 1943 receberam os foragidos uma comunicação do dr. Cal Brandão (que se encontrava com militares australianos para os lados de Fátu-Berliu) , de que no dia 9 viria um navio à praia de Kirás, junto à foz da ribeira Sáhe, ao sul da povoação da Soibada, para evacuar para a Austrália os australianos e, também, os portugueses que por ali andavam.

Assim, na tarde do dia aprazado encontraram-se em Kirás algumas dezenas de portugueses com o dr. Cal Brandão e a tropa australiana comandada pelo major [Bernard] Callinan. Pelo dr. Cal Brandão foi então referido que o comandante australiano havia proibido o embarque ao aspirante [administrativo José] Armelim Mendonça, assim, como a toda a sua família, não lhes permitindo, sequer, a deslocação a Kirás! [3]

Por grande infelicidade, as duas primeiras baleeiras que chegaram à praia e eram as destinadas ao transporte dos portugueses, voltaram-se devido ao mar bravo, pelo que somente puderam embarcar muito poucos, juntamente com os militares australianos.

Lembra-se o sr. Carraquico de terem conseguido embarcar:

  • a esposa e filhas do tenente reformado Sequeira;
  • os cabos Rente chefe do posto do Remexio] e Robalo;
  • os enfermeiros Alfredo Borges e Marcelo Nunes;
  • o aspirante administrativo Artur Oliveira;
  • e os deportados Arsénio José Filipe, José Maria e Rodrigo Rodrigues.

Ficou em Timor uma secção australiana (16 militares), que, segundo o dr. Cal Brandão, se foi esconder nas montanhas de Fátu-Berliu com a incumbência de observar o movimento das tropas inimigas e dar informação pela TSF para a Austrália.

A situação dos portugueses foragidos era agora mais que nunca desesperada, pois as colunas negras continuamente os perseguiam. Forçados a esconder-se nos matagais pantanosos da planície de Barique onde os mosquitos que transmitem o paludismo constituem legião mortífera, estavam condenados a privarem-se de alimentos provenientes de plantas cultivadas pois esta zona é completamente despovoada devido aos timorenses evitarem nela residir por ser doentia.

Seguiram-se tempos dos mais desgraçados e miseráveis para aqueles infelizes que, minados pela fome e doença e sugados pelos mosquitos erravam pela floresta do litoral de Barique, colhendo frutos e raízes silvestres e apanhando a furto uma espiga em horta de há muito abandonada e, sempre, sob o terror das colunas negras que tanto os incomodavam.

Fracionados em pequenos grupos para mais facilmente poderem subsistir viam, pouco a pouco, cair em mortos de inanição ou de doença ou apanhados pelas colunas negras vários companheiros.

O enfermeiro Alcino Madeira, um seu irmão e o cunhado, tenente reformado Sequeira, resolveram afastar-se da costa sul e procurar abrigo entre timorenses seus amigos na terra da família Madeira, a Ermera. Puseram-se a caminho, mas todos cairam assassinados, não se sabendo, porém, onde nem como.

Também o cabo Acácio de Oliveira, o deportado sr. Severino Faria Coelho, o deportado sr. Manuel Simões Miranda e um enteado deste último, garoto de cerca de oito anos, se afastaram do grupo em que andavam para procurarem comida. Apanhados por uma coluna negra, todos foram assassinados com exceção do sr. Miranda que conseguiu escapar-se na ocasião mas que sucumbiu, depois, à fome.

O enfermeiro Fernando [José Maria] Senanes, ferido numa perna por uma bala disparada por uma coluna negra atacante, foi apanhado e assassinado à catana, sendo-lhe decepadas as mãos para se exporem como troféu no alto de uma azagaia! [na região de Luca, antes de 28 de fevereiro de 1943].

O velho sr. Delfim, que era nos tempos de paz o encarregado das oficinas dos Serviços de Obras Públicas em Díli, já não podia andar e, por isso ficara numa povoação timorense, ao cuidado de um chefe de suco, onde durante algum tempo foi muito bem tratado. Morreu intoxicado, porém, por lhe terem dado numa refeição mandioca brava, talvez no intuito de se apoderarem das patacas mexicanas que ele guardava numa faixa que lhe envolvia o abdómen e cujo volume se distinguia perfeitamente sob a camisa.

Em meados de fevereiro veio um submarino americano à praia da «alfândega» de Barique
 [4]  para evacuar para a Austrália todos os militares dessa nacionalidade e os timorenses de Ossuroa que os tinham auxiliado.

Neste mesmo navio embarcou também o tenente Pires; que só o fez depois de muito lho pedirem os seus companheiros e com o fim de instar na Austrália por socorro urgente aos portugueses.

Conta o dr. Cal Brandão que os australianos deixaram aos portugueses de Timor dois aparelhos transmissores e recetores de TSF e uma cifra para que pudessem continuar a comunicar com a estação de Port Darwin ficando a cargo do sargento-telegrafista da Armada, Luís de Sousa, adido à Missão Geográfica, no tempo de paz.

No grupo a que pertencia o sr. Carraquico andavam o cabo reformado Alexandre [B. Gomes] (por alcunha o «cabo Macau») e o enfermeiro Manuel Turquel dos Santos, os quais sofriam de enormes úlceras, nas pernas, instaladas em ferimentos devidos aos espinhos do mato que lhes rasgaram a carne durante as precipitadas correrias.

Num dado dia, foi o grupo atacado por uma coluna negra chefiada por japoneses e todos se puseram em fuga, sendo forçados a atravessarem uma ribeira de águas quase paradas mas funda. 

Passado o perigo e reunido de novo o grupo deram pela falta daqueles dois companheiros. Timorenses amigos lhes vieram depois comunicar terem encontrado os dois cadáveres boiando na ribeira. Deduziram que o afogamento teria sido motivado pela debilidade dos membros inferiores que não permitiu o aguentarem-se de pé nem a nado.

Deste mesmo grupo fazia também parte o soldado Mendes [ou António Mendes, cabo de infantaria ?] que andava transtornado mentalmente, parece que por ter explodido uma bomba muito perto de si. Veio a morrer, de fome e paludismo, pouco depois.

O sr. [Orlando] Vale do Rio Paiva, condutor de obras públicas, foi atingido por uma intoxicação geral que se manifestava por bolhas que se rompiam e ulceravam e em breve faleceu. 

O sr. Soares que no tempo de paz estava empregado na plantação do sr. Sebastião da Costa, no posto da Hera, fazia parte de um grupo de foragidos que foi atacado por uma coluna negra. Enervado, em vez de fugir, enfrentou a turba, de pistola em punho. Lançaram, então, contra ele uma granada de mão que o vitimou.

O Pe. Francisco Madeira andava num grupo de que fazia parte, além de outros, o deportado sr. Jacinto Estreia, e recebeu de um amigo timorense o presente de um cacho de bananas num momento em que se encontrava com desesperada fome. A abundante e não habitual refeição provocou-lhe, porém, uma indigestão que o vitimou.

Lembra-se, ainda, o sr. Carraquico de três portugueses europeus que morreram à fome, «só com pele e osso», na costa sul. Foram eles, o sr. Venceslau Pereira (escrivão do tribunal de Díli) , o deportado sr. Mário Vitorino Enguiça e outro deportado conhecido pelo apelido de «Silvinha» , o qual nos seus últimos tempos ficou cego devido às privações.

Em princípios de julho 
[de 1943] o tenente Pires voltou da Austrália num submarino americano dando a notícia de que em breve viria um navio evacuar os portugueses foragidos. Pela TSF combinaram estes com os autralianos que o local do embarque fosse a já referida «alfândega» de Barique [4] e o dia escolhido, o de 3 de agosto.

Com efeito, pelas 5 horas da tarde desse dia, ancoraram duas «vedetas» australianas onde embarcaram as seguintes pessoas de que o sr. Carraquico se recorda:

(i) Deportados: 

  • dr. Carlos Cal Brandão, 
  • Joaquim Carraquico, 
  • Jacinto Estrela,
  • Domingos Paiva,
  •  Paulo Soares, 
  • Hilário Gonçalves, 
  • Álvaro Damas, 
  • Francisco Horta, 
  • José Luís de Abreu, 
  • Bernardino Dias, 
  • Hermenegildo Granadeiro, 
  • António Pereira (e esposa), 
  • Pedro de Jesus (e família), 
  • Francisco Albuquerque (e esposa)

(ii) Sargentos: 

  • Lourenço Martins, 
  •  José Arranhado, 
  •  Luís de Sousa

(iii) Cabos: 

  • José Pires (chefe do posto de Lacluta) e família, 
  • Ilídio dos Santos
  •  José Rebelo

(iv) Outros: 

  • Eduardo Gamboa (Chefe de posto), 
  • António Sebastião da Costa, 
  • Henrique Pereira, 
  • Fernando Pereira, 
  • Joaquim Campos (Funcionário das Obras Públicas), 
  • Abel Cidrais (Funcionário das Obras Públicas),
  • 0 Sr. Sousa (natural da Índia Portuguesa),
  • duas filhas do falecido sr. Manuel Simões Miranda,
  • dois chineses,
  • vários timorenses dos dois sexos

Em Timor ficou um grupo de voluntários, em missão, de observação, de que faziam parte os seguintes portugueses: 

  • Tenente Pires, 
  • Chefe de posto Matos e Silva, 
  • Chefe de posto  José  [Plínio dos Santos] Tinoco   [morto na cadeia de Díli, em 8 de abril de 1944] 
  • Enfermeiro Serafim  [JOaquim] Pinto  [morto na cadeia de Díli, antes  de 29 de abril de 1944] 
  • Radiotelegrafista Patrício Luz ,
  • Soldado  [ou cabo de infantaria ?]  João Vieira. 

Julga-se que todos eles morreram na prisão japonesa   [em 1944]  com exceção do sr. Patrício Luz que se escondeu entre timorenses amigos da sua família. 

Dos portugueses que conseguiram passar para a Austrália, aí faleceram os seguintes: 

  • Coronel Jorge Castilho  [5],
  • Sargento Gastão Ornelas de Vasconcelos,
  • Joaquim Campos,
  • António Sebastião da Costa,
  • Sr. Cachaço (empregado do sr. Sebastião da Costa),
  • Sr. Santos (olheiro das Obras Públicas),
  • Um menino timorense.

Teve o sr. Carraquico conhecimento de alguns pormenores de assassinatos de portugueses, os quais amavelmente me referiu. Pelo cabo Rente, que era o chefe do posto do Remexio, soube dos assassinatos dos deportados srs. Ramos Graça e Fernando Martins.

O cadáver do primeiro foi encontrado retalhado à catana japonesa de tal modo que estava irreconhecível. Os japoneses haviam-no abandonado numa ravina não longe da casa em que o sr. Ramos Graça habitava.

Quanto ao sr. Fernando Martins (que era coxo por ter um joelho anquilosado e com a perna fletida) , havia-se juntado a uma guerrilha australiana que actuava na área do Remexio. Passando o grupo por um acampamento japonês instalado num local situado entre o Remexio e Díli, notaram que as sentinelas estavam a dormir, o que aproveitaram para se aproximarem e lançarem uma granada de mão para o meio do acampamento.

Então, os japoneses perseguiram-nos e alcançaram o sr. Martins ao qual prenderam com uma corda pelo pescoço a um cavalo e assim o arrastaram até Díli e o abandonaram na praia, onde o sargento Vicente, chefe da polícia, somente pôde reconhecer o cadáver pelo aleijão do joelho.

Soube também o sr. Carraquico como foi assassinado o alferes reformado Alípio Ferreira que vivia em Cribas com a sua esposa timorense, um filho adulto e uma filha muito gentil e elegante. Quando por sua casa passou a coluna do tenente Ramalho que havia combatido os rebeldes de Maubisse, o alferes Ferreira, profundo amigo dos timorenses, pediu ao comandante que lhe deixasse ficar à sua protecção um rapazinho timorense que ele tinha recolhido por já não ter pai nem mãe.

Após o assassinato de europeus em Manatuto, o alferes Ferreira refugiou-se numa palhota bem escondida no mato, protegido pelo sigilo dos seus amigos timorenses. Porém, era necessário sair dela e ir a uma certa distância para trazer a água essencial para a vida da família e disso era encarregado o garotito de Maubisse.

Ora, num dado dia, deu-se a fatal coincidência de este ter encontrado no seu caminho uma coluna negra em que vinham timorenses da sua terra, que logo o reconheceram. Inocentemente, indicou-lhes o abrigo do seu protetor que logo foi assassinado juntamente com o filho [Alberto Ferreira], escapando incólumes a esposa e a filha.

Sobre os assassinatos de portugueses na circunscrição de Lautém após a chegada de japoneses, referiu-me o sr. Carraquico ter-Ihe constado, dias depois, que em Lautém haviam sido mortos o administrador Manuel [Arroio E. ]de Barros e a esposa [Maria das Dores de Barros] e os deportados Mário Gonçalves e António Teixeira e, em Iliómar, o chefe do posto, cabo [João ] Brás e o deportado Raul Dias Monteiro.

Acrescentou, então, que eu poderia ser devidamente esclarecido sobre esses bárbaros acontecimentos pelo sr. César de Castro [serralheiro ] que eu conhecera deportado em Timor e agora reside na Cova da Piedade. Com a melhor vontade se prontificou o sr. Castro a rememorar a tragédia de que foi figurante e da qual é o único europeu sobrevivente.

Aproveitando as qualidades do sr. César de Castro, hábil serralheiro, o Estado havia-o contratado 
[6 ] para exercer as funções de encarregado da fábrica de serração de madeira instalada em Loré (na área do posto de Iliómar e na costa sul) , junto à principal e mais rica floresta de Timor . Raras vezes ele se poderia deslocar a Lautém pois que, além do percurso a cavalo demorar cerca de dois dias, ele era o único responsável por todos os serviços da fábrica, competindo-lhe a direcção, administração, contabilidade, etc.

Porém, em novembro de 1942, apresentou-se em Loré o deportado sr. José Filipe, recomendado pelo administrador Barros para trabalhar junto do sr. Castro, o que permitiu a este deixá-lo a vigiar os trabalhos na fábrica e seguir para Lautem para apresentar contas ao administrador, receber os salários, etc, e tratar de assuntos da sua vida particular.

Chegado à vila na manhã do dia 15 foi instalar-se em casa do deportado Luís Maria Félix que exercia as funções de olheiro da circunscrição. Por este seu amigo foi então informado de que não havia comunicações telefónicas para oeste de Lautem, nada se sabendo pois do que se passava no resto de Timor [7].

Apresentou-se, em seguida, na secretaria da circunscrição tendo-o o administrador convidado para almoçar em sua casa, o que não pôde aceitar por estar comprometido a ir tomar a refeição com um comerciante chinês, juntamente com o sr. Luís Félix.

À tarde, quando os dois amigos conversavam na varanda da residência do sr. Félix, ouviram um tiro, sendo em breve informados por timorenses que passavam espavoridos que os japoneses haviam chegado e morto a tiro o sr. Mário Gonçalves [deportado] . Imediatamente a família do sr. Félix (companheira timorense e dois filhos) se pôs em fuga para os arredores e logo apareceram militares japoneses que se instalaram na casa, destinando um quarto para os dois europeus e dando-lhes ordem de não se afastarem do local.

Assim se passaram oito dias em que eles se mantiveram isolados, eles próprios cozinhando a sua comida. Passado este tempo, os japoneses avisaram-nos que seguiriam para Baucau no dia seguinte.

Assim, o sr. Félix conseguiu disso avisar a família que logo voltou do mato e com os europeus foi metida numa camioneta. Em Baucau embarcaram numa lancha de desembarque que os levou a Díli.

Seguiram depois para a zona de concentração de Liquiçá onde o sr. Félix veio a morrer de beribéri [em 10 de junho de 1945] e o sr. Castro se manteve até ao fim da guerra.

Segundo timorenses contaram à companheira do sr. Félix, o deportado Mário Gonçalves havia, por acaso, saído a cavalo para os arredores da vila quando a tropa japonesa que chegava o encontrou. Mandaram-no desmontar e meteram-no numa camioneta, levando-o para Lautém onde o encerraram na casa de um comerciante chinês. Tendo ele pedido licença para ir tomar banho à praia, esta foi-lhe concedida, o que não obstou ser abatido a tiro no trajeto!

Das circunstâncias em que se deram as mortes do administrador Barros e da esposa e do deportado António Teixeira [8] nada soube o sr. Castro, nem na ocasião nem depois.

Segundo na época dos acontecimentos constou ao sr. Carraquico, o administrador foi assassinado após a chegada dos japoneses à vila, seguindo-se-lhe na mesma sorte a sua esposa, mas por ela o ter insistentemente requerido aos algozes de seu marido, pois queria morrer com ele.

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, título: LG)

___________


Notas do autor (complementadas pelo editor):

(1) Segundo o dr. Cal Brandão (Funo, Porto, 1946,  p. 115), tratava-se do capitão Brothers, inglês, chefe de um grupo da Inteligência Militar Australiana, que se havia instalado junto da habitação do liurai D. Paulo, de Ossuroa, na área do posto administrativo de Ossú.

(2) Segundo um louvor conferido pelo Governador, tratava-se do chefe do suco de Umuai de Baixo, área do posto de Viqueque, Miguel da Costa Soares. 
 ["Conservou  escondidos em sua casa, com grave risco de vida, os padres Serra e Ferreira, o secretário Mendonça e o aspirante  Eigénio de Oliveira durante dois meses, mostrabdo-se sempre leal e dedicado português. Tendo-lhe sido  confiado dinheiro (180  libras) pelo secretário Mendonça, no fim da guerra entregiu  integralmente a quantia que havia recebido"... Fonte:   antigo Governador Ferreira de Carvalho, "Relatório dos Acontecimentos de Timor", Lisboa,  junho de 1947] 

(3) O aspirante administrativo José Armelim Mendonça prestava serviço na sede da circunscrição de Manatuto. Deve ter-se refugiado com a sua família no interior dessa circunscrição, depois, segundo conta o dr. Cal Brandão, apresentou-se aos australianos na área de Fátu-Berliu, pedindo ajuda económica.

(4) O local era assim designado pelos timorenses por ai existirem uns barracões onde aguardavam transporte para Dili, os géneros que embarcações lá vinham carregar.

(5)  O coronel da aeronáutica Jorge de Castilho, descendente de António Feliciano de Castilho, foi o ilustre capitão encarregado da navegação aérea no hidroavião «Argus» comandado por Sarmento de Beires. Colaborador e íntimo amigo do almirante Gago Coutinho, era uma personagem de excepcional valor, brilhando sempre pela sua cultura e agudez do seu espírito.

(6) Em1927 chegaram a Timor 80 deportados, acusados de pertencerem a uma organização "bombista", a "Legião Vermelha", muitos deles operários e artesãos. O governador Teófilo Duarte (1928-1929) aproveitou, habilmente, as suas competências profissionais e deu-lhes emprego na ilha. Havia ainda um pequeno grupo de presos, oriundos de Macau. Estes deportados eram chamados "socais", para os distinguir dos "políticos", como dr.Carlos Cal-Brandão, envolvidos em ações contra a Ditadura Militar,em 1931. Ao todo deveriam ser quase uma centena, os deportados em Timor. (LG).

(7) A linha telefónica havia sido cortada pelos japoneses em Baucau, após a sua chegada à vila. Porém os de Lautém estavam longe de imaginar o que sucedera.

(8) O sr. António Teixeira, natural da Ilha da Madeira, exercia em Lautém atividades de pesca. Era geralmente conhecido pelo «António Ilhéu».



Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia). Assinalado a vermelho a posição relativa de Maubara e Liquiçá, a oeste de Díli, onde se situava a eufemisticamente chamada zona de proteção,  , imposta aos portugueses pelo exército nipónico (finais de 1942 - setembro de 1945)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26072: (In)citações (266): Será que é desta ?... Se Xanana Gusmão não vai à nossa Escola nas montanhas de Liquiçá, a nossa Escola vai ter com ele em... Nova Iorque (João Crisóstomo)



Foto nº 1 > Timor > Díli > 2017 > Xanana Gusmão, João e Vilma 
 


Foto nº 2 > Timor > Díli > 2017 > Ramos Horta, João e Vilma 


Foto nº 3> Timor > Díli > 2017 > Mari Alkatiri, João e Vilma 


Foto nº 4 > Timor > Díli > 2017 > Rui Maria Araújo, 
Primeiro Ministro nessa altura. João e Vilma


Foto nº 5 > Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  Com Xanana Gusmão:
 "a expressão de surpresa por ver a Escola em páginas dum blogue sobre a Guiné"…



Foto nº 7 > Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 > Protestei, mas o Xanana foi mais teimoso e insistiu em ajudar.( Fez-me lembrar uma experiência semelhante em que Elie Wiesel fez questão de me ir abrir as portas quando eu carregava duas cadeiras.)



Foto nº 8 > Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >   
Eu e Xanana:  Se for desta que a Escola arranja professores, 
esta foto vai ficar numa parede…



Foto nº 9> Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  
Com Luís Guterres, Embaixador de Timor Leste em Washington; 
Dionísio B. Soares, Embaixador de Timor nas Nações Unidas; 
uma senhora, não tenho a certeza ,mas penso 
que é Dulce Soares, ministra da cultura; e eu.



Foto nº 10> Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >   
Embaixador Luís Guterres; o nosso Embaixador de Portugal 
em Washington Francisco Duarte Lopes; 
Xanana; eu, a Vilma e...uma senhora que foi-me apresentada 
mas não me lembro quem é (ai o que faz a velhice…).



Foto nº 11> Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 > 
 Xanana autografando o livro 
para o Rui Chamusco (que vive na Lourinhã)



Foto nº 12 > Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 > 
 A dedicatória do Xanana:  "Para Rui Chamusco:Muito agradecido
pela escola que construiu em Timor Leste!... 
Muita amizade. Xanana, NY, 23 setembro 2024"

O último livro de Kay Rala Xanana Gusmão
(O Meu Mar, O Meu Timor)

 

Foto nº 6> Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 > 
Xana, a Vilma e eu... Ele fifcou contente pelo livro “LAMETA” 
que lhe entreguei: que nunca tinha recebido 
o primeiro que lhe enviei… o que me leva a concluir 
que outros assuntos também nem sempre chegam 
aos seus destinos…


Fotos (e legenda): © João Crisóstomo  (2024). Todos os direitos reservados 
[Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do João Crisóstomo, o "embaixador" da nossa Tabanca Grande em Nova Iorque, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, ativista de causas sociais, etc.

Data - terça, 24/09/2024, 20:00
 Assunto - Será desta ? 


Caro Luís Graça (c/c Rui):


Será desta?


Como sabes tem sido longa a nossa luta para conseguirmos professores acreditados (oficializados) para a escola de S. Francisco de Assis em Timor Leste (*). Temos batido a todas as portas em Portugal e em Timor Leste, mas a solução tem-se mostrado elusiva. 

Em vários casos estes esforços têm sido feitos em encontros e contactos pessoais; em outros casos quando um contacto pessoal tem sido possível, a situação tem sido dada a conhecer através de assessores que sempre garantem que os nossos pedidos chegarão aos destinatários. Não sei se chegam ou não. A verdade é que temos ficado sempre esperando!.

Embora eu tivesse estado com vários líderes em 2017, quando fui a Timor Leste pela primeira vez, nessa altura o projecto da escola apenas existia na mente do casal Glória e Gaspar Sobral e do Rui Chamusco. Este havia-me falado dessa ideia , mas eu ainda não tinha ido às montanhas e não fazia ideia da situação e que necessidade desta escola era tão premente.

Encontrei-me nessa altura com Xanana, 17 anos depois do nosso último encontro em Nova Iorque: um encontro muito agradável, direi mesmo uma experiência extraordinária. 

Como sucedeu com Mari Alkatiri, que tinha sido Primeiro Ministro quando Xanana foi Presidente na primeira administração após a independência de Timor Leste , ou com Ramos Horta e com Rui Maria Araújo, que era o Primeiro Ministro nessa altura. Mas nesta altura o projecto da construção duma escola ainda não existia sequer na minha mente.

Os nossos esforços, especialmente por parte do Rui Chamusco que já foi a Timor Leste cinco vezes (**), têm sido razão de muita frustração. Tenho uma admiração enorme por este homem que não desiste, com uma perseverança contagiante que leva os outros a continuarem e a não perderem a esperança. E tem sido esta perseverança dele que me tem motivado a não desistir também.

E, assim de repente, apareceu uma oportunidade que eu não esperava: o Embaixador de Timor Leste nas Nações Unidas, Dionísio Babo Soares, com quem há tempos me encontrei, mandou-me uma mensagem: que o atual Primeiro Ministro de Timor Leste, Xanana Gusmão, em Nova Iorque por ocasião da Assembleia Geral da ONU, ia lançar um livro sobre o mar de Timor “My sea, my Timor”... e se eu estava interessado em aparecer.

Primeiro eu não via razão para ir: depois do acidente que tive há meses decidi ter mais cautela e tenho-me limitado apenas ao mesmo necessário. Mas logo refleti : porque acredito em contactos pessoais como o melhor meio de se conseguirem resultados (como no caso de Aristides de Sousa Mendes e o “Dia da Consciência” junto do Vaticano que tentávamos desde 2004, mas que apenas começou a receber a devida atenção depois dum encontro pessoal com o Secretário de Estado), logo me lembrei que sendo ele agora Primeiro Ministro,  seria uma boa ocasião para tentar falar com ele pessoalmente sobre a escola S. Francisco de Assis…

E mesmo em cima da hora decidi ir. Não tinha tempo para preparações , mas tinha à minha frente alguns posts do nosso blogue sobre as crónicas do Rui Chamusco que tinha acabado de imprimir. São várias centenas já, pois que eu, não sendo letrado em coisas digitais, imprimo tudo o que acho de especial interesse. Apanhei duas ou três folhas onde aparecem a escola e as crianças da escola e levei-as comigo.

Quando cheguei, o Xanana tinha também acabado de chegar. E estava ainda cá fora, muito efusivo a cumprimentar outras pessoas quando nos viu e reconheceu. E até eu fiquei surpreendido pelos abraços e receção calorosa que nos deu. 

E lembrou aos presentes que nos tínhamos encontrado aqui em Nova Iorque no ano 2000. Com receio de não ter oportunidade de falar com ele mais tarde, como sucede muitas vezes nestes casos, logo lhe disse se podia falar com ele sobre um assunto que achava importante, uma escola nas montanhas de Timor Leste, ao mesmo tempo que lhe mostrava essas folhas do nosso blogue. 

Ficou surpreendido,  pensando ser engano : “Mas… como é? … esta escola é na Guiné?"… 

Explicada a razão de que Timor Leste era também assunto importante para os “camaradas e amgos da Guiné" e quantos lessem este blogue, aceitou a explicação. Solícito, ao ver a minha bengala até fez questão de me ajudar a subir as escadas …

E depois de termos cumprimentado alguns convidados presentes que já conhecíamos e outros que nos foi apresentando, foi ele que me me levou para um banco mais afastado "para falarmos melhor”.

Antes de prosseguirmos para o “momento de lançamento do livro",  mandou chamar o Embaixador de Timor-Leste nas Nações Unidas (o mesmo que nos convidou para este evento) a quem instruiu para colher as informações pertinentes sobre este assunto.

Já depois do lançamento, eu pedi-lhe a sua assinatura no livro que queria enviar ao Rui Chamusco. Logo que cheguei a casa apressei-me a chamar o Rui a quem dei conhecimento de tudo e dum livro que tenho aqui para ele, devidamente autografado pelo Xanana.

Fico esperançado que não tenha sido uma conversa em vão! 

Será desta? (**)

João
====

PS - Como não sei fazer melhor, aqui vão algumas fotos, com as devidas legendas, se as achares pertinentes e quiseres usá-las.

Legendas:

As primeiras quatro fotos foram tiradas em 2017 durante a nossa primeira visita a Timor Leste.

1 > c/ Xanana | 2 >c/  Ramos Horta | 3 >  >  c/ Mari Alkatiri |  4 > Até parece anedota com Rui Maria Araújo, Primeiro Ministro nessa altura.

As oito seguintes foram tiradas ontem (23 de setembro de 2024).

5 > Podes ver a expressão de surpreza do Xanana por ver a Escola em páginas dum blogue sobre a Guiné…

6 > Ficou contente pelo livro “LAMETA” que lhe entreguei: que nunca tinha recebido o primeiro que lhe enviei… o que me leva a concluir que outros assuntos também nem sempre chegam aos seus destinos…

7 > Protestei, mas ele foi mais teimoso e insistiu em ajudar.( Fez-me lembrar uma experiência semelhante em que Elie Wiesel fez questão de me ir abrir as portas quando eu carregava duas cadeiras).

8 > Se for desta que a escola arranja professores, esta foto vai ficar numa parede…

9 > Com Luís Guterres, Embaixador de Timor Leste em Washington; Dionísio B. Soares, Embaixador nas Nações Unidas; (não tenho a certeza ,mas penso que é Dulce Soares, Ministra da cultura).

10 > Embaixador Luís Guterres; o nosso Embaixador de Portugal em Washington Francisco Duarte Lopes; Xanana e (???) (a senhora foi-me apresentada mas não me lembro quem é;  ai o que faz a velhice…).

11 > Xanana autografando o livro para o Rui Chamusco.

12> A página com a dedicatória...

(Revisão / fixação de texto: LG)

___________

Notas do editor:

(*) 17 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25950: (In)citações (261): tudo o que temos pedido é que forneçam professores devidamente acreditados para a Escola de São Francisco de Assis (ESFA), nas montanhas de Liquiçá, Timor Leste (João Crisóstomo, Nova Iorque)

(**) Vd.postes de:



terça-feira, 22 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26068: Timor Leste: Passado e presente (26): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo V: a situação sanitária em 1945: "valeu-nos a fé em Deus e a confiança nos governos da Colónia e da Nação"

Timor Leste > Parque Dom Boaventura. Comemoração,  dos 20 anos do referendo sobre a independência da Indonèsia (1999-2019). Foto: cortesia de Wikimedia Commons (editada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024)

A estátua de Dom Boaventura foi inaugurada em 23 de novembro de 2012, por ocasião comemoração do 37° Aniversário da Proclamação da Independência (28 de Novembro de 1975 – 28 de Novembro de 2012) e do centenário da Revolta de Dom Boaventura (1912 – 2012).


O temível liurai do reino de Manufahi, Dom Boaventura da Costa (falecido possivelmente em Ataúro, c. outubro de 1912), também conhecido por vezes como Dom Boaventura da Costa Sottomayor, ou só Dom Boaventura. 

Foi o grande líder da revolta anticolonial de Manufahi (dez 1911 / outubro de 1912), que hoje os timorenses consideram um símbolo da resistência contra a dominação colonial (enquanto o Dom Aleixo Corte Real, embora "patriota", chacinado com quase toda a família pelos japoneses, será um exemplo do "colaboracionismo colonialista", não tendo hoje direito a estátua monumental como a de Dom Boaventura (como todos os "heróis nacionais" é representado artisticamente como um gigante, um super-homem).

Boaventura era cristão e falava corretamente português.  A revolta de Manufahi (ao que parece, também alimentada pelos vizinhos colonialistas holandeses) foi sufocada com muito sangue e prisões. Nesta data acabam as "campanhas de pacificação de Timor"... Na Guiné só 20 e tal anos depois...


Foto do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagem do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024)



Capa do livro de José dos Santos
Carvalho:"Vida e Morte em
 Timor Durante a Segunda 
Guerra Mundial",
Lisboa: Livraria Portugal,
1972,  208 pp. , il


1. José dos Santos Carvalho exercia as funções de autoridade de saúde   quando o território português de Timor foi invadido e ocupado pelas tropas japoneses, tornando-se em mais um palco de guerra do Pacífico (com Dili depois a ser alvo de bombardeamentos esporádicos por parte da aviação dos Aliados).

 Sobre esse doloroso período (fevereiro de 1942 / setembro de 1945), o médico publicou, 30 anos depois, um livro de memórias,  "Vida e morte em Timor durante a  Segunda Guerra Mundial" (imagem da capa, à direita). Vê-se em todo o caso  que o livro está marcado pela contenção nas confidências e pela autocensura. (Apesar da fugaz  "primavera marcelista", e das mudanças de coméstica do regime político em vigor, continuava a manter-se a censura à imprensa, ao teatro, ao cinema, à rádio e à televisão, bem como às editioras.)

O dr. José dos Santos Carvalho exerceu as funções de chefe interino da  Repartição Técnica de Saúde e Higiene, em Lahane, nas imediações de Díli,  desde meados de 1943.  Seria natural de Armamar, e devia estar na casa dos 30 e poucos anos. Presumimos também que tivesse uma dupla formação  em medicina tropical e saúde pública.

Fora colocado, em  meados de 1940, em Timor como médico de 2ª classe, do "quadro comum colonial".  Devido à guerra, levou alguns meses a chegar ao território (seguindo pela rota do Cabo). Desembarcou em Díli justamente no fim do ano de 1941.  Celebrou a entrada do novo ano, dividido, tal como a "elite colonial" de Timor, entre duas coletividades, o Sporting e o Benfica... 

O livro que escreveu sobre Timor durante a ocupação japonesa,  baseia-se nas suas vivências,  recordações e registos  pessoais bem como nas memórias de outros portugueses, seus companheiros de infortúnio, como o tenente António de Oliveira Liberato e o deportado político, dr. Carlos Cal Brandão.

Em anexo ao seu livro, com  interesse documental para  a historiografia da presença portuguesa em Timor, o autor publica também os relatórios anuais do serviço de saúde relativos a 1943, 1944 e 1945  (pp. 142-194), dando-nos a conhecer um pouco melhor a nosologia local,  bem  como a  organização e o funcionamento  dos serviços de saúde em tempo de guerra.
 
Os relatórios (com uma introdução cerimoniosa ou protocolar) eram dirigidos  ao governador da colónia,  na altura, o cap Ferreira de Carvalho, que por sua vez, irá publicar, no seu regresso, o "Relatório dos acontecimentos de Timor" (Lisboa, 1947).
 
O livro (disponível em formato digital na Internet Archivee o autor merecem  ser aqui lembrados. Recorde-se que a obra  foi digitalizada e carregada,  em 2010, no Archive.org,  por um sobrinho do autor ("Fernando in Lisbon"). Na dedicatória  lê-se: "Ao Fernando, com um abraço, muito amigo, do tio, José. Lisboa, 2/v/72" (**)

Sobre a situação da saúde da população nessa época e naquele território, bem como sobre a organização e funcionamento dos serviços de saúde naquela longínqua colónia portuguesa do sudeste da Ásia, continuamos a 
reproduzir aqui alguns excertos e apontamentos. 

A sua leitura ajuda-nos a perceber até que ponto a saúde das populações e os serviços de saúde são tão  vulneráveis em situações-limite como a guerra com todo o seu cortejo de horrores, arbitrariedades e privações. Mas também como, entre "inimigos", pode haver sempre algum entendimento e até cooperação no domínio sanitário, por razões "humanitárias"

Pormenor a destacar: de de um "quadro de pessoal" de 52 profissionais de saúde (médicos, farmacêutico,  enfermeiros, auxiliares e praticantes de enfermermagem, bem como pessoal administrativo e  auxiliar), os serviços de saúde de Timor ficaram reduzidos, com a guerra, a uns escassos 12 (tendo perdido cerca de 77%: uns que morreram, outros que abandonaram os serviços).

Estes relatórios têm algo de patético. O seu autor quer ficar bem na fotografia da história mas a verdade é que os serviços de serviço da colónia deixaram praticamente de funcionar, pela cruel realidade da guerra e o forcado acantonamento dos portugueses (em três pontos, Lahane/Dili, Luiquicá e Maubara).  

Já de si mal equipados e insuficientes para acudir a um  população de quase meio milhão de habitantes (com, no início, apenas 4 médicos e 1 farmacêutico. e alguns, poucos, enfermeiros qualificados,...), entre 1942 e 1945 só puderam funcionar pontualmente,  respondendo a alguns casos de emergência médica, e com um único serviço de saúde, digno desse nome, o pequeno hospital de Lahane (o qual tinha um único médico, ao seu serviço... o dr. José dos Santos Carvalho, autor dos relatórios, e que nem sequer teria formação específica, como cirurgião ou internista, era médico de saúde pública).

Dos 28 louvores atribuídos formalmente, pelo Governador aquando da cessação das suas funções, com datas de 10 de outubro  e 21 de novembro de 1945, apenas se contempla um profissional de saúde (o médico de 2ª classe José dos Santos Carvalho). Os restantes são militares (oficiais, sargentos e praças) (n=10), pessoal da administração (chefes de posto e outros) (n=10), deportados (=6), 1 missionário e o diretor da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho...

Mais tarde, já em junho de 1947, no relatório que fez para o Governo sobre os "acontecimentos de Timor",  o antigo Governador alargou a lista dos portugueses e inclui uma mão cheia de timorenses, vivos e mortos, merecedores do reconhecimento da Pátria portuguesa: são mais de 60 os liurais, chefes de suco, "moradores" (milícias), e outros "indígenas" expressamente citados. Nenhum deles, porém, ligado aos serviços de saúde.

Por sua vez, o liurai de Ainaro, Dom Aleixo Corte Real (1886-1943) já tinha sido contemplado, em 30 de outubro de 1946,  com o grau de comendor da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, a mais alta distinção do País. 

São os relatórios de saúde, possíveis,  de uma época negra da nossa história, elaboradas por um medico que é antes de mais uma autoridade, e que por isso não podia deixar de estar alinhado, política e ideologicamente com o regime de Salazar. 

Era, além disso, um homem crente: a divina Providência terá protegido a pequena comunidade portuguesa... (mas, feitas as conta, o desastre demográfico foi brutal: um terço dos portugueses e dos timorenses terá morrido, com a guerra, a fome e as doenças).


Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) 

Anexo V:  Relatório dos Serviços de Saúde 
(Ano de 1945) (pp. 168-193) (Excertos)



José dos Santos Carvalho | Relatório respeitante ao período de 1 de janeiro a 17 de outubro de 1945 |

Senhor Governador da Colónia de Timor, Excelência


Terminadas as minhas funções de chefe da Repartição Técnica de Saúde e Higiene, em 16 de Outubro do ano corrente, cumpre-me apresentar a V. Exª o presente relatório, o qual já pôde ser elaborado sem preocupações de que a polícia nipónica o quisesse examinar. 

Tal poderia ter sucedido aos anteriores, os quais, por esse motivo, embora de pleno acordo com a verdade dos factos,  não explanavam, contudo, além de outros pormenores de menos importância, a má ou nenhuma vontade dos japoneses em nos fornecerem os recursos essenciais para mantermos a saúde perfeita da população portuguesa. 

Melhor que ninguém, V. Ex.
 conhece tais assuntos, e é por isso que não se me antolha útil o eu expor, neste relatório, esse aspecto político respeitante à Saúde Pública. (...)

O pouco que se arrancou aos nipónicos à força de diplomacia, coragem e teimosia, foi imenso, atendendo a que eles nada queriam dar-nos; e tanto bastou para nos aguentarmos com vida, embora em condições as mais precárias, até ao dia da paz. 

Estado sanitário da população 

Manteve-se o milagre do ano anterior (*). As previsões pessimistas que eu tive a honra de formular a V. Exª no final do relatório referente a 1944, por extraordinária felicidade e manifesta protecção da Providência, não foram confirmadas. 

Se houve muitas doenças, elas não levaram aos óbitos que seria de esperar, atendendo às circunstâncias, pois a sua percentagem foi muito reduzida, por certo inferior à da Metrópole. 

Qual a explicação? É que não houve doenças infectocontagiosas que, propagando-se, dariam epidemias, as quais atingindo organismos imensamente debilitados, fatalmente provocam grande número de falecimentos.

A população sofreu a doença na sua quase totalidade, porém as doenças amicrobianas constituíram a grande maioria dos casos; foram as moléstias devidas a carência dos princípios nutritivos, que predominaram. O béribéri atingiu quase todos e os casos de avitaminoses frustes foram excessivamente frequentes.

Valeram à maioria dos portugueses a sua fé em Deus e confiança nos Governos da Colónia e da Nação, o que lhes deu ânimo e alento  (...).

Vejamos sumariamente, agora, os factos mais importantes referentes a saúde pública em cada um dos meses: 

  • Janeiro - Registaram-se vários casos de doença grave por hipoalimentaçao. As moléstias mais frequentes foram: sezonismo ulceras tropicais, edema dos membros inferiores (beribéri),[ilegível],  diarreias (devidas a alimentação imprópria) . Em Lahane morreram duas chinesas, há muito tempo internadas, profundamente atacadas pelo beribéri. 
  • Fevereiro - Aumentou o número de doentes com edema dos membros inferiores e da face. (...)
  • Março - Começaram a morrer os doentes de avitaminoses; as resistências orgânicas estão esgotadas.  (...)
  • Abril - Regista-se o primeiro caso de escorbuto, num europeu, em Liquiçá. Começam a observar-se casos nítidos de raquitismo, nas crianças (...)  
  • Maio - As doenças por carência alimentar alastram tanto, que atingem quase todos. O estado sanitário dos portugueses de Liquiçá é tão grave que os próprios japoneses mandaram um seu médico observá-los. Este, secundado por um enfermeiro, examinou e deu alguns medicamentos a 79 doentes e fez curativos a feridas e úlceras. Os tratamentos feitos consistiram em injecções de vitamina B1, e em distribuição de papéis dessa vitamina em concentrado sólido, de óleo de fígado de bacalhau e de comprimidos de aspirina.  (...)  
  • Junho (...) | Julho (...) | Agosto (...)
  • Setembro - O estado sanitário da população melhorou consideravelmente devido à alimentação farta e à frescura do clima. Esta deu origem a alguns casos de gripe e bronquites. Não houve óbitos. 
  • Outubro - Com a paz, os portugueses de Lebomeu, foram distribuídos por Liquiçá, Maubara e Díli, tendo feito as viagens já em boas condições. (...)

Movimento cirúrgico 

Durante o ano não houve casos de doença que necessitassem tratamento por alta cirurgia ou material especial. Por isso, não nos vimos na contingência de pedir auxílio aos nipões. Eles é que, por sua vez, precisaram da nossa ajuda. 

Conforme, na ocasião, tive a honra de informar a V. Ex.ª foi solicitada a minha atuação no hospital japonês, no dia 29 de maio, para operar uma mulher javanesa que tinha dado á luz no dia anterior e conservava ainda as secundinas do útero, do que não tinha sido socorrida, por causa dos médicos japoneses então em serviço, não terem conhecimentos de obstetrícia. Forneceram todo o material que eu requisitei e assistiram à operação, que decorreu o melhor possível.  (...)

Estado sanitário da população portuguesa, concentrada,  ao terminar a guerra

Embora nos últimos tempos a alimentação tivesse melhorado é facto que,  quando a hora da paz soou, os portugueses se encontravam ainda em estado de evidente inanição. 

Espectros, nos chamou o ilustre escritor Ferreira da Costa. Em quase todos observei os seguintes sintomas: 

  • «Emagrecimento extremo,
  • pele transparente colada aos ossos,
  • cor palidíssima,
  • olhos encovados e sem brilho,
  • andar incerto,
  • tronco curvado,
  • ausência de vigor físico,
  • depressão da vontade,
  • memória apagada,
  • músculos atrofiados,
  • cárie ou queda dos dentes,
  • edemas maleolares ou faciais,
  • palpitações cardíacas aos menores esforços. "

Como explicá-los? Pela fome. As deficiências de nutrição, já apontadas, nesse e nos anteriores relatórios, levaram-nos à miséria orgânica e acabariam por nos dar morte natural o que, por certo, era plano dos nipões, pelo menos até ao dia em que se convenceram de que perderiam a guerra. 

Veio a paz. Pudemos de novo alimentar-nos e foi ainda a terra ubérrima de Timor que nos forneceu os alimentos de que carecíamos. Voltamos a saborear arroz fresco, frutos, legumes e hortaliças, batatas, leite, ovos e carne. Os nossos organismos começaram a refazer-se. 

Porém, em minha opinião, serão necessários vários anos para alguns poderem recuperar por completo a saúde primitiva, pois outros já não o conseguirão. 

É necessário tratar e amparar os convalescentes de Timor. Se tal fosse possível seria magnífico que os doentes fossem examinados e medicados gratuitamente, hospitalizando-os se necessário, e quando em convalescença se lhes desse, até cura completa, repouso em sanatórios ou casas de saúde ou subsídio razoável para poderem viver confortavelmente e com alimentação substancial, em clima favorável. 

Visto se notarem doenças dentárias em todos os portugueses que sofreram a guerra em Timor, o que foi resultado de vários factores, como a quase ausência de vitaminas A, C e D na alimentação, a falta de escovas e de pós ou pastas dentífricas, e ainda ao facto de as doenças dos dentes, nomeadamente as cáries, não poderem ser tratadas, por não haver médico especializado na Colónia — e se o houvesse não teria o material preciso — é necessidade urgente para eles o tratamento odontológico, o que obrigará a despesas que a magríssima bolsa da maioria não comporta. 

Também seria de aconselhar que, pelo menos aos suspeitos fosse radiografado o tórax, para pesquisar as formas de tuberculose com sintomas apagados, devendo ser internados em sanatórios aqueles que se verificasse serem portadores daquela terrível doença. 

Estado sanitário da Colónia de Timor depois de terminada a guerra 

Sabe-se que morreram muitos milhares de timorenses durante a guerra, uns assassinados, outros por doença, outros por falta de alimentos. 

Os japoneses obrigaram a população nativa a trabalhos esgotantes, não tendo poupado as mulheres e mesmo os velhos e as crianças. Não atendiam a meios para poderem manter as estradas próprias para a viação, mesmo na época pluviosa, e para cultivarem intensivamente as hortas, donde tiravam o arroz e hortaliças para as rações dos soldados e reservas para o futuro, como se verificou ao encontrarem-se, no fim da guerra, espaçosos armazéns, cheios de alimentos. 

Nestas condições não lhes convinha dar ração aos trabalhadores, que morriam de fome. 

Os timorenses, como em outras épocas de guerra, recorreram ao sagú para se alimentarem, pois a providência dotou largamente as regiões do litoral de Timor com várias espécies de palmeiras, cuja medula, depois de preparada, dá aquela preciosa fécula. 

A história repete-se. Lendo os relatórios dos chefes militares que dominaram a revolta de Manufahi em 1912 (***), lá encontramos registado este facto, assim como a noticia de grandes epidemias de sarna e boubas, exatamente como agora. A sarna e as boubas são doenças da miséria. 

Como os timorenses não tinham possibilidades de adquirir panos e sabão, cobriam o corpo com farrapos imundíssimos. Além disso, as condições da guerra facilitam imenso a promiscuidade, o que favorece o contágio. Daí, as pandemias observadas. 

A sarna,  não tratada em Timor,  rapidamente atinge aspectos de gravidade, absolutamente desconhecidos nos países temperados. Esta dermatose alastra por toda a pele de uma maneira incrível, não poupando a face e pavilhões auriculares, e revestindo uma forma papulosa, sintomas que raríssimas vezes se podem observar nas regiões não tropicais. 

 O prurido torna-se insuportável, mesmo para o timorense, tão habituado a suportar os parasitas. O coçar repetido com unhas sujas dá origem a escoriações da pele que rapidamente se inflamam e ulceram, ficando o corpo cheio de chagas repelentes. Depressa se dá a invasão do sangue pelos micróbios. E essas septicémias são quase sempre mortais se não forem tratadas. 

Foi um assinalado favor da Providência, o terem restado no Hospital Dr. Carvalho razoáveis quantidades de enxofre e vaselina. Deste modo pudemos acudir prontamente aos europeus e timorenses na zona de concentração, quando a sarna aparecia entre eles, e mesmo a timorenses do interior que conseguiram mandar-nos portador. 

As boubas, doença que constitui um dos grandes flagelos que afligem os timornses, alastraram de maneira inacreditável, devido aos japoneses não tratarem senão os seus compatriotas. 

Felizmente para nós, também, todos os casos desta doença, que se deram na zona, foram imediatamente curados, pela injecção de suspensão de salicilato de bismuto em óleo de coco, segundo o método de que falei nos relatórios anteriores. 

As epidemias de disenteria mataram muita gente, segundo me informaram. A tuberculose, entre os timorenses, também tomou grande incremento. 


Houve doenças introduzidas em Timor pelas tropas japonesas

 (i) Dengue 

Em 1943, um médico nipónico apareceu no Hospital Dr. Carvalho, a informar-se se entre os portugueses havia dengue, e se nos anos anteriores a doença era conhecida na Colónia. As minhas respostas foram negativas. 

Então ele insistiu, dizendo que havia casos de dengue entre os soldados japoneses, ao que eu retorqui, explicando esses casos pela vinda quase diária de navios ao porto de Díli, nos quais podiam vir soldados doentes (quer nos períodos evidentes da doença, quer durante o período de incubação) e os mosquitos transmissores, os Aêdes aegypti (Stegomya fasciata). 

Dediquei-me, então, com todo o interesse, à procura desses mosquitos, pois até então, não os tinha visto em Timor. O resultado foi infrutífero. Encontrei muitos mosquitos do género Aedes, mas a espécie acima citada, não apareceu. Durante a guerra, nao houve casos de dengue entre as pessoas tratadas pelos médicos portugueses.

 (ii) Bilharziose japonesa 

As diferentes bilharzioses, tão frequentes em África, não tinham, até à guerra, aparecido em Timor. Uma delas, a schistosomíase oriental, muito espainada no Japão, provoca nos doentes cirrose hepática, acompanhada de ascite e esplenomegalia. 

Ora registaram-se três casos com estes sintomas (dois sm Liquiçá e um em Díli) que podem ser considerados suspeitos. O laboratório poderia resolver o problema, mas não o possuímos... É assunto a estudar, agora que há recursos consideráveis.

 (iii) Sodoku 

Pouco tempo depois da chegada dos japoneses a Timor, em março de 1942, tive ocasião de diagnosticar e tratar, em Baucau, onde nessa época era Delegado de saúde, três casos de «sodoku», uma doença inoculada pela mordedura dos ratos, a «rat-bite fever» dos autores ingleses. 

Mais tarde, em Quelicai, o dr. Correia Teles encontrou outro caso.  Seria, pois, razoável, a hipótese de que os ratos infectantes tivessem feito viagem nos transportes japoneses, pois, até aí, a doença era desconhecida em Timor. 

Porem até ao aparecimento da moléstia, os barcos nipónicos somente aportavam a Díli, não tendo havido deslocamento de tropas para oriente, na direção de Baucau. Para mim, foi uma coincidência. 

Apareceu uma doença nova na Colónia, com nome em língua japonesa, em ocasião da presença de tropas nipónicas no território. Mas torna-se necessário considerar que o nome em japonês, embora sugestione, não quer dizer que a moléstia é própria do Japão, pois têm-se visto casos dela em todos os continentes e existe frequentemente nas vizinhanças de Timor, onde há bastantes anos é conhecida (índias Holandesas, Austrália e Filipinas). 

Em minha opinião, a doença tinha passado desapercebida até então, não só por ser rara, mas ainda por a lesão infectada, no sítio da mordedura, justificar, aparentemente a febre recorrente que o doente apresenta. 

(iv) Difteria 

Era doença que ainda não tinha sido diagnosticada na Colónia. Em Liquiçá houve, em 1943, uma epidemia de anginas e laringites. Ora, o pai de uma das crianças que faleceram, o deportado José Serafim Martins, apresentou, em seguida à morte da filha, uma coriza renitente que passou; porém durante meses sofreu de graves perturbações da deglutição, pois os alimentos passavam-lhe da boca para as fossas nasais. 

Isto foi explicado por mim, pela hipótese de que se tratava de uma paralisia do véu palatino, cuja origem provável seria uma difteria. Fica aqui a hipótese registada para, de futuro, se investigar o bacilo diftérico nas anginas. (...)

(v) Doenças que é de temer terem sido veiculadas velos soldados 

No Japão são frequentes as seguintes moléstias, que podem ter sido trazidas para Timor: variadas helmintíases, disenteria abiana, leptospiroses, tifo, cólera e encefalites.

Das três últimas, pelo menos, deve a Colónia estar livre, pois não consta que tenha havido epidemias, com sintomas que as lembrem. 

Em resumo, parece que a estadia das tropas japonesas em Timor, em pouco afectou o quadro nosográfico da Colónia. Na visita de investigação que eu e o dr. Costa Félix fizemos à região da Fronteira, nada encontrámos que modificasse esta opinião. 

Medicamentos recebidos dos japoneses 

  • Em 10 de janeiro— 20 Kg. de açúcar (para a preparação de xaropes). 
  • Em 6 de fevereiro — 10 frascos de 350 tablóides de 0,30 grs. de quinino. 
  • Em 15 de abril— 10 frascos de 350 tablóides de 0,30 grs. de quinino. 
  • Em 20 de junho — 5 frascos de 350 tablóides de 0,30 grs. de quinino. 
  • Em 26 de julho — 3 frascos de 500 tablóides, de 0,222 de quinino, e 2 frascos de 350 tablóides, de quinino. 
  • Em agosto — Foram entregues ao Delegado de Saúde de Liquiçá: 30 ampolas de óleo canforado, alguns comprimidos de atebrina e pequenas quantidades de algodão hidrófilo, gaze, ataduras, álcool e quinino. 
  • Em 4 de agosto— 10 frascos de 400 tablóides de 0,30 grs. de quinino. 
  • Em 27 de agosto — Vários medicamentos, 20.000 tablóides de 0,30 de quinino e algum material de penso. 
  • Em 5 de setembro — Uma nova remessa de medicamentos e material cirúrgico. 
  • Em 7 de setembro — 335.750 tablóides de quinino. 
  • Em 10 de setembro — Vários medicamentos de uso veterinário, sendo úteis sobretudo, muitos fras-cos de desinfectantes (cresil e formalina) . 
  • Em 2 de outubro — 319.840 tablóides de quinino e bastante material de penso. 

Os medicamentos entregues pelos japoneses, no final da guerra, foram fornecidos «ad hoc», pois eles nada se importaram com as várias listas de remédios e material imprescindíveis, que foram por mim elaboradas e insistentemente reclamadas por V. Exª . 

Muitos deles vinham deteriorados e alguns não podiam ser por nós utilizados, por me ter sido impossível identificá-los, embora com bastante trabalho, pelo facto de terem somente rótulo em caracteres japoneses.

Pediu-se ao vice-cônsul sr. Suzuki para mandar um médico japonês ao Hospital Dr. Carvalho, com o fim de me elucidar, mas, mesmo assim, houve falhas, devido ao pouco conhecimento do médico nas línguas inglesa ou alemã e à sua manifesta incapacidade em matéria de Farmácia. 

Os trabalhos de seleção e contagem dos tablóides de quinino, e a arrumação dos medicamentos em frascos e latas, foram exaustivos, devido à extrema necessidade de evitar a sua deterioração. (...)

Ocupação sanitária da Colónia  ao terminar a guerra 

Ao conhecer o fim da guerra, viu V. Ex.ª  a urgentíssima necessidade da imediata e pronta ocupação do Timor Português, utilizando aqueles que, apesar de tudo, se tinham mantido na Ilha. 

V. Ex. a ordenou, e tanto bastou para que todos seguissem a ocupar os seus postos. Indicado o problema por V. Exª , organizei um esquema da Colónia, dividindo-a em áreas, para cada uma das quais foi enviado um enfermeiro disponível. 

Os dois médicos ficaram no Hospital Dr. Carvalho, prontos a tratarem os doentes ou feridos que lhes mandassem do interior e a seguirem para aí no caso da sua presença ser necessária.

Deste modo pôde, rapidamente, fazer-se um esboço de assistência às populações timorenses que há tanto tempo dela necessitavam. Cada enfermeiro levou instruções pormenorizadas sobre a sua zona de acção e trabalho a fazer, ficando subordinado, em parte, às autoridades administrativas, o que se fez por não poder haver Delegados de Saúde no interior da Colónia e por ser necessário que as autoridades locais tivessem facilidade em resolver todos os assuntos com a prontidão con- veniente. 

Graças aos fornecimentos já então recebidos dos nipónicos, foi possível dar a cada enfermeiro o preciso, em medicamentos e material cirúrgico e de penso, para tratar sezonismo, sarna, boubas, disenteria, gripe, úlceras tropicais e feridas, e sintomas frequentes em Timor. 

Todos foram munidos de seringas e agulhas, para injecções. Levaram também boa quantidade de drogas desinfetantes e desinfestantes, para poderem sanear as casas que iam ser habitadas pelos portugueses da reocupação. 

Enfim, com muito trabalho, mas com imensa alegria, puderam enviar-se,  para toda a Colónia, socorros sanitários consideráveis. (...) 

A Colónia ficou assim dividida em 18 zonas de assistência sanitária, onde se trabalhava, a quando da vinda das forças portuguesas, com zelo e eficiência. 

O destacamento sanitário em Timor 

Chegadas as tropas portuguesas, em 29 de setembro, com um destacamento sanitário constituído por vários médicos e enfermeiros, munidos de bastantes medicamentos e material, cessaram as essenciais preocupações dos clínicos de Timor. Uma das principais, que era o aparecimento da varíola entre os portugueses, pôde ser imediatamente afastada. 

Foi-nos fornecida prontamente, a meu pedido, toda a vacina necessária, pelo que pudemos imunizar muita gente contra aquela terrível doença, a qual, felizmente, não atacou ninguém na zona de concentração, durante a guerra, facto que é certamente de agradecer aos cuidados da Repartição de Saúde, que todos os anos mandava praticar a vacinação, no tempo de paz. 

A comandar o destacamento, veio o dr. Costa Félix , «gentleman» irrepreensível com quem tive grande gosto em colaborar, informando-o de todos os problemas que ele teria de enfrentar, e das soluções que, a meu ver, seriam convenientes. 

Deste modo dei-lhe os elementos que me pareciam úteis de nada fazendo reserva. Os relatórios, os meus estudos sobre alimentos e medicamentos timorenses, as ideias e esquemas sobre a reorganização dos Serviços de Saúde, as lições de enfermagem, os estudos sobre a epidemiologia e meteorologia de Timor, tudo pus à sua disposição para lhe facilitar a tarefa. 

A seu convite, e com plena aprovação de V. Exª,  tive o prazer de o acompanhar na sua primeira visita ao interior da Ilha, para examinar diretamente as condições sanitárias dela. Foi escolhida a região da Fronteira, precisamente aquela em que tinha havido rebelião. 

Seguimos, sem uma arma, viajando, algumas vezes, de noite, não tendo o menor receio, firmados na certeza de que os portugueses sabem captar o coração do indígena conforme V. Exª disse no inesquecível discurso, pronunciado em Díli, perante o comandante das tropas australianas. 

O meu físico, então muito enfraquecido pela miséria e fome, nada sofreu, antes pelo contrário. Tratava-se de um serviço a cumprir, o que fiz com todo o gosto. Visitámos a Ermera, Fátu-Bessi, Lebo-Meo, Hátu-Lia, Atsabe, Bobonaro, Marobo, Memo, Balibó, Batugadé, Beco, Suai, Tilomar e Fóhorem.

À maioria destes postos, não haviam chegado as nossas tropas e alguns não tinham sequer um europeu para nos receber. Em quase todos comemos e nalguns dormimos com as portas abertas e sem qualquer guarda. 

Entrega da Repartição ao dr. Costa Félix

 Por portaria de V. Exª , de 16 de outubro de 1945, fui exonerado de chefe da Repartição Técnica de Saúde e Higiene de Timor, pelo motivo do meu regresso à metrópole, tendo feito entrega, ao sr. dr. Francisco José de Lacerda Costa Félix,  dos documentos da Repartição, com exceção daqueles referentes ao período da guerra, que não é necessário ficarem em Timor, e que podem ser precisos em Lisboa, se, para esclarecimento de algum assunto, houver necessidade de os apresentar. 

(...) O material, roupas e medicamentosforam postos a disposição da secção de farmácia do Destacamento Sanitário, poucos dias depois da sua chegada, tendo o chefe respetivo, capitão farmacêutico miliciano, Mário Artur Borges de Oliveira, inventariado e arrumado tudo, conforme o seu critério e saber profissional. e Hi- 1 Capitão-médico dr. 

Funcionamento burocrático  da Repartição Técnica de Saúde e Higiene 

A todos os assuntos que correram pela Repartição, se pretendeu sempre dar andamento rápido, seguindo-se as regras do tempo normal. Em certos casos tal era impossível, o que, a meu ver, em nada prejudicou o serviço. Foram precisos diplomas especiais do Governo da Colónia, para resolver problemas de emergência, como por exemplo, o que criou os cursos de enfermagem durante a guerra. 

A Delegação de Saúde de Liquiçá recebia ordens e instruções da Repartição, por notas de serviço, e informava do mesmo modo. O Chefe da Repartição pôde sempre, rapidamente, despachar com o Governador da Colónia. 

Apesar das dificuldades, nem o Estado, nem os particulares perderam, por deficiência burocrática. No arquivo da Repartição, poder-se-ão ver as informações e propostas ao governo da Colónia, a correspondência com a Delegação de Saúde e com as Repartições de Saúde e com as Repartições de Fazenda e do Gabinete e os pormenores dos diversos trabalhos, cujas linhas gerais foram descritas no presente e nos dois antecedentes relatórios. 

Relações com os japoneses 

A princípio, até 5 de setembro de 1942, nos edifícios do Hospital Dr. Carvalho, encontravam-se somente portugueses. As tropas nipónicas conservavam-se em Díli. Porém, naquela data, estando eu em Lahane, substituindo o dr. Rodrigues, para o que me tinha oferecido, chegaram consideráveis forças nipónicas, tendo o seu comandante, um capitão vindo ter comigo. Portando-se com correcção, mas com toda a frieza, falando inglês razoável, disse que vinha ocupar parte dos edifícios do Hospital, que não era necessária para nós, e por isso, pedia para eu imediatamente mandar desocupá-la. 

Tentei convencê-lo a que não ocupasse, ao menos, os edifícios mais próximos dos portugueses, mas tudo foi em vão. Instalaaram-se assim: no pavilhão da 3ª classe; no pavilhão de mulheres; no pavilhão de doenças infecciosas, que estava quase concluído e na casa da residência do Chefe dos Serviços de Saúde,  Compreender-se-á bem o que isto significou para nós. Até aí estávamos separados dos nipónicos. Agora tínhamos quase de conviver com eles. 

Ficámos somente com o edifício principal do Hospital, as suas dependências, e a casa mortuária. Uma limitadíssima área de terreno circunjacente, ficava à nossa disposição incluindo o pequeno jardim. Mas nem este escapou. 

Passados dias vieram dizer-nos que iam construir abarracamentos para as tropas, encostados ao nosso Hospital. Depois de muito trabalho, o Administrador do Concelho, Engenheiro Canto, convenceu-os a construirem-nos no jardim, o que foi feito, ficando situados a menos de dez metros de nós. 

Só quem passou aqueles maus bocados pode compreender a nossa situação. Com japoneses ao lado, poderiam vir mais tarde as suspeitas e acusações de que «estávamos com eles» . Os australianos, vendo as novas construções, certamente viriam destruí-las com a sua aviação, e pobres de nós. Tudo isto foi ponderado. 

Porém, ninguém arredou pé. Era preciso mantermo-nos no Hospital, em que sempre tremulou a bandeira portuguesa; e, deste modo, nunca seguimos para Liquiça, o que foi muitas vezes «aconselhado» pelos japoneses Foi desta maneira que, ao fim da guerra, as nossas tropas encontraram um bom edifício para os doentes. 

Sofremos em Lahane, muitas dezenas de bombardeamentos. Algumas, foram pertíssimo. Os vidros e persianas das janelas ficaram estilhaçados, e o telhado de zinco muito furado por várias vezes. Todos se mantiveram no seu posto. Os japoneses instalaram nos edifícios que ocuparam, não só o seu hospital, mas também tropas armadas, o que certamente era do conhecimento dos aliados. Construíram à roda do hospital português mais de quarenta barracões cobertos a zinco, que pretenderam camuflar com folhas de palmeira, mas que eram perfeitamente visíveis do ar. A maioria deles foi destruída pelas bombas australianas e americanas. 

O comando das tropas japonesas nossas vizinhas, era de um médico. Este e os seus colegas, diferiam muito dos outros oficiais nipónicos. Eram mais atenciosos e corretos. Tratavam-me com certa delicadeza, quando comigo falavam nas línguas inglesa ou alemã, mas sem familiaridades, o que, de resto, era o que eu desejava. 

Deste modo, em Lahane, o pessoal dos Serviços de Saúde não sofreu vexames, por faltas de consideração. Por várias vezes vieram médicos procurar-me pedindo informações acerca da nosologia de Timor, das suas plantas medicinais e da organização dos serviços de saúde portugueses, as quais eu dava, nas suas linhas gerais. 

De quando em quando, aparecia a polícia nipónica, a qual era recebida pelos funcionários da Administração do Concelho de Díli, que estava instalada no edifício do Hospital.  Os soldados japoneses, às vezes, também entravam no hospital, ou queriam meter conversa. Felizmente nunca abusavam demasiadamente. A época pior foi aquela em que estivemos com guarda à vista, o que depois soubemos ter sido motivado pela cedência de bases nos Açores aos Aliados.

 Tivemos que entregar a casa mortuária, para a instalação da guarda. Esta fazia rondas permanentes, o que nos perturbava o sono durante a noite, devido ao barulho produzido pelo arrastar das botas ferradas das sentinelas. 

A nossa revolta era imensa, por nos vermos presos, como é obvio. Do Consulado do Japão, vizinho do nosso hospital,  foi pedida por várias vezes, a minha assistência ao cônsul Hossokawà e ao vice-cônsul Sr. Suzuki, o que fiz, depois de autorizado por V. Ex* , atendendo aos deveres humanitários da minha profissão e à necessidade de mantermos boas relações com o consulado. . . . 

Felizmente nunca o exército japonês exigiu ou pediu qualquer serviço aos dois médicos portugueses, a prestar aos seus oficiais ou praças. 

Serviço de Saúde, no território do enclave de Oecussi 

Este território ficou isolado com o desenrolar dos acontecimentos da guerra. Somente a princípio foi possível enviar-lhe medicamentos. 

Mais tarde pediu-se ao consulado do Japão, para mandar para aquela região, medicamentos que se lhe entregaram.  Estes nunca lá chegaram. Os dois enfermeiros auxiliares Francisco da Silva e Mateus Rodrigues Pereira, mantiveram-se sempre no seu posto prestando os seus serviços com muita eficiência, embora quase sem medicamentos. 

Comportamento do pessoal dos Serviços de Saúde 

Os médicos e enfermeiros produziram o máximo, para poderem mitigar os sofrimentos dos portugueses. Nenhum deles gozou qualquer licença, nem a requereu, durante o estado de guerra. Não foi necessário pensar em sanções disciplinares, pois nao houve faltas, o que muito me apraz registar. Todos cumpriram o seu dever profissional. 

Resumo da actividade dos Serviços de Saúde durante a guerra 

Trataram-se os doentes, aproveitando-se todos os recursos; o numero de óbitos de europeus, foi extraordinariamente reduzido, atendendo às circunstâncias. No Hospital Dr. Carvalho não faleceu qualquer europeu.

Deram-se à população os conselhos convenientes, para evitar, tanto quanto possível, as doenças previsíveis. Investigaram-se os recursos medicamentosos e alimentares existentes em Timor e de possível utilização prática, a meteorogia da Ilha, a sua epidemiologia, a sua etnografia médica, trabalhos das minhas horas vagas. Instruíram-se enfermeiros para os quais preparei lições dactilografadas. 

 Forneceram-se ao governo da Colónia, os elementos necessários para poder pedir aos japoneses, com conhecimento de causa, o essencial em medicamentos e alimentos Estudaram-se e expuseram-se ao Governo da Colónia, na devida altura, os problemas e as dificuldades, que era necessário resolver, a bem da Saúde Pública. Fez-se uma eficiente ocupação sanitária da Colónia, antes da chegada das tropas expedicionárias. 

Forneceram-se ao Destacamento Sanitário, as convenientes informações para imediatamente poder entrar em acção consciente. 

Hospital Dr. Carvalho, em Lahane, aos 16 de Outubro 1945. O Chefe da Repartição, int.°, José dos Santos Carvalho 

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Pessoal dos Serviços de Saúde, morto por causa violenta ou na prisão, durante a guerra (n=12)

Dr. José Aníbal Torres Correa Teles — Médico de 2. a classe 

Dr. Diniz Ângelo de Arriarte Pedroso — Médico de 2. a classe, contratado

Serafim Joaquim Pinto — Enfermeiro de 1ª classe 

Alcino José Gregório Madeira —Ajudante de enfermeiro

Fernando José Maria Senanes — Ajudante de enfermeiro 

Afonso Borges Gomes  — Praticante de enfermeiro

João da Costa Tilman  — Enfermeiro auxiliar (prestava serviço na ambulância de Ainaro)

Domingos Soares  — Ajudante de enfermeiro auxiliar (Aguardava aposentação)

Mário Alves Rebelo  — Ajudante de enfermeiro auxiliar (Morto na Hátu-lia)

Domingos Alves de Sousa   — Ajudante de enfermeiro auxiliar (Prestava serviço na ambulância do Beco)

 Pessoal dos Serviços de Saúde, falecido durante a guerra (n=3)

Manuel Turquel dos Santos — Enfermeiro de lª classe. Morreu afogado numa ribeira de Barique, em 1943 

Victor José Gregório Madeira  — Enfermeiro de 1." classe Faleceu em Liquiçá, em 19 de Abril de 1945.

José Luiz de Oliveira — Ajudante de enfermeiro aposentado. Faleceu em Liquiçá, em 20 de Julho de 1945 

Pessoal dos Serviços de Saúde, que passou para a Austrália (n=5)

Mário Artur Borges de Oliveira — Farmacêutico de 1ª classe 

José Gonçalves Ricardo — Enfermeiro-mo

Marcelo José Nunes —Enfermeiro de 1ª classe 

Francisco Xavier dos Remédios — Enfermeiro de 1ª  classe

 Alfredo Maria Borges — Praticante de enfermeiro 


Pessoal dos Serviços de Saúde que, tendo ficado em Timor, ainda não se tinha apresentado até 16 de Outubro de 1945 (n=2)

Viriato José Pereira Mestre —Praticante de enfermeiro. (Constou-me que estava louco, em Barique, quando acabou a guerra) 

Paulo Gama —Enfermeiro auxiliar 

(...) Pessoal de enfermagem que se apresentou ao serviço depois de terminada a guerra (Até ao dia 16 de Outubro) (n=18)

Categoria / Nome / Data da apresentação 

Praticante de enfermeiro Luís António Nunes Rodrigues 4/9/945 

Enfermeiro auxiliar Lamberto da Silva Boavida 25/9/945 

Enfermeiro auxiliar Francisco Alves Gomes 18/9/945 

Enfermeiro auxiliar Mário Viana Andrade 13/10/945 

Ajudante de enfer.° auxiliar Manuel Sarmento 19/9/945 

Idem, José Cunha Gusmão 2/10/945 

Idem,  Santiago da Silva 19/9/945 

Idem, Mateus Costa Ximenes 23/9/945 

Idem, Mateus Soares 11/9/945 

Idem, Joaquim Jacob Fernandes 20/9/945 

Praticante de enfer.° auxiliar Bernardino Inácio Soares 2/10/945 

Idem, José Raimundo Guterres 26/9/945 

Idem, Daniel da Piedade 2/10/945 

Idem, João Sousa Ribeiro 1/10/945 

Idem, Cláudio Boavida 

Pessoal Auxiliar

25/9/945 Chauffeur Cândido Gusmão 

18/9/945 Servente Alberto Soares 

20/9/945 Servente Domingos Alves  (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)

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Notas do editor:

(*) Últmo poste da série > 17 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26053: Timor Leste: Passado e presente (25): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo IV: a situação sanitária em 1944: "um presente desolador e um futuro sombrio"...

(**) Vd. poste de 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25683: Timor-Leste, passado e presente (9): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte I


(...) "Revolta do Manufahi ou Guerra do Manufahi (tetum: Funu Manufahi) foi um conflito armado entre a administração colonial portuguesa de Timor Português e forças do reino de Manufahi e reinos vizinhos, que lideradas pelo liurai D. Boaventura da Costa, se sublevaram nos finais de 1911. 

"A revolta iniciou-se a 24 de dezembro de 1911, com a morte do comandante do destacamento militar de Same, o tenente Luiz Álvares da Silva, do comandante militar de Faturberliu e de alguns europeus, tendo o conflito armado durado até outubro de 1912, terminando com captura e exílio do liurai e o fortalecimento do poder e influência do governador Filomeno da Câmara e da administração colonial portuguesa na região. 

"Os relatórios oficiais da administração colonial portuguesa contam 12567 timorenses prisioneiros e 3424 mortos, com a perdas das tropas coloniais a ascenderem a 289 mortos e 600 feridos. 

"Estima-se que, como resultado da rebelião de Manufahi,  15000 a 25000 pessoas foram mortas, o que representa mais de 5% da população então estimada de Timor Português." (...)