Queridos amigos,
A minha casota situa-se a escassos quilómetros do concelho do Bombarral, ainda no distrito de Lisboa, freguesia de Reguengo Grande. Aproveito as passeatas à Roliça, Columbeira, há depois divagações em direção à lagoa de Óbidos, Olho Marinho e quejandos, não esquecendo as Caldas da Rainha. Apanho muitas vezes um autocarro no Bombarral aos domingos à tarde, em menos de 50 minutos estou no Campo Grande. Intrigou-me durante anos aquele casarão perto do edifício camarário, no posto de turismo descansado, em breve íamos ter museu. Foi um em breve longo, mas revelou-se proveitoso, como aqui se conta. Daqui saindo com a alma lavada, o homem de Neandertal terá andado por aqui, há vestígios de caçadores coletores, quem gosta da pintura de Josefa de Óbidos tem aqui um magnífico quadro, vou contar-vos de seguida o que gostei de ver da produção artística no Bombarral de cerâmica e num espaço que designam por Sala Palavras o que aqui encontrei de uma das figuras mais eloquentes do concelho, Júlio César Machado. Logo que possam, venham a este impressivo espaço patrimonial. Espero que venham a desenvolver a história desta agricultura onde prima uma fecunda fruticultura, é dos mais belos espetáculos paisagísticos que conheço, ver estes quilómetros de macieiras, pereiras e vinhedos.
Um abraço do
Mário
Um novo e belo museu regional, de visita obrigatória, o do Bombarral - 1
Mário Beja Santos
Mosaico azulejar alusivo ao Palácio Gorjão, à entrada do edifício da Câmara Municipal de Bombarral
Postal antigo semelhante à azulejaria que se vê anteriormente
Num trabalho elaborado em 2021, Nuno Ferreira, técnico do setor de Cultura e Turismo, da Câmara Municipal do Bombarral, acerca da história do Palácio Gorjão, referiu os antecedentes próximos do edifício que abriu ao público em 29 de junho de 2025 e que se intitula Museu do Bombarral Vasco Pereira da Conceição e Maria Barreira:
“Em 29 de Junho de 1990 foi inaugurado neste palácio o Museu Municipal ‘Vasco Pereira da Conceição e Maria Barreira’ na sequência da doação de importante parte do acervo destes dois escultores, bem como o posto de turismo.
O Museu possui acervo de arqueologia, escultura (dos autores que deram o nome ao mesmo), de obras de Jorge de Almeida Monteiro, espólio do escritor Júlio César Machado, espaço dedicado ao poeta Anrique da Mota, etnografia, epigrafia e heráldica, medalhística e espólio do fotógrafo Fernando Neves, bem como coleções de jornais locais e uma biblioteca de cariz técnico.”
Quando li a história do Palácio Gorjão, os seus tempos de fausto e depois de uma ocupação estranhíssima, veio-me à mente a vida do Convento de Cristo, que meteu quartel, paiol, escola de missionários laicos e muito mais, tudo peripécias da extinção das ordens religiosas, o que não é o caso do Palácio Gorjão, o que houve aqui foi uma rematada decadência. No trabalho elaborado por Nuno Ferreira, que ele teve a gentileza de me oferecer, as imagens do passado são eloquentes, para o mais vistoso e mais tristonho. Este novo museu tem um look com uma certa imponência, nele entrando vê-se que houve perícia na museologia e na museografia. Aproveitou-se tudo o que Nuno Ferreira refere para o museu de 1990, mas com novidades.
Entra-se no museu do Bombarral e logo nos impressiona a chamada Sala Origens, temos aqui um percurso pela história mais remota do concelho, há peças arqueológicas com milénios e até testemunhos de presença pré-humana: há neste espaço fósseis de formas de vida primitiva e de dinossauros; ferramentas em pedra do Paleolítico; um vaso cerâmico do Neolítico e pequenas esculturas; e temos igualmente a presença das idades do Cobre e do Bronze; assim chegamos a uma lucerna em cerâmica da época romana e vestígios medievais encontrados neste edifício e na Capela de São Brás.
Duas imagens alusivas à Sala Origens
Imagem do Palácio Gorjão anterior à intervenção que culminou com a reabertura em junho de 2025.
Quando percorremos este museu, é patente o orgulho pelo seu património arqueológico, lê-se mesmo um painel onde se descreve com alguma minúcia o elevado grau de intervenções dos especialistas:
“A riqueza arqueológica do concelho do Bombarral motivou desde finais do séc. XIX até aos nossos dias o interesse de gerações de investigadores e arqueólogos.
Nas décadas de 60 e 70 do séc. XX, Octávio da Veiga Ferreira trouxe para o concelho a preciosa colaboração de Jean Roche, da Missão Arqueológica Francesa, a que se juntaram cidadãos bombarralenses como Antero Furtado, Vasco Côrtes, Jorge de Almeida Monteiro e António Maurício. Seguiram-se novas gerações de arqueólogos, que continuaram a tradição de pesquisa e atividade, contribuindo significativamente para o conhecimento histórico-arqueológico da região.
Durante os trabalhos arqueológicos associados às obras de requalificação do Palácio Gorjão, foram encontrados vestígios do final da Idade Média.”
Pormenor do Palácio Gorjão depois da requalificação, compare-se com a imagem anterior
Estamos agora na Sala Sagrado, aqui se reúne um conjunto de peças de arte religiosa, a ênfase é dada à religião católica. Habitualmente resguardadas em igrejas e capelas, estas peças foram trazidas para o espaço expositivo e organizadas cronologicamente, das mais recentes para as mais antigas. Esta imagem é de um alto-relevo em gesso, da autoria de Leopoldo Almeida, a partir do qual foi realizada a imagem em mármore, datada de 1965, que se encontra na moderna Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Vale Corvo. Afastando-se das habituais representações que a colocam sobre uma azinheira, esta peça surge de modo a parecer suspensa.São Brás, séc. XV, pedra calcária policromada, proveniente da Igreja de Nossa Senhora da Purificação, Roliça. São Brás foi martirizado no século IV. É aqui representado como bispo, tendo aos seus pés a criança que salvou de ser engasgada com uma espinha de peixe. O seu culto ficou mundialmente associado à proteção das doenças da garganta.
Painel de Santa Justa e Santa Rufina, por Josefa de Óbidos, séc. XVII (entre 1650-1660), pintura a óleo sobre madeira de carvalho, Capela do Senhor Jesus da Boa Hora, Columbeira
Retábulo de São Brás, por Baltazar Gomes Figueira, séc. XVI
O retábulo é uma estrutura colocada nos altares das igrejas que apresenta episódios bíblicos ou de santos. Esta peça vem da Capela de São Brás, do Bombarral, um templo do séc. XV. Em baixo, estão representados três momentos da vida de São Brás: à esquerda, a cura da criança enferma, ao centro o santo visitado na prisão e à direita São Brás em glória. Ao centro, as representações dos seus martírios: a flagelação e a degolação. No nicho central, encontra-se a imagem do padroeiro. Em cima, São Bento e São Bernardo ladeiam a pintura mais significativa deste retábulo, o repouso na fuga para o Egito.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 16 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27124: Os nossos seres, saberes e lazeres (696): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (217): Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 2 (Mário Beja Santos)
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