Mostrar mensagens com a etiqueta Kandiafara. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Kandiafara. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23426: Frase do dia (2): Quando o General Bettencourt Rodrigues chegou à Guiné (21Set73), já a FAP tinha destruído as bases de apoio do PAIGC no estrangeiro, Kumbamori no norte, Kambera e Kandiafara no sul, faltava Koundara no leste, a alguns quilómetros de Buruntuma (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)


Capa e contracapa do livro "Voando sobre um Ninho de Strelas", de Antonio Martins de Matos, 2ª edicão,  Lisboa, Sítio do Livro, 2020, 456 pp.


1. Dois curtos comentários (*), que selecionámos como a "frase do dia" (**)... São da autoria 
 do António Martins de Matos, ten gen  pilav ref (ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74) e autor do livro de memórias "Voando sobre um Ninho de Strelas" (1ª edição, Lisboa: BooksFactory, 2018, 375.pp.; 2ª edicão,  Lisboa, Sítio do Livro, 2020, 456 pp.); tem 114 referências no nosso blogue.

Quando o General Bettencourt Rodrigues chegou à Guiné (21Set73), já a FAP tinha destruído as bases de apoio do PAIGC no estrangeiro, Cumbamori no norte, Kambera e Kandiafara no sul. Faltava Koundara no leste, a alguns quilómetros de Buruntuma. 

Uma primeira decisão, o novo Comandante-Chefe não nos autorizava idas ao estrangeiro, preferiu fazer uma nova revisão da matéria dada, lá pelos lados do Cantanhez. No início de 1974 foi o que se viu, ataques no leste a Copá, Bajocunda, Canquelifá, nem precisavam de entrar no nosso território.

Quanto à Directiva para o Apoio Aéreo, não tinha nada de novo, não era mais que a repetição das decisões da Reunião de Comandos de 15Mai73, então presidida pelo General Spínola.

12 de julho de 2022 às 11:38

Em aditamento ao meu comentário anterior, Bettencourt Rodrigues vinha da enorme Angola. Como Comandante Chefe da Guiné andou sempre atrás dos problemas, sem conseguir perceber a situação daquele território. Em 26Abril74 acabou preso pelo seu próprio staff, uma das muitas tristezas, para não dizer vergonhas, do 25Abril.

12 de julho de 2022 às 14:27
___________


(**) Último poste da série > 11 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23422: Frase do dia (1): Faz hoje 55 anos que entrei para a tropa, em Santarém. Tinha 22 anos feitos, regressei com quase 26... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil at art, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23415: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (8): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte VII: "Gadamael tremeu mas não caiu" (Manuel Reis, "pirata de Guileje", dixit), e isso deveu-se aos seus bravos defensores, com destaque para a atuação pronta, inteligente, corajosa e eficaz do BCP 12, e da FAP


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1973 > Obus 14... Foto do álbum do  J. Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Inf Op Esp, da CCAV 8350 (Piratas de Guileje) e da CCAÇ 11 (Lacraus de Paunca), que passou por Guileje, Gadamael, Nhacra, Paúnca, entre 1972 e 1974... e que é um dos heróis (esquecidos) de Gadamael.

Foto (e legenda): © José Casimiro Carvalho (2007).  
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação desta nova série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?" (**).

Trata-se de excertos da CECA (2015) sobre estes acontecimentos de maio/junho de 1973. Recordamos Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G, "a batalha (ou as batalhas) dos 3 G", na véspera da efeméride dos seus 50 anos (que será em 2023).

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra" sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Sobre Gadamael, podemos fazer nossa a opinião do Manuel Augusto  Reis, ex-alf mil at cav, um dos "piratas de Guileje (CCAV 8350, 1970/72): 

"Gadamael tremeu mas não caiu e tal se deve à actuação do Batalhão de Paraquedistas [, BCP 12,] e à actuação EFICAZ da Força Aérea. Como homem no terreno, é minha convicção que se as Forças Paraquedistas demorassem mais 2 ou 3 dias, não era preciso mais, Gadamael teria caído com estrondo, aprisionando ou matando tudo o que lá se encontrava." (**).

E aqui convém repetir o que  escreveu o gen pilav ref António Martins de Matos, membro da nossa Tabanca Grande (e na altura, tenente, que pilotava um dos nossos Fiat G-91, BA 12, Bissalanca, 1972/74, que foram neutralizar Kandiafara, a base do PAIGC; já no território da Guiné-Conacri):

"O que travou o avanço do PAIGC e estancou o tão apregoado 'efeito dominó', propagandeado vezes sem conta por 'Nino' Vieira? A explicação é simples e tem duas vertentes, por um lado a presença do Batalhão de Paraquedistas na área condicionou de imediato os movimentos dos guerrilheiros na zona, por outro lado a Força Aérea Portuguesa (FAP) bombardeou as matas à volta de Gadamael, silenciando várias bases de fogo, e em seguida entrou pelo território da República da Guiné-Conacri, destruindo a maior base de apoio do PAIGC, situada perto da localidade de Kandiafara." (***)


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas

2. 1. Ataque lN no Sul a Guileje e a Gadamael Porto

2.1.2. Ataque lN a Gadamael Porto  (continuação)

Operação "Dinossauro Preto" - 2jun a 17lul73

[Nota: É feito um resumo do Relatório de Operações, n.º 16/73 do Cmdt do BCP 12 de jul73.]

A "Missão" consistia em "destacar as três CCPs para Gadamael Porto, onde ficam sob Comando Operacional do COP 5 com missão e actividade a indicar por aquele comando". Nota: CCP 121, 122 e 123 articuladas em 4 GComb a 25, 29 ou 30 homens, conforme as disponibilidades 
em pessoal.

Em 2jun73, a CCP 122 foi deslocada de Bissau para Cacine e no dia seguinte para Gadamael Porto, sempre em meios navais.

Em 2jun, a CCP 123 foi destacada de Cadique para Cacine e em 5jun deslocada para Talaia, em meios navais, e daí em progressão apeada para Gadamael Porto.

Em 11jun a CCP 121 foi deslocada de Bissau para Cacine e em 13Jun para Talaia também em meios navais e nesse dia em progressão apeada para Gadamael Porto.

"Diversos"

"a. O Comandante do BCP 12, ten Cor Para Sílvio Rendeiro de Araújo e Sá, que se encontrava em Cufar no comando do COP 4 recebeu em 5jun73 ordem para se deslocar para Gadamael Porto e assumir o comando do COP 5, substituindo o Major Pára-quedista António Valério de Mascarenhas Pessoa, que em 2jun73, estando em Cufar como adjunto do COP 4, seguira para Cacine em 2jun73, e em 3jun desembarcara em Gadamael Porto com a CCP 122.

O Comandante do BCP 12 nesse mesmo dia seguiu em helicóptero para Cacine, e na manhã seguinte (6jun73), logo que as condições de maré o permitiram seguiu via marítima para Gadamael Porto.

b. Feito o necessário estudo, e verificando-se que o Inimigo exercia forte pressão sobre Gadamael Porto:
  • Flagelando com armas pesadas com bases de fogos na República da Guiné e em território Nacional junto da fronteira;
  • Mantendo observadores avançados para regulação de tiro;
  • Mantendo na área de Gadamael Porto volumosos efectivos de infantaria.

A Manobra a seguir pelas nossas forças assentou nos seguintes pontos:
  • Fazer estacionar dentro de perímetro defensivo o mínimo de forças, e disperso por todo o perímetro, ocupando assim também a periferia dos reordenamentos;
  • Manter em permanência em actividade operacional o máximo de forças, tomando em atenção os efectivos e o período de actuação que se previa longo;
  • Ir aumentando gradualmente a amplitude das acções e operações, por forma a aliviar a pressão sobre Gadamael Porto, e permitir o lançamento de acções e operações sobre os objectivos mais importantes (Sangonhá, Tambambofa, Gadamael Fronteira, Lamoi e Sori Ucreá);
  • Manter liberdade de navegação no braço do rio de acesso a Gadamael Porto mediante ocupação quase em permanência de Talaia e da ponta da península;
  • Impedir a livre actuação de observadores mediante patrulhamentos frequente dos possíveis pontos a ocupar pelos mesmos;
  • Colocar o Pelotão de Artilharia em condições de actuação com rendimento, melhorando os espaldões, acionando o emprego do plano de fogos previsto, garantindo as ligações obuses - PC, e prevendo o apoio directo às forças em operações, face à ausência do helicanhão;
  • Garantir a utilização com rendimento das armas pesadas disponíveis (canhões s/recuo, morteiros médios e metralhadoras pesadas), melhorando os espaldões, preparando os planos de fogos ainda não executados, e garantindo as ligações armas-PC. No caso de morteiros e canhões s/recuo prever o apoio directo às forças em operações, para as distâncias mais curtas, para as quais a Artilharia não podia actuar;
  • Utilizar códigos para conversação em claro, prevendo de preferência a utilização do HF, e distribuir mosaicos gráficos com referências numeradas, para não permitir ao Inimigo tirar partido da escuta que se previa estar a fazer às transmissões das NT;
  • Garantir a evacuação em "sintex" para Cacine de feridos ou doentes, face à ausência de helicóptero para evacuações;
  • Prever, a todo o momento, ajustamentos no plano de actividade operacional, face à actividade desenvolvida pelo Inimigo.

c. Dado que as Companhias do Exército estacionadas em Gadamael Porto se encontravam em condições deficientes, no que respeitava a efectivos, moralização e armamento, o esforço sobre as zonas de contacto provável e de maior amplitude foi exercido pelas CCP reservando-se para aquelas companhias a missão de garantir a liberdade de navegação no braço do rio de acesso a Gadamael Porto."

"Desenrolar da Acção":

De 6jun a 13jul foram efectuadas 31 acções e 8 operações.

A CCP 121 e a CCP 123, em 9 acções, fizeram o treino operacional das 3ª C/BCaç 4612/72, CArt 6252/72 e CCav 8452/72 respectivamente 3, 1 e 5, incluídas nas 31 referidas.

Destacam-se algumas em que houve contacto com o lN.

- Acção COP 5 - 6jun

A CCP 123 saiu da Gadamael Porto em patrulhamento, rumo Norte. Pelas 17h30 o agrupamento foi flagelado em Cacoca 6D8.80 com armas automáticas e LGFog RPG por um grupo ln estimado em 30 elementos.

Na reacção o ln sofreu vários feridos confirmados por abundantes rastos de sangue.

- Acção Bojarda - 10 e 11jun

A CCP 122 saiu de Gadamel Porto em patrulhamento. Em Cacoca 6F6.88, foram detectadas muitas pegadas lN, sendo montada uma emboscada, sem contacto. Pelas 14h00 as NT foram emboscadas em Cacoca 6F2. 78 por um grupo ln estimado em 40 elementos. 

A CCP 122 sofreu 17 feridos ligeiros. Feita a batida, verificou-se que o lN sofreu vários feridos, confirmados por abundantes rastos de sangue. 2 GComb regressaram ao aquartelamento para evacuar os feridos e os outros dois fizeram uma emboscada nocturna sem contacto com o lN.

- Operação Bisturi Negro - 14 e 15jun

A CCP 121 saiu em patrulhamento apeado, rumo Leste, flectindo para NWe depois para Norte. Em Cacoca 6E4.94 foi flagelada durante 45 minutos com armas autom,  LGFog RPG-2 e RPG-7, canh s/r por um grupo lN estimado em 80 elementos que se deslocavam na direcção Leste/Oeste. 

As NT sofreram 1 morto (guia) e 2 feridos ligeiros. Da batida efectuada verificou-se que o lN sofreu 4 mortos confirmados e elevadas baixas prováveis dada a forma como procurou reter as NT com uma segunda linha de fogo com nítida intenção de retirar mortos e feridos, o que foi confirmado por sinais de arrastamento de corpos e abundantes rastos de sangue. 

Foram referenciados elementos de tez clara e o lN utilizou esp autom G-3, metr lig  HK-21 e dilagramas. 

A CCP 121 regressou a Gadamael Porto para evacuar os feridos. Dois GComb voltaram a sair, rumo Leste flectindo depois para Norte. Montaram uma emboscada nocturna. Não houve contacto com o lN.

- Operação Diamante Preto - 17 e 18jun

A CCP 122 a 3 GComb saiu em patrulhamento. Em Cacoca 6F8.65 foi detectado um grupo lN estimado em 20 elementos ao qual foi montada uma emboscada imediata. O lN sofreu 1 morto confirmado e feridos prováveis; foi recolhida uma pá articulada, uma pica e uma granada de
LGFog RPG-2 com carga. 

Reiniciada a progressão o agrupamento foiflagelado do lado da fronteira com 3 granadas de canh sr/, sem consequências.

Foi montada uma emboscada nocturna. Não houve contacto com o lN.

- Operação Gamo Selvagem - 20 e 21jun

Em 20 foi feito um patrulhamento e montada uma emboscada, sem contacto lN.

Em 21 6h30 em Cacoca 6h5.94, a CCP 123 teve um forte contacto frontal com um grupo lN estimado em 80 elementos que na sequência do contacto se instalou em 2 posições sendo uma mais recuada. No contacto inicial as NT sofreram 2 feridos graves e 4 ligeiros, o que não impediu que se lançassem ao assalto, tendo a linha recuada do lN batido as NT com mort 60 mm com o propósito de retirar elementos mortos, feridos e respectivo material. 

O lN sofreu 5 mortos confirmados e muitos mortos e feridos prováveis e foram recolhidas 3 granadas tipo chinês. Foram referenciados elementos lN de tez clara e utilização de esp aut G-3. 

O lN retirou para Leste. A CCP 123 reiniciou a progressão em direcção ao aquartelamento para evacuar os feridos.

- Operação Cobra Ondulante - 23 e 24 jun

A CCP 121 a 3 GComb saiu de Gadamael Porto para efectuar um patrulhamento apeado. Depois de ter seguido vários rumos, em Cacoca 500.18, detectou rastos de viaturas.

Pelas 12h00foi montada uma emboscada em Cacoca 6D1.13. Foi levantada e passada uma hora de marcha, foram ouvidas vozes de elementos IN, tendo sido iniciada a imediata perseguição. Apercebeu-se da existência de um acampamento.

Pelas 13h30, em Cacoca 6D0.19 foi efectuado um golpe de mão imediato a um grupo lN estimado em 40 elementos. Conjugando fogo e movimento as NT transpuseram o que era então um quartel e montaram segurança nos próprios abrigos do lN. 

As NT não sofreram baixas e o lN teve 6 mortos confirmados e muitos mortos e feridos prováveis pelos abundantes rastos de sangue encontrados durante a batida. 

Foram apreendidas:
  • 1 metr lig Degtyarev, 
  • 1 LGFog RPG-2, 
  • 2 esp aut Kalashnikov,
  • 3 pist metr  PPSH,
  • 2 esp Mosin Nagant, 
  • 10 gran de LGFog  RPG-2, 
  • 1 gran de LGFog RPG-7, 
  • 13 tambores pist metr  PPSH,
  • 15 carregadores de esp aut  Kalashnikov, 
  • 3 gran mão ofensivas tipo chinês, 
  • 4 gran mão ofensivas M/62, 
  • 1000 munições 9 mm, 
  • 350 munições 7,62 mm "Soviet", 
  • 50 munições 7,62 mm "Soviet" m/908 e diverso equipamento e fardamento.
Foram montadas uma emboscada nocturna e em 24, uma diurna ambas sem contacto lN.

- Acção Bera - 11jul

Um agrupamento constituído por 2 GComb/CCP 123 e 2 GComb/CArt 6252/72 saiu de Gadamael Porto em patrulhamento apeado em direcção ao cruzamento de Ganturé com a finalidade de fazer o treino operacional da CArt 6252/72.

Em Cacoca 6E2.73 foi encontrado um acampamento ln com cerca de 70 abrigos e restos de ração de combate. Próximo e ao longo da estrada encontravam-se mais de 30 abrigos individuais com disposição que levava a concluir ser uma posição para emboscar a estrada.

Pelas 09H30 ao ser efectuado um reconhecimento das minas implantadas pelas NT em Cacoca 6E9.74 verificou-se que uma armadilha tinha sido accionada pelo l. No mesmo local foram detectadas e levantadas 3 minas A/P  lN e foi accionada pelas NT uma mina A/P  que provocou 1 morto (furriel) e 2 feridos ligeiros. Foram prestados os primeiros socorros e em seguida reiniciou-se a progressão rumo ao aquartelamento.

Pelas 10h15 quando atravessava a estrada Oeste/Leste foram detectadas 2 minas A/C  que foram torneadas em virtude da urgência da evacuação dos feridos e foi encontrado um cadáver em decomposição. Depois da chegada ao aquartelamento, foi feita nova saída para uma batida à zona Cacoca 6F9.75 até ao pontão do rio Sarampita e uma emboscada em Cacoca 6F1.86, ambas sem contacto.

"Ensinamentos Colhidos"

"Os bombardeamentos inimigos a Gadamael Porto em 1jun73 causaram às NT pesadas baixas no aquartelamento, face ao tiro ajustado e, julga-se, ao facto de estarem concentradas na zona do quartel duas companhias, um pelotão de artilharia e um pelotão de reconhecimento, não dispondo essa zona de valas ou abrigos para tal efectivo.

Com base no conhecimento do sucedido, uma das preocupações do novo comando COP 5, foi dispersar ao máximo as forças pelo perímetro defensivo, ocupando também toda a periferia dos reordenamentos, e estacionar dentro desse perímetro o mínimo indispensável do pessoal, mantendo em permanência em actividade operacional elevado conjunto de forças.

Assim, as flagelações a Gadamael Porto a partir de 6jun73 não causaram baixas às NT, sendo digno de referir a fortíssima flagelação de todo o dia 2Jul73 em nada inferior à do dia lJun73, que apenas causou dois feridos muito ligeiros.

Julga-se ser este o procedimento a seguir em situações futuras similares."

Levantamento de minas

O lN procurou dificultar os deslocamentos de Gadamael Porto, sobretudo para nordeste, implantando minas antipessoal e anticarro nas vias de comunicação.

Depois da operação "Dinossauro Preto" já era praticável efectuar a desminagem. Executou-se a acção Barulho, em 19ago73 na zona de Ganturé, por forças do COP 5 e de uma equipa de Sapadores do BCaç 4510/72, na qual detectaram e levantaram várias minas antipessoal e destruíram 2 minas anticarro.  [Nota: Atenta-se à actividade operacional - 2° Semestre, deste Capítulo.

Por se presumir a existência de mais minas, em 10Set, foi feita, na região de Ganturé, mais uma acção pelo COP 5 (Nota: Relatório da acção "Bandido" de 10Set73 do COP 5.). Foram constituídos 2 agrupamentos por forças de 1 GComb/CArt 6252/72, 1 GComb/CCav 8452/72 e por 1 Sec/Pel Mil 235. Transcreve-se:

 "Desenrolar da Acção"

"Pelas 14h00 os agrupamentos saíram do aquartelamento de Gadamael Porto seguindo pela estrada para Guileje. Ao cruzamento de Ganturé (Cacoca 6 FO 75) foi montada a segurança. Procedeu-se depois à picagem da estrada e bermas tendo sido detectadas e neutralizadas 14 minas antipessoal de plástico tipo PMN e detectadas e levantadas 3 minas anticarro TM-46.

Após o levantamento o Agrupamento B regressou ao Quartel e o Agrupamento A patrulhou a zona Cacoca 6 FI 85 onde montou uma emboscada. Pelas 23h00 regressou ao aquartelamento."

Flagelações a Gadamael Porto

O lN continuou a flagelar o aquartelamento mas com menores consequências para as NT. Entre outros ataques (Nota: Consulte-se as flagelações no 2.° Semestre a Gadamael Porto no "Inimigo - actividade militar" deste Capítulo.)
  • em 8nov; 
  • em 11nov, pelas 18h40, com 8 foguetões 122 mm;
  • e em 15nov. 
Desta última relata-se o "Desenrolar da acção"  [Nota: Relatório da flagelação a Gadamael Porto em 15Nov73 do COP 5 datado de l6Nov73

"Cerca das 17h00 o lN começou a flagelar o aquartelamento de Gadamael Porto com dois foguetões de cada vez, indiciando utilizar duas rampas. A flagelação durou cerca de 20 minutos e o lN disparou 15 foguetões da direcção de 80 graus cartográficos medidos a partir de aquartelamento. Os rebentamentos danificaram 3 casas ocupadas pelo pessoal da CCaç 20, as instalações do Comando da CCav 8452/72, uma caserna da CArt 6252/72 e uma antena do STM e causaram 7 feridos às NT, sendo 2 graves, 3 de menor gravidade e 2 ligeiros. Os feridos foram evacuados de "sintex" para Cacine.

Mais uma vez a população invadiu o edifício das transmissões e da enfermaria, abrigo onde aliás muitas mulheres e crianças se mantêm desde o dia 8nov73."

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 334-340. (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________

Notas do editor:


(***) Vd. poste de 1 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16152: FAP (95): de Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20965: FAP (116): O último ano do Fiat G-91 - II (e última) Parte (José Matos)



Fig. 9 - O primeiro Fiat G.91 a ganhar a nova pintura verde escura para evitar o míssil. Infografia: Paulo Alegria. 


O último ano do Fiat G.91 na Guiné
por José Matos
,

[Publicado originalmente na
Revista Militar N.º 4 – abril 2020, pp. 395-414-
Cortesia do autor e editor]





José Matos [, foto à direita]: 

(i) investigador independente em História Militar, tem feito pesquisas sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné;

(ii) é  colaborador regular em revistas europeias de aviação militar e de temas navais;

(iii) colaborou nos livros “A Força Aérea no Fim do Império” (Lisboa, Âncora Editora, 2018) e "A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana" (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019);

(iv) é autor, com Luís Barroso, do livro, a sair brevemente, "Nos meandros da guerra: o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné" (Lisboa, Editora Caleidoscópio, 2020).

(v) é  membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo cerca de 3 dezenas e meia de referências no nosso blogue]


II (e última parte) (*)

Operações nocturnas 

As missões de Fiat à noite são executadas com luzes de posição apagadas. Esta restrição implicava que a força atacante não fosse superior a 2 caças e que a actuação, no local de acção, obedecesse a um rígido sistema de escalonamento em altitude, tanto na fase da entrada como na da saída dos passes de tiro e à selecção de um ponto em terra bem conhecido para a reunião e regresso à base, dos aviões.

Quanto ao apoio, este era relativamente fácil de prestar, porque o clarão do disparo das armas da guerrilha, denunciava a sua posição no terreno. No local de acção, o primeiro jacto a entrar tinha, por isso, grande probabilidade de infligir danos ao inimigo. Fizeram-se saídas desta natureza a favor de Gadamael Porto e outra em apoio de Cufar.[33]

Em relação ao C-47, foi engendrado um visor a partir de um derivómetro usado no DC-3 Skymaster, que media ângulos na horizontal e na vertical. Ao fim de alguns voos gerou-se uma tabela de tiro e a aeronave entrou em acção, a coberto da noite. O avião adaptado era, habitualmente, usado em missões de reconhecimento fotográfico e tinha, por isso, uma abertura no dorso inferior traseiro, para instalação da máquina fotográfica. Era por essa abertura que os militares a bordo lançavam manualmente bombas de 15 kg. Os voos eram habitualmente feitos a 10 000 pés (3000 metros) fazendo bombardeamento de área. [34] 


A estreia do C-47 nesta função acontece em Setembro de 1973 com 3 acções/3 saídas nocturnas, continuando em Novembro com 5 acções/5 saídas e em Dezembro com 12 acções/12 saídas.[35]

Podemos agora ver pela análise dos SITREPS (“Situation Report”) da época que o número de acções aéreas de ataque do G.91 aumenta de forma consistente a partir de Agosto de 73, atingindo o pico máximo em Outubro (126 acções).[36]





Fig 6 - Fiat G-91: ações aéreas de ataque (1973)


A partir da análise do gráfico [Fig nº 6], constatamos que o número de missões ATIP (Ataque Independente Preparado) é significativo, a partir de Julho (49) sendo durante o resto do ano superior ao mês de Março, ou seja, antes do aparecimento do míssil. As missões ATAP (Ataque de Apoio Próximo) atingem um pico em Maio/Junho, durante a crise militar de Guidage, Guileje e Gadamael, baixando depois durante o resto do ano. Quanto às missões ATIR (Ataque Independente em Reconhecimento) desaparecem praticamente durante o ano.

Ataques a Kandiafara 

Em Agosto, o Tenente-Coronel Fernando de Jesus Vasquez substitui o Major Pedroso de Almeida no comando do GO1201. Um mês depois da sua chegada, os Fiat são empenhados em várias missões de bombardeamento a Kandiafara, na Guiné-Conakry. Estas missões começam no início de Setembro e intensificam-se a meio do mês, quando os “Tigres” bombardeiam esta base várias vezes, apesar da forte oposição das antiaéreas.[37] Num destes ataques, a 20 de Setembro, é morto um oficial cubano, o Tenente Raúl Pérez Abad, que apoiava as forças do PAIGC.[38]

Entretanto, a 1 de Setembro, a Força Aérea perde mais um G.91, mas, desta vez, por razões desconhecidas. O Fiat 5416 era pilotado pelo Capitão Carlos Wanzeller e participava numa missão de bombardeamento em apoio a uma helicolocação, usando bombas de 750 libras (340 kg). 


Durante o passe de bombardeamento e após largar a primeira bomba, o avião de Wanzeller enrola bruscamente para a esquerda até uma posição invertida, ficando o piloto sujeito a uma aceleração excessiva e sem controlo do avião. Após a perda momentânea de consciência, Wanzeller ejecta-se, sendo recuperado posteriormente por um helicóptero que procedia às helicolocações. Na investigação que é feita ao acidente não se consegue apurar o motivo da perda de controlo do avião, ficando o piloto ilibado de qualquer responsabilidade. [39]

No seguimento deste incidente, o Comando da Zona Aérea solicita a substituição do Fiat acidentado, sendo decidido que o avião 5439, previsto sair de IRAN 
[Inspect and Repair As Necessary] em Fevereiro de 1974 para a BA5, seja atribuído à ZACVG. 

No entanto, o chefe da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea (EMFA), Coronel Costa Gomes (um veterano da guerra na Guiné), salienta “que tal decisão irá afectar a já difícil situação da Base Aérea nº 5, no que respeita à preparação operacional de pilotos de G.91 para o Ultramar.” 

Atendendo que a BA5 dispunha apenas de 5 Fiat (3 disponíveis) e que, provavelmente, todas as futuras substituições só poderiam ser realizadas recorrendo aos restantes aviões que estavam em Monte Real, Costa Gomes considera oportuno que seja revisto o problema da preparação operacional em Fiat na BA5, cada vez com menos aviões para essa função. [40] O problema agrava-se no mês seguinte com a perda de outro caça na Guiné.


Ejecção na selva 

A 4 de Outubro, os “Tigres” perdem o Fiat (5409), no norte da Guiné, na região de Jagali, a sul do rio Cacheu, perto da mata do Tancroal. Na manhã desse dia, dois G.91 descolam da BA12 rumo ao norte, pilotados, respectivamente, pelo Capitão Alberto Cruz e pelo Coronel Lemos Ferreira, na altura Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG). Cada avião transportava nas asas 2 bombas de fragmentação de 200 Kg e 4 bombas de demolição de 50 Kg, além das munições habituais nas metralhadoras do nariz. 


O tempo estava encoberto por nuvens altas, mas a zona suspeita distava apenas 50 quilómetros de Bissau e em 15 minutos de voo a parelha estava sobre a mata do Tancroal à procura de vestígios da guerrilha. O ponto de convergência de alguns trilhos suspeitos é assumido como alvo e a zona é de imediato bombardeada pelos dois aviões. Os dois jactos atacam o alvo de forma desfasada no tempo para que cada um possa vigiar a recuperação do outro e avisá-lo em caso de disparo do míssil e atacar o local de lançamento. 


Depois de largadas as bombas, o Capitão Alberto Cruz mergulha em ângulo de picada de 60º para metralhar a posição suspeita e de repente sente um grande estrondo e percebe que qualquer coisa de grave aconteceu ao G.91. O avião vibra com tanta violência que o piloto bate constantemente com o capacete na “cannopy” e a consola do Fiat mostra luzes acesas por todos os lados. De repente, o G.91 entra numa espiral descontrolada e o piloto perde completamente a visão à sua volta e decide ejectar-se. 


A ejecção ocorre a cerca de 400 nós (740 km/h), ou seja, muito perto do limite do cabo de disparo do pára-quedas de abertura que é de 470 nós (870 km/h). É uma ejecção violenta, tão violenta que o piloto perde o capacete e os sentidos, durante algum tempo, e sofre também uma forte compressão na coluna. A descida até ao solo é rápida. Em pouco mais de 15 segundos, o piloto aterra na floresta, mas fica pendurado numa árvore a cerca de 5 metros do solo. 


Perante a situação, deixa o paraquedas deslizar suavemente até que a cerca de 2 metros de altura cai desamparado no chão. Logo de imediato sente dores nas costas, além de um joelho dorido e de perda de visão no olho esquerdo, magoado durante a ejecção. Mas a velha cadeira Martin-Baker salvou-lhe a vida. Recupera da queda e ouve vozes dos guerrilheiros ou da população; discretamente desloca-se a custo para uma clareira, onde fica à espera de ser recolhido. [Fig. nº 7]




Fig. 7 - Capitão Alberto Cruz na Guiné.

Crédito fotográfico: Alberto Cruz 



O líder da parelha alerta Bissalanca e dois Fiat de prevenção acompanhados por dois helicópteros Alouette III armados com canhões de 20 mm partem imediatamente da base para fazer a recuperação. O primeiro G.91 chega rapidamente ao local, mas com receio de ser localizado pela guerrilha, o piloto não emite qualquer sinal luminoso. 

Passados 35 minutos, os Alouette III começam a sobrevoar a área e é nessa altura que o Capitão Cruz lança um flare que é visto por um dos helicópteros, sendo então recuperado. De regresso à base, é elaborado o relatório do que se passou em que o motivo do incidente é atribuído a “causas indeterminadas”. 


De facto, o Coronel Lemos Ferreira que estava no outro Fiat não viu qualquer míssil e o Capitão Cruz fica com a ideia de que pode ter sido o painel das metralhadoras do lado esquerdo que se abriu durante o voo, pois na inspecção que tinha feito antes de levantar voo tinha notado alguma folga neste painel. 

A suspeita do piloto leva a FAP a consultar o construtor do avião (a Dornier), que informa que “os painéis laterais de armamento já se abriram, em alguns casos, mas durante a fase de descolagem” existindo nesses casos “uma tendência de o avião enrolar para o lado oposto ao da abertura, tornando-se crítico o controlo direccional. A firma construtora especificou que no caso particular da perda do painel lateral de armamento em voo, o centro de gravidade deslocar-se-á significativamente para trás, desconhecendo-se qual a alteração da estabilidade da aeronave.”[41]

Entretanto, em Bissalanca, todos os Fiat são inspeccionados detectando-se fracturas nas longarinas da chapa pára-fogo das metralhadoras e também nos ailerons, o que obriga à respectiva reparação em todos os aviões. [42]


Os receios da época seca 

Com o início da época seca (Dezembro-Maio), as chefias militares na Guiné registam um crescendo progressivo da actividade da guerrilha, depois de alguns meses de baixa actividade (principalmente Outubro e Novembro de 73). Esperam obviamente por outro ataque de grande envergadura contra as guarnições de fronteira, sendo Bigene, Guidage, Copá, Canquelifá, Buruntuma e Gadamael, os alvos mais prováveis. Há também o receio de acções de fogo sobre núcleos populacionais importantes, como o caso de Bissau, Bafatá ou Farim. [43] 

Mas nada disso acontece. Durante toda a época seca, o PAIGC não volta a lançar ataques de grande envergadura como os de Guidage, Guileje ou Gadamael, no entanto, concentra a sua acção sobre Copá e Canquelifá na frente leste junto à fronteira com o Senegal e a Guiné-Conakry.[44] Em apoio a estas acções, os guerrilheiros continuam a usar mísseis, mas sem grandes resultados. Entre finais de Abril até Dezembro de 1973, são detectados 15 disparos contra os “Tigres”, mas sem consequências.[45]


Em busca de novos Fiat 


Em Dezembro de 1973, a Força Aérea recebe informações de que a Luftwaffe pretende desactivar durante o ano de 1974, 50 a 60 jactos Fiat G.91 R/3 com uma média de 1800 a 2000 horas de voo havendo interesse da parte portuguesa em comprar alguns destes caças para reforçar a frota da FAP.[46] 


O problema é que o Governo de Bona não pretende vender os aviões a qualquer país estrangeiro, com o receio que o destino final seja sempre Portugal. A venda de armas a Portugal é um tema politicamente sensível na Alemanha, desde que o G.91 do Tenente-Coronel Almeida Brito apareceu nos jornais alemães como sendo de origem germânica, o que gerou críticas contra o Governo. [47] 


Desta forma, torna-se impossível a compra dos aviões na Alemanha. O Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), General Tello Polleri, ainda tenta explorar, junto de Espanha, a possibilidade destes aviões serem comprados pelas Construcciones Aeronáutica S.A (CASA), para depois serem vendidos a Portugal, mas sem sucesso.[48] 


Ao mesmo tempo, o Governo português tem em curso negociações para a compra de caças Mirage em França, mas o negócio esbarra na intransigência francesa de não permitir que os Mirage sejam usados na Guiné ou em Cabo Verde, uma exigência que dificulta um acordo entre Paris e Lisboa. [49]

A falta de novos Fiat preocupa a Força Aérea e a 3ª Repartição do EMFA produz, em Fevereiro de 1974, um estudo sintético sobre o problema em que considera que, face ao número de aviões existentes (31 unidades) e tendo em conta a depreciação da frota por acidentes e acção do inimigo, a FAP precisa de mais 25 aviões e 28 motores que deviam ser adquiridos nos dois anos seguintes. 


Na altura, a ZACVG dispunha de 11 caças, a 3ª Região Aérea em Moçambique de 16 e a BA5 de 4, embora estivesse previsto o reforço da 3ª RA com mais 4 jactos, ficando Monte Real sem qualquer avião para treino operacional.[50]


A fuga espectacular de Castro Gil 

Com o início de 1974, a guerrilha começa a tentar penetrar na zona nordeste da Guiné aumentando a pressão sobre Copá com bombardeamentos de artilharia. A resposta portuguesa passa pela utilização do C-47, em bombardeamentos nocturnos e do Fiat G.91, durante o dia. 

Na tarde de 31 de Janeiro de 1974, acontece um desses ataques e a BA12 recebe um pedido de apoio de fogo do quartel de Canquelifá, na fronteira norte com o Senegal. Em resposta, dois G.91 descolam de Bissalanca rumo à zona flagelada. Assim que os aviões começam a sobrevoar a área de Canquelifá, os guerrilheiros suspendem o ataque e os pilotos pedem aos militares do Exército, as referências necessárias para bombardear as posições da artilharia. 


O primeiro Fiat, pilotado pelo Tenente-Coronel Jesus Vasquez, efectua o seu bombardeamento sem qualquer reacção antiaérea, mas quando o segundo Fiat, pilotado pelo Tenente Castro Gil, executa a mesma acção é atingido por um míssil quando recupera do passe e despenha-se perto do território do Senegal. Castro Gil ejecta-se e aterra perto das linhas inimigas. A proximidade da noite não permite que seja desencadeada uma operação de regaste e o líder da parelha, após ter informado a base, regressa à BA12, que, entretanto, coloca em marcha os planos para o inevitável resgate. 


Para a operação, são mobilizados os comandos africanos de Marcelino da Mata e dois pelotões de pára-quedistas, que iriam descolar logo de manhã cedo para Nova Lamego, de onde iriam de helicóptero para a zona onde o piloto português caíra. Um C-47 fora também colocado no ar, sobrevoando a zona de Canquelifá para que Castro Gil percebesse que a Força Aérea o iria resgatar assim que possível. 


O piloto, depois de chegar ao solo e vendo-se numa zona queimada pelos bombardeamentos da guerrilha decide afastar-se para norte, para o lado do Senegal, de forma a despistar a guerrilha. Munido de uma bússola, esgueirou-se pela cinza de forma a não deixar grande rasto e caminhou o mais que pôde para não ser encontrado pelos guerrilheiros. Já depois do raiar do dia, mudou de direcção para sul, em busca da estrada alcatroada de Buruntuma-Piche-Nova Lamego. O plano de Castro Gil era chegar ao quartel de Piche.

O raiar do dia trouxe também o início das operações do Exército português. Os homens de Marcelino da Mata foram colocados no terreno e encontraram o que restava do pára-quedas e do assento ejectável, mas sem sinal do piloto. 

Entretanto, um pequeno DO-27 de reconhecimento foi colocado no ar também para procurar o piloto que,  ao ver o avião, lançou um very-light, mas desesperado, apercebeu-se que a tripulação não o vira, e o monomotor a hélice afastou-se do local onde estava. Foi um rude golpe, sobretudo tendo em conta que já se afligia com sede e calor. Mesmo assim, não desistiu e resolveu prosseguir com o seu próprio plano. 





Fig. 8 – Regresso do Tenente Castro Gil a Bissalanca. Crédito fotográfico: Grupo Operacional 1201. 



Ao fim de muitas horas, acabou por encontrar uma tabanca. Escondido entre a vegetação, estudou os habitantes para se certificar de que eram de confiança. Ao fim de uma hora, decidiu arriscar, indo ter com uma mulher para lhe pedir água. Estava agora rodeado pela população, que se revelou amigável e pediu a um habitante local para ser levado para o quartel de Piche. O homem surgiu com uma bicicleta de assento atrás e mandou Castro Gil instalar-se e arrancou a pedalar em direcção ao sul. 

No caminho, ainda passou por dois homens armados, caminhando em sentido inverso, que o condutor da bicicleta cumprimentou sem levantar qualquer suspeita. No espírito de Castro Gil ficou a dúvida se os homens seriam milícias de um destacamento existente entre Piche e Canquelifá (Dunane) ou dois guerrilheiros que teriam andado à sua procura e regressavam ao seu acampamento.

Enquanto isto se dava, a equipa de resgaste prosseguia a sua missão durante o dia, na zona de Canquelifá, mas sem encontrar vestígios do piloto.

Só ao final do dia é que receberam uma comunicação de Piche que dizia, em termos muito simples, que o piloto tinha chegado ao quartel, de bicicleta! [51]


Sistemas antimísseis 

Na altura em que Castro Gil foi abatido existiam já contactos para adquirir, em França, uma tinta de baixa reflexão de tonalidade verde escura para evitar o míssil. O primeiro Fiat a ganhar esta nova pintura foi o 5401, que estava em Monte Real na BA5, sendo transferido para a Guiné em Março de 1974. [52] [Fig. nº 9]

A Força Aérea procura também equipar os Fiat com um sistema antimíssil do tipo flare a comprar nos EUA e o ministro da Defesa, Silva Cunha, autoriza, em Fevereiro de 1974, a compra de dispersores de flares para instalar no G-91.[53] O modelo escolhido é o TRACOR TBC-72 de fabrico americano semelhante ao AN/ALE-40 da mesma empresa. A ideia era instalar 4 dispersores por avião junto ao bordo de fuga dos suportes internos. Os TBC-72 permitem a utilização, não só de artifícios iluminantes, como também de “chaff” (limalha de perturbação de radar).

Em Abril, são feitas diligências junto da embaixada portuguesa em Washington para saber da possibilidade da venda de tal equipamento pelos americanos, mas com o 25 de Abril e o fim do regime, a compra perde sentido.[54]


O fim da guerra 


A actividade operacional dos “Tigres” em 1974 vai decrescendo nos primeiros meses do ano até à revolução de Abril. Mesmo assim, a média mensal é de 140 horas/voo, ou seja, superior aos 10 meses anteriores (130 horas/voo).[55] De Janeiro a Abril de 1974, são detectados disparos de 11 mísseis contra os Fiat, mas com excepção do abate de Castro Gil, nenhum Strela atinge os jactos. [56]

Apesar do 25 de Abril e da mudança do regime em Lisboa, a guerra não acaba de imediato e os Fiat continuam a voar nos céus da Guiné. Bettencourt Rodrigues é demitido das suas funções e chamado a Lisboa, sendo substituído pelo Tenente-Coronel Mateus da Silva e depois pelo Tenente-Coronel graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião, que toma posse em Bissau, a 8 de Maio.[57] Na Força Aérea, o Tenente-Coronel Vasquez continua no comando do GO1201, não havendo qualquer mudança.

No início de Maio, os G.91 ainda efectuam algumas missões de ataque e uma de apoio próximo em Mamboncó,[58] mas com o cessar-fogo acordado em Dacar em meados de Maio, as operações ofensivas cessam na Guiné.[59] Os “Tigres” ficam limitados a missões de vigilância até à independência da Guiné. Terminava assim a vida operacional do Fiat neste território africano.

José Matos

__________

O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional, ao Arquivo Histórico-Militar e à Torre do Tombo, as facilidades concedidas para esta investigação. Ao TGen Fernando de Jesus Vasquez, ao TGen António Martins de Matos e ao Maj Alberto Cruz a leitura e informações prestadas. 
 

[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação neste blogue: LG]
____________


Referências:


[33] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.

[34] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.

[35] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 40/73 e 46/73 a 52/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87

[36] SITREPS do COMZAVERDEGUINÉ, ADN/F2/16/87 e 88.

[37] SITREPS nº 36-39/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/88.

[38] Hernández, op. cit., p. 237.

[39] Informação n.º 166 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Acidentes com as aeronaves Fiat n.º 5416 em 1 Set. 73 e 5409 em 4 Out. 73, 22 de Abril de 1974, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico (SDFA/AH).

[40] Informação nº 287 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Aviões Fiat G-91 da ZACVG, 10 de Setembro de 1973, SDFA/AH-SEA/Guiné 1964-1974/Fiat Processo 430.121.

[41] Informação nº 166, ibidem.

[42] Informação prestada ao autor pelo Capitão Alberto Cruz e pelo General Lemos Ferreira e Informação n.º 166, ibidem.

[43] Relatório da situação militar no TO Guiné, período de Outubro 73 a Janeiro de 74, Conselho Superior de Defesa, ADN F3/15/32/41.

[44] Idem, ibidem.

[45] Correia, José Manuel, Strela: A Ameaça ao Domínio dos céus no Ultramar Português, 2ª parte, Mais Alto n.º 393 Setembro/Outubro 2011, p. 28.

[46] Memorando do Estado-Maior da Força Aérea, 25 de Janeiro de 1974, SDFA/AH, 3ª Divisão/EMFA 71/74, Processo 400.121.

[47] Carta de Alberto Maria Bravo & Filhos, Assunto: Aviões G-91, 4 de Dezembro de 1973, Arquivo Histórico Diplomático (AHD) PEA 655.

[48] Carta do Secretário de Estado da Aeronáutica para o General Enrique Jimenez Benamu, 25 de Fevereiro de 1974, AHD PEA 655.

[49] Matos, José, A história secreta dos Mirage Portugueses, 2ª parte, Revista Mais Alto nº 401, Jan/Fev. 2013, pp. 25-29.

[50] Informação nº 44/A da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Recompletamento da Frota de Aviões Fiat G-91, 2 de Fevereiro de 1974, SDFA/AH-SEA/Guiné 1964-1974/Fiat Processo 430.121.

[51] Informação prestada ao autor pelo General Jesus Vasquez.

[52] Correia, op. cit., p. 31.

[53] Informação n.º 355 da Secretaria de Estado da Aeronáutica, Assunto: Equipamento antimíssil Strela (TRACOR), 18 de Abril de 1974, ADN/F3/7/13/5.

[54] Nota secreta do Director Geral do MNE para o Embaixador de Portugal em Washington, Assunto: Aquisição de equipamento antimíssil Strela, 22 de Abril de 1974, ADN /F3/7/13/5.

[55] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3.

[56] Correia, op. cit., p. 28.

[57] Silva, António Duarte, A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Edições Afrontamento, Lisboa, 1997, pp. 179-180.

[58] SITREPS Circunstanciados n.º 18 e 19/74 do COMZAVERDEGUINÉ, AHM/DIV/2/4/295/3.

[59] Silva, op. cit., pp. 227-228.

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de maio de  2020 > Guiné 61/74 - P20963: FAP (115): O último ano do Fiat G-91 - Parte I (José Matos)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19273: (Ex)citações (346): Frases politicamente (in)corretas de um dos bravos dos céus do CTIG, o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972-74) - Parte II -Tenho saudades do meu Caco Baldé


Capa do livro"Voando sobre um Ninho de Strelas", de António Martins de Matos (Lisboa: BooksFactory,  2018, 375.pp.)


António Martins de Matos, ex-ten pilav, 
Bissalanca. BA 12, 10/5/1972 - 4/2/1974;
 ten gen ref.
1. Continuaçã da publicação de algumas notas de leitura do livro  "Voando sobre um Ninho de Strelas", do ten gen pilav ref António Martins de Matos, membro da nossa Tabanca Grande (desde 2008, com 90 referências no nosso blogue), amanhã,  3ª feira, dia 11, às 18h00, em Lisboa  (*). 

Seleção,  da responsabilidade do nosso editor, de algumas frases e pequenos excertos, dando um a ideia do conteúdo, memorialístico, do livro (**)

‘Não tenhas medo, pá [, cabo mecânico,], estás a voar com um piloto dos jactos!’ (p. 143).

‘Meu tenente, os fios das antenas dos rádios lá dos FTs vêm presos à cauda do avião, DO-27]’… Desculpem lá o incómodo, (...) oxalá o correio tenha valido a pena (p. 144).

A área que me tinha sido atribuída para patrulhamento e identificação de eventuais alvos era a zona Norte da Guiné. Fiz inúmeros voos de DO-27 sobre o Morés e a Caboiana, às voltas e mais voltas e à procura das tais “áreas libertadas”, nunca tive qualquer problema e… nunca as vi. (…) Tínhamos uma regra que, pelos vistos, o PAIGC respeitava (quem tem c…, tem medo), se disparassem um tiro contra uma aeronave não demorava mais de quinze minutos até essa área ser completamente bombardeada. Era assim em toda a Guiné, fosse no Choquemone, Morés, Caboiana ou Cantanhez (pp.145/146).




Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 > A mesa dos "pilotaços", Miguel Pessoa e António Martins de Matos, dois ex-ten pilav, da Esquadra de Fiat G-91 "Os TIgres",  Bissalanca, 1972/74.

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Em 25 de março de 1973, nas imediações de Guileje, foi abatido o primeiro avião [por um Strela]. Era tripulado pelo tenente Miguel Pessoa (Fiat G-91, nº 5413), a Esquadra [121, ] passou a contar com apenas 3 pilotos (p. 147).

(...) A morte do tenente coronel Almeida Brito[, em 28 de março de 1973,] foi um duro golpe no moral dos pilotos, já que, para além de ser o piloto mais experiente na Guiné, era igualmente o nosso Comandante (p. 150).

A morte do tenente coronel Almeida Brito incomodou-me na altura, voltou a incomodar-me quinze anos depois e… ainda hoje me incomoda (p. 151).

Durante a manhã de 6 de abril de 1973 foram abatidos o furriel João Baltazar (DO-27) e o major Rolando Mantovani (T-6), tendo igualmente desaparecido o furriel Fernando Ferreira (DO-27) (p.152).

No dia seguinte vários acontecimentos ocorreram: (i) um piloto de Fiat G-91 “adoeceu” (…), dos 6 pilotos que a Esquadra devia comportar, já só restavam dois, um capitão (comandante da Esquadra) e um tenente; (ii) um piloto de AL-III arranjou uma maneira simples de terminar a sua Comissão de Serviço, estava a limpar a pistola, ela disparou-se, um tiro numa perna; (iii) alguns dos pilotos de AL-III recusaram-se a voar enquanto não lhes fosse explicada que arma era aquela (p. 152).

(…) De súbito e sem que ninguém o esperasse, apareceu nas Operações do GO12 um documento de origem americana com a T.O. (Technical Order) do míssil soviético SA-7 Grail, designado com o código NATO de ‘Strela’. Nunca acreditei em milagres, mas que os há… há (…) (p. 152).

Foi preciso morrerem pilotos, mecânicos, enfermeiros, militares do Exército, para que finalmente soubéssemos que arma nos alvejava e pudéssemos estudar as respetivas contramedidas (p. 153).

Com a aplicação das contramedidas estudadas (e não obstante o PAIGC ter disparado cerca de 60 mísseis), a FAP apenas teve mais um avião abatido, a 31 de janeiro de 1974 (, Fiat G-91, nº 5437), na região de Canquelifá-Copá, tendo o piloto sido recuperado na manhã seguinte (p. 157).

No meu entender o míssil Strela influenciou de algum modo a guerra mas não teve o papel determinante que alguns teimam em lhe querer dar (p 157).


(...) O que perturbou a atuação da FAP não foi o míssil em si mas sim o período em que desconhecíamos que arma era aquela, que foguete era aquele que nos perseguia (p. 13).

Por mim, (…) a arma que mais influenciou a guerra na Guiné, não foi o Strela, arma de defesa antiaérea, mas sim… o morteiro 120 mm (p. 158).

Também tínhamos uma outra maneira de demonstrar que continuávamos a voar, na volta das missões [, incluindo o ataque a bases como Kambera, em território da Guiné-Conacri, finalmente com a autorização de Spínola] passarmos uma rapada sobre os telhados de Bissau só para animar a malta… Grande gozo nos dava, passar a raspar os telhados da cidade a 400 Kts (740/km hora). O ‘Caco’ logo nos proibiu tal manobra (…) (p.162).




Cor pilav Manuel Bessa Rodrigues de Azevedo (1938-2014) 

Blé [, capitão Bessa], eu sei que, lá por
onde andas, estás em boa companhia, com os amigos pilotaços Brito, Moura Pinto, Mantovani, Gil e as enfermeiras Manuela e Piedade. Um dia, os da Tertúlia, que ainda estamos cá em baixo, vamos visitar-te. (…). Prepara-te, vai ser uma festa de arromba!!! Até sempre, companheiro(p. 171).

O “randar fantasma”… Também me constou que o homem que zelava pela sua manutenção acabou por ser promovido a “gerente de messe” (p. 184).

A Operação Ametista Real foi um marco importante na história da Guiné, mas não foi tão limpa quanto se propagandeou no briefing nem à posteriori, já que, ao contrário do que tinha sido prometido, alguns dos Comandos Africanos foram mortos e deixados no terreno. Pior,alguns foram deixados feridos e abandonados, vindo a ser executados no próprio local pelos guerrilheiros do PAIGC (p. 189).


“Não é minha intenção julgá-lo [, ao comandante do COP 5 que deu ordens para abandonar Guileje,] mas confesso que me incomoda as várias tentativas que vêm sendo feitas de o apresentar como um herói, que não foi. A sua retirada, apresentada por alguns como uma manobra bem executada, não foi mais que uma simples fuga, tivesse o Guileje efetivamente cercado, e teria sido o maior desastre das nossas forças em África” (p. 200).

(…) A minha homenagem ao BCP 12 (CCP 121, CCP 122 e CCP 123). Sem eles, Gadamael tinha seguido o destino de Guileje (p. 203).

Há muitos anos que continuo a ver e ouvir os “meus fantasmas”, em fuga de Gadamael, a pedirem-me ajuda e… continuam mortos e entalados no tarrafo do rio Cacine (p. 204).

Uma nova verdade aflorava, como se costuma dizer, clarinha para militares. Não iria ser por culpa dos homens no terreno que a guerra iria ser perdida mas sim pelas manobras e omissões político-militares das cúpulas em Lisboa (p. 210)

Na Força Aérea sempre foi assim, “serviço é serviço, conhaque é conhaque” (p. 216).

‘Em vez de andarmos à procura das formigas, o melhor será encontrarmos o formigueiro’. Estava lançado o mote para destruir Kandiafara (p. 223).

A mais famosa e importante base de apoio do PAIGC acabara de ser destruída [em 19 de setembro de 1973, data em que Spínola já tinha partido e o novo Com-Chefe ainda não tinha chegado]. E tinham razão os da Força Aérea, o novo comandante chefe [, general Bettencourt Rodrigues,] nunca mais nos deixou ir ao estrangeiro (p. 229).



Tenho saudades dos bons tempos passados na Guiné (p. 13)


Tenho saudades do meu Caco Baldé (p. 239)

Amo a minha Força Aérea (p. 299)
______________


sexta-feira, 25 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18675: Dossiê Guileje / Gadamael (31): A Retirada de Guileje foi há 45 anos (22MAI73). Poderia não ter acontecido? (Coutinho e Lima, ex-CMDT do COP 5)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A população e os militares abandonaram Guileje, às 5,30h, a caminho de Gadamael. Esta foto, dramática, é da presumível autoria do Fur Mil Carlos Santos, da CCAV 8350 (1972/74), segundo informação do seu e nosso camarada e amigo José Casimiro Carvalho, também ele da mesma unidade ("Os Piratas de Guileje") mas que nesse dia estava em Cacine. Faz parte do parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje. 


Foto: AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados. [ Editada por C.V.]


1. Em mensagem do dia 21 de Maio de 2018, o nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Ref (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), lembra a retirada de Guileje, ocorrida sob as suas ordens em 22 de Maio de 1973.


A Retirada de Guileje foi há 45 anos (22MAI73) > Poderia não ter acontecido?

1. Introdução

Poderia, como vou explicar a seguir.

Antes disso, devo afirmar que, nas circunstâncias que se verificavam, em Maio de 1973, em Guileje, a minha decisão de efectuar a retirada foi a única que se impunha.

Com efeito, as informações que o Comandante do COP 5, que era eu, e o conhecimento da zona, em consequência da 1.ª comissão (1963/65, em Gadamael) esperava que o PAIGC criasse dificuldades, nomeadamente através de implantação de engenhos explosivos nos itinerários Guileje/Gadamael e Guileje/Mejo e eventuais emboscadas nesses itinerários, para impedir ou tornar mais difícil os reabastecimentos e a recolha de água. A propósito desta, não posso deixar de considerar muito estranho que, tendo Guileje sido ocupado em Março de 1964, isto é, passados 9 anos, ainda não tivesse sido resolvido o problema da água no aquartelamento.

Previa também que o Inimigo, com grande probabilidade, flagelasse as Nossas Tropas e população de Guileje, com maior ou menor intensidade e periodicidade. E nada mais, o que já não era pouco.


2. Documentos do Comando-Chefe

Mas o Comando-Chefe, como não podia deixar de ser, tinha mais informações sobre o Inimigo. Quando tive acesso ao processo que me foi instaurado, tomei conhecimento do seguinte documento (página 608 do processo):

2.1- “EXTRACTO DO RELATÓRIO DE INTERROGATÓRIO N.º 108
271800DEC72

De: MÁRIO MAMADU BALDÉ – Sexo: MASCULINO – Idade: 25 ANOS Grupo Étnico: FULA – Naturalidade: CACINE – Estado: Solteiro
[...]

INTENÇÕES DO IN
[...]

a. NA FRONTEIRA: Refere que o IN pretende fazer um ataque com bastante força a GUILEJE, porque pretende obter uma maior liberdade de movimentos logísticos e de pessoal no corredor de GUILEJE. Para isso, ficaram em KANDIAFARA alguns elementos que vieram recentemente dum estágio de Art.ª na Rússia, para fazerem reconhecimentos na área de GUILEJE e preparar esta acção.
MODOS DE ACTUAÇÃO
Os chefes sabem que as flagelações aos aquartelamentos não têm obtido resultados compensadores e por isso resolveram mandar vários elementos ao estrangeiro receber uma instrução mais adiantada de Artilharia.
Esses elementos ficam a saber trabalhar com cartas topográficas, para poderem determinar com precisão as distâncias de tiro. Aprendem também a trabalhar com goniómetros-bússolas e outros aparelhos, assim como ficaram a saber através da regra do milésimo converter as correcções métricas em direcção, em correcções angulares. Estes elementos ficarão normalmente em observadores avançados durante as flagelações, ligados por telefone às bocas de fogos, dirigindo a acção e regulando o tiro.
[...]”

Este documento merece-me os seguintes comentários:

- Ao que se sabe, o Estado-Maior do Comando-Chefe (nomeadamente a Repartição de Informações – (REP/INFO), não lhe “ligou nenhuma importância”, esquecendo uma regra básica das Informações, que é não desprezar nada, por mais inverosímil que pareça. A REP/INFO tinha a obrigação de confirmar ou infirmar o seu conteúdo, tanto mais que, os “modos de actuação” faziam todo o sentido, nomeadamente para os Artilheiros (que não era o caso do Sr. Chefe da REP/INFO, que era oriundo da Arma de Infantaria, mas que poderia e deveria, se tivesse dúvidas (que não deve ter tido), consultar os seus camaradas sobre o assunto.

- O Comando-Chefe e o seu Estado Maior, nada fizeram para impedir, ou no mínimo dificultar, que o IN fizesse os reconhecimentos no sentido de preparar a acção de concretizar “um ataque com bastante força a GUILEJE”. como deveria ter sido. Seguramente se tivesse sido informado do teor desse documento, teria afirmado, junto do Sr. Comandante-Chefe, que o COP 5 não tinha meios para contrariar a intenção do In, pelo que necessitava de ser convenientemente reforçado; mesmo que não me fosse atribuído qualquer reforço, não me esqueceria do que me esperava e, com os parcos meios de que dispunha, tudo faria para contrariar o que o IN preparava, nomeadamente através de patrulhamentos adequados; e, certamente, neste caso aplicar-se-ia o ditado popular: “Homem prevenido vale por dois”.

O que é certo é que, tudo o que consta no Relatório de Interrogatório n.º 108 de 27 de Dezembro de 1972 (antes da criação do COP 5), se veio a confirmar mais tarde, pelo Comandante do PAIGC, Sr. OSVALDO LOPES DA SILVA, em artigo publicado no jornal Público em 26 de Julho de 2004, (pág. 358 a 361 do meu livro), em que descreve, com pormenor, o trabalho de reconhecimento e levantamento topográfico realizado, durante vários meses, iniciado no final de 1972 e que culminou com o ataque em força sobre Guileje, a partir de 18MAI73, com total surpresa da minha parte, por falta de informação, INEXPLICÁVEL, da parte do Comando-Chefe.

Ainda acerca do documento transcrito atrás, pode perguntar-se por que foi incluído no processo que me foi instaurado.

Durante o tempo em que estive preso preventivamente, fiz vários requerimentos.

Em 30 de Julho de 1973, enviei um requerimento dirigido ao Senhor General Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, solicitando, nos termos da Art.º 411.º do Código de Justiça Militar, o fornecimento de cópias de diversos documentos, constantes de uma grande lista, também incluída no citado requerimento. A consulta dos documentos destinava-se à organização e devida fundamentação da defesa e desde já das novas declarações que for autorizado a prestar no corpo de delito e era essencial para o exercício do direito de defesa.

O despacho de 2 de Agosto de 1973, do Sr. General Comandante-Chefe, foi do seguinte teor:
“Forneçam-se os elementos solicitados com os seguintes condicionamentos:
- Os documentos classificados devem ser entregues ao oficial de polícia judiciária militar para serem apensos ao auto de corpo de delito, devendo o Major Coutinho e Lima deles tomar conhecimento através daquele oficial.
- O relatório e elementos relativos à operação “Ametista Real”, não devem ser fornecidos por não dizerem respeito aos factos que estão na origem do auto de corpo de delito.
- A documentação solicitada que não se encontre já elaborada ou não tenha sido difundida pelas repartições, não deve ser fornecida por estar fora das atribuições das repartições a sua elaboração, mormente numa situação de manifesta carência de pessoal.
- Os documentos classificados já apensos ao corpo de delito, como é óbvio, não devem ser fornecidos.”

Em 08AGO73, o Sr. Chefe de Estado-Maior do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, através de uma guia de entrega, enviou ao Sr. Oficial da Polícia Judiciária Militar (PJM), Sr. Brigadeiro Leitão Marques, 124 documentos, para serem juntos ao auto do corpo de delito, o que aconteceu em 10AGO73.

O Sr. Oficial Da PJM – Sr. Brigadeiro Leitão Marques, nem sequer cumpriu o que o Sr. General Comandante-Chefe determinara : “...Os documentos classificados... devendo o Major Coutinho e Lima deles tomar conhecimento através daquele oficial.” Foi mais uma prepotência que o Sr. Brigadeiro entendeu tomar. De facto, não me foi dado conhecimento do documento referido (se o tivesse lido nessa altura, não deixaria de fazer mais um requerimento, em termos contundentes, como se impunha, a solicitar explicações sobre o assunto.

O Extracto do Relatório de Interrogatório n.º 108, transcrito atrás, era o n.º 105 da lista de entrega referida. Não se percebe que, tal documento, altamente comprometedor para o Comando-Chefe e seu Estado-Maior, pelas razões indicadas nos comentários que fiz sobre o seu conteúdo, tenha sido junto ao processo. Em minha opinião isso aconteceu, pela forma negligente como foi elaborado o auto o corpo de delito, pois, nem o Sr. Chefe do Estado-Maior Int.º, Sr. Tenente-Coronel do CEM do CTIG, António Hermínio de Sousa Monteny, (que autenticou a cópia daquele documento), nem o Sr. Chefe do Estado-Maior do Comando-Chefe (que assinou a guia de entrega), nem o Sr. Oficial da PJM (que ordenou a sua junção após autos), se devem ter apercebido do seu conteúdo; se alguma das entidades indicadas o tivesse feito, seguramente teria sido retirado daquela lista de 124 documentos. Ainda bem que assim aconteceu, porque, em caso contrário, tal documento não seria conhecido.

Com efeito, se eu tivesse sido julgado (e isso não aconteceu, apenas por ter sucedido o 25 de Abril de 1974), o meu Advogado, Sr. Dr. Manuel João da Palma Carlos, (que se deslocou a Bissau), requereu em 18 de Fevereiro de 1974 autorização para consultar o processo (o que foi autorizado), seguramente tomou conhecimento do já referido “Relatório de Interrogatório” e no julgamento não deixaria de exigir explicações sobre o conteúdo do mesmo, o que causaria grande desconforto ao Comando-Chefe e seu Estado-Maior, que seriam responsabilizados pelo que não fizeram (e deviam ter feito), no que ao tal documento dizia respeito.

Do mesmo modo se pode entender a amnistia, que permitiu o arquivo do um processo e poderia não ter sido, bastando por exemplo limitar a sua aplicação a crimes cuja moldura penal não excedesse 2 anos de prisão.


2.2 - Reunião de Comandos realizada em 15MAI73

Em 15MAI73, realizou-se no Quartel-General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, uma Reunião de Comandos, presidida pelo Sr. Comandante-Chefe, Sr. General ANTÓNIO DE SPÍNOLA, estando presentes o Sr. Comandante-Adjunto Operacional, Sr. Brigadeiro LEITÃO MARQUES (viria pouco tempo depois a ser nomeado Oficial da Polícia Judiciária Militar, encarregado de me instaurar auto de corpo de delito, na sequência da Retirada de Guileje), Senhores Comandantes-Adjuntos, Comodoro ANTÓNIO HORTA GALVÃO DE ALMEIDA BRANDÃO, Comandante da Defesa Marítima da Guiné); Brigadeiro ALBERTO DA SILVA BANAZOL, Comandante Territorial Independente da Guiné; Coronel Piloto Aviador GUALDINO MOURA PINTO, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné. Tomaram igualmente parte na reunião, o Chefe do Estado-Maior do Comando-Chefe, Coronel do Corpo de Estado-Maior (CEM) HUGO RODRIGUES DA SILVA e os Chefes das Repartições de Informações e Operações do QG do Comando-Chefe, respectivamente, Tenente-Coronel de Infantaria ARTUR BATISTA BEIRÃO e Tenente-Coronel do CEM MÁRIO MARTINS PINTO DE ALMEIDA.

Nos trabalhos de pesquisa para escrever o meu livro A RETIRADA DE GUILEJE, encontrei, no Arquivo Histórico-Militar do Exército, a ACTA dessa Reunião de Comandos, com 62 páginas. Dessa acta, transcrevo o que considero mais significativo, no que se relaciona com Guileje.

- Da intervenção do Sr. Comandante-Adjunto Operacional, Sr. Brigadeiro LEITÃO MARQUES:

“[...]
No mínimo, e disso não restam quaisquer dúvidas, o In está a preparar as necessárias condições para conquista e destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldade de acesso (GUIDAGE, BURUNTUMA, GUILEJE, GADAMAEL, etc), a fim de obter os êxitos indispensáveis à sua propaganda internacional e manobra psicológica – isto está já ao alcance das suas possibilidades militares. Quanto às vantagens para manobra psicológica In, não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa. A dar-se este facto e aceitando que a orientação comunista prevalecerá, tal elemento será aproveitado ao máximo para desmoralizar a retaguarda e manter-se-á até serem atingidos os objectivos finais em todas as PU. Assisti ao pressionamento psicológico do povo americano por causa dos seus prisioneiros no Vietnam.do Norte durante quatro anos; e senti em toda a sua profundidade o efeito desmoralizador desse pressionamento, o qual, em larga medida, juntamente com o elemento económico, levou à agitação interna das massas e à capitulação, apesar de todo o poderio militar americano.

O que acontecerá se tivermos de enfrentar situação semelhante? ...O In não perderá a oportunidade e tem experiência técnica para a aproveitar ao máximo. É aqui na Guiné onde o problema é mais agudo e o In sabe isso; o seu esforço será aqui realizado.
[...]”

(Nota – os sublinhados são meus).

- Da intervenção do Sr. Chefe da Repartição de Informações (REP/INFO), Sr. Ten-Cor. de Inf.ª BATISTA BEIRÃO:

“Na ZONA SUL, ...o In ameaça directamente as guarnições de GADAMAEL e GUILEJE a partir da REP GUINÉ, para o que concentrou meio sobre a fronteira dentre os quais se destacam os carros de combate referenciados em KANDIAFARA, a cuja acção aquelas guarnições se apresentam particularmente expostas.
[...]
No imediato, julga-se que o IN:
[...]
- intente uma acção de tipo convencional com carros de combate contra GADAMAEL, GUILEJE e/ou BURUNTUMA, tirando partido da vulnerabilidade destes pontos a esse tipo de acções e visando o aniquilamento ou captura das guarnições.
[...]
Num futuro próximo, prevê-se ainda que o In....
- tente a eliminação sistemática das guarnições mais expostas sobre a fronteira, em acções de tipo convencional.
[...]
Resta referir, a finalizar, que o quadro dispersivo do largo potencial referenciado e a elevada capacidade de manobra do In não permitem, como se desejaria, uma melhor objectivação do esforço do In atenta a fluidez com que se revelam e o quadro geral que se desenha; e apenas pode concluir-se por uma situação na qual todo o TO, sem qualquer exclusão, acaba por constituir uma vasta zona de preocupação, na qual dificilmente se podem, de momento, visualizar priorizações.”

(Nota – os sublinhados são meus)

Este último parágrafo é incoerente com o que consta nas transcrições anteriores. Vamos ver se nos entendemos: se não se podem visualizar priorizações, como se afirma as intenções do In , no imediato e num futuro próximo?

- Da intervenção do Sr. Chefe da Repartição de Operações (REP/OPER), Sr. Ten-Cor. do CEM – PINTO DE ALMEIDA

“...Assim, considera-se essencial:

a. reforçar os efectivos das guarnições mais isoladas ou às quais o In tem maior facilidade de impedir a chegada de reforços, em particular as situadas sob a fronteira.

Para este reforço computam-se as necessidades em:
Sector Sul... 3 Companhias
[...]

3. ...Se não forem concedidos os reforços solicitados... julga-se que será necessário remodelar o dispositivo, reforçando guarnições que sob o ponto de vista militar se consideram essenciais...”

Certamente que o Sr. Chefe da REP/OPER, de acordo com as transcrições feitas, tinha em mente, entre outras, a guarnição de Guileje.

3. - O que se esperava que o Comando-Chefe fizesse, (face ao constante na Acta da Reunião de Comandos de 15MAI73)

Considerando as intervenções:

- Do Sr. Brigadeiro Leitão Marques:
“ ... o In está a preparar as necessárias condições para conquista e destruição de ...Guileje ...Isto está já ao alcance das suas possibilidades militares...”

- Do Sr. Chefe da REP/INFO:
No imediato, julga-se que o IN:
[...]
“- intente uma acção de tipo convencional com carros de combate contra ...GUILEJE... visando o aniquilamento ou captura da guarnição...”

- Do Sr. Chefe da REP/OPER:
“a. reforçar os efectivos das guarnições mais isoladas ou às quais o In tem maior facilidade de impedir a chegada de reforços, em particular as situadas sob a fronteira.”

O Comando-Chefe, ao constatar, em 18MAI73, quando o IN iniciou as flagelações a Guileje, que se concretizava a sua intenção de um ataque em força, que conhecia desde 27DEZ72 (Relatório de Interrogatório n.º 108, referido atrás), deveria, de imediato accionar o conveniente reforço da guarnição de Guileje , conforme preconizara o Sr. Chefe da REP/OPER.E não se argumente que o Comando-Chefe não tinha meios para reforçar o COP 5, porque se assim fosse revelava uma incompetência total.

Para accionar o reforço imediato, dispunha da Companhia de Paraquedistas n.º 121, que segundo as declarações do Sr. Chefe da REP/OPER, (quando ouvido como testemunha em 27AGO73), “encontrava-se em Bissau em descanso”, desde 20ABR73. Esta Companhia podia embarcar na noite de 18MAI, chegando a Gadamael na manhã do dia 19 e a Guileje no mesmo dia. Esteve a reforçar Guidage, desde 23 a 30MAI (mesma informação do Chefe da REP/OPER); possivelmente não seguiu para Guileje, porque já estava “prometida” ao COP 3 (Guidage)!... Além disso, estavam na Península do Cantanhez, outras 2 Companhias de Paraquedistas que, com facilidade poderiam deslocar-se directamente, por terra, para Guileje; estas Companhias foram mais tarde reforçar Gadamael. Não tenho a certeza de que se o COP 5 tivesse sido reforçado, em tempo oportuno, isso resolveria o problema. Não tenho qualquer dúvida que, se esse reforço tivesse sido accionado, não teria decidido a retirada.

O não reforço só poderá entender-se, com grande esforço de boa vontade, se o Sr. Chefe da REP/OPER, estivesse à espera das 3 Companhias, vindas da Metrópole, para reforçar o Sector Sul. Se foi assim, bem podia esperar sentado...

O Sr. Comandante-Chefe decidiu deixar à sua sorte a guarnição de Guileje, demonstrando total insensibilidade, relativamente a centenas de pessoas, cujas vidas estavam em perigo e desresponsabilizou-se da sua obrigação, passando toda a responsabilidade para o Comandante do COP 5, que teve que decidir o que fazer.


3. - Conclusão

O teor do Documento de Interrogatório n.º 108 (27 de Dezembro de 1972) e da Acta da Reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973 reforçam a justeza da minha decisão.

Oportunamente farei uma reflexão escrita do que teria acontecido, se a minha decisão tivesse sido esperar pela chegada do Sr. Coronel Paraquedista, RAFAEL DURÃO, novo Comandante do COP 5.

Quando regressei a Guileje, em 21 de Maio de 1973, de regresso de Bissau, onde expus ao Sr. Comandante-Chefe a necessidade de reforço de uma Companhia de Tropa Especial (já solicitado por mensagem) e face à situação encontrada, fiquei perante a oportunidade, mas também a grande responsabilidade de ter que decidir sobre o destino de centenas de vidas humanas (militares e civis).

Ciente das consequências que me esperavam, com incidências imediatas para minha vida militar, não hesitei decidir a retirada, de todo o pessoal que estava em Guileje. Pela minha ousadia paguei um preço bem caro, (um ano de prisão preventiva), mas VALEU A PENA.

A responsabilidade material da retirada foi minha, mas a responsabilidade moral foi do Sr. Comandante-Chefe, Sr. General Spínola (o Comandante é sempre o responsável por tudo que se faz ou deixa de fazer) e do seu Estado-Maior.

Alexandre da Costa Coutinho Lima
(Coronel de Artilharia Reformado
Único Comandante do COP 5, em Guileje)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 31 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17919: Dossiê Guileje / Gadamael (30): O Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné e a Retirada de Guileje (2) (Coutinho e Lima)