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quarta-feira, 17 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21085: Blogoterapia (295): O Covid-19 e os mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)



1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 14 de Junho de 2019:


O COVID- 19 E OS MÍSSEIS STRELA

O que terá a ver uma coisa com a outra? Aparentemente nada. Mas se pensarmos um pouco mais friamente conseguimos encontrar algumas semelhanças nas mudanças que ambos provocaram. Nós, os que vivemos aquele tempo na Guiné temos ainda bem presente as alterações com que durante algum tempo tivemos de conviver.

Se agora para enfrentar o COVID-19 tivemos que ter todos os cuidados, entre eles o confinamento, que para a nossa geração do ponto de vista emocional não ajuda mesmo nada, com a agravante de não se saber até quando…

Os Strela quando apareceram também levou alguns dias a saber o que era. Se os primeiros a sofrer as consequências foram os pilotos que, neste caso, eram como que a linha da frente, os guarda-costas daqueles que em terra, muitas vezes necessitavam da sua ajuda. Durante algum tempo essa ajuda da forma que acontecia antes dos Strela deixou de acontecer, pelo que todos sofremos se não fisicamente, do ponto de vista mental foi terrível. Uns mais que outros… a minha companhia teve um desses exemplos, uma mina anti-carro acionada por uma viatura a poucos metros do arame, de um dos sítios onde nós estávamos, fez quatro feridos, alguns com gravidade, estiveram cerca de três horas à espera que os viessem buscar no local onde os hélis normalmente desciam quando lá paravam. E nós ali à espera de os ver chegar, mas eles não apareceram.

Mesmo para quem não viveu situações assim será fácil de “ver” qual o sentimento de raiva e revolta que se apoderou de nós. Ao fim daquele tempo de espera foi necessário levar os feridos até Cufar, pelo rio, para além do nosso pessoal com os três sintex que tínhamos na companhia, participaram também os fuzileiros que estava no Xugué. Era já noite quando um avião aterrou na pista para os levar para o hospital. Foi terrível a marca que esse acontecimento nos deixou… a conversa do momento era qual de nós será o próximo?... A partir daí a força aérea continuou a andar por lá, mas de forma diferente, antes dos strela durante os bombardeamentos desciam quase junto às árvores. Depois do aparecimento dos Strela, pelo menos naquela zona, passaram a ser feitos a grande altitude, comparando com o que era antes

Também o COVID-19 fez alterar o nosso comportamento. Era o que menos desejávamos. Com a idade que temos e ter por perto a sombra invisível do maldito vírus que nunca se sabe por onde se encontra. Acabou por alterar o comportamento das pessoas a nível mundial. Falando de nós portugueses, será que alguém alguma vez terá pensado que para ir à farmácia, ao restaurante, ao hospital, ao banco etc, tinha de ir de máscara e esperar à porta autorização para entrar?…

Será que os humanos vão interiorizar o que tem estado e ainda continua a acontecer. Ou vão continuar a pensar em chegar a Marte e a outros sítios… e quando confrontados com um COVID ficam de quarentena sem saber muito bem o que fazer.
Seria certamente o tempo indicado para refletirmos, e já agora, para termos a noção da nossa dimensão na terra…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20776: Blogoterapia (294): A mente, de quando em vez, leva-nos a sítios onde já não queríamos ir... (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

Restos do Fiat G91-R4 nº 5419, atingido por um míssil Strela, à vertical de Madina do Boé, no dia 28 de Março de 1973. Era pilotado pelo comandante Almeida Brito (1933-1973). Na foto vêem-se guerrilheiros do PAIGC examinando os destroços.


A notícia da queda do Fiat G-91, pilotado pelo Ten Cor Pilav Almeida Brito, comandante do Grupo Operacional 1201, da BA 12, em Bissalanca. Diário de Notícias, 31/3/73.

Imagens: Cortesia do blogue do Victor Barata > Especialistas da BA12, Guiné 65/74 > Terça-feira, 31 de Julho de 2007 > Ten Cor Pilav Almeida Brito: Única vitíma mortal do Strela, por Arnaldo Sousa

O Comandante Almeida Brito tinha nascido em 1933 e concluído em 1953 o curso de aeronáutica militar na Escola do Exército (antecessora da Academia Militar). O seu desaparecimento (o corpo nunca chegriara a ser encontrado) causou profunda consternação na BA12 e em Bissau, onde era um militar muito conceituado e muito querido entre os seus subordinadas e amigos.


Imagem do míssil russo SA-7 Grail (designação da NATO).

Fonte: Wikipedia, the free enciclopedia > Strela 2 (imagem copyleft)


I. Mensagem, com data de 2 do corrente, enviada pelo nosso amigo e camarada Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav (Bissalanca, BA12, 1972/74), hoje Cor Pilav Ref.


Caro Luís

Na sequência das linhas que te enviei sobre os mísseis Strela na Guiné, e tendo conhecimento de um texto rigoroso sobre o assunto elaborado já há uns anos, mas nunca publicado, achei por bem falar com o seu autor, o então Comandante da Esq 121 (Fiats G-91, T-6 e Do-27), (à data Capitão) Pinto Ferreira, solicitando-lhe autorização para enviar o referido texto para publicação nesse blogue.

Para além do rigor da informação nele contida (o autor teve a amabilidade de o enviar a pilotos que voaram nessa época na Guiné, para eventuais correcções), parece-me importante dar a conhecer aos frequentadores do blogue um resumo fidedigno do que realmente sucedeu e corrigir de vez o que sobre esta matéria se tem escrito incorrectamente.

Dada a anuência do autor do texto, aqui segue a informação, achando eu que deve ser dado o devido crédito a quem, pelas funções que desempenhava na época e o conhecimento profundo dos eventos relatados (porque esteve lá na maioria deles), merece toda a credibilidade.

Um abraço fraterno
Miguel Pessoa



II. A INTRODUÇÃO DO 'STRELA' (*) NA GUINÉ
por José Manuel Pinto Ferreia (Ten Cor Pilav Ref)


1. O primeiro míssil Strela foi mais sentido que visto quando uma parelha de Fiats G-91, pilotada pelos Ten Cor Brito e Ten Pessoa, executava uma missão junto à fronteira norte, em Campada – S. Domingos, no dia 20 de Março de 1973. O míssil passou entre os dois aviões sem atingir nenhum deles, mas tão próximo que o Ten Cor Brito sentiu o impacto da onda de choque do míssil.

Como era habitual sempre que um avião era alvejado, seguindo o rasto de fumo deixado, os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo o local de onde tinha sido feito o disparo, utilizando o armamento de que dispunham (bombas, 2 x 200Kg e 4 x 50Kg cada avião), com os parâmetros de tiro habituais naquela época (3000 a 4000' de altitude), o que poderia ter sido fatal para aqueles pilotos. No entanto não se verificou resposta por parte do IN.

A pedido do chefe da formação o segundo avião observou o exterior do outro, tentando detectar sinais de algum impacto, não tendo no entanto verificado qualquer anomalia. Os aviões regressaram à Base sem mais incidentes.

2. O segundo míssil, agora já detectado visualmente em 22 de Março de 1973, foi disparado contra um DO-27, pilotado pelo Fur Moreira, o qual se encontrava empenhado a fazer o Sector de Bigene. O piloto voava na área de Bigene e, pensando que se tratava de um disparo de RPG, como era habitual quando alguma aeronave era alvejada, pediu ao Centro de Operações Aéreas na BA12 que enviasse para o local a parelha de Fiats de alerta.

A parelha de alerta, armada com foguetes e metralhadoras, descolou para Norte enquanto o DO-27 se mantinha na área. Os dois pilotos dos G-91 eram os Ten António Matos e Lourenço Marques.

Quando chegaram ao local o Fur Moreira indicou o local do disparo como sendo na margem de uma mata, que corria para norte. Indicou também o local onde o tiro tinha caído, que ainda fumegava e que distava do ponto de disparo cerca de 1,5Km. A distância pareceu logo demasiado grande para um tiro de RPG porque o alcance máximo era de 400 metros.

Os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo a orla da mata, de Sul para Norte. Neste circuito o nº 1 saía para a esquerda e o nº 2 para a direita.

Entretanto são verificados dois novos disparos, que não passam perto dos aviões, mas mais uma vez com um grande rasto de fumo e também com grande alcance. Mesmo assim, a surpresa continuou a funcionar, não tendo ocorrido a nenhum dos pilotos que se pudesse tratar de um míssil.

Perante esta reacção do inimigo e porque entretanto ambos os aviões tinham esgotado o armamento, o nº 1 decidiu pedir mais dois aviões, desta feita armados com bombas, 2 x 200 Kg e 4 x 50 Kg.

O nº 1 desta parelha não chegou a descolar, pelo que só saiu o nº 2 que era o Comandante da Esquadra, Cap Pinto Ferreira.

Chegado à zona recebe indicações da parelha anterior e inicia o bombardeamento. À saída do 3º passe de bombas, e já quando passava pelos 5.000 pés [, c. 1500 m], observou, vindo da sua direita, um longo rasto de um míssil em rápida aproximação ao seu avião.

Submetendo o avião aos "Gs" que a velocidade permitia, de imediato sentiu um forte impacto no avião, o que o levou a considerar ter sido atingido. No entanto, sem indicação na cabina de quaisquer danos, rumou em direcção à Base. Os outros dois aviões seguiram-no.

O Cap Pinto Ferreira aterra o G-91 em Bissau, constatando-se então não ter sido atingido por qualquer estilhaço.

Mais uma vez, um míssil passou demasiado perto e o que o piloto sentiu foi a onda de choque.

3. O terceiro Strela atingiu o avião do Tem Pessoa, em 25 de Março de 1973.

Sobrevoando o corredor do Guileje a 1.000' (300 metros) de altitude para se furtar ao fogo das metralhadoras antiaéreas instaladas na Guiné-Conakry, numa missão de apoio ao quartel do Guileje, o avião do Ten Pessoa é o primeiro a sofrer o impacto directo do míssil:

"Fui atingido na parte traseira do avião, fiquei sem motor e depois sem comandos, e deu-me a sensação de que não teria sido uma bateria antiaérea. A minha preocupação, quando senti o impacto e a perda do motor, foi tentar pôr o motor a trabalhar normalmente, com a esperança de fazer uma ignição de emergência. Procurei o aquartelamento a que eu estava a fazer apoio de fogo, com vista à ejecção".

O Ten Pessoa acabou por perder o domínio do avião. Sem motor e sem comandos, sentindo o Fiat afundar-se rapidamente, decidiu ejectar-se. Como voava muito baixo, o pára-quedas não abriu completamente, mas a vegetação travou-lhe a queda, depositando-o no chão com uma perna partida.

Assim que se restabeleceu do choque, começou a procurar um local donde pudesse disparar, relativamente abrigado das vistas do inimigo, a pistola de sinais que lhe permitiria ser localizado pelos aviões. Avaliando rapidamente as circunstâncias em que fora abatido, concluiu que devia estar próximo do aquartelamento de Guileje, e conseguiu determinar mesmo, e acertadamente, em que direcção ele se encontrava. Arrastou-se ainda, a muito custo, algumas centenas de metros, mas não conseguiu alcançá-­lo, como era seu desejo.

Os guerrilheiros não se devem ter apercebido de que o piloto se tinha ejectado, pois a ejecção foi executada a muito baixa altitude. No decurso da noite, que passou dissimulado no meio da folhagem, Pessoa não detectou qualquer movimentação do inimigo nas cercanias.

Apenas no dia seguinte, quando os helicópteros e os aviões começaram a voar na zona, é que eles poderão ter suspeitado da existência de pessoal militar no terreno. Mas quando tentaram localizar o piloto, já era tarde: pelas onze horas do dia 26 de Março de 1973, um grupo integrando elementos das Operações Especiais e de pára-quedistas do BCP12, depois de o localizar, transportou-o para um helicóptero onde a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes lhe prestou os primeiros socorros e o assistiu na sua evacuação para o Hospital Militar de Bissau. A heli-recuperação do Ten Pessoa esteve longe de ser pacífica, tendo sido feitos disparos de mísseis contra os aviões de apoio à operação, nomeadamente a um T6 do Fur Carvalho, mas não causando estragos.

4. Três dias mais tarde, a 28 de Março de 1973, o Comandante do Grupo, Ten Cor Brito, não teve a mesma sorte da primeira vez em que fora alvejado, juntamente com o Ten Pessoa, sendo atingido à vertical de Madina do Boé, por um míssil que provocou a explosão do seu avião.

Por volta das 12H00, o Centro de Operações informara que, segundo a DGS, estaria em curso uma reunião de altos quadros do PAIGC, em Madina do Boé, considerada a capital do território independente da região abandonada em 1969 pelas nossas Forças Terrestres (todo o sul do rio Corubal).

Embora se suspeitasse de uma armadilha, foi tomada a decisão de se fazer um reconhecimento visual da zona, a baixa altitude, pelo que foi accionada a parelha de alerta, constituída pelos Ten Cor Brito e Cap Pinto Ferreira.

Chegados à área, a parelha comandada pelo Ten Cor Brito percorre para sul a estrada que vai até à base do PAIGC na Guiné Conacri, conhecida por Kamberra, a baixa altitude, o que permitiu observar um cenário de viaturas militares destruídas, desde a altura em que o Exército abandonou aquela região. Não se verificou qualquer reacção do inimigo, mesmo quando sobrevoam Kamberra .

Atingida a fronteira sul, os aviões rumam a norte em direcção a Madina do Boé. À vertical daquela posição, o nº 2 da formação, Cap Pinto Ferreira, a voar a cerca de 500 pés [, c. 150 m,] sobre o terreno, é surpreendido pela explosão do avião do Ten Cor Brito - que voava um pouco mais alto á sua frente - atingido por um Strela.

O IN lança outro míssil para o nº 2, que graças a manobras evasivas (mais de 3 "G, s") e à baixa altitude, não é atingido.

De regresso à Base e reunidos os mais altos responsáveis do Comando da Região Aérea e do Q.G., foi decidido não voltar àquele local para a recuperação do corpo do Ten Cor Almeida Brito, apesar de haver voluntários para a operação.

Naturalmente que a perda do líder do Grupo Operacional da Guiné causou grande perturbação nos pilotos, na sua maioria jovens pilotos.

5. Em 6 de Abril de 1973, agora no Norte do território da Guiné, a fortuna foi ainda mais madrasta para o Grupo Operacional 1201 da Guiné. Nesse dia, muito cedo, um DO-27 pilotado pelo Furriel Baltazar da Silva partiu de Bissalanca para uma missão de apoio a um sector de Batalhão, a norte do rio Cacheu. Numa das movimentações, transportando um médico e um sargento de Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao destino.

Tendo-se perdido o contacto com aquele avião, de Bissalanca descolaram meios aéreos para tentar localizá-lo e, quase em simultâneo, descolou outro DO-27 incumbido de proceder a uma evacuação sanitária pedida pelo aquartelamento do Guidaje. O avião era pilotado pelo Fur Carvalho e levava a bordo a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes.

Também este avião não chegaria ao seu destino: alvejado por
um míssil Strela, que o não alcançou por muito pouco, os comandos
do DO-27 ficaram tão danificados pela acção da onda de choque, que teve de regressar à base de origem. [Giselda Antunes e Miguel Pessoa vieram a casar mais tarde, tornando-se, com toda a probabilidade, num casal único em todo o mundo: ambos foram alvejados por mísseis terra-ar Strela, e escaparam os dois à morte.]

Entretanto, para substituir o avião danificado partiu de Bissalanca outro DO-27, pilotado pelo Fur António Carvalho Ferreira.

Tendo embarcado em Bigene o Major Mariz, comandante do Batalhão ali estacionado, este avião aterrou por fim em Guidaje, donde descolou mais tarde com quatro pessoas a bordo: o piloto, o major, um militar ferido e um enfermeiro para o assistir durante a viagem para Bissau. Apenas se sabe que, dadas as características da pista, descolou para norte, entrando por território do Senegal. Nunca mais foi visto!

O primeiro DO-27 desaparecido acabou por ser localizado algures no mato, entre Bigene e Guidaje. Transportado de imediato para o local em helicópteros, um pelotão de pára-quedistas limitou-se a constatar a morte dos quatro ocupantes. Nessa altura, voando na área em protecção da acção terrestre, o T-6 do major Mantovani foi abatido por outro míssil Strela, tendo o piloto morrido na queda do aparelho.

Manuel dos Santos, o homem que chefiara o grupo do PAIGC enviado à União Soviética para aprender a operar os mísseis, e que então acumulava as funções de comissário político da Frente Norte com as de comandante dos mísseis em todo o território, podia dar-se por satisfeito: naquelas poucas semanas do primeiro semestre de 1973, os seus homens desferiram um duro golpe na capacidade operacional do inimigo.

6. O último avião a ser abatido por um Strela, antes da independência, teve lugar 9 meses depois, em 31 de Janeiro de 1974, numa missão de apoio próximo ao quartel de Canquelifá, no leste da Guiné; a parelha de Fiats era constituída pelos Ten Cor Vasquez e Ten Gil.

O avião do Ten Gil foi atingido ao fim do dia, durante a recuperação de um passe de bombas (a cerca de 7.000'), eventualmente feito sem a necessária aceleração, entrando assim no envelope do míssil.

O piloto ejectou-se, conseguido fugir para Norte, passando a noite para lá da fronteira com o Senegal. Ao amanhecer, iniciou uma caminhada para sul, a fim de tentar encontrar a estrada Nova Lamego – Buruntuma.

Entretanto, estavam já na zona os meios de busca e salvamento, constituídos por um DO-27 e Pára-quedistas transportados em ALIII, bem como uma parelha de Fiats em alerta, estacionada em Nova Lamego, com o Cap Pinto Ferreira e o Ten Matos.

O Ten Gil avistou os aviões que o procuravam, só que, quando tal aconteceu, já se encontrava demasiado a Sul (que jeito teria feito um rádio... - só apareceram uns meses depois) ; continuou a andar e, cansado e cheio de sede, resolveu entrar numa tabanca onde pediu água.

Foi recebido de um modo amistoso, deram-lhe água e laranjas, o que o levou a oferecer 1000 Pesos, a quem o levasse a um quartel da tropa. À vista de tal quantia, foi o próprio homem grande da tabanca que, pegando na sua bicicleta, o levou ao posto da tropa mais próximo - Dunane, situado na estrada Piche-Canquelifá.

Aí chegados e como os militares eram todos africanos, o piloto pediu que o levassem até um quartel com militares brancos, o que fez o homem grande pedalar rijo até Piche.

Foi desse posto avançado FT que, cerca das 17:00 e via rádio, informaram os Fiats que o "Papá Índia Lima Oscar Tango Oscar ia para (as duas letras do indicativo de Piche) de Bravo Índia Charlie Índia Charlie Lima Echo Tango Alfa".

Chegado a Piche, o Ten Gil pagou a dívida ao homem grande e foi transportado no Dakota para Bissau, onde chegou cerca das 23H00.

Devido aos excessos da comemoração acabou a noite no Hospital de Bissau; aí chegado, e como não houvesse camas disponíveis, foi obrigado a dormir na área da Psiquiatria; o enfermeiro, que entretanto entrara de serviço, como o viu demasiado agitado (era do chagrin ...) e estando na área dos PSICOS, resolveu amarrá-lo à cama, donde só muito mais tarde se conseguiu libertar.

Regressou à Base na manhã de 2 Fevereiro, sem mais problemas.

7. Em síntese, o sucesso inicial do PAIGC, teve como principal origem a falta de informações sobre o sistema do míssil, seu envelope e capacidades, que deveriam ter sido antecipadas aos operadores daquele teatro de operações. Recorde-se que, o Strela ou SAM 7, era já bem conhecido da guerra do Vietname.

Foi preciso perderem-se 6 aviões e 4 pilotos, para se passar a operar com contra-medidas adequadas, o que permitiu não ter mais perdas durante cerca de 9 meses.

Refira-se que o PAIGC continuou a utilizar o Strela na Guiné, evoluindo para mísseis mais sofisticados, em que desapareceu o rasto de fumo que, no início, permitia o avião aperceber-se da sua aproximação supersónica, passando mais tarde a ser possível vislumbrar apenas um foco de luz, proveniente da cabeça do míssil.

Assim, a partir de Abril de 1973, na zona do objectivo o Fiat G-91 passou a manobrar por forma a manter um mínimo de 3 a 4 Gs e a retaliar de forma intensiva , com bombas de 750 libras, sempre que era lançado um míssil.

Este tipo de armamento, chegou a ser utilizado no apoio próximo a aquartelamentos na fronteira, caso do Guidaje onde foram largadas bombas de 750 libras no arame farpado! Aliás este aquartelamento deixou de ser abastecido por terra, uma vez que as colunas militares não conseguiam passar. Ao ponto de uma coluna de veículos militares, carregados de armamento e explosivos, ter sido emboscada e abandonada pelo nossas FT, e ter sido dada a ordem ao Cap Pinto Ferreira, para bombardear e destruir a referida coluna, o que foi feito.

Diga-se, em abono da verdade, que o apoio próximo habitual às tropas no terreno, com o DO-27 a fazer PCV com foguetes e o T-6 no acompanhamento das colunas no seu trajecto, deixou ser exequível. O DO-27 ficou limitado às evacuações e o T-6 foi abolido. Os Fiats e os Helicópteros, com contra-medidas adequadas, continuaram a cumprir as suas missões.

José Manuel Pinto Ferreira


III. Comentário de L.G.:

Caro Miguel: Como já tive ocasião de to dizer, por mail e pessoalmente, é um honra podermos publicar o texto do teu e nosso camarada Pinto Ferreira, enriquecido com as tuas notas de rodapé. Obrigado pela tua generosidade e paciência. Os vossos contributos são importantes para o esclarecimento de muitas coisas da história da guerra colonial na Guiné, sobre as quais falamos (e escrevemos), às vezes, com muita ligeireza... e ignorância.

Como já te apercebeste, o nosso blogue não tem nenhum bandeira, a não ser a da camadaragem e da verdade. Somos um blogue de memórias e de afectos. Quero que os camaradas da FAP se sintam aqui tão confortáveis como os outros, do Exército e da Marinha. Este é um bom espaço para publicar, os nossos escritos, os nossos documentos, as nossas fotos... Estamos a caminho de um milhão de páginas visitadas... Saúdo o Pinto Ferreira e convido-o a sentar-se também connosco à volta do poilão... Como eu costumo dizer, a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas... Obrigado, Pinto Ferreira, obrigado, Miguel Pessoa.

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P.S. Uma nota de rodapé preparada, não pelo autor do texto anterior, mas por mim (**), com base no conhecimento que ao longo destes episódios fui (fomos) adquirindo:

a. Desde o seu aparecimento em 20 de Março de 1973, até à saída da Força Aérea do território da Guiné, foram assinalados quase 60 disparos de mísseis SAM-7 Strela, tendo o último sido registado já depois de 25 de Abril de 1974, contra um AL-III (Alf Cruz Dias?) que cruzava o rio Tombali na zona da Pobreza, embora sem danos para o helicóptero.

b. As ondas de choque sentidas pelos aviões eram derivadas da velocidade atingida pelo míssil, que rondava Mach 1,5 (1,5 vezes a velocidade do som), provocando no seu percurso uma onda de choque que podia ser sentida pelos aviões quando o míssil passava "a raspar".

c. Por sua vez os mísseis tinham um alcance de 11.000'/12.000' [c. 3300 / 3600 m], o que, por não poderem ser lançados na vertical, permitia supor que uma altitude de 10.000' seria segura para cruzar os céus da Guiné - método seguido pelos DO-27 e pelos "aviões da pesada" nas deslocações longas, bem como pelos Fiat G-91 nos percursos para e no regresso da zona de operação (o Fiat G-91 passava com relativa facilidade dessa altitude para baixas altitudes). Já o AL-III, assim como o DO-27 em percursos curtos, faziam as suas deslocações a baixa altitude, de modo a evitar o míssil (que, disparado com um ângulo pequeno em relação ao horizonte, podia ser atraído pelo calor irradiado pelo terreno, falhando o alvo).

d. Da experiência recolhida pelos pilotos de Fiat G-91 no seu contacto com o Strela, verificou-se por mais que uma vez, que os mísseis passavam (ou acertaram, no caso de 31JAN74) pelo avião alvejado a uma altitude entre os 4.000' e os 7.000' (1.300 a 2.300 metros), em situações de recuperação adequadas (o que significava forças de 5 a 6 G's em volta).

e. Em todo o conflito o Fiat G-91 nunca foi equipado com sistemas passivos ou activos de defesa contra este tipo de armamento do PAIGC. Como já foi referido no texto anterior, as contra-medidas tomadas foram, fundamentalmente, a utilização de novos parâmetros de voo, a vigilância mútua das aeronaves nos voos de formação (de modo a detectar atempadamente qualquer disparo contra uma delas) e um maior cuidado nas recuperações dos passes (com recurso a manobras mais apertadas, nos limites de operação do Fiat G-91), de modo a evitar que o míssil conseguisse obter uma curva de perseguição adequada para o abate do avião.

(*) Míssil SAM-7, nome de código Grail, conhecido como Strela (стрела, flecha, em russo) [Vd. entrada na
Wikipédia > Strela 2]. Fui confirmar no Google, teclando SAM-7, e a designação que apresentam é STRELA. Foi assim que escrevi no texto.

(**) Miguel Pessoa (ex-Ten Pessoa, piloto de Fiat G-91 na Guiné entre NOV72 e AGO74)

Informações (ou melhor, confidências) que o Miguel Pessoa me mandou em 30 de Janeiro último sobre a sua dramática experiência nos céus (e depois no chão...) de Guileje:

(...) "De referir que o António Matos não terá chegado a ver-me nem ao avião. Nessa altura eu ainda devia estar estendido no chão, desacordado (ejectei-me baixo e o paraquedas lá foi abrindo, sendo ajudado na travagem por uma árvore de grande porte - logo havia de escolher uma mata densa para 'aterrar'...). Mesmo assim, acabei por entrar demasiado depressa pelo chão, provocando a fractura do peróneo... e a perda de consciência. Provavelmente até foi a árvore que me safou.

"Pelo que me foi contado mais tarde, a minha localização só foi conhecida próximo das 17H00, quando o Ten Cor Brito visualizou um dos meus 'very-lights' e, seguindo-lhe o rasto, conseguiu lobrigar o meu paraquedas meio metido na árvore. A verdade é que a densidade da mata não permitia aos pilotos ver o chão (nem o meu avião), nem eu conseguia ver os aviões no ar... (Mesmo os 'very-light' tinham que ser disparados enviezados, para não baterem na copa das árvores).Como te lembras, a noite cai num ápice... e bastante cedo! Daí a decisão acertada de adiar a minha recuperação para a madrugada do dia seguinte.Mas a noite que passei no Corredor do Guileje e a posterior recuperação ficam para outra vez.

E sobre o Ten Cor Brito, o Miguel Pessoa também me confidenciou o seguinte (que quero partilhar com o resto dos amigos e camaradas da Guiné, por ser também também uma pequena homenagem a um grande militar que honrou as Forças Armadas Portuguesas):

(...) "Era um piloto por quem tinha grande admiração e com quem tive algo em comum: Fomos os dois primeiros pilotos a ser alvejados por um Strela (que passou pelo meio dos nossos dois Fiats) em Campada (na fronteira norte) no dia 20 de Março; e fomos também os dois primeiros a ser abatidos por um Strela - eu em 25 e ele em 28 de Março. Infelizmente ele não teve tanta sorte como eu. Estou convencido que ele contribuiu decisivamente para eu poder estar agora aqui a enviar-te estas linhas. E isso eu não esqueço".

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Nota de L.G.:


Vd. os cinco primeiros postes desta série, FAP >
23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

5 de Fevereiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3844: FAP (5): Reflexões sobre o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (João Carlos Silva)
Vd. outros postes relacionados com o Strela no CTIG:
29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

19 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

17 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

25 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6108: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (7): Os dias da batalha de Guidaje, 22 e 23 de Maio de 1973

1. Parte VII dos dias da batalha de Guidaje, de autoria do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), enviado ao nosso Blogue em 6 de Março de 2010:




Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje



Parte VII


Daniel de Matos


Os Dias da Batalha


22 de Maio


Houve uma flagelação, curta, mas suficientemente certeira: caíram nas valas granadas de Morteiro 82, causando feridos, um deles muito grave. O pessoal já não sabe onde dormir. Faz oito dias que chegámos. Estamos fartos de viver como toupeiras, queremos ir embora a qualquer custo. Mesmo sendo conhecedores dos riscos que teremos de enfrentar pelo caminho. Se os Comandos Africanos passaram sem levar viaturas, nós também o poderemos fazer. Antes feridos ou mortos a romper o cerco do que enfiados nas tocas, como ratos. É dia de tentarmos uma vez mais ultrapassar os obstáculos, prepararmo-nos para novos confrontos, vamos romper as linhas do IN e atingir Farim, em direcção ao paraíso.

Pouco passa das sete horas e aí vamos nós, uma bicha de pirilau de cada lado das viaturas, protegendo-as de ambos os lados da picada. Somos pouco mais ou menos os mesmos da desafortunada coluna de dia 19, descontando as baixas sofridas desde então, que não são unicamente os feridos, há que acrescentar o pessoal vítima de “amoques” diversos, como ataques de paludismo e quejandos, que atiram para os bancos das viaturas de trás um bom punhado de novos inoperacionais.

Desta vez, o nosso posicionamento na coluna é mais avançado, digamos que do meio para a frente. Nota-se uma grande concentração nos olhos e no caminhar dos homens, um cuidado suplementar com a disciplina, a cada passo. O silêncio só não é total devido ao ralenti das Berliet da frente (enquanto se vai fazendo a picagem as restantes viaturas ficam para trás e mantêm os motores desligados, quando há condições de segurança aproximam-se quinhentos metros e voltam a parar). A passarada e demais habitantes da mata também se calam à nossa passagem, ou em sinal de respeito ou então como num filme de suspense, aguardando o desfecho.

Atingimos a bolanha seca do Cufeu, enorme, vamos ter que atravessar um grande descampado e, do nosso lado, não se vislumbra um único refúgio em que possamos abrigar-nos, caso isto dê para o torto. Fazemos um compasso de espera, sempre de olhos no chão que pisamos e na linha do horizonte, e os homens da frente progridem umas dezenas de metros com todas as cautelas, como que a apalpar o terreno. Nada acontece e são mandadas avançar as duas Berliet, que como é costume na função de rebenta-minas, apenas levam os condutores e sacos e mais sacos de areia, no chassis, sobre os pára-choques, em toda a parte.

Olhamos uns para os outros, parece até que sorrimos, como que a dizer “é desta!”, desta vez é que o pessoal zarpa daqui, vamos embora! Os sorrisos duram pouco tempo: uma infinidade de canhoadas começa a troar ao fundo da bolanha e atiramo-nos para o chão, liso, que nem bermas há onde esconder o cabedal. Passam breves momentos e começa a cair a chuveirada de granadas de canhão-sem-recuo e de morteiro, e mesmo os mais convictamente ateus rezam para que nenhuma pouse nas suas imediações. A parte imensa da coluna que se estende pela bolanha está desprotegida, em plena zona de morte. Como o ataque é desferido de longe, a única reacção ao fogo provém dos nossos morteiros.

A situação dura minutos incontáveis, durante os quais os fuzos da frente avançam, tentam surpreender o IN mas eles é que acabam por ser surpreendidos, deparando-se com uma linha perpendicular pela frente, de onde despontam rajadas de metralhadoras e de onde vem a cruzar o ar uma chusma de granadas de RPG. Parece, mais uma vez, estarmos sem saída possível. Galgar a barricada dos guerrilheiros será autêntico suicídio, pois correr desalmadamente por uma bolanha seca fará de nós alvos demasiado fáceis. Não temos a possibilidade de ver ninguém, reagimos por instinto, disparando às cegas. O soldado José António da Silva Pires (Jaca) lá vai serpenteando entre balas e rebentamentos e consegue chegar-se à frente. Tanta agilidade, carregando ao ombro um morteirete, e não só: ele e o seu camarada Manuel de Sousa transportam algumas munições, atadas duas a duas pelas bases, e escolhem o sítio ideal para as poderem disparar. Da orla da mata as costureirinhas começam a matraquear na direcção de ambos o seu som característico, tal como o demonstram os impactes das balas no capim, curto, atrás do sítio onde se encontram. Uma rajada causa-nos alguns danos, embora na maioria dos casos não passe de arranhões ou ferimentos ligeiros, nomeadamente no 1.º Cabo Gomes dos Santos, do COMBIS. Sem ter consigo a G3 para responder, o Jaca cola-se o mais possível ao chão e o Manuel de Sousa rasteja e esconde-se por trás duns arbustos ralos. Abre fogo de tal maneira que cala os disparos inimigos, levanta-se e desata a correr em perseguição, ao mesmo tempo que vai visando o inimigo com pequenas rajadas. Por sua acção, os guerrilheiros que desse lado nos tentam envolver desistem da ideia e batem mesmo em retirada. Já não seremos cercados e o Jaca gasta as munições de 60 mm fazendo-as explodir logo após os limites da nossa zona de acção, ou seja, em cheio sobre quem nos ataca, provocando o ponto final na emboscada. É pedido apoio aéreo, mas desta vez a resposta é negativa, não sabemos se devido ao receio dos mísseis Strela se a outras razões.

Desde Setembro de 1968 que os serviços de “Defesa do Estado” tinham sido avisados de que os mísseis SAM-3 estariam a ser disponibilizados pelo Instituto Internacional de Moscovo para a FRELIMO, o MPLA e o PAIGC. Só que, já neste ano de 1973, o modelo de míssil anti-aéreo que viria a derrubar os primeiros aviões no norte da “Província”, acabaria por ser o “SA-7 Grail-Strela”, (designação russa e também da OTAN, ou NATO, mas nunca adoptada em Portugal) operado apenas por dois homens e facilmente transportável para qualquer ponto da guerrilha. Na realidade, o aparelho, cuja utilização já era conhecida da guerra do Vietname, não passa de um tubo com 1,40 metros e dez centímetros de diâmetro, pesando escassos 10 quilos (quase metade de um rádio Racal)… Tem acoplado um pequeno sistema de disparo. É accionado por um apontador e um homem para abastecer a carga sobressalente (municiador). E os mesmos serviços sabiam que à base IN de Kondiafara haviam chegado no ano transacto trinta apontadores acabadinhos de formar na URSS. O “SA-7 Grail-Strela”, ou SAM-7, ou simplesmente Strela, está equipado com uma cabeça auto-direccional, sensível aos infravermelhos, tendo um alcance transversal de 3,7 quilómetros e, de altitude máxima, 10.000 pés (3 quilómetros, porque acima disso, rebenta), a uma velocidade de 1,5 “Mach” (é a unidade que mede a relação entre a velocidade do objecto e a velocidade do som). Emite um sinal acústico quando tem o alvo referenciado, mas bloqueia se o avião voar baixinho (é ineficaz abaixo dos 150 metros). Não pode ser disparado com o tubo a fazer um ângulo superior a sessenta graus, sob pena de os gases de escape queimarem o apontador. Assim, disparado numa posição entre os 20 e os 60 graus, o míssil poderia perseguir um avião “até à pista”, atraído pelas fontes de calor (os reactores, no caso dos Fiat).

A anulação da operacionalidade da Força Aérea começa precisamente nesta região, onde os sistemas antiaéreos do IN começam a alvejar e derrubar aviões T-6, DO-27 e Fiat G-91. Também os helicópteros estão sem voar em grande parte do território e durante tempo indeterminado.

De facto, no dia 20 de Março de 1973, os mísseis terra/ar começam a dar sinal de vida (primeiro disparo é referenciado na fronteira norte, em Campada, S. Domingos). Mesmo que alguns tenham passado ao lado das aeronaves, as ondas de choque provocadas assustam pilotos, e não só! De início nem se suspeita do tipo de arma que o IN estava a utilizar. A primeira vítima ocorre a 25 Março. É abatido o caça do tenente piloto-aviador Miguel Pessoa (Bissalanca, BA 12). Voava a mil pés de altitude e o impacte do míssil na parte traseira do Fiat fez com que este perdesse o motor e os comandos. O piloto, que voava sobre o corredor de Guileje, consegue ejectar-se, mas devido à baixa altitude, o pára-quedas não chega a abrir-se totalmente e ele tem a “sorte” de cair sobre árvores frondosas que lhe amparam o corpo. Ainda assim, perde a consciência e parte uma perna (fractura do peróneo), o que o impossibilita de caminhar em direcção a Guileje. No dia seguinte, oculto sob a copa do arvoredo, onde os pilotos que procedem às buscas não têm a possibilidade de o ver, lança ao céu um “very-light” que é avistado pelo tenente-coronel Brito (que irá morrer em combate três dias mais tarde). Conhecido o sítio exacto onde se encontra, o Grupo de Operações Especiais de Marcelino da Mata é incumbido de o procurar e resgata-o por volta das 11 horas, levando-o até ao héli da evacuação, onde é assistido pela segunda-sargento enfermeira pára-quedista Giselda Antunes. No céu, os aviões que estão a proteger a operação, – entre eles, um T-6 pilotado pelo furriel Carvalho, – são também alvejados, mas esses mísseis não causam danos. A 28 de Março, o Fiat G91-RA n.º 5419, pilotado pelo tenente-coronel aviador José Fernando de Almeida Brito (comandava o Grupo Operacional 1201, – Base Aérea n.º 12, em Bissalanca, – e tinha comemorado o seu 40.º aniversário na véspera) é abatido por um míssil e explode no ar, nas imediações de Madina do Boé. O corpo do tenente-coronel nunca será encontrado.

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Como estava colocado em Bissau (Brá), faltando poucos meses para regressar à metrópole (esperava fazê-lo em Outubro/Novembro, resolvera casar-me em Lisboa, o que aconteceu a 31 de Março, dia da notícia do abate do Fiat de tenente-coronel Almeida Brito no DN. Embora desde muito novo tivesse o hábito de ler jornais diariamente, foi para mim um dia pouco propício para ler jornais… Mas na capital toda a gente andava alarmada com as notícias e me perguntava pelos aviões, sem que eu soubesse o que responder. As núpcias e as férias terminaram e regressei a Bissau a 1 de Maio (o Boeing da TAP saiu da Portela perto da meia-noite e, pouco antes, tive notícia de uma explosão na Praça de Londres, creio que no primeiro-andar do então Ministério das Corporações (atentado à ARA). Também nessa noite, a RTP transmitia o concurso da Miss Portugal, directamente do Casino Estoril. Claro que só tinha câmaras de filmagem no interior do casino, pois cá fora havia a pouca-vergonhice de um grupo de cidadãos protestar contra a exploração da mulher e, contraditoriamente, contra o preço dos ingressos, exibindo cartazes que diziam “2.000 escudos = a 4.000 pães”!!!

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Porém, o dia mais dramático para a nossa aviação seria 6 de Abril. O DO-27 pilotado pelo furriel Baltazar da Silva transporta um médico e um sargento de Bigene para Guidaje e não chega ao destino, havendo que proceder à sua busca. Parte de Bissalanca outro DO-27, conduzido pelo furriel António Carvalho Ferreira. Em Bigene, o comandante do batalhão local (major Mariz) embarca no avião e vai aterrar em Guidaje. Aí juntam-se o ferido a evacuar e um enfermeiro. Com essas quatro pessoas a bordo, a aeronave levanta voo na direcção do Senegal (a pista, como já vimos, é sobre a fronteira) e pura e simplesmente desaparece. É mais tarde localizado no mato entre Bigene e Guidaje. Um pelotão de pára-quedistas héli-transportado desloca-se ao local e confirma as quatro mortes, conseguindo recuperar os corpos (haveria ainda de reaver mais duas vítimas mortais dos mísseis Strela). Entretanto, voando na área em protecção dos pára-quedistas, é abatido por outro míssil um avião T-6, pilotado pelo major Mantovani, que morreria em consequência da queda. Ainda a 6 de Abril, mais um DO-27, pilotado por outro furriel aviador, também Carvalho (não sei se o meu amigo de infância José Manuel Henriques de Campos Carvalho, que era piloto desses aviões e estava na Guiné nessa altura, encontrámo-nos um dia em que foi a Gadamael, mas depois perdemos o contacto), acorre a um pedido de evacuação de Guidaje e leva a bordo a sargento pára-quedista Giselda Antunes (por curiosidade, casar-se-ia com o tenente piloto-aviador Miguel Pessoa, do Fiat abatido a 25 de Março, hoje coronel reformado, registando-se a coincidência de constituir seguramente o único casal do mundo a ser atingido por mísseis Strela em ocasiões e aviões diferentes)… É igualmente alvejado por outro Strela que, embora o não tenha atingido, o danificou com a onda de choque e o obrigou a regressar à base.

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Após o derrube das aeronaves o inspector adjunto António Luís Fragoso Allas, responsável-mor da polícia política em Bissau e homem muito próximo do general comandante-chefe e do seu gabinete, enviou para a Rua António Maria Cardoso (sede da PIDE, em Lisboa) uma mensagem que continha, entre outras, as seguintes observações: “A utilização desta nova arma (mísseis terra/ar) constitui um sério agravamento da situação, porque nos tira o domínio do espaço aéreo”. Antes, “só o apoio aéreo foi decisivo para evitar desaires”. “Temos de encarar como possível que o PAIGC venha, em curto prazo de tempo, a aniquilar algumas guarnições e a estabelecer novas áreas libertadas”. Allas era agente da PIDE desde 1961, trabalhou no gabinete de Spínola e, após o 25 de Abril, viria mesmo para Lisboa, onde permaneceu protegido pelos chamados spinolistas até ao “28 de Setembro”, nunca chegando a ser preso e fixando residência mais tarde, como empresário, na África do Sul.

Na ausência de aviões Fiat desatou o pessoal a bombardear com morteiros, bazucadas, os da frente até com dilagramas. Mas o mais que conseguimos foi provocar novo e reforçado fogachal do PAIGC e termos de nos colar novamente ao chão para evitar a chuva de estilhaços. Se tem sido o IN a avançar em nossa direcção, estávamos feitos: ou recuávamos ou não tínhamos qualquer hipótese de protecção. Mas o objectivo dos guerrilheiros era, notoriamente, impedir-nos a passagem e não dizimar-nos ou infligir-nos outro tipo de derrota. E esse objectivo eles conseguiram-no, mais uma vez, obrigando-nos a regressar a Guidaje. Voltámos ao inferno, às valas, ao cheiro pestilento, às refeições de “estilhaços com atacadores” (esparguete com pedacinhos de salsicha) e, com sorte, aos copinhos de groselha. Por quanto tempo mais?

Do quartel de Binta, sensivelmente à mesma hora (sete e trinta) em que saíramos de Guidaje, avançara também nova coluna logística, com a missão de evacuar o pessoal, sobretudo os feridos. A CCP 121 faria protecção a oeste da estrada, cabendo a um destacamento misto de fuzileiros (42 homens dos DFE n.º 1 e n.º 4, comandados pelo primeiro-tenente Albano Alves de Jesus) a protecção a leste. Os picadores seriam de um grupo de combate da CCaç 14 (guarnição de Farim), participando também um grupo reduzido de elementos da CCaç 3. Um dos elementos, – o furriel miliciano Arnaldo Marques Bento, – deste grupo comandado pelo alferes Gomes Rebelo, acciona uma mina antipessoal, reforçada com outra, anticarro, e tem morte imediata. Também um picador – o soldado Lassana Calisa, – morre alguns metros adiante e a mesma mina provoca dois feridos graves. Ainda um outro engenho viria a ferir gravemente outro homem. Cerca do meio dia, um grupo de combate saiu de Genicó e veio reforçar a coluna. O tenente-coronel Correia de Campos manda abortar a coluna de reabastecimento e o pessoal regressa a Binta, onde chega apenas por volta das 18 horas.


23 de Maio

Sai de Binta em direcção a norte uma coluna/auto comandada a partir de uma DO-27 pelo major pára-quedista José Alberto de Moura Calheiros. É protegida por uma unidade de fuzileiros especiais e por grupos pertencentes a unidades do Exército, nomeadamente da CCaç 3 e, como sempre, por uma equipa de picadores que rasga caminho lá bem na cabeça da coluna. Ao chegar perto de Genicó liga-se aos cerca de 90 homens da CCP 121 que, sob o comando do capitão pára-quedista Armando de Almeida Martins, emboscada desde bem cedo, ali aguardam a sua passagem, para lhe fazer protecção. Os pára-quedistas faziam parte de uma força de intervenção, que incluía ainda uma companhia de comandos e uma companhia de fuzileiros, enviada para Guidaje para tentar romper o cerco e aliviar a pressão do PAIGC sobre o quartel.

Por volta das 8,30 horas, com a ligação à vista praticamente a ser efectuada, uma mina antipessoal é deflagrada e provoca a morte do soldado Bailó Baldé, da CCaç 3. Escassos minutos a seguir, quando a coluna recolhe o corpo e retoma o andamento, uma viatura acciona outra mina e causa mais uma morte imediata (soldado Fonseca Nancassa, também da CCaç 3) e dois feridos com gravidade. Uma terceira mina vem a ocasionar mais um ferido grave. Perante as adversidades da progressão, parecendo impossível ultrapassar o enorme campo de minas e armadilhas que encontrou em cada metro de caminho, é recebida ordem para que a coluna retroceda e regresse a Binta. Aos pára-quedistas, no entanto, é dito que devem avançar até ao destino, em missão de patrulha (operação Mamute Doido). Assim procedem, vindo a efectuar uma pausa para descanso, já na área do Cufeu. Conforme estas fatídicas jornadas demonstram à saciedade, seja ao longo da bolanha seja em torno da casa amarela que avistamos a cada passagem – ou do esqueleto que dela resta, – o Cufeu é uma zona propícia para as emboscadas, desde logo pelo número inusitado de morros de baga-baga atrás dos quais dezenas de corpos se podem ocultar e proteger-se das nossas balas.

Retemperadas as forças, o pessoal da companhia de caçadores pára-quedistas reinicia a marcha e é de pronto surpreendido por constringente emboscada. Dois dos pára-quedistas que seguem na frente (António das Neves Vitoriano e José de Jesus Lourenço, este com apenas 19 anos) têm morte imediata; o 1.º Cabo Manuel da Silva Peixoto, apontador de HK-21, é colhido por uma rajada e fica gravemente ferido. O fogo inimigo é muito intenso, a frente prolonga-se por algumas centenas de metros e dura três quartos de hora praticamente consecutivos. Há quem garanta ter avistado gente branca do outro lado.

“Os militares José Lourenço, António Vitoriano e Manuel Peixoto iam na primeira linha e foram os primeiros a cair”, relata muitos anos mais tarde Hugo Borges, na altura da emboscada tenente, comandante de pelotão (hoje general).

À mistura com tiros de Kalashnikov ouvem-se estrondos de canhões-sem-recuo e roquetadas das RPG-7, que causam pelo menos mais duas baixas graves: a do soldado Palma, que se encontrava a tentar desencravar a metralhadora MG-42 do soldado António Melo, que foi também ferido e ficou imediatamente em coma (viria a falecer após evacuação, já na metrópole). Apesar da resistência das NT, a ofensiva só é contida graças ao apoio aéreo que desta vez corresponde ao chamamento. Os Fiat lançam bombas de cinquenta quilos ao longo de meia hora bem medida sobre a zona de acção IN (cuja força é estimada em cerca de setenta guerrilheiros). Algumas viaturas saíram de Guidaje e foram ao encontro dos pára-quedistas. Fizeram inversão de marcha para se carregarem os corpos das vítimas e regressarem à origem. Abrindo um novo trilho, conseguem chegar à aldeia de Guidaje, não sem que os guerrilheiros retirados do Cufeu após o bombardeamento da aviação os tenham atacado de novo, mas de longe e sem consequências. O Cabo Peixoto não resiste aos ferimentos e morre também neste dia 23 de Maio, – imagine-se! – considerado o “Dia dos Pára-quedistas” por ser há precisamente 17 anos (desde 1956) a data da fundação, em Tancos, da Escola de Tropas Pára-quedistas!...

O Batalhão de Caçadores Pára-quedistas (n.º 12) teve durante as campanhas na “Guiné Portuguesa” cinquenta e seis baixas, (três oficiais, seis sargentos e quarenta e sete praças).

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Os corpos dos militares da CCaç 3 que protegiam a coluna inicial e que pela manhã foram vitimados pelo rebentamento de minas (mormente os de Bailó Baldé e Fonseca Nancassa), ainda devem ter sido transportados pelas mesmas viaturas que os camaradas pára-quedistas trouxeram para Guidaje, pois viriam a ser ali sepultados, dias depois, conjuntamente. Se assim não fosse, teriam sido levados pelos fuzileiros e elementos do Exército que regressaram a Binta e o tratamento aos seus esquifes teria sido diferente.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6090: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (6): Os dias da batalha de Guidaje, 20 e 21 de Maio de 1973

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11151: Notas de leitura (459): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2013: 

Queridos amigos,
Chegámos ao termo da recensão do importante livro “Olhares sobre Guiné e Cabo Verde”.
Nesta reta final, destaque para os textos sobre a Força Aérea na Guiné, alguns textos avulsos aonde se fala da queda de um helicóptero no rio Mansoa, de alguém que viu quase em direto o que se passou no Pidjiquiti em 3 de Agosto de 1958 e que tinha no seu pelotão Domingos Ramos, um futuro herói do PAIGC, e também se recorda o extravagante soldado Roseta, um desertor crónico.
E coube-me a honra de resumir as grandes linhas de força da literatura da guerra da Guiné.

Um abraço do
Mário


Olhares sobre Guiné e Cabo Verde (3)

Beja Santos

“Olhares sobre Guiné e Cabo Verde”, com organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho Paes, DG Edições e Caminhos Romanos, 2012, é uma iniciativa singular para a qual convergiram, nomeadamente, antigos combatentes dos três ramos das Forças Armadas. Em textos anteriores, fez-se referência a considerações genéricas na envolvente da luta armada, ventilaram-se as atividades terrestres da Guiné, incluindo as forças de intervenção. E iniciou-se a exposição referente ao papel da Marinha na Guiné, que pela sua organização e rigor é um dos “pratos de substância” desta obra coletiva.

Recorda-se um destemido comandante, o Comodoro Francisco Ferrer Caeiro, chegado à Guiné em Setembro de 1974, assim apresentado: “Era tido como um militar exigente tanto para consigo próprio como para os outros. De carácter reto e firme mas também emotivo, tão temido quanto respeitado pelos seus subordinados, era, em suma, um líder inato”. Fez questão de acompanhar os Fuzileiros nas suas operações, comunicou este seu desejo aos respetivos comandantes, mas impondo condições como a de os comandantes dos destacamentos durante a operação serem eles, ele ficaria na posição de mero observador. Era muito cioso da sua preparação física e numa dessas preparações aconteceu que o Comodoro se meteu pela berma da estrada que liga Bissau ao Aeroporto, passou uma viatura militar que abrandou e alguém fez-lhe esta generosa oferta: “Ó velhote, queres uma boleia?”. São mencionadas as operações Tridente, Tulipa, Tornado e Remate, foi na operação Tulipa que se deu um lamentável incidente em que um piloto de um avião T6 supôs ter referenciado um grupo inimigo e lançou rockets sobre a posição dos Fuzileiros. A Operação Via Láctea entroncou uma lógica da contra-penetração iniciada em 1968 por Spínola ou seja, o estabelecimento de operações de longa duração sobre as principais linhas de penetração, provindas do Senegal e da Guiné-Conacri. Os Fuzileiros a partir do rio Cacheu dirigiram-se a Jagali Balanta para intersectar grupos vindos do Senegal. Tratou-se da primeira operação do então primeiro-tenente Vieira Matias, hoje almirante, que narra este seu batismo de fogo com espírito de humor. O mesmo Vieira Matias irá descrever uma operação no santuário de Sambuiá e seguidamente a Operação Grande Colheita onde se fez a apreensão de uma quantidade impressionante de munições. Descreve-se e comenta-se mais adiante a Operação Mar Verde e faz-se o reparo para as consequências negativas que a mesma teve no isolamento de Portugal.

Depois de este bem documentado dossiê sobre o papel da Marinha na guerra da Guiné. Segue-se a explanação sobre o desempenho da Força Aérea. Permite-se ao leitor não iniciado ficar a conhecer a evolução nos anos 1960 e 1970 das bases e aeródromos, o tipo de aviões utilizados e o golpe duro que foi a retirada dos aviões F-86, obrigando a uma solução alternativa. Explica-se o papel da artilharia antiaérea inimiga e como a nossa Força Aérea pode calar este armamento. Quanto às zonas de intervenção, refere-se, o acompanhamento dos comboios fluviais, as atividades que lhe eram cometidas nas zonas de livre intervenção para a Força Aérea (ZLIFA), as operações helitransportadas.

Mais adiante retoma-se a questão da artilharia antiaérea que passara a ser uma realidade a partir de 1967. A primeira artilharia foi instalada no Cantanhez. Em Março de 1968 é avistada pela primeira vez uma quádrupla ZPU-4 de 14.5mm, com outras armas à volta, na zona de Cassebeche. Foi destruído no dia seguinte. O próximo episódio irá acontecer junto ao Corredor de Guileje, em Junho de 1968, foi detetada uma zona pejada de artilharia antiaérea. Em Março de 1969 irá descobrir-se que a zona de Cassebeche, no Quitafine, estava novamente pejada de armas, foram progressivamente eliminadas. Em Maio de 1970, o PAIGC, através de militares cubanos trouxe de Kandiafara canhões, que se supõe de 37mm, fez-se nova operação e dias depois concluiu-se que as armas ou que delas restavam tinham sido levadas para Kandiafara. A componente radical serão os mísseis Strela que chegarão à base naval soviética em Conacri em número de 44, com uma recomendação muito especial “que os portugueses nunca fiquem na posse de nenhum”, pois tal arma só tivera uso no Vietname. A resposta portuguesa foi a encomenda dos mísseis franceses terra-ar Crotale, para defesa aérea de Bissau e estava também planeada a aquisição de uma esquadra de aviões Dassault Mirage V. Os mísseis Strela impuseram algumas restrições de voo. O autor escreve a propósito do Strela: “Queria referir um pormenor que me parece digno de nota e está relacionado com a apresentação voluntária, vulgo deserção, de um dos operadores do Strela que se apresentou numa instalação militar em Tite, tendo sido transportado para a Base Aérea de Bissalanca, a fim de ser interrogado. A sua colaboração foi preciosa e tudo o que nos transmitiu refletiu-se numa ajuda que complementou os dados que já tínhamos. A restrição na operação do míssil Strela, dada pela curta duração das pilhas de Mercúrio que alimentavam o mecanismo de disparo, foi ele que a forneceu”. O autor refere-se ainda às conversações tidas em Cap Skirring entre Spínola e Senghor e outras dirigentes senegalesas, bem como à morte do prestigiado Cherno Rachide Djaló, à última troca de prisioneiros, em Setembro de 1974 e por fim à comemoração da independência da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1974.

Finda a exposição da Força Aérea, seguem-se outros olhares sobre a Guiné, em que o repórter Fernando Farinha narra a sua experiência na queda do helicóptero no rio Mansoa, em Julho de 1970, ele seguia no helicóptero atrás, bem sofreu com a agitação provocado pelo tornado que pôs o helicóptero aos saltos e refere as conversas havidas nessa manhã fatídica com os deputados Leonardo Coimbra, Vicente de Abreu, Pinto Leite e Pinto Bull; o coronel José da Câmara Vaz Serra conta o que viveu, em 1959, com o chamado massacre do Pidjiquiti, os dados que obteve foi de que tinha havido entre 10 e 12 mortos, responsabilidade da polícia, constituída por elementos nativos, seguramente mal enquadrada e incapaz de sangue-frio diante de tanta agitação. Lembrem-se de Domingos Ramos que era o porta-guião do Centro de Instrução Civilizados e mais tarde herói do PAIGC; e refere com bonomia as peripécias do Roseta porventura o mais persistente desertor que tivemos, fugia, dava-se mal no país de acolhimento, voltava e desertava novamente. O médico João Sequeira conta a história de um velho mandinga, um prisioneiro que foi posto à sua guarda, nunca mais esqueceu o olhar que o ancião lhe deitou quando foi levado para interrogatório.

Finalmente, depois de esclarecidos olhares sobre Cabo-Verde, matéria que não pode ser objeto desta recensão, chega-se a um punhado de considerações de minha autoria sobre a literatura da guerra da Guiné, desde 1963 à atualidade, são apreciações que remetem para o meu livro “Adeus, até ao meu regresso”, publicado pela Âncora Editora, em 2012. Tudo começa com "Tarrafo", de Armor Pires Mota, e o diário de Jero, sobressai nomes, nesta fase inicial, como Barão da Cunha, alguns repórteres do regime, como Amândio César e um importante ensaio “Guerra na Guiné”, de Hélio Felgas. No fim da década desponta uma figura incontornável, Álvaro Guerra. A seguir ao 25 de Abril, veio a irreverência e o formidável "Lugar de Massacre", de José Martins Garcia. Seguem-se os anos de 1980, chegou a primeira hora da intimidade dos relatos: Álamo Oliveira, José Brás e Cristóvão de Aguiar, a seguir abre-se larga margem para a literatura de memórias, talvez o filão mais rico de toda esta literatura. Mas há a História, a reportagem, escassa poesia, alguns diários. Surgiu uma obra-prima da literatura: "Estranha noiva de guerra", do escritor mais persistente, Armor Pires Mota. No novo século perfilaram-se três livros de memórias, documentos importantíssimos, saídos do punho do Comando Amadú Djaló, do sargento-mor Talhadas e do coronel para-quedista Moura Calheiros.

Às vezes parece uma literatura semiclandestina, edições de autor que escapam ao circuito das livrarias. Certo e seguro, há que contar com mais surpresas, como escrevi no final do meu texto: “Até ao lavar dos cestos, até estar vivo o último militar que combateu na Guiné, há que contar com as surpresas da vindima, não há mês que não surja um título, um depoimento, um olhar sobre aquela guerra que se travou enquanto se caminhava na farroba de Lala, entre cipós e tabás, a patinhar no tarrafo, nas emboscadas montadas em florestas secas densas, militares apoitados atrás do baga-baga, a resistir à fúria das emboscadas, ou dentro dos aquartelamentos, imprecando em noites de flagelação destruidora. Fiquemos descansados, haverá surpresas, este género literário está muito longe de ter fechado para obras e muito menos para mudança de ramo”.
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Nota do editor:

Vd. postes anteriores de:

18 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11111: Notas de leitura (457): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (1) (Mário Beja Santos)
e
22 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11134: Notas de leitura (459): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9527: FAP (65): Mísseis Strela, a viragem na guerra... (António J. Pereira da Costa)

A Viragem na Guerra

Por António José Pereira da Costa*
Coronel de Art.ª na reserva, na efectividade de serviço, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74

A revista "Mais Alto"** não veicula necessariamente a opinião, a doutrina ou o pensamento da Força Aérea, mas as opiniões que nela se contêm – da responsabilidade exclusiva dos seus autores – não divergem muito e, decerto, não contradizem as posições da FAP sobre as diferentes matérias. O tema da utilização dos mísseis portáteis Strela por parte dos guerrilheiros do PAIGC, analisado nas revistas n.º 392 e 393, pelo Dr. José Manuel Correia, merece algumas reflexões, já que esclarece, de um modo claro, o que sucedeu e como a FAP lidou com a nova situação.

Vejamos a perspectiva de um não-voador.

Sabemos que a introdução de uma dada arma pode modificar o curso de uma guerra, especialmente se apenas um dos beligerantes a possuir. Tal circunstância deve-se, essencialmente, ao facto de essa arma conferir a quem a possui uma nítida vantagem sobre o opositor ou anular uma vantagem de que este tenha vindo a dispor até então.

Desde o início da guerra que o apoio prestado pela FAP apenas conhecia como limites a sua disponibilidade em meios humanos e/ou materiais ou, como muitas vezes sucedeu, as condições meteorológicas. Na Guiné, o apoio aéreo nas suas diferentes modalidades, era fundamental e, muitas vezes, taticamente decisivo. Por outro lado, a capacidade de as aeronaves detectarem o inimigo e poderem atacá-lo, de imediato ou depois de um reconhecimento fotográfico, ficou bem marcada, durante o ano de 1968, quando surgiram as primeiras armas antiaéreas, mais exactamente no Quitafine, que o inimigo já anunciava como "zona libertada”.

Os guerrilheiros usavam então metralhadoras múltiplas ZPU 14,5mm, instaladas em espaldões em forma de caracol. Nesse ano, foi atingido com fogo antiaéreo o comandante do Grupo Operacional da BA 12, Tenente-Coronel Costa Gomes, que saltou em pára-quedas e foi recolhido perto da Aldeia Formosa. Fiquei com a impressão – por ter ouvido as comunicações rádio – de que armas antiaéreas eram atacadas e destruídas uma a uma, pelo então Capitão Jesus Vasquez e cheguei a ver as fotos antes e depois do ataque, a uma delas.

O inimigo não tinha conseguido, mesmo num dos seus santuários, superiorizar-se à ofensiva da FAP, através de uma postura primordialmente defensiva. Claro que não seria de supor que desistisse de neutralizar o meio ofensivo que “fazia a diferença”. A precisão e capacidade destrutiva da arma aérea era muito superior às da artilharia, já que esta, mesmo regulada com observação aérea, estava depois, no momento de prestar o seu apoio, completamente cega e fazia tiro, raramente com regulação terrestre ou em tiros pré-calculados para locais onde, “provavelmente”, os guerrilheiros se haviam instalado para combater ou se supunha que pudessem vir a fazê-lo.

Além disso, a regulação do tiro com observação aérea, de modo a levá-lo a um objectivo que eventualmente se revelasse não era prática corrente, nem seria muito eficaz, a menos que se pretendesse bater um objectivo de certas dimensões e com pouca possibilidade de mudar de posição, enquanto estivesse a ser atacado.

Se as metralhadoras antiaéreas, pela sua pouca mobilidade, eram armas essencialmente defensivas, os mísseis portáteis, de guiamento passivo, tinham características que permitiam ao PAIGC passar à ofensiva. O Strela era um míssil portátil, podendo por isso acompanhar qualquer grupo de guerrilheiros em deslocamento apeado, de manejo fácil e quase intuitivo, por combatentes pouco letrados e que não necessitava de qualquer acção depois do disparo. Esta circunstância poderá, de certo modo, explicar o relativamente baixo rendimento tirado do Strela (36 disparos para atingir 6 aviões) e o facto de os primeiros dois disparos terem tido origem junto à fronteira Norte faz supor que tenham sido levados a cabo por conselheiros estrangeiros.

Há, porém, um aspecto do problema que não pode ser negligenciado. É que, tal como sucede na luta entre os anticarro e as viaturas blindadas, uma das armas, relativamente barata e fácil de produzir, destrói ou põem fora de combate uma outra mais cara e difícil de substituir. E que dizer dos homens que operam as armas?

No caso em apreço, um guerrilheiro decidido e moralizado, embora quase analfabeto, só teve que aprender a usar uma arma feita de acordo com as suas características psicofísicas, para com ela destruir uma máquina caríssima – no nosso caso “paga a peso de ouro” – de produção lenta e, principalmente, operada por um técnico cuja formação e evolução técnica-literária é muito considerável e obtida através de um demorado processo de formação. Estamos também perante uma vantagem que os guerrilheiros conseguiram obter com relativa facilidade e, como habitualmente, a custo zero.

A reacção da FAP não poderia ser muito diferente da que foi, quer a nível TO, quer a nível nacional, embora se soubesse que a hipótese que acabava de se materializar sempre fora de considerar, dada a facilidade com que o PAIGC se armava e reabastecia de armamento e munições.

Uma análise detalhada das medidas tomadas pela ZACVG, no que respeita ao apoio aéreo próximo às forças terrestre, e um pequeno esforço de memória para quem estava no terreno, naquele ano, leva à conclusão de que o apoio proporcionado pelos aviões T6 desapareceu completamente e o apoio por FIAT G91 ficou reduzido a acções sobre o In bem referenciado com granadas de fumos de morteiro. Sabemos bem que a acção dos primeiros, pela sua precisão e possibilidade de permanência à vertical da força apoiada era muito determinante. Havia até quem os preferisse aos segundos. É relativamente fácil a uma força em contacto próximo com inimigo sinalizá-lo. Todavia, o apoio terá de ser muito preciso e imediato, de forma a materializar a superioridade táctica, sem perigo para a unidade apoiada. Não é possível que a intervenção dos aviões seja imediata e o tempo que medeia entre o pedido de apoio e a chegada dos meios aéreos ao local é sempre “demasiado longo”.

Por vezes tão longo, que os guerrilheiros, no seu procedimento habitual, já abandonaram o local da refrega, cabendo apenas aos aviões uma acção de retaliação realizada sobre algo que, a 2.000 de altitude, se resume ao fumo de umas granadas lançadas com muita estimativa e pouca precisão. As acções de reconhecimento visual desapareceram e o reconhecimento fotográfico, já de si raro, também. Desse modo, a possibilidade se irem colectando informações sobre as posições inimigas anulou-se. Também no âmbito das acções de reabastecimento, transporte e evacuação, com a “interdição de inúmeras pistas ao DO 27” e as outras restrições adoptadas, a situação geral piorou, ficando as guarnições dispersas pelo TO reduzidas aos seus meios auto para estes tipos de actividade.

As forças terrestres ficaram assim a dispor de um apoio aéreo muito reduzido, não só em quantidade, mas também, em qualidade, o que só poderia ter más consequências no moral das tropas. Como será fácil de adivinhar, começou a ser sentido um certo isolamento – real ou psicológico – em certas guarnições, formando-se a ideia de que cada uma estava, cada vez mais, dependente das suas capacidades.

Em resumo poderemos dizer que o aparecimento dos mísseis Strela, na Guiné, constituiu uma conquista decisiva para o PAIGC e a perda de um apoio essencial para as forças terrestres especialmente para as unidades do Exército dispersas no interior do TO. Não haja dúvidas de que “a sobrevivência militar da província depende(ia) e assenta(va) na Força Aérea” como dizia, então, o comandante da ZACV.

O passo seguinte seria algo que se previa, também de há muito: o “fornecimento” de aviões MIG 17 ao PAIGC, operados por pilotos estrangeiros. Nunca chegou a ser dado, mas o “número de sobrevoos não autorizados” não parava de subir, em todos os documentos de informações recebidos nas unidades e não nos esqueçamos do Antonov que apodrecia na placa da BA 12, com os distintivos da Guiné Conacri (que nunca o reconheceu como seu) depois de ter aterrado, por engano, em território da Guiné Bissau.

A BA 12 era particularmente vulnerável a um ataque aéreo com consequências imprevisíveis, especialmente se a unidade não conseguisse reagir projectando força contra o atacante. E se fossem as instalações portuárias onde podemos incluir as da SACOR? E se no momento do ataque estivesse um navio a desembarcar ou a embarcar tropas? Estes dois objectivos eram extremamente sensíveis e estavam desprotegidos, mas se o inimigo pretendesse apenas “causar um problema” poderia atacar uma guarnição militar de média envergadura, não muito longe da fronteira. Com aviões “descaracterizados” ou arvorando os símbolos do PAIGC estaria criada uma situação em que só restava retaliar.

É sabido que em sociologia, leia-se guerra (subversiva), não à há “ses”. Todavia, esta última hipótese não se concretizou, mas, num conflito velho de 13 anos, será que a deveríamos descartar? Por mim creio que perdemos 9 homens e 5 aparelhos em 10 dias, por termos subestimado a possibilidade de o inimigo poder obter e utilizar a arma decisiva e assim virar uma página no conflito.
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Notas de CV:

(*) Vd, poste de 11 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8888: Filhos do vento (9): Tenho por mim que são mais as vozes que as nozes (António Costa)

(**) Vd. postes de:

22 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8806: Recortes de imprensa (48): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 392 , Jul / Ago 2011

16 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8912: Recortes de imprensa (51): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - II Parte - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 393 , Set / Out 2011
e
25 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8945: (Ex)citações (152): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - Apreciação de António Martins de Matos ex-Ten Pilav, Bissalanca, 1972/74

Vd. último poste da série de 16 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8111: FAP (65): Falando do nosso destacamento em Nova Lamego (Gil Moutinho)

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13820: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XV: abril de 1973: depois de, em 25/3/1973, entrarem em cena, para surpresa das NT, os mísseis Strela, outros factos dignos de registo no setor L1: (i) presença de cubanos em Ponta Varela; (ii) Mansambo é flagelado ao fim de 8 meses; e (iii) a tabanca abandonada de Sinchã Bambe é reocupada e passa a chamar-se... Santa Cruz da Trapa, em homenagem à terra natal do cmdt do batalhão...



Guiné & amp; gt; Zona Leste & amp; gt; Setor L1 & amp; gt; Mansambo & amp; gt; 1970 & amp; gt; Vista aérea aquartelamento. Ao Fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Foto do Arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de Operações Especiais, CCAC 12, Bambadinca, 1969/71)

(...) "Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados. A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita. Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada. A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. Faltam os obuses, um de cada lado à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta. A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água" (...) [Carlos Marques dos Santos  (ex-fur mil inf los, CART 2339, Mansambo, 1968/69, um dos construtores do " campo de forticado Mansambo ".. . Este topónimo tem 235 referências no nosso blogue].

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. C ontinuação da publicação da História do BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir de cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte.

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que Esteve los Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; Foi transferido para a  CCAC 12 (em  novembro de 1972, e não como voluntário,como por lapso temos indicado; economista, bancário reformado, foto atual à esquerda].

O grande destaque do mês de abril de 1973, três meses depois da morte de Amílcar Cabral (1924-1973) vai para os mísseis Strela que cruzam, peela primeira vez, em 25/3/1973, os céus do CTIG, apanhando  "de surpresa" as  NT ...

No setor L1 (Bambadinca) há a  registar apenas os seguintes factos (pp. 51/54,  cap II, da História da Unidade) (sublinhados, a vermelho, da responsabilidade  do editor):

(I) Presença, comprovada, de cubanos em Ponta Varela;

(Ii) Mansambo é flagelado ao fim de 8 meses; 

e (iii) A tabanca abandonada de Sinchã Bambe é reocupada e passa a chamar-se ... Santa Cruz da Trapa, em homenagem à terra natal do cmdt do Batalhão ...(LG)


Abril de 1973: depois de , em 25/3/1973, para surpresa das NT, entrarem em cena, no CTIG, os mísseis Strela, outros factos dignos de registo, no setor L1: 

(i) presença de cubanos em Ponta Varela; 
(ii) Mansambo é flagelado ao fim de 8 Meses; 

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18006 José Matos: As negociações secretas do acordo dos Açores em 1974: o caso da central nuclear. "Revista Militar", nºs 2581/2582, fevereiro / março 2017

I. Mensagem do nosso amigo Jose Matos, com data de ontem:

Olá,  Luís

Pedia-te para divulgares no blogue o artigo que envio em anexo com link para a Revista Militar, pois tem uma parte sobre a Guiné.

https://www.revistamilitar.pt/artigo/1226

Ab

José Matos

[Investigador independente em História Militar. Tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné. É colaborador da Revista Mais Alto, da Força Aérea Portuguesa, e tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias de aviação militar, em França, Inglaterra e Itália. É membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015. Tem cerca de 25 referências no nosso blogue]


II.  AS NEGOCIAÇÕES SECRETAS DO ACORDO DOS AÇORES EM 1974: O CASO DA CENTRAL NUCLEAR

por José Matos 

Revistas Militar, nºs 2581/2582 - Fevereiro/Março 2017


1. Introdução

Nas vésperas do 25 de Abril de 1974, o ministro português dos Negócios Estrangeiros português, Rui Patrício, estava muito próximo de negociar com o Departamento de Estado norte-americano um programa de cooperação na área da energia nuclear, que levaria no espaço de pouco anos à instalação da primeira central nuclear em território nacional. Dois dias antes da queda do regime, o ministro tinha já em mãos um plano português com uma previsão dos investimentos a realizar, a sua discriminação e o seu escalonamento no tempo. 

Patrício pretendia enviar este plano ao embaixador português nos EUA, João Hall Themido, com a indicação de que, nesta área, Themido devia começar por pedir o máximo possível nas negociações em curso, “isto é, a entrega gratuita de todo o equipamento de engineering e combustível que puder ser fornecido pelos americanos e o financiamento, nas melhores condições possíveis, na parte que puder ser produzida pela indústria portuguesa”  (1).

 O programa de execução apontava para 1981, como o ano previsto para a entrada em funcionamento da primeira central nuclear portuguesa. Porém, com o colapso do regime marcelista, o plano nunca chegaria ao seu destinatário e as negociações do acordo dos Açores tomariam um rumo completamente diferente nos anos seguintes.


2. Um país cada vez mais isolado

Antes de mais nada, importa contextualizar as negociações de 1974, que decorreram num clima difícil para Portugal, que estava principalmente interessado no fornecimento de equipamento militar para usar na Guiné, onde a situação militar era desfavorável para as forças portuguesas. Todavia, no contexto internacional, o regime português estava cada vez mais isolado e enfrentava dois problemas na aquisição de novos armamentos: (i) não tinha dinheiro para grandes aquisições de equipamento militar; (ii)  não tinha muitos aliados que pudessem fornecer o armamento necessário. 

Para resolver o problema do dinheiro, Portugal vai valer-se de Pretória, o seu grande aliado na África Austral, que não hesita em conceder-lhe um avultado empréstimo de 6 milhões de contos (150 milhões de rands) para suportar o esforço de guerra e permitir a aquisição de novas armas (2). 

Quanto ao problema dos fornecedores, vai valer-se principalmente das alianças que tem com os EUA e com a França para obter o que precisa. No caso americano, usa o acordo das Lajes como moeda de troca para obter armamento de forma encoberta. As negociações não são fáceis, mas, como veremos mais à frente, o Governo de Marcello Caetano consegue obter as armas mais desejadas (mísseis terra-ar) e ainda a possibilidade de uma central nuclear de oferta.


3. A ameaça aérea na Guiné

Há vários anos que pairava sobre a Guiné a ameaça de um ataque aéreo proveniente da Guiné-Conakry. O país vizinho, governado por Sékou Touré, tinha caças MiG no seu inventário e podia facilmente apoiar com meios aéreos acções da guerrilha contra as forças portuguesas (3). 

Na fase final da guerra, começam também a surgir rumores de que a guerrilha do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) está a treinar pilotos na União Soviética para usar aviões MiG a partir de Conakry. Um jornal que publica esta informação é o inglês Daily Telegraph que, a 2 de Agosto de 1973, traz um artigo da autoria do correspondente em Lisboa, o jornalista Bruce Loudon, em que diz que a guerrilha “está apenas a seis meses de atingir uma capacidade de ataque aéreo com caças MiG russos”. O jornalista escreve ainda que cerca de 40 guerrilheiros estão a receber cursos de pilotagem na Rússia (4). 

Começam, assim, a circular notícias sobre o possível uso de meios aéreos por parte da guerrilha ou do envolvimento da própria Força Aérea da Guiné-Conakry (FAG) em acções contra as tropas portuguesas. Do outro lado da fronteira, os MiG-17F da FAG estão praticamente inoperacionais, mas, com ajuda de militares cubanos, começam a aumentar o seu grau de operacionalidade. Pilotos e técnicos cubanos chegam a Conakry nos primeiros meses de 1973 e incrementam os voos de patrulha na zona de fronteira, de forma a precaver incursões portuguesas em território guineano, embora os caças da FAG nunca constituam qualquer ameaça para as forças portuguesas (5).

No entanto, preocupado com a situação militar na Guiné, Marcello Caetano dá ordens para que a pequena colónia seja dotada de novos meios de defesa aérea (6), usando para esse efeito o empréstimo sul-africano. 

Por essa altura, os militares portugueses já sabiam que o único país ocidental que tinha mísseis terra-ar portáteis à venda era os EUA. De facto, os americanos fabricavam um pequeno míssil portátil, o famoso FIM-43A Redeye, que podia ser disparado a partir do ombro, tal e qual como o Strela-2 (SA-7) soviético, que tinha aparecido, na Guiné, nas mãos dos guerrilheiros. 

Se o Exército Português nas colónias tivesse acesso ao míssil americano podia fazer face a qualquer ameaça aérea vinda dos países vizinhos. Só que, devido ao embargo de armas, Washington não podia vender o míssil directamente a Portugal, sendo preciso encontrar uma solução que contornasse o embargo, algo que o governo americano não mostrava grande interesse em fazer. É aqui que o regime de Caetano joga o seu maior trunfo: a base das Lajes.


4. As Lajes como moeda de troca

Durante a guerra do Yom Kippur, em Outubro de 1973, entre Israel e os seus vizinhos árabes, Portugal tinha sido o único país europeu a conceder facilidades a Washington no apoio a Telavive. Embora sob coacção americana, Lisboa tinha permitido que a base das Lajes, nos Açores, fosse utilizada intensamente pelos aviões americanos no apoio a Israel e Marcello Caetano esperava agora obter dividendos de tal cedência (7). 

O Governo Português tenta assim que a posição americana seja mais flexível em relação à política colonial portuguesa e que Washington autorize a venda de algum armamento a Portugal (8). A intenção portuguesa era comprar os famosos mísseis portáteis Redeye e também mísseis terra-ar Hawk, montando desta forma um sistema de defesa antiaérea na Guiné (9). 

O próprio Henry Kissinger, que estava à frente do Departamento de Estado, acompanha esta questão de perto e, a 9 de Dezembro de 1973, encontra-se com o ministro português dos Estrangeiros, Rui Patrício, em Bruxelas, à margem de uma reunião da OTAN. Kissinger agradece a ajuda portuguesa durante o conflito no Médio Oriente e refere também que os EUA continuam a precisar da base das Lajes e mostra-se compreensivo em relação às necessidades portuguesas de adquirir mísseis terra-ar para a defesa das colónias, mas salienta que o Congresso americano jamais aprovaria uma venda directa a Portugal, sendo necessário encontrar uma forma encoberta para fornecer os mísseis. 

Do lado português, Patrício declara que a situação militar na Guiné podia tornar-se crítica com a utilização de aviação por parte do inimigo e que poderia mesmo evoluir para ataques aéreos contra Bissau, não tendo as forças portuguesas meios eficazes para se defenderem deste tipo de ataques, daí a necessidade dos mísseis. Patrício explicou ainda que “um eventual desastre na Guiné poderia ter no plano interno consequências imprevisíveis”, podendo levar, inclusivamente, à queda do império colonial português e à substituição do Governo de Caetano por um governo esquerdista defensor de uma outra política ultramarina e da saída de Portugal da OTAN. 

Na opinião do governante português, uma derrota militar na Guiné não significaria apenas a perda para o Ocidente da Guiné e de Cabo Verde com o respectivo valor estratégico associado, “mas também dos próprios Açores” e da contribuição do continente português para a OTAN, o que seria negativo para os interesses americanos. Kissinger aludiu então a um encontro recente do embaixador português nos EUA, João Hall Themido, com o Presidente Nixon e às dificuldades em procurar encontrar-se uma fórmula de auxílio por intermédio de países terceiros, para evitar a oposição do Congresso.

A ideia de Kissinger era a de que os mísseis fossem fornecidos por um outro país de forma indirecta, sem envolver os EUA. Israel era uma possibilidade e o governante americano mostra estar a par dos contactos que o Departamento de Estado tinha feito em Washington, para o embaixador português João Hall Themido se encontrar com o seu homólogo israelita, daí a pouco tempo, de forma a discutir o assunto (10). Patrício termina a conversa dizendo que para Portugal “se tratava de uma questão de vida ou de morte e da maior urgência”, enquanto Kissinger replica “insistindo que o problema estava em como fazer os fornecimentos, pois havia a certeza de os fornecimentos directos serem proibidos”. 

Dois dias depois desta reunião, Themido encontra-se com o seu colega israelita na capital americana, seguindo uma indicação dada, alguns dias antes, por William Porter, subsecretário de Estado para Assuntos Políticos (11). O embaixador israelita, Simcha Dinitz, agradece a Themido a ajuda portuguesa prestada durante a guerra contra os árabes, mas é pouco esclarecedor quanto ao fornecimento de mísseis dizendo ao diplomata português que lhe parece que os únicos mísseis que Israel dispõe são os Hawk e que não sabe se Telavive os pode vender a Portugal, pois trata-se de material militar fornecido pelos americanos, mas que vai procurar saber junto do seu Governo (12). 

Pouco tempo depois deste encontro, Themido fala com o encarregado de negócios da embaixada israelita, que lhe confirma que Israel tem mísseis Redeye e Hawk, mas que os mesmos não podem ser fornecidos sem o consentimento americano e que a única coisa que Telavive pode fazer é vender material de origem israelita, caso isso seja considerado útil (13). Themido fica desapontado com a resposta israelita e da capital portuguesa recebe instruções para esclarecer o assunto junto de William Porter, que tinha sugerido o encontro (14).

 A 15 de Dezembro, o diplomata português dirige-se então ao Departamento de Estado para falar com Porter, que lhe diz que tinha apenas sugerido ao embaixador israelita que, em contacto com Themido, averiguasse da disponibilidade de material de guerra e da possibilidade de fornecimento, mas nada mais do que isso. Mais tarde, num telefonema para a embaixada portuguesa, Porter chega mesmo a dizer que nos contactos que tinha tido com Dinitz apenas lhe tinha dito que Portugal estava interessado em adquirir mísseis terra-ar, não admitindo que tivesse sugerido a entrega a Portugal de mísseis americanos, o que deixa Themido decepcionado com a atitude de Porter (15). A diplomacia portuguesa começa então a perceber o desinteresse americano em fornecer os mísseis.


5. A ameaça de ruptura da parte portuguesa

Este desinteresse vai atingir o seu ponto culminante a 8 de Fevereiro de 1974, quando o secretário de Estado Adjunto, Kenneth Rush, chama o embaixador português para lhe comunicar que os EUA não podiam fornecer os mísseis Redeye, por duas ordens de razão: em primeiro lugar, eram contra a proliferação desse tipo de armamento, estando mesmo em conversações com Moscovo para limitar a difusão de armas MANPADS (“Man-Portable Air Defense Systems”) e, em segundo lugar, os mísseis “seriam usados no plano interno na luta contra as guerrilhas, o que era inaceitável”. Em relação aos Hawk teriam de consultar o Congresso, caso Portugal concordasse com essa consulta (16). 

A posição de Rush leva o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa a tomar uma medida drástica: Portugal rompe as negociações com os EUA para a renovação do acordo das Lajes, deixando Washington de usar a base açoriana. Esta tomada de posição é comunicada por Themido a Rush, a 18 de Março, deixando o governante americano estupefacto com tal intento! Apanhado de surpresa, Rush considera a decisão portuguesa extemporânea e promete ajudar Portugal fora do campo militar, pois se, “na parte militar, os auxílios dos Estados Unidos eram necessariamente limitados, na parte económica e técnica certamente haveria possibilidades ainda não exploradas” (17).

É neste encontro com Themido que surge a oferta de cooperação no domínio das centrais nucleares. Esta informação é transmitida a Lisboa, que rapidamente elabora um plano para a instalação de uma central nuclear em Portugal. O plano português previa uma central nuclear com uma potência na casa dos 2100-2300 Mwe brutos e com um valor de custo estimado em 6,75 milhões de contos (270 milhões de dólares) (18). O plano previa ainda a participação da indústria portuguesa na fabricação de uma “parte do equipamento do primeiro grupo nuclear e igualmente uma intervenção de gabinetes nacionais de engenharia no respectivo projecto executivo” (19). O combustível nuclear para os reactores seria enriquecido nos EUA e fornecido depois a Portugal.


6. As vias tortuosas de Kissinger

Como já foi dito, Rui Patrício deu grande prioridade a este projecto, embora não se tenha esquecido da questão dos mísseis, porém, a estratégia portuguesa de romper as negociações surte o seu efeito. A 11 de Abril, o próprio Kissinger escreve ao ministro português reforçando as palavras de Rush quanto a uma cooperação em áreas não militares e pedindo a Patrício sugestões a esse nível e mantendo o interesse americano em continuar a usar as Lajes, o que terá motivado certamente Patrício a dar primazia ao projecto da central nuclear (20).

Embora não faça qualquer referência na carta à questão dos mísseis Redeye, a verdade é que o Secretário de Estado americano cumpre o que prometeu e encontra uma forma de fornecer os mísseis por canais tortuosos. Em finais de Abril, um lote de 500 mísseis Redeye chega à Alemanha Ocidental com destino a Portugal (21).  Os mísseis são fornecidos por Israel através de um intermediário alemão e com a anuência americana (22).  O número de mísseis encomendado mostra que os Redeye não se destinavam apenas à Guiné, onde as forças portuguesas necessitavam de cerca de 200 mísseis, mas também a outros pontos das colónias portuguesas. 

Os mísseis custam 209 mil contos, mas não há qualquer informação de que este valor seja coberto pelo empréstimo sul-africano (23). Rui Patrício tem conhecimento deste desfecho, pois na carta que escreve a João Hall Themido, a 23 de Abril, dá conta dos contactos estabelecidos “por uma entidade privada com o Departamento de Defesa Nacional que se revestem da maior importância”, embora admita que “não temos ainda elementos suficientes para avaliar a origem verdadeira desta iniciativa e a sua efectiva possibilidade de concretização.”

Ainda que seja omisso quanto ao verdadeiro teor da dita iniciativa, tudo indica que se tratam dos mísseis, dado que o ministro dá instruções ao diplomata português para que retome as negociações do acordo das Lajes com o Departamento de Estado, um sinal de que as discordâncias que levaram à suspensão das negociações foram ultrapassadas, embora aconselhe Themido a não fazer qualquer referência aos mísseis nos contactos que venha a fazer. 

Para Patrício, o elemento fulcral das negociações deverá ser a central nuclear e o respectivo plano de investimento, dado não ser possível obter formalmente dos EUA equipamento militar que possa ser usado em África. Mesmo assim, o ministro português considera que Themido deve insistir no fornecimento de quatro aviões de transporte C-130, que devido ao seu raio de alcance podiam facilmente ser usados para transportar tropas e carga para África, embora nada garanta que os EUA concordem com tal pedido. 

Além dos C-130, é também referido o interesse português em quatro aviões de patrulhamento marítimo P-3 Orion, ainda que Patrício considere que os mesmos não são uma prioridade no contexto da guerra colonial (24). 

Dois dias depois desta carta, o regime marcelista desaparecia com a Revolução de Abril e a oferta da central nuclear não voltaria a ser mencionada em futuras negociações do acordo das Lajes.

José Matos

[Revisão / fixação de texto para edição no blogue: LG]
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Notas do autor:

(1) Carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(2) Memorial sobre o acordo do empréstimo de 150 milhões de rands firmado com a República da África do Sul. Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), 18 de Setembro de 1975, ADN/F3/20/48/64.

(3) MATOS, José – “La Psychose des MiG dans la Guerre de Guinée”, in Airmagazine. Bagnolet. N.º 61, 2014, pp. 58-74.

(4) LOUDON, Bruce – “Portuguese rebels to get Russian MiGs”, in Daily Telegraph. Londres, 2 de Agosto de 1973, ADN, SGDN Cx. 3500.

(5) HERNÁNDEZ, Humberto Trujillo – El Grito del Baobab. 1ª Edição. Havana: Editorial de Ciencias Sociales, 2008, pp. 110-111.

(6) CAETANO, Marcello – Depoimento. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 1974, p. 180.

(7) THEMIDO, João Hall – “Dez anos em Washington 1971-1981”. 1ª Edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995, pp. 100-102.

(8) THEMIDO, op. cit., pp. 128-129.

(9) Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(10) Apontamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a conversa do Ministro com o Secretário de Estado Americano, Dr. Kissinger, em 9 de Dezembro de 1973, Lisboa, 10 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(11) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 4 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(12) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 11 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(13) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(14) Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra do MNE, 14 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(15) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 15 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(16) Telegrama nº 95 da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 8 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(17) Nota secreta da Embaixada de Portugal em Washington sobre as negociações para a renovação do Acordo dos Açores, Sessão de 18 de Março de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(18) Anexo à carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(19) Ibidem.

(20) Carta de Henry Kissinger para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, 11 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(21) THEMIDO, op. cit., p. 164.

(22) THEMIDO, op. cit., p. 146.

(23) Nota nº 1229/AF/74 do Estado-Maior General das Forças Armadas para o Director-Geral da Contabilidade Pública, Assunto: Aquisição de conjuntos míssil-lançador “REDEYE”, 31 de Julho de 1974, ADN Fundo Geral Cx. 833/9.

(24) Carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.