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sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20204: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (1): população e morbimortalidade; etnias, idiomas e religiões; doenças sexualmente transmissíveis



1. Infelizmente, os problemas de saúde materno-infantil e de saúde sexual e reprodutiva, hoje, na Guiné-Bissau (, país que amamos e onde temos amigos, ) continuam a ser muito graves...  

Há progressos, mas estamos ainda longe de ter os indicadores de saúde que desejaríamos para o povo da Guiné-Bissau, e que os guineenses merecem ter. O seu perfil sociodemográfico deve ser melhor conhecido, até porque alguns de nós continuam a lá ir com alguma frequência e/ou estão ligados a organizações não-governamentais que cooperam com a Guiné-Bissau, em diversos domínios, da saúde à educação.

De resto, a Guiné-Bissau integra, desde 1996, a CPLP -Comunidade de Países de Língua Portuguesa. E o nosso blogue tem como missão também construir pontes entre Portugal e a Guiné-Bissau.

Recentemente estivemos a ler o relatório da CPLP abaixo citado. Tem dados interessantes sobre a Guiné-Bissau e os estados-membros da CPLP.  Está escrito em português do Brasil: por exemplo, "fulani" em vez de fula, "soropositivo" em vez de seropositivo, "testagem" em vez de rastreio ou despiste... É, em todo o caso, um diagnóstico que tem muito  mérito, embora eventualmente  se ressinta do escasso tempo em que foi realizado o trabalho de campo, confinado a Bissau, e feito em menos de 4 dias, de 24 e 27 de agosto de 2015.  A autora do relatório é a Profª. Dra. Helena Maria Medeiros Lima, Pós Doutorada em Educação - Psicologia da Educação,  Bióloga e Doutora em Saúde Pública,  Psicóloga e Mestre em Psicologia Social.

Vamos reproduzir, aqui, com a devida vénia,  alguns excertos, dando início a esta nova série, "Guiné-Bissau, hoje: factos e números".

O relatório sobre a Guiné-Bissau corresponde ao capítulo 4 (da pag. 272 à pag. 337) do relatório final.

 Fonte:  Helena M. M. Lima - Diagnóstico Situacional sobre a Implementação da Recomendação da Opção B+, da Transmissão Vertical do VIH e da Sífilis Congênita,  no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa- CPLP: Relatório final, volume único,  dezembro de 2016, revisto em abril de 2018. CPLP -  Comunidade de Países de Língua Portuguesa,  2018 [documento em formato pdf,  643 pp. Disponível em:  https://www.cplp.org/id-4879.aspx]


(i) População e morbimortalidade:

A população total da Guiné Bissau é estimada em 1.852.284 habitantes, sendo 895.836 (49,5%) de homens e 911 588 (50,4%) de mulheres. É uma população considerada jovem, com média de idade de 19,9 anos, sendo homens: 19.4 anos e mulheres: 20.4 anos.

É uma população constituída por 64% de pessoas com menos de 25 anos, sendo a expectativa de vida ao nascimento é de 50.23 anos, sendo 48,21 para os homens e 52,31 para as mulheres.

A baixa esperança média  de vida tem a ver com  a alta mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias diversas, decorrentes tanto da escassez de alimentação como falta de condições de saneamento básico.

Em relação às Infecções Sexualmente Transmissíveis e a SIDA [, no Brasill, Aids], os homens têm maior letalidade, uma vez que não procuram os serviços de saúde (mesmo que solicitados a realizar testes e exames), e quando chegam ao médico, já apresentam quadros graves e de difícil tratamento medicamentos.

 (...) Cerca de 49,3% da população total de Guiné Bissau é urbana, sendo que as mulheres representam mais da metade da população (cerca de 51%),  e a taxa de fecundidade é considerada relativamente alta (4,23 crianças por mulher).

A taxa de contraceção [, uso de meios contracetivos], de 14,2% , é considerada baixa. A fecundidade, especialmente feminina, é um valor cultural intrínseco, e não ter filhos ou ter poucos filhos não é bem valorizado pelas famílias. Há relatos e estudos que afirmam que muitas mulheres fazem uso de métodos anticoncepcionais escondidas dos respectivos parceiros.

A mortalidade infantil teve patamares de 200 crianças mortas por cada 1.000 habitantes em 2005, despertando fortes reações sociais. Atualmente está estimada em 89,21 mortes/1000 nascidos vivos, e mesmo assim é o 5º país do mundo em mortalidade infantil.

A taxa de mortalidade materna é bastante elevada, sendo a 7ª no mundo, com 749 mortes/ 100 mil partos.

(ii)  Etnias, idiomas e religiões:

São pelo menos dez grupos étnicos a compor a população guineense, estimadas as seguintes proporções: Fula 28.5%, Balanta 22.5%, Mandinga 14.7%, Papel 9.1%, Manjaco 8.3%, Beafada 3.5%, Mancanha 3.1%, Bijagó 2.1%, Felupe 1.7%, Mansoanca 1.4%, Balanta Mané 1%.

Essa marcada diversidade étnica tem reflexos na linguagem, especialmente nos idiomas, e na cultura, em relação aos diversos e arraigados hábitos das etnias.

Em relação aos idiomas, o mais prevalente é o Crioulo, falado por cerca de 90.4% da população. O segundo idioma mais falado, sendo também idioma oficial da Guiné Bissau, é o Português, falado por cerca de 27.1%, seguido pelo Francês 5.1%, Inglês 2.9%.

A religião predominante é a Muçulmana: 45.1% [44,7%] da população; depois vem o Cristianismo com 22.1% [25,4%], os Animistas 14.9% [23,9%], e os cristãos evangélicos, com 5,8%.

A poligamia é legalizada, e o homem pode ter até quatro esposas, desde que possa sustentá-las. Os valores muçulmanos de não-aceitação da homossexualidade, do não-uso de drogas, de submissão da mulher e da condição de dependência financeira que as esposas ficam dos respectivos maridos precisam ser trabalhados tanto no setor preventivo como no âmbito da assistência em saúde pública e direitos reprodutivos, pois são valores que estão presentes na população junto a outras tantas influências culturais e religiosas e que podem, ao proibir e punir, abrir espaços de vulnerabilidade específica que precisam ser compreendidos e trabalhados.


(iii)  Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)

As Doenças Sexualmente Transmissíveis, segundo gestores e profissionais de saúde entrevistados, estão prevalentes em Guiné Bissau, sem, contudo, uma estatística específica.

As doenças mais prevalentes seriam o corrimento [, gonorreia ou blenorragia,] entre as mulheres, em particular mulheres jovens.

Em 2015 foram identificados e tratados 500 casos de DST,  porém não há notificação oficial sobre rastreio e tratamento das DST.

O dado mais recente em relação à sífilis é a estimativa que, dentre 5.666 mulheres grávidas testadas em consulta  pré-natal, 123 tiveram serologia positiva, ou seja, uma taxa de 2,1% . Mas não há notificação obrigatória da sífilis, e não há dados noutras outras populações.

A rastreio da sífilis é realizada durante a consulta pré-natal, porém há rupturas de estoques de testes, poucos testes disponíveis e dificuldades diversas em se obter a penicilina para o tratamento preconizado.

  (Continua)

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18667: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte I: o parto de Helga Reis, em Ponta Consolação, em 6 de janeiro de 1971


Guiné > Região Cacheu > Bula > Ponta Consolação >  CCAV 2639 (1969/71) > 6 de janeiro de 1971 > O fur mil cav Antónioo Ramalho, com o 1º cabo aux enf do seu pelotão, ajudam a vir ao mundo    Helga Reis.



António Ramalho, hoje---


... e ontem

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem omplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Mensagem, com data de 30 de abril último, de António Ramalho, ex-fur mil at cav, 
CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, nº 757, natural de Vila Fernando, Elvas (*):

Caro Luís Graça, boa noite:

Continuo a visitar o nosso blogue que considero fantástico em todos os seus aspectos desde o gráfico até aos seus conteúdos.

Não tive oportunidade de ter ido a Algés conhecer-vos, só conheço o Mário Fitas, e a Monte Real também é impossível já que nos fins de semana de 5 e 12 de Maio terei que estar no Alentejo.

Encarei os meus vinte e dois meses na Guiné com a determinação para aquilo que tínhamos sido preparados sem contudo nos armarmos em heróis, fomos 150 viemos 150, felizmente.

Além do enorme lote de operações que nos foram distribuídas, umas em conjunto outras solitárias, as coisas não correram mal!

Além disso reordenámos três zonas de Tabancas entre Bula e Binar.

As fotos que envio são da parte light da nossa missão, uma delas é a do momento mais alto da minha comissão, o nascimento da Helga [Reis], a outra não vale a pena recordar! (**)

Publicá-las será uma questão que deixo ao vosso livre critério, é a contribuição que posso oferecer.
Um forte abraço e até a um almocinho aqui para a zona de Lisboa ou arredores.

Subscrevo-me com estima​,

António Fernando Rouqueiro Ramalho

__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de outubro de 2017 >  Guiné 61/74 - P17888: Tabanca Grande (450): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, e novo membro da Tabanca Grande, com o nº 757... Faz parte da Associação de Alunos da Universidade Sénior de Vila Franca de Xira.

(**) Vd poste de 15 de outubro de 2017 Guiné 61/74 - P17864: O nosso livro de visitas (194): António Fernando Rouqueiro Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)....Será possível saber do paradeiro da menina Helga dos Reis que eu e o cabo enfermeiro do meu pelotão ajudámos a vir ao mundo, em 6 de janeiro de 1971, na tabanca de Ponta Consolação (Nhinte) ? A estar viva, terá hoje 46 anos 


(...) Fiz parte da CCAV 2639 (independente de qualquer Batalhão, sob o comando do Com-Chefe) desde outubro de 1969 até setembro de 1971, na zona de Bula, Binar, Bissorã (Bissum), substituída pela CCAV 3420, comandada pelo cap cav Salgueiro Maia [Bula, 1971/73].

Já fui convidado para lá voltar, o que recusei pois não quero presenciar a destruição de tudo aquilo que fizemos em prol das populações, nossos compatriotas na altura.

Além da parte operacional, fizemos o reordenamento das tabancas de Capunga, Pete e Ponta Consolação (Nhinte). Nesta última assisti ao parto, acompanhado pelo cabo enfermeiro do meu Pelotão, no dia 6 de  janeiro de 1971, de uma menina que logo a batizámos como Helga dos Reis.
A tabanca era chefiada por um cidadão chamado Eusébio. Esta menina terá hoje 46 anos, será possível saber do seu paradeiro, estará em Portugal? (...)

sábado, 25 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16235: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (1): O Parto - ou o nascimento do Adão Doutor em Bigene

1. A Joana, filha do nosso camarada Francisco Baptista, é amiga de Marcos Cruz, filho do ex-Alf Mil Médico Adão Cruz que passou pela CCAÇ 1547/BCAÇ 1887.

Como o Mundo é (muito) pequeno comparado com o nosso Blogue, criou-se aqui uma cadeia que começa nas memórias do Dr. Adão Cruz, que passam para o seu filho Marcos, que as envia à Joana, que as envia ao pai Francisco, que por sua vez as faz chegar ao Blogue.

Esperemos que esta seja a primeira de muitas e belíssimas histórias que só o pessoal de Saúde pode contar, a exemplo de tantas outras que felizmente recheiam o nosso espólio.


MEMÓRIAS DE UM MÉDICO EM CAMPANHA

1 - O Parto

Quando cheguei à Guiné, uma das primeiras preocupa­ções que tive foi começar a conhecer as pessoas e os costumes. Para além de ser uma tarefa aliciante, era a melhor forma de me libertar do medo da guerra e da perspectiva pouco animadora de um regresso encaixotado.

Conhecer um povo, ainda que pequeno, originário de quarenta grupos étnicos, fragmentado e encurralado física e psicologicamente em zonas estanques por impo­sição de uma violenta guerra de guerrilha, não era fácil e a desvirtuação constituía um perigo possível.

Tentei iniciar a penetração neste novo mundo através da abertura que a minha missão de médico facultava e facilitava.
Com o tempo as janelas foram-se abrindo e hoje revejo com alguma saudade o imenso painel de mil cores, esse mar de sensações e vivências que nenhuma memória pode esquecer.

As mulheres de Bigene, e não só de Bigene, pariam no mesmo local onde defecavam, uma pequena cerca de esteiras nas traseiras da tabanca, longe da vista das pessoas e sobretudo dos homens, como se o acto de parir fosse indigno e imprudente, obrigando ao mais submisso recato.

Como se não bastasse, uns dias antes da data prevista para o parto atulhavam a vagina com bosta de vaca, a qual sofria pútridas fermentações que exalavam o cheiro mais nauseabundo que imaginar se pode.

Os tétanos, quer da mãe quer do recém-nascido, eram extremamente graves e frequentes, soube eu mais tarde. 

Neste primeiro contacto fiquei boquiaberto e decidi actuar. Não seria difícil imaginar a resistência destas pessoas a qualquer tipo de reforma dos costumes, se não fosse tido em conta um facto importante.

Ao contrário do que se diz e do que se pensa, os negros, sejam eles homens ou mulheres, são muito espertos, nada ficando a dever aos brancos e superando-os em muitas coisas dentro da mesma escala de cultura.Estou disposto a comprová-lo através de exemplos sérios nascidos da minha experiência.

Só assim foi possível a rápida aceitação e compreensão dos esclarecimentos que fiz na tabanca acerca de infec­ções e higiene, acerca do papel da mãe, da dignidade do parto e das vantagens de este ser efectuado na nossa enfermaria, ainda que pequena e modesta.

Não demorou muito tempo a aparecer a primeira parturiente.

Era uma linda mulher grávida de termo que não falava nada que se percebesse. Não sou capaz de precisar nesta altura a etnia, mas lembro-me que nem os outros negros entendiam o seu dialecto.
Mas o seu sorriso, apesar das dores, era tão aberto e confiante que não precisávamos de melhor forma de comunicação e entendimento.

Até os olhos do meu enfermeiro Pimentinha brilharam de entusiasmo, entusiasmo que o levou a ler de ponta a ponta a minha sebenta de obstetrícia e a transformar-se em pouco tempo num habilidoso parteiro e carinhoso puericultor.

Nas minhas mãos um pouco trémulas eu segurava o fruto do primeiro parto que assisti na Guiné.
Era um belo rapazinho que, apesar da pobreza alimentar daquela gente, nasceu bem nutrido e de uma cor rosa-marfim.

Os negros nascem brancos, como se sabe. Uma deliciosa ironia anti-racista da natureza.

Embora as nossas dificuldades logísticas e económicas fossem grandes, lá consegui oferecer-lhe o alimento, sob a forma de leite condensado, indispensável aos primeiros meses de aleitamento, pois a mãe parecia ter esgotado todas as reservas das suas entranhas ao gerá-lo de ma­neira tão eutrófica e tão perfeita.

Umas semanas após o nascimento vem ter comigo o Chefe de Posto e diz-me sorridente:
- "Doutor, vou dar-lhe uma linda notícia que a mim, pes­soalmente, me enterneceu. A mãe daquele catraio... aquele primeiro parto que o doutor fez, lembra-se?... A mãe veio registá-lo há dias, oficialmente, com o nome de Adão Doutor".

************

Comentário do editor:

Utilizando a mesma cadeia que faz chegar a nós as memórias do Dr. Adão Cruz, convidámo-lo a fazer parte da nossa tertúlia, esta família de ex-combatentes da Guiné, onde o pessoal da Saúde tem um lugar especial.

Nem só de operações militares se fez guerra, as operações cirúrgicas foram bem mais importantes pois não distinguiam amigos ou inimigos.

Caro Dr. Adão, ficamos à sua espera, tem a porta sempre aberta.

CV
____________

Notas do editor

(*) - Vd. poste de 25 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16134: (In)citações (91): "Um gajo não sabe o que foi a guerra colonial", diz Marcos Cruz, filho do Dr. Adão Cruz, um dos médicos do BCAÇ 1887 (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)

sábado, 10 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11923: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (12): Djufunco, a hospitalidade felupe, a solidariedade portuguesa



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >  A caminho de Djufunxo > 9 de maio de 2013 >  Fotp nº 1 > O deserto do Cacheu



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 2 >  O Centro Materno-Infantil, construído pelo Instituto Marquês de Vale Flor com apoio da Comunidade Europeia



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 3 >  O Centro Materno-Infantil: a sala da maternidade


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 4 >  O Centro Materno-Infantil: a sala de espera (1)


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 5 >  O Centro Materno-Infantil: a sala de espera (2)


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 6 >  Aspeto exterior  do antigo espaço onde as mulheres davam à luz.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 7 > Aspeto interior do antigo espaço onde as mulheres davam à luz.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 8  > Aglomerado de pessoas junto à escola para receber os visitantes.



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  9 > Aspeto da dança guerreira efetuada pelas crianças da escola (1)





Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  10 > Aspeto da dança guerreira efetuada pelas crianças da escola (2)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  11 > Aspeto da dança guerreira efetuada pelas crianças da escola (3)

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]



1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau  (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte XII

por José Teixeira

O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete.

No dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira. Ba 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo.

No dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)...

É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7 foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar o Pel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,

A crónica nº 9, corresponde ao dia 6 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano! Na crónia nº 10, descreve-se a viagem até Varela, em 7 de maio. No dia 8, o grupo vai, de barco, até Elalab. Estamos em pleno chão felupe.

A crónica nº 12 é penúltima crónica do Zé Teixeira... Corresponde ao dia 9 de maio de 2013, passado na região de Cacheu, numa visita a Djufunco...  Próximas crónicas: 10 maio – Descanso em Varela;  11 maio – Regresso a Bissau e embarque de madrugada.



2. Parte XII: 9 de maiop de 2013, visita a Djufunco:

2.1. O deserto do Cacheu e o chão felupe

Entramos na reta final, nesta viagem de regresso à Guiné. Hoje, nove de maio, enfrentamos uma aventura diferente. Atravessar o areal que separa Suzana de Djufunko a norte do Rio Cacheu. Uma tabanca Felupe, só pode ser pelo seu isolamento, tão característico deste povo.

“Perdidos” entre o Rio Casamansa e o Rio Cacheu, com as suas tabancas construídas em espaços semidesérticos que envolve a região de Suzana e Varela, ou dentro desta região de beleza inconfundível, os Felupes de estatura elevada e grande robustez física, são um povo muito unido, fechado em si próprio, amigo do seu amigo, e de uma fidelidade profunda. Amantes da luta física como um desporto que praticam com paixão e os torna adversários temíveis.

São também conhecidos como peritos na azagaia e flechas como armas de eleição para a caça e defesa das suas comunidades. Se há dois anos atrás, na vista que fiz a Varela tive como segurança um velhinho guarda noturno que usava como arma um perigoso arco e respetivas flechas, o qual dormia a seu lado, toda a noite. Desta vez dispensamos segurança tal é a confiança que este povo nos inspira. Ainda há dias nos cruzamos em Ingoré com outro velhinho, antigo soldado portuguêsm  que vinha da caça com o seu arco, companheiro de muitos anos.

Pela sua forma de estar e ser, unidos e fechados na sua comunidade étnica, em que a honestidade e a seriedade é ponte honra, são vistos como pouco hospitaleiros pelas etnias envolventes, sobretudo a balanta. Não é verdade esta visão do povo Felupe. Trata-se de um povo simples, amante da sua terra que defende com vigor, que sabe acolher quem o visita com carinho e alegria. Aproveita para fazer festa, sem pedir nada em troca. Sentimos bem esta foram de estar em Elalab. Hoje vamos até Djufunko, uma tabanca perdida na areia que até há pouco tempo se servia da água de uma lagoa existente no meio da tabanca para as suas necessidades.

Um povo muito isolado pelo tipo de região em que vive, de acessos difíceis e afastada dos grandes centros. Esquecido e abandonada pelos poderes públicos, onde não existem qualquer infraestruturas de apoio à saúde,  bem-estar e ensino, a não ser as que vão sendo construídas pelas ONGDs locais como a AD e outras em parcerias com as organizações internacionais como a Tabanca Pequena, a Afetos com Letras, a Memórias e Gentes, a Tabanka,  a Plan International e outras. Um povo voltado para si próprio, orgulhoso dos seus princípios e formas de estar, simples e pobre, mas com história.

É acusado de canibalismo em tempos que se foram, mas acima de tudo é um povo trabalhador em que a mulher tem um papel muito importante na gestão das comunidades locais.

Às nove horas da manhã o condutor Bemba e o guia Kissimá esperavam-nos solícitos e preocupados com a água que precisaríamos de levar para matar a sede, porque o calor ia ser muito. Rapidamente nos conduzem até Suzana pela picada cheia de gente. Crianças a caminho da escola que nos dizem adeus e pedem “caneta,caneta” e adultos à porta das moranças ou envolvidos no trabalho diário.

Embrenhamo-nos no “deserto”, sentados, eu e o Francisco na caixa da carrinha aberta, para melhor desfrutarmos do ambiente que nos rodeia. Aliás, as nossas viagens pelo interior foram feitas sentados no descoberto da viatura para saborear tal como nos tempos idos da guerra a paisagem tão rica de beleza natural, pese embora, muito destruída devido à incúria das autoridades que facilitam o criminoso abate da floresta em troca de benesses pessoais, como está mais que provado.





Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  12  > Os Régulos da Tabanca, Alberto Sambú (o mais novo) e o Necolá Djata, com os seus banquinhos que os acompanham sempre.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  13 > Uma oferta simbólica das crianças da escola aos visitantes.

 .

Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  14 > A placa do poço construído pela AD com o apoio da Tabanca Pequena e a Câmara Municipal da Maia.




Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  15 > A lagoa de onde se abasteciam de água para consumo.



 .Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  16 >  O poilão sagrado e o altar para as ofertas e rezas ao Irã.




Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  17 > A seca de três qualidade de arroz.




Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  18 > O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente (1) 


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  19 > O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente (2)


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  20 >  O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente (3).


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]



 2.2. A receção festiva dos felupes de Djufunco

Após cerca de uma hora de marcha lenta no areal, percorrida em potente jeep com tração às quatro rodas, com alguns atolamentos forçadas pelo caminho, vencidos com dos músculos dos turistas e populares que conseguiram uma boleia, chegamos a Djufunko.

Um grupo de mulheres esperava junto ao Centro Materno infantil, construído com o apoio da Comunidade Europeia. Fomos recebidos em festa, como é peculiar das gentes desta linda terra. Aproveitam todos os momentos para nos apresentar o seu folclore tradicional, a dança do batuque, cada etnia a seu jeito, sempre num ritmo contagiante. 

Visitamos de seguida o referido Centro acompanhados pela Comissão de mulheres responsáveis pela sua gestão. Dá prazer entrar dentro destes espaços e verificar a forma cuidada como são tratados. Muito limpo e asseado, com cada coisa no seu lugar. A comparação com o local em céu aberto ali mesmo ao lado, onde as grávidas até há pouco tempo sofriam os trabalhos de parto a diferença é abissal, daí o carinho e respeito que o Centro lhes merece. Elas que apenas queriam um espaço reservado onde pudessem ter os seus rebentos em lugar fechado e longe dos olhares curiosos, foram brindadas com duas salas, equipadas com o material minimamente necessário para facilitar um parto em ambiente reservado, limpo e higienizado. Organizaram-se em comissão para gerir o Centro e acolher devidamente as parturientes. 

As “matronas”, mulheres que adquiriram alguns conhecimentos práticos de apoio ao trabalho de parto expressam a sua alegria por terem agora melhores condições para executarem a sua nobre missão. Cá fora num espaço coberto com capim, espécie de sala de espera as outras mulheres aguardavam a nossa visita ao Centro Materno-Infantil para de seguida nos acompanharem até à escola, onde recentemente a Tabanca Pequena financiou a construção de um poço de água, de modo a garantir qualidade mínima na água de consumo para beber e cozinhar.

E a festa de receção continuou, agora com todas as crianças de escola, cerca de duzentas em festa. Receberam-nos com uma dança guerreira bem ritmada e acompanhado por cânticos a condizer. Espetáculo digno de se ver e apreciar, pelas vestimentas, pelo ritmo, pela alegria e pelos sons instrumentais, tudo isto, aliado à sonoridade dos cânticos e gritos típicos dos Felupes.

Os homens grandes, liderados pelos dois régulos,  estavam presentes para nos darem as boas vindas e agradecer em nome das crianças a construção do poço, junto à escola, pela qualidade da água que agora podem desfrutar. De recordar que até há pouco tempo a água para consumo era retirada de umas grande lagoa que existe no centro da população, sem o mínimo de garantia de potabilidade.

Do discurso do velho régulo Necolá Djata, sentado no seu banco recoberto com pano vermelho,  registei uma frase que me emocionou profundamente – “fostes para nós uma janela que se nos abriu para o mundo, porque nos ajudaram a ver que há outras formas de podermos ajudar o nosso povo a ser mais saudável e feliz”.

Seguiu-se uma visita guiada à tabanca,  tendo como cicerone o régulo Coronganço (Augusto) Sambú, com quem pudemos conversar em português corrente, sobre os usos e costumes do seu povo.

O régulo faz-se acompanhar de um pequeno banco em madeira, onde só ele se pode sentar, sob pena de perda de vida. Mesmo quando nos acompanharam pela tabanca, levavam o banco debaixo do braço e,  quando parávamos, sentavam-se nele. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho.

Pudemos visitar o chão sagrado debaixo do poilão onde o povo simples vai encontrar-se com o Irã, o espírito superior, para implorar proteção e cura dos seus males, bem como o local sagrado onde os homens grandes se reúnem para decidir sobre as grandes questões que afetam o seu povo.

Neste local sagrado, os dois Régulos sentados no seu banco tradicional explicaram como se desenvolvem as reuniões da comunidade, cujas decisões são seladas com um jantar bem regado com vinho de palma e aguardente de cana. Do animal morto para o repasto ficam ali guardados a cabeça ou parte da dentuça como sinal de que houve acordo e o mesmo deve ser posto em prática. Isto fez-me lembrar os meus tempos de criança quando os homens de negócios nesse interior de Portugal selavam os seus acordos com uma caneca de saboroso vinho.

Registemos os seus pedidos. As crianças pediram uma televisão para a escola. As mulheres pediram medicamentos para que o enfermeiro que visita a tabanca uma vez por mês tenha “mezinho” para curar os seus males e os homens na pessoa do régulo Sambú pediram-no para voltarmos mais vezes.

Dá que pensar!

A hora da despedida é sempre a mais difícil. Recordo com saudade o fraterno abraço do régulo Augusto Sambú apelando ao meu ouvido para voltar.

O resto do dia, após o almoço em casa do Pepito e uma repousante sesta, foi passado na bela praia de Varela a saborear o excelente Algarve africano.

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de agosto de 2013 >  Guiné 63/74 - P11897: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (11): Visita ao Centro de Saúde Materno-Infantil de Elalab, em pleno chão felupe

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11897: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (11): Visita ao Centro de Saúde Materno-Infantil de Elalab, em pleno chão felupe



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > 8 de maio de 2013 >  Foto nº 13 > No regresso da visita a Elalab, um merecido almoço em Varela à sombra de um frondoso cajueiro.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela >  8 de maio de 2013 > Foto nº 14 > O frondoso cajueiro sob o qual os casais Silva e Teixeira almoçaram, depois do regresso de Elalab.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > A caminho de Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 1 > O caiaque Tabanca Pequena (oferecido pela ONG Tabanca Pequena) vai acostar para nos recolher


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > A caminho de Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 2 > O caiaque Tabanca Pequena.... Instaladas as damas, lá vamos nós rio abaixo


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > De Varela para Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 3 > O caiaque Tabanca Pequena... O Silva vai "atento ao inimigo"...


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 4 > A recepção da população local



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 5 > Aspecto exterior do Centro Materno-infantil





Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 7 > Até que enfim!,  já há um registo oficial dos nascimentos na tabanca de Elalab. Que grande avanço!




Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 12 > Um grupo de miúdos da escola local.



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 6 > Encontro com a comissão de mulheres gestoras do Centro, vendo-se em primeiro plano a coordenadora... 





 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 8 >  As primeiras crianças a nascer (1)


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 9 >  As primeiras crianças a nascer (2)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 10 > Inesquecíveis momentos de diálogo em dois dialetos (o felupee o crioulo) e uma língua (o português)... O diálogo possível entre mães.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 11> A minha perdição: as crianças!



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 13 > No regresso a Varela apreciamos os viveiros de ostras nas plantas aquáticas das margens do rio.


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte XI

por José Teixeira


O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete.

No dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira. Ba 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo.

No dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)...

É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7 foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo daCART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar oPel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,

A crónica anterior a nº 9, corresponde ao dia 6 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano! Na crónia nº 10, descreve-se a viagem até Varela, em 7 de maio. No dia 8, o grupo vai, de barco, até Elalab..

Próximas crónicas: 9 maio- Visita a Djufunko e um cheirinho de praia em Varela; 10 maio – Descanso em Varela; 11 maio – Regresso a Bissau e embarque de madrugada, de regresso a casa.

2. Parte XI> 8 de maio de 2013:  Em pleno chão felupe, visita ao Centro Materno-Infantil de Elalab

Foi um acordar sossegado, nesta manhã do dia 8 de Maio. Varela, terra banhada por um mar de águas cálidas e belas praias convida a uma pausa no ritmo de vida que vimos tendo desde que aterramos na Guiné-Bissau. 

Acordo ao som da cristalina água que se espreguiça nas areias brancas e finas, acompanhado por um sonoro chilrear da passarada que me transporta ao ano de 1968 em Ingoré, a umas dezenas de quilómetros, onde eu também acordava ao som dos passarinhos, mal o sol despontava. 

Nesse tempo era impossível percorrer a distância Ingoré a Varela sem uma escolta bem armada e por essa razão, pura e simplesmente não se fazia. De Varela ficou a recordação (segundo diziam) de que era uma praia maravilhosa, onde a famosa Brigite Bardot teria feito umas belas férias antes da guerra pela independência ter começado, e ficou o sonho secreto de um dia visitar Varela.

Terra de paz e sossego, foi um dos primeiros espaços territoriais a ser atacado no início da guerra, pelo seu valor turístico e simbólico. Ficou desde então reduzida ao esquecimento. Se durante a guerra não havia condições para manter o turismo, apesar dos povos autóctones, de maioria Felupe, serem pacíficos, e fiéis, contrariamente ao que se fazia constar de que eram canibais.

As novas autoridades [, da Guiné-Bissau,], talvez por castigo pela não adesão à causa, mantiveram toda esta região no esquecimento. Sem pontes nem estradas, sem assistência de qualquer espécie. De recordar que a ponte sobre o Rio Mansoa foi aberta em 2003 e a de S. Vicente sobre o Rio Cacheu foi inaugurada em 2009, quebrando assim o isolamento da Guiné- Bissau para Norte por S. Domingos até ao Senegal. As velhas jangadas a pedir reforma há muitos anos eram um atraso de vida para quem precisava de se deslocar para lá da terra para tratar da saúde, fazer compras ou vender os produtos da terra.

Varela ficou assim mais perto de Bissau, apesar de serem precisas mais de duas horas para cobrir os cerca de 60 quilómetros que separam esta Tabanca da cidade de S. Domingos, devido ao mau estado da picada que as une, se for na época seca. Na época das chuvas, creio que o tempo duplicará, mesmo com um condutor experiente.

Da forte herança colonial destruída durante a guerra há as ruinas de um hotel à beira-mar e alguns resíduos de construções, talvez habitações e bares junto à praia. Ruinas que o mar se apressa em destruir no seu caminhar pela terra adentro.

A umas dezenas de metros da praia, algumas construções modernas, propriedades de guineenses com algumas posses, residentes em Bissau, e que aos fins-de-semana, tal como em Portugal, procuram este local para descansar, agora que as pontes e a estrada alcatroada até S. Domingos lhe permitiram reduzir o tempo de estrada. Um pouco mais afastada, fica a Tabanca, onde a Chez Héléne da Fá é uma referência de bom comer e bem-estar.

Varela está nas bocas do mundo e no pensamento dos políticos locais pelo valor acrescentado que as jazidas de Titânio e Zircão, lhe vieram trazer. Metais raros, de grande utilidade para a fabricação de peças de aviões e componentes para telemóveis, cuja exploração está a ser disputada por russos e chineses, para enriquecimento não da população local mas dos políticos como sempre acontece.

Bem pelo contrário, a população pode vir a sofrer consequências nocivas, não só pela perigosidade para a saúde, pelas substâncias cancerígenas usadas na sua exploração, mas também pelo desastre ecológico que a sua exploração pode provocar, nomeadamente a contaminação do lençol freático e a poluição do ecossistema rico em orizicultura e piscicultura.

Depois do pequeno-almoço que a Satu, filha do nosso cicerone, o Kissimá, nos preparou com carinho, partimos de novo. O nosso motorista, sempre pronto, como nos tempos em que era 1º cabo do exército português, estava à espera. Seguimos até Suzana, internamo-nos na mata até encontrarmos as margens do rio que se espreguiça pelas terras bolanhosas inundando-as de água salgada tornando-as improdutíveis. Mais, impede a circulação de pessoas, isolando as populações de forma impiedosa.

Para chegarmos a Elalab, o nosso destino de hoje, temos dois caminhos à escolha: (i) uma viagem pelo areal desértico, seguida de uma caminhada através de um dique construído por mão humana, que nos levará pelo menos três e horas de canseira; ou (ii) uma viagem de barco – O Tabanca Pequena, em homenagem à Associação Tabanca Pequena ONGD que o ofereceu à população desta tabanca há cerca de dois anos, reduzindo assim o tempo de chegada a Suzana para cerca de 45 minutos, navegando ria acima e pondo de lado a longa caminhada no quente e desértico areal.

[Não conseguimos identificar, nas nossas antigas cartas militares, a posição exata de Elalab. De qualquer modo nas férias, estamos com acesso limitado á Net, LG.]

Sem dúvida, que a opção foi a viagem de barco. Se atravessar as picadas do Cantanhez no Sul da Guiné, por vezes sentimos um arrepiar da espinha, ao rever mentalmente outros tempos bem mais difíceis. Este arrepiar que era felizmente compensado com o acolhimento de irmãos, somos, proporcionado pelas populações por onde passamos. Agora descer o rio com aquelas margens fechadas de floresta virgem e o ruido do pequeno motor a avassalar o ambiente, transporta-nos de novo ao tempo em que por detrás de cada árvore gigantesca que povoavam as suas margens estava um perigoso “turra” de RPG apontando ao couraçado da LDM que nos transportava para qualquer operação de “pacificação” e logo eu que não sei nadar!

Aqui, nas margens deste rio, de águas calmas e tempos de paz, as ostras colam-se aos rebentos das plantas aquáticas imprimindo aos seus troncos banhados pelas águas uma cor esbranquiçada. Um bom prenúncio para o que nos espera nesta laboriosa tabanca Felupe.

Junto ao cais improvisado, as crianças da escola local, mulheres e homens esperavam expectantes. O barco dobra a curva do rio e eis que uma multidão começa a cantar e a dançar, abrindo clareiras para os “ilustres” visitantes passarem, logo que o barquito atraca no tarrafo. É desta forma, alegre e expansiva que a população de Elalab acolhe estes dois casais [, os Teixeira e os Silva], em visita de cortesia.

No Centro Materno-Infantil, uma pequena construção pedida pelas jovens mulheres cansadas de sofrer as dores da maternidade em espaço aberto e que a AD- Acção Para o Desenvolvimento com o apoio das ONG TABANKA [, alemã,] e Tabanca Pequena, construiu e garante a manutenção, fomos recebidos pela comissão de mulheres que gerem este projeto.

Inesquecíveis momentos de diálogo em três dialetos: o felupe, o crioulo e o português. Mas deu para entender, os seus sonhos: Ter um espaço íntimo e reservado para o trabalho de parto, com o mínimo dos mínimos de condições de higiene; ter algum equipamento para facilitar as tarefas, ter medicamentos, sobretudo Paracetamol para as dores de cabeça e Quinino para a malária das crianças.

Ao ser-lhes perguntado, se não estavam precisando de mais nada, a coordenadora sorriu e disse que tinha de ir reunir com as outras pessoas (mulheres) que estavam cá fora para lhes perguntar. Feita a consulta, pediram-nos uma televisão para a escola. Aguardamos que a AD confirme se na região há sinal de TV, mas a televisão vai aparecer com toda a certeza.

Que lição, para os homens de mulheres de hoje, deste mundo consumista!

Seguiu-se o encontro com um grande grupo de homens, mulheres e crianças que nos esperavam no exterior à sombra de gigantescos poilões e, enquanto esperavamos pelas deliciosas ostras que estavam algures a ser preparadas para nós saborearmos, fomos ouvindo uns e outros a falarem de dificuldades, de sonhos, de esperança, ao mesmo tempo que aprofundávamos os nossos conhecimentos sobre a história deste povo, o felupe, que continua a usar o arco e flecha com maestria, alheio às novidades tecnológicas que tem um sonho – ter um médico que os visite de longe a longe e medicamentos para lutar contra a malária. Por ora têm apenas um enfermeiro, que de motoreta, e há que dar graças a Deus, uma vez por mês os visita, mas vai sempre de mãos vazias.

O Centro Materno Infantil, neste cerca de ano e meio de vida, acolheu quinze parturientes. Catorze crianças vivas e saudáveis vieram ao mundo, trazidas por suas mães ajudadas pelas mãos daquelas mulheres (matronas) que se entregaram a este projeto, apenas e só por amor à vida renascida em cada criança que chega a este mundo. A décima quinta ficou pelo caminho, sem ver a luz do sol, mas há duas mães esperançosas e sorridentes à espera do seu momento. Que seja um feliz momento.

Maldito tempo que desaparece sem darmos por si. Chegou a hora da despedida. Abraços sentidos, sorrisos de esperança e dor. Um reforçar dos pedidos – mezinho para as crianças, a televisão para a escola e… partimos de novo, rio acima até Suzana, onde nos esperava o Bemba para nos transportar a Varela e à sombra de um frondoso cajueiro bem carregadinho de fruto, saboreamos o petisco de frango que a Satu nos preparou com todo o carinho, neste almoçar tardio, depois de uma manhã cheia de emoções e aventuras.

Depois de um merecido descanso, um passeio pela costa marítima à procura do local ideal para uma banhoca nas mornas e serenas águas do Atlântico.

E assim se passou mais um dia de aventura nesta nova Guiné, a Guiné-Bissau.
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Nota do editor:

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11697: Estórias avulsas (64): O parteiro / aparadeiro que eu não cheguei a ser, numa tabanca algures no regulado do Corubal, em abril ou maio de 1973 (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) > Jovem mãe (fula), do regulado de Badora.

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.

A. Mensagem do Jorge Araújo [, foto atual à direita],
com data de 19 de abril pp.

Assunto: Parteiros/aparadeiros

Caríssimo Camarada Luís Graça,

O pedido,  formulado no e-mail de 17.03.2013 [, em comentário ao poste P11266] (*),  não ficou esquecido. É um facto que a resposta tardou, mas aqui vai ela, em anexo.

Trata-se de mais um "docinho" para colocar na mesa do Aniversariante que no próximo dia 23 do corrente, 3ª feira, fará NOVE ANINHOS. [Referência ao 9º anivbersário do nosso blogue].

Que sejam todos muito felizes, com muita saúde. Um forte abraço do

Jorge Alves Araújo, 
ex-Furriel Mil Op Esp/ Ranger, 
CART 3494  (Xime e Mansambo, 1972/1974)

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B. UMA PARTURIENTE QUE NÃO DEU À LUZ E UM (AUTO)PARTO NÃO ASSISTIDO (Entre duas emoções fortes vividas no mesmo dia em 1973)

por Jorge Araújo [, foto à esquerda, c. 1972/74] (**)


Influenciado pela sugestão do camarada Luís Graça, por ter lançado o mote para a narrativa de (mais) episódios ocorridos durante a comissão de serviço na Guiné, mas agora na especialidade de «parteiros/aparadeiros», decidi dar um passo em frente e, recorrendo à minha memória de longo prazo, pois já fez ou vai fazer quarenta anos de gravação, dar-vos conta de uma história que acabou por se transformar em duas, como o próprio título deixa transparecer.

I – UMA PARTURIENTE QUE NÃO DEU À LUZ

Num domingo do mês de Abril ou Maio de 1973, que não consigo precisar, agora no aquartelamento de Mansambo para onde a CART 3494 se transferiu do Xime em Março desse ano, o meu pelotão estava de «intervenção».

Por volta das 08:00 horas, a central rádio da Companhia recebe uma mensagem dando conta de uma mulher guineense, localizada numa tabanca a cerca de doze quilómetros de distância, em final de tempo de gravidez, estava em dificuldades no seu processo de trabalho de parto, devido à criança estar atravessada no seu ventre, apelando por auxílio urgente.

Para o desempenho desta missão específica foi convocado o meu camarada ex-furriel (mesinho) Carvalhido da Ponte, também ele grã-tabanqueiro, por ser o mais especializado na matéria. Como não podia ir sozinho (ninguém o deixaria fazer!),  reuni os elementos do meu Gr Comb e em duas viaturas Unimog lá fomos em socorro de quem o solicitara. O itinerário foi todo ele percorrido em picada, e parte dele feito a pé, por razões de segurança, como não poderia deixar de ser.

Chegados ao destino, os elementos do Gr Comb foram-se posicionando ao longo do perímetro das moranças, mas o mais operacional era agora o camarada Carvalhido da Ponte, pois tinha de arregaçar as mangas e pôr-se a trabalhar para salvar uma vida .. ou as duas. O tempo ia passando e … nem bebé, nem luz, nem ambos.

Enquanto aguardávamos pelas notícias positivas vindas do Carvalhido da Ponte,  eis que:

II – UM (AUTO)PARTO NÃO ASSISTIDO

Neste tempo de expectativa e, simultaneamente, de descanso mais ou menos activo, em que era obrigatório estar-se atento a tudo o que era passível de ser observado à minha/nossa volta, por tratar-se da primeira vez que aí nos deslocávamos, local cujo nome não consigo recordar, particularmente porque a ele não voltei, pelo que não o poderei referir neste contexto, o que lamento.

Quando vagueava por entre as diferentes palhotas, seleccionando as melhores sombras, pois o calor aumentava a cada minuto, e os ponteiros do relógio indicavam então (já!) 13:30 horas (hora de almoço), foi grande o espanto provocado pelas imagens que estavam no meu horizonte visual.

No interior de uma palhota, sem porta, mas com uma entrada um pouco maior do que era habitual, uma mulher guineense, numa posição de pernas afastadas, com os joelhos flectidos e com o tronco a 90º, segurava com as suas duas mãos uma pequena cabeça de um novo Ser que estava em processo de dar à luz, em regime de autoparto, ou parto não assistido, mas com um assistente, não convidado, a curta distância do acto.

A primeira avaliação sobre o que os meus olhos registavam não dava por adquirido tratar-se do nascimento de um bebé, uma vez que o corpo desnudo da mulher/mãe estava a três-quartos, de costas para o exterior. Mas com uma pequena correcção da nossa posição, ficámos sem dúvidas: era mesmo verdade. Era uma imagem plena de significado e um momento singular poder assistir a um fenómeno da natureza humana como é o do nascimento, ou seja, a primeira grande transcendência da vida … sendo a morte a derradeira transcendência do Homem.

Com as pernas ensanguentadas, a criança totalmente fora e com recurso a um canivete acastanhado, tal era a ferrugem de que estava impregnado, a mulher/mãe corta o cordão umbilical, prepara o umbigo do bebé, coloca a sua criança em cima de uma esteira que está perto de uma pequena fogueira situada a um canto daquele espaço térreo e sai com uma terrina de cabaça na mão, enrolando a parte inferior do seu corpo com um pano tradicional (semelhante à imagem).

Segue em direcção à vegetação que se encontra mais ou menos  a vinte metros da sua palhota, penetrando no seu interior. O seu destino era uma fonte ali existente, onde tomou o seu primeiro banho pós-parto. Acompanhei com curiosidade o seu regresso, continuando a gravar este “filme” de uma realidade bem diferente da dos povos mais desenvolvidos, e em que, neste caso, o actor é simultaneamente o seu realizador.

Com a terrina à cabeça cheia de água, esta destinava-se a ser utilizada na limpeza daquele que era o seu quinto filho, como vim a saber depois de ter estabelecido um pequeno diálogo com aquela mulher grande, tal era a minha admiração.

Contemplei o que foi possível, mas a jornada tinha ainda outras tarefas para cumprir. De regresso ao local onde a outra mulher gemia com dores, e o camarada Carvalhido da Ponte, no seu labor, não conseguia resolver o problema que estava à sua frente, foi decidido requisitar/chamar um helicóptero para evacuar esta mulher para o Hospital de Bissau, uma vez que corria risco de vida.

Concluída esta missão, regressámos ao aquartelamento a meio da tarde, para almoçar, depois de termos vivido entre emoções com significados bem diferentes.



Regulamento do concurso do DN - Diário de Notícias


III – O CONCURSO «UMA GUERRACEMPALAVRAS»

Em Setembro de 1997, o Diário de Notícias lançou à opinião pública, em particular aos ex-combatentes dos três T=, o concurso «Uma GuerraCemPalavras», ao qual decidimos participar com a história referente à primeira situação.

Porque o concurso foi realizado há mais de quinze anos, e porque certamente nem todos a ele tiveram acesso, tomei a liberdade de vos dar conta do seu regulamento, bem como do meu conteúdo sujeito à avaliação do júri.

O DN sugeria:

Escreva uma história sobre a Guerra Colonial e Ganhe 8 viagens a África.

Regulamento

1. “uma GuerraCemPalavras” é uma iniciativa do Diário de Notícias que acolhe narrativas ficcionadas sobre o tema da guerra colonial em África (1961-1974) ou relacionadas com as suas origens e consequências directas, em que o limite máximo do texto é de cem palavras, incluindo o título.

2. Para efeito de contagem, consideram-se palavras todos os vocábulos autónomos, independentemente do seu tamanho ou função gramatical. Por exemplo: em “a Joana e a Maria disseram-me que tinham usado pó-de-arroz” são contadas dez palavras.

3. Todas as histórias têm de incluir título e texto.

4. Podem participar nesta iniciativa todas as pessoas que o desejem, independentemente da idade, profissão ou local de trabalho e sem número limite de histórias concorrentes.

5. Um júri presidido pelo director do Diário de Notícias apreciará os trabalhos e decidirá da sua publicação, não havendo direito a recurso da sua decisão.

6. Os participantes nesta iniciativa prescindem, por esse facto, de todos os direitos autorais pelos trabalhos publicados, excepto aqueles que venham eventualmente a ser-lhes atribuídos no caso de ser editada uma colectânea em livro.

7. Os 4 melhores trabalhos apresentados, um em cada semana, além da publicação nas páginas do Diário de Notícias, irão receber como prémio (para cada um dos trabalhos) uma viagem para duas pessoas (não inclui alojamento) para um destes destinos: Maputo, Luanda ou Bissau.

8. Para participar, basta enviar – ao Diário de Notícias, “Uma GuerraCemPalavras”, Avenida da Liberdade, 266, 1250 Lisboa – um exemplar dactilografado ou manuscrito em letra legível, assinado com nome próprio ou pseudónimo, acompanhado dos elementos de identificação do autor (nome completo, bilhete de identidade, morada e assinatura). Os originais não serão devolvidos aos seus autores.

9. Os textos podem ser enviados ao DN até ao próximo dia 7 de Outubro.

10. As histórias vencedoras (uma por semana) serão publicadas, aos sábados, de 27 de Setembro a 18 de Outubro.


Texto a Concurso

«Na Guerra para salvar vidas; outras estão em risco»

Eram oito da manhã quando a mensagem chegou via rádio: uma jovem guineense estava em dificuldades no trabalho de parto.

Mobilizados os militares disponíveis e o respectivo transporte – o aldeamento ficava a quinze quilómetros – logo partimos em seu auxílio munidos dos escassos recursos que dispúnhamos.

Queríamos salvar uma vida … ou duas.

Mas, chegar à mãe angustiada, era necessário percorrer doze quilómetros de picada, a pé, sujeitos a emboscadas e a rebentamento de minas. Por coincidência, foram detectadas duas. Chegámos ao destino passadas duas horas.

A criança, porque estava atravessada na barriga da mãe, foi necessário evacuá-la(s) de helicóptero para Bissau.

Fantasma do Xime


Na oportunidade, aproveito para dar os PARABÉNS à nossa «TABANCA GRANDE» pela passagem do seu 9.º Aniversário, bem como desejar muita saúde e sucessos ao grande colectivo que a alimenta.

Um grande abraço para todos.

Jorge Araújo.
Abril/2013.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de março de 2013 >  Guiné 63/74 - P11266: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (11): Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças

(**) Último poste da série > 22 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11296: Estórias avulsas (63): O menino que não sabia ler (António Eduardo Ferreira)

domingo, 17 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11266: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (11): Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças


1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XI) (*) [, Foto à esquerda, em Catesse, janeiro de 2012,  crédito fotográfico: Pepito]

5 de Março de 2012

O gerador avariou-se de todo no dia 1! O depósito da água, ontem, ficou vazio. Agora é mesmo estar em África! Mais uma vez tem sido a lanterna solar e a lanterna de cabeça que o Paulo me deu para a pesca que me têm valido. A Judith, uma jovem francesa da idade da minha Mariana que está em Madina (tabanca que fica a 3 km) a estudar questões genéticas dos chimpanzés, fez-me o favor de levar o computador para o carregar no painel solar. Comprei 2 litros de gasolina para a Satu pôr o pequeno gerador que tem no restaurante a trabalhar e carregar o meu telemóvel. 

A água é o mais complicado pois o poço da tabanca fica longe daqui mas os meus vizinhos já ontem providenciaram para que não me falte água em casa. Aqui, mesmo quando há água na torneira, tenho bem a noção da sua preciosidade e por isso quase toda a água é reaproveitada. É difícil tomar banho de água completamente fria e por isso todas as manhãs ponho um bidão com 10 l de água ao sol. É o termómetro, quanto mais quente está a água à noite mais quente esteve o dia. Depois ponho a água numa grande bacia e tomo banho de púcaro. A água restante vai para o balde da esfregona ou serve para pôr roupa de molho ou para regar as plantas dos meus canteiros. Só quando a água tem muito detergente é que é atirada para o terreiro. Só não costumo deitar água suja de lavar a loiça na sanita para não a engordurar mas agora tenho de repensar esta questão.

Tudo aqui tem um valor bem diferente do que tem na Europa. Há dias, um turista italiano, antes de se ir embora, ofereceu-me uns quantos sacos de plástico forte, daqueles pretos que usamos em Portugal para o lixo, mas fortes. A alegria que senti! Parecia que tinha recebido uma grande prenda! Uma garrafa de água de plástico vazia tem aqui um enorme valor, as pessoas fazem de tudo para ficarem com elas pois servem-lhes para imensas coisas. A minha saboneteira é uma caixa vazia de queijo Filadélfia que comprei em Bissau quando vim. Guardo latas (já tenho uma de leite Nido em cima da secretária com elásticos e pioneses, todas as semanas gasto duas de refrigerantes que são os cinzeiros da casa de banho e da varanda), garrafas de cerveja vazias (tenho 4 para o que der e vier), sacos de plástico que não estejam rotos (a maioria dos que há aqui rompem-se logo porque são muito rascas) são lavados e reutilizados, caixas da manteiga vazias são lavadas e guardadas (servem para dar de comer aos gatos, para levar para a pesca para pôr o isco, para o que fizer falta), o frasco do creme de dia foi bem lavado e agora está com canela. 

Diferentemente do que as pessoas fazem aqui, eu separo o lixo – queimo os papéis e cartões que não reutilizo, as beatas, garrafas, latas e plástico sem utilidade vão diretamente para o poço seco e o lixo orgânico vai para os gatos, para as cabras ou é atirado para o mato. Quero aprender a fazer composto mas sem Internet tudo é mais difícil. Creio que já convenci o Abubacar a fazermos uma pequena horta aqui ao pé de casa. O Abubacar é engenheiro agrícola, especialista em horticultura e fruticultura e é fruticultor mas ….. como não estão habituados a comer legumes não fazem horta pois a rega dá muito trabalho. Mas assim que voltarmos a ter gerador, e consequentemente água, vamos fazer os viveiros. 

Também não sei por que razão é tão difícil comprar aqui papaias. Ontem um senhor em Camucote disse-me que a papaieira não se dá muito bem nesta região. Aqui há muitos citrinos – laranjas, mandarinas, diversas variedades de limões. Se não posso comparar os citrinos com os do Algarve considero, no entanto, um privilégio tê-los com fartura. 

Tudo aqui me sabe muito bem. Aquilo que mais facilmente conservo em casa (sem frigorífico) para o pequeno-almoço é queijo de bola que mando vir de Bissau. Ah, como me sabe bem o queijo de bola! Há dias dei à Judith, a francesa que vive em Madina em condições muitíssimo piores que as minhas, um pedaço de pão com queijo! Que alegria lhe proporcionei! 

Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças. Como não têm brinquedos ocupam-se a maioria do tempo a fazer algum trabalho. No sábado acordei com espírito de agricultora, mas como não podíamos ir fazer os viveiros porque não tínhamos água, resolvi limpar os canteiros de flores da minha casa e da dos meus vizinhos. Já tinham demasiadas folhas secas e os do meu vizinho outras sujidades. Passados uns minutos tinha ao pé de mim o Mamadu e o Alaje! Eu não queria que eles saltassem para dentro dos canteiros pois pisam as plantas mas tive que os pôr a fazer alguma coisa para os dominar. Assim, eu ia tirando as folhas e eles iam levá-las ao monte onde são colocadas para depois serem queimadas. Primeiro iam levá-las na bacia velha ou no balde mas depois foram buscar a carreta. E tive que pôr ordem no assunto para irem à vez com a carreta. Levar as folhas na carreta é para eles um divertimento. 

E assim passei a manhã de sábado a limpar os canteiros com os dois garotos. No fim estava imunda de suor, de terra e fui tomar um duche de água fria do chuveiro. À tarde a Mariama veio com o Gassimo limpar a minha casa e mudei o meu quarto para o detrás pois é muito mais fresco. Dormia no Tarrafe (nome de uma das minhas divisões que quer dizer mangal) e agora durmo no Tagara (nome de uma árvore). É que o calor está a começar e dou comigo a suar em bica! E isto ainda não é nada pois em Abril e Maio é que o calor é mesmo a sério. Vamos ver como me adaptarei.

A limpeza da casa, esta semana, era para ter sido feita na 6ª feira mas a nora da Mariama, a Mariatu, começou com dores de parto e a Mariama teve de ir para casa. O Arnold e a Sónia, um casal alemão que viveu aqui na Guiné nos anos 80 e que até cá tiverem um filho, estiveram cá com o Pepito assim como uma sua amiga guineense, a Luana, que vive em França há muitos anos e tinham-se ido embora depois do almoço. Assim, fiquei pelo restaurante com a Satu até que ela resolveu que iríamos ver como o parto estava a decorrer. 

Na casa da Mariama, num quarto exíguo de espaço livre, porque quase todo ocupado com uma cama de casal, encontrei deitada no chão, em cima de uma manpufa (esteira mais grossa e macia onde as pessoas se deitam), a Mariatu, completamente nua. Por detrás dela estava a Fatumata sentada e que servia para a Mariatu passar os braços por detrás dela e fazer força. À frente da Mariatu estava a matrona (parteira) a controlar o andamento do parto e a Mariama e a Duturna a massajarem as pernas da parturiente. Depois a Mariama passou também para trás da Fatumata para ser mais uma a ajudar a rapariga a fazer força. A Mariatu chorava e queria gritar mas as fulas não querem que as parturientes chorem nem gritem. A rapariga já tinha chorado no primeiro parto, o que segundo as fulas é muito mau, pois se chora no primeiro vai chorar sempre. 

A Dra. Sónia, a alemã, que é médica materno-infantil e fala crioulo, ainda foi ver a parturiente mas o parto estava demorado e eles tinham de partir para Bissau. A Mariatu chorava, baixinho, chamava pela mãe em fula (né, né), mas a mãe já faleceu. A matrona dizia que estava quase a nascer. A Satu, que está habituada a ajudar aos partos, estava numa inquietação por ouvir a jovem chorar e quando ela quis gritar a Satu quis tapar-lhe a boca com um pano. Resolvi então agarrar na Satu e vir a casa buscar cigarros. Demoramos a vir e ir uns 15 minutos e quando lá chegámos o “bichinho” já tinha nascido! Para alegria da avó nasceu um rapaz. O casal já tinha uma menina. No chão, em cima da esteira e de um pano, estava o bebé, a placenta, e um jorro de sangue no chão. 

Meu Deus, entre esta cena ou a do nascimento de um bezerro a diferença não deve ser muito grande. A matrona, que, diga-se, tinha uma luva na mão direita, cortou o cordão umbilical e de seguida lavou o bebé em água fria. Tirei então uma foto ao bebé nas mãos da matrona. A Mariatu quis fazer xixi, chegaram-lhe um penico, começou a tremer de frio, voltou a deitar-se no chão e cobriram-na. Mas não havia pressa em tratar da mãe. Peguei um bocadinho no bebé, fiz uma carícia à Mariatu, dei-lhe os parabéns, agradeci a todas as mulheres em fula (Jarama, jarama) e vim-me embora pois achei que a Mariatu precisava de ser cuidada e de sossego. 

Tive pena de não ter assistido mesmo ao nascimento pois nunca vi nenhum mas certamente terei outras oportunidades. Felizmente tudo correu bem e a moça esteve pouco mais de cinco horas em trabalho de parto. Mãe e filho estão bem. Penso que não suportaria assistir a uma cena destas que acabasse mal, como acabam muitas aqui. E ao ver tudo isto pensava-nos no hospital, rodeadas de cuidados, e tão cheias de medo. E a Mariatu deitada numa manpufa no chão.

[ Fotos, acima, Iemberém, dezembro de 2009: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 9 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11217: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (10): Nunca pensei vir a gostar deste arroz e não me aborrecer de o comer praticamente todos os dias