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domingo, 18 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

1. Mensagem do José Teixeira , com data de 16 do corrente

[José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatáe Empada, 1968/70, Foto á esquerda, no Quebo, em 1968]

Luís:

Não posso meter a foice em seara alheia (*), porque em 1974 estava na minha terra, apenas preocupado em não regressar à guerra por repescagem, pois cá pelo Porto já corria esse boato, devido á falta de "carne para canhão".

Passado que foi todo este tempo, penso que a verdade dos factos já não se pode aclarar devidamente. Branquear ou escurecer este acontecimento conforme a origem da informação é um exercício difícil de realizar, dado que a matriz patriótica funciona quer queiramos quer não.

Uma coisa é eu contar um acontecimento de forma natural, vivido por mim, sem pressões de espécie alguma, outra é, contar o acontecimento "pressionado" pelo tempo e por uma informação vinda de outra fonte, neste caso totalmente oposta. Por muito que queira, me parece que a isenção é muito difícil.

A minha forma de estar na vida face a acontecimentos que vivi e relatei em devido tempo, obriga-me a pôr reservas quanto ao que diz o Amâncio Lopes ,com o apoio de um piloto Português de quem se afirma que assistiu (?) ao possível violento assassinato, bem como às afirmações do Rachid Bari, com quem devo ter cruzado em Quebo nos anos 68/69.

Na realidade, que eu saiba no fim da guerra, o PAIGC poucos ou nenhuns prisioneiros guineeses entregou a Portugal e muitos fez, com toda a certeza. Por outro lado, também sabemos das histórias do "corta de orelha". Fama de que o falecido Aliu Sada Candé, com todo o respeito e admiração que tenho por ele e pela sua família, onde me orgulho de ter grandes amigos como exemplo a sua filha Cadi Guerra (minha sobrinha por opção pessoal) e seu primo Sulimane Baldé – Régulo de Contabane, não se livra.

O Aliu Candé era de fato um guerrilheiro ao serviço de Portugal e quando ele ia com o seu grupo de milícia á nossa frente, ou nas laterais da picada, podíamos ir descansados que o inimigo fugia a sete pés. Ele arrancava de peito aberto para o inimigo e dizia-se, à data em Quebo,  que trazia as orelhas dos inimigos mortos em combate, mas nunca ouvi falar de bárbaros assassinatos como relatado. Por isso era temido e por isso foi condenado em tribunal popular juntamente com o seu primo Braima Baldé à morte por fuzilamento, no pós-guerra em Bambadinca.

Outras "histórias" há, de prisioneiros lançados ao mar/rio ou assassinados a frio com a justificação de que se fossem entregues à Pide, "cantavam" e as consequências caiam em cima de nós.

Verdades/mentiras que só o tempo as fará escurecer e não nos compete a nós julgar, mas também não devemos tentar branquear, por muito que nos custe.

Como dizia o meu "ermon de sangre" Braima Cassamá que conheci em 2008 em Guiledge, o tal que colocou em Agosto de 1968 o campo de 80 minas em Txangue Laia a caminho de Gandembel e originou sete mortos às nossas tropas e se cruzou algumas vezes comigo na frente de combate, sem sabermos – Guerra é guerra, discurpa!

Tenho a certeza que o seu coração, nesse momento sangrava, e o meu também, mas fizemos a paz connosco mesmo e a guerra morreu ali.

José Teixeir, Empada, 1969
Guerra é Guerra

Guerra é guerra, meu "ermon",
Quando passa não deixa saudades.
Mas, muitas amizades, neste mundo perdido
Os antigos inimigos se procuram,
Para saldar as contas com um abraço sentido.

Braima Cassamá, antigo guerrilheiro do PAIGC, meu inimigo.
Reencontrado em 2008, em Guiledge.

Armas caladas,
Em mãos armadas,
Cantam horrores,
Silenciam com a morte,
Quem por má sorte
Lhe sofre as dores.

Sangue e pranto, 
Em jorro constante,
Num jardim sem flores,
E na última despedida,
Clamam pela vida,
Que queriam viver.
E pelos seus amores,
A sua razão de ser.

A esperança, essa, resiste,
Num corpo ainda quente,
Até aos últimos estertores.
…E perdeu-se uma vida.

A seu lado, a vida,
De armas na mão,
Não acredita
No sangue que correu.
Chora uma lágrima sentida,
E avança,
Destemida,
Vingando o que morreu.

E verte a raiva que lhe vai no sangue
Para dentro da palavra
Que transpira asperamente.
Põe no dedo do gatilho
E com que raiva o lavra,
O destino de quem matou.
Inutilmente.

Até que a guerra tem o seu fim,
Enfim.
Inimigos de ontem,
Hoje se perguntam num abraço de paz,
Eternamente selado:
– Que fiz eu?
E tu, meu irmão,
O que te aconteceu?

E chora a alegria,
Caldeada com lágrimas de dor,
Não pelo que sofreram,
Já tudo passou,
Sem desejos de vindicta,
Mas pelos amigos que se perderam
Na guerra maldita
Que alguém sem rosto
Nos criou.

José Teixeira

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Noat do editor:

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6744: (Ex)citações (85): Fomos muito mais bandos de pardais à solta do que colónias de abutres e aves de rapina (António Graça de Abreu)

1. Comentário ao poste P6679, de 6 do corrente, assinado por António Graça de Abreu Abreu (poeta e escritor, sínico mas não cínico, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura Lisboa, Guerra e Paz, 2007; aqui, na foto à esquerda, de camuflado, no aeroporto de Cufar, em Janeiro de 1974, com Miguel Champalimaud; recorde-se que o nosso camarada António Graça de Abreu foi Alf Mil, CAOP 1,Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74 ):

O Joaquim Mexia Alves vem colocar no seu próprio terreno questões fundamentais do nosso estar na guerra da Guiné: Quem éramos, o que fizemos, o que fomos, o que somos?

Infelizmente os portugueses adoram os tiros no pé, mesmo quando os pés são poucos e os tiros quase sempre de pólvora seca. É o nosso nosso fado. Isto tem alguma coisa a ver com o Mário Cláudio. Leiam Miguel Torga, outro escritor premiado,  nos seus Diários III e VII:

"Enchi com frequência uma página de lamúrias quando na verdade estava cheio de força e alegria."

E "Sou uma espécie de ruminante do sofrimento, encho-me primeiro dele e depois é que o saboreio."

Eu tenho um poema intitulado Nosso Fado, no meu livro Cálice de Neblinas e Silêncios, Lisboa, Vega Ed. 2008, pag. 75. Assim:

Sufocar a alegria,
enredá-la em cintilantes roupagens de pranto
na viagem pelo logro aberto das palavras,
carpir no disfarce extremado da tristeza.
Ai, este gosto de fingir tantas penas,
de tão fingidas e falsas, verdadeiras!...
Ai, este fado tão magoado,
esta malfadada lamúria lusitana,
mesmo num tempo sereno,
com céu azul nos olhos
e girassóis na alma!


Denegrir o esforço quase sobre humano das nossas tropas na Guiné? Acho que não.

Branquear as atrocidades e os sofrimentos de uma guerra em que todos participámos? Acho que não.

Exaltar as virtudes da excelsa pátria lusitana? Acho que não.

Então, como é?

Por terras da Guiné, fomos todos muito mais bandos e bandos de pardais à solta, do que colónias de abutres e aves de rapina pairando gulosos sobre a carne dos nossos irmãos negros.

No complexo tecido de etnias na Guiné Bissau, porque somos hoje bem recebidos por aqueles tão pobres mas dignos povos? Porque andámos por lá a cortar orelhas? Ou porque, apesar de vivermos e fazermos uma guerra, 99,9% de nós saímos de lá em paz com aqueles povos, em paz connosco próprios?

Forte abraço,

António Graça de Abreu

[ Fixação de texto / bold a cor / título: L.G.]
_______________

Nota de L.G.:

Último poste desta série > 8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6691: (Ex)citações (67): Um comentário aos....comentários sobre a ficção de Mário Cláudio...Um comentário cool que vem do frio (José Belo)

sexta-feira, 21 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2670: Fez-se História em Guileje (Nelson Herbert)

Mário Soares, Presidente da República de então, presta a Homenagem de Portugal aos Militares do Exército Português caídos no solo guineense.

Foto: © Nelson Herbert (2008). Direitos reservados.

É de facto no culto dos seus mortos que as sociedades humanas, procuram tradicionalmente os mais delicados símbolos da sua coesão e identidade. Era assim entre os antigos gregos. Nas sociedades tradicionais africanas, a homenagem aos entes e antepassados mortos assume igualmente um notável destaque nas práticas rituais. A convicção de que os antepassados podem ter influência sobre a vida de gerações, constitui uma arreigada tradição nessas sociedades.


Cícero dizia que os antepassados quiseram que os homens que tivessem deixado esta vida fossem contados no número dos Deuses. Nesta perspectiva seria de facto natural que nas relações Estado-a-Estado, a maturidade dos homens, dos outrora inimigos, pudesse incluir com toda a dignidade, o culto dos respectivos mortos. Mas alguns episódios demonstram o quão de facto ínvio e difícil foram, por vezes, os trilhos dessa desejável catarse.


Mário Soares recebido à porta do cemitério de Bissau por uma manifestação pacífica e silenciosa de antigos combatentes da luta pela libertação da Guiné e integrada por outras igualmente vítimas dessa guerra, nomeadamente antigos soldados nativos que combateram sob a bandeira portuguesa.

Foto: © Nelson Herbert (2008). Direitos reservados.


Estes últimos, o mesmo grupo cujos direitos os governos portugueses teimam há décadas, a ignorar. "Render Homenagem aos criminosos da guerra colonial é ofender a dignidade dos Heróis guineenses e portugueses”, lê-se no cartaz.

Na foto é visivel o jornalista Nelson Herbert, a escassos passos da retaguarda da comitiva.



Ladeado pelo então secretário de Estado da Cooperação Durão Barroso e por representantes dos principais partidos portugueses, Mário Soares quis na altura dignificar esse capítulo da História comum, que alguns sectores, de um e outro lado das outroras diametralmente opostas trincheiras, teimavam em fazer calar na Memória colectiva dos dois Povos.

De facto, quando em 1953 Felicien Challaye escrevia "a colonização talvez seja a instituição que mais lágrimas fez correr", vinha ainda longe a Guerra na Guiné.

A guerra colonial ou de libertação teve no caso concreto da Guiné (eu catraio, na altura, indiferente e inocente aos acontecimentos) um dos seus cenários mais brutais e que acabou por deixar cicatrizes e, provavelmente, algumas cravadas na alma que só o tempo e a maturidade dos homens acabariam decerto por enjeitar.

E hoje, praticamente concluída que está a primeira fase do processo de exumação dos restos mortais dos militares portugueses de Guidaje (que consistia na definição dos limites das sepulturas, na identificação e exumação das ossadas com o apoio de técnicas geofisicas) e perante o eloquente sucesso que foi o Simpósio de Guiledje...de trincheiras irmanadas (a globalização estendendo também por aí os seus tentáculos?) curvo-me em reverência, para louvar a maturidade dos outrora inimigos.

E assim fez-se História!

Quartel da Amura, em Bissau > 7 de Março de 2008 > Guarda de honra a apresentar armas na homenagem dos antigos combatentes portugueses aos Heróis Nacionais da República da Guiné-Bissau, junto ao mausoléu de Amílcar Cabral.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

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Notas de vb:

Texto de Nelson Herbert

Voice of America
Washington, DC

1. Notícia do Vítor Tavares:

Hoje regressam os técnicos que estiveram em Guidage, na exumação dos restos mortais dos nossos camaradas, que já se encontram em Bissau onde aguardam os exames periciais. Pelas escassas imformações que tenho correu tudo bem.

2. ver artigos de

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2652: Guineenses da diáspora (3): Nelson Herbert, o nosso Correspondente nos EUA (Virgínio Briote)

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2639: O Simpósio de Guiledge na Voz da América (Virgínio Briote)

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2639: O Simpósio de Guiledge na Voz da América. (Virgínio Briote)