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quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22568: Questões politicamente (in)correctas (54): Heróis... e heróis: um debate necessário, quando, numa guerra, estão em causa os direitos humanos (José Belo, jurista, Suécia)


Guiné > Região do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 >  1968> Um "suspeito" do PAIGC..."Turra" não era "prisioneiro de guerra", à luz do entendimento das autoridades político-militares do território...

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, que reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West (Flórida, EUA). Foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia. (Na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); é cap inf ref; durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; tem mais de duas centenas de referências no nosso blogue.)


Data - quarta, 22/09/2021, 23:39 
Assunto - Heróis e heróis: um texto que busca debate



Tendo em conta a duração da guerra e o número de militares nela envolvidos nos três teatros de operações, foram muitos os actos de heroísmo nela praticados.

Como em todas as guerras, alguns procedimentos criminosos terão existido mas, pelo seu número e frequência, não foram representativos.

No caso da Guiné, elementos nativos integrados nas forças militares portuguesas salientaram-se pela sua extraordinária coragem pessoal e dedicação no cumprimento das missões que lhes foram atribuídas. São inúmeros os militares portugueses que a eles devem a vida.

Infelizmente entre alguns dos medalhados, ações do maior heroísmo são acompanhadas por frequentes procedimentos dentro de uma área que legalmente se pode considerar abrangida por sevícias ou mesmo crimes de guerra.

Não só sevícias, a seu modo justificáveis por praticadas no calor dos combates, como também praticadas a “frio” e em situações “resguardadas”.

O contraste com a generalidade do procedimento do PAIGC para com os prisioneiros portugueses foi marcante. Considerados pelo PAIGC como prisioneiros de guerra, foram tratados de acordo com as Convenções Internacionais.

O governo português não crendo caracterizar a situação na Guiné como uma situação de guerra,  recusava-se a aplicar tais Convenções aos seus prisioneiros o que permitiu uma impunidade quanto ao tratamento dos mesmos.

Impunidade que levou ao “desaparecimento” da maioria deles às mãos da polícia política, das milícias e tropas especiais formadas por naturais da Guiné.

O facto de estes actos serem praticados por naturais da Guiné ao serviço de Portugal sobre outros guinéus, não deverá levar a considerá-los menos graves, sob o perigo de uma “graduação” não aceitável por profundamente racista nos seus fundamentos.

No contexto do Direito Internacional referente aos conflitos armados, englobando as leis das Convenções de Haia e Genebra, Portugal sempre se referenciou como um país respeitador das mesmas.

Especificamente, a Convenção de Genebra define normas para as leis internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional que mais não são que um conjunto de normas que procuram limitar os efeitos dos conflitos armados tanto no respeitante a indivíduos como às populações não combatentes.

Tendo em conta as numerosas violações destas regras por alguns dos mais representativos (e díspares) países da cena internacional, alguns mais “pragmáticos” têm dificuldade em aceitar a existência de uma “moral internacional” apoiada em princípios jurídicos.

Mas, e com todas as reconhecidas limitações, é a única forma de defesa dos verdadeiramente mais desprotegidos, sejam eles prisioneiros de guerra, populações civis em áreas de combates,ou refugiados.

Uma nítida demarcação entre valores civilizacionais e a lei do mais forte.
Um abraço do J.Belo
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21422: Questões politicamente (in)correctas (53): Doação / colheita de órgãos para transplante em Portugal: esclarecimento para tranquilizar o nosso amigo Cherno Baldé, que está em Bissau, bem como os guineenses muçulmanos que utilizam (ou podem vir a utilizar) os nossos hospitais públicos ou privados

terça-feira, 7 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16172: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral e outros / Casa Comum (19): Declarações do 1º cabo mec auto, CCS/BART 1896 (Buba, 1966/68) à Rádio Libertação, do PAIGC, em Conacri, em 1968... O Correia foi aprisionado, em 20/5/1968, com mais 7 camaradas, na picada entre Mampatá e Uane


O Rui Rafael Correia,  no dia da homenagem
que lhe foi feita pelo Núcleo de Matosinhos da Liga 


O Rui Rafael Correia, antes de ser mobilizado
 para Guiné como 1º cabo mecânico auto, 
CCS/BART 1896 (Buba, 1966/68). 
Vive na Galiza desde 1972.







Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 04309.007.011

Título: Guiné 1 - Falam os portugueses prisioneiros de guerra 

Assunto: Editado pela FPLN / Portugal [, Frente Patriótica de Libertação Nacional], em Argel, exemplar 1 de publicação com declarações dos militares portugueses, feitos prisioneiros pelo PAIGC. Pretende-se dar conhecimento da verdade às famílias, ao mesmo tempo que se acusa o governo português de os referir como desaparecidos (militares das incorporações de 1966). Este número inclui transcrição de uma comunicação de Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, aos microfones de "A Voz da Liberdade" [, da FPLN, em Argel], dirigida aos prisioneiros portugueses, no dia 3 de Agosto de 1968, com a promessa de fornecer em breve fitas magnéticas com testemunhos dos prisioneiros, bem como o tratamento que lhes é dado, quando feridos e ligação com a Cruz Vermelha Internacional, para o seu repatriamento para junto das suas famílias.

Data: 1968

Observações: Declarações gravadas em fita magnética e difundidas pela Rádio Libertação, pelo PAIGC, que autorizou retransmissão pela emissora da FPLN, a Voz da Liberdade.

Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade

Tipo Documental: Documentos

Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.[ Cortesia da Fundação Mário Soares / Portal Casa Comum]

Arquivo Mário Pinto de Andrade > 04. Lutas de Libertação > 04. Investigação e Textos >
Mário Pinto de Andrade e outros

Citação:
(1968), "Guiné 1 - Falam os portugueses prisioneiros de guerra", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_84394 (2016-6-6)



Lista dos prisioneiros "entrevistados" (p. 23)  pela Rádio Libertação, do PAIGC, em Conacri, em 1968... Sublinhados, a vermelho, os nomes de alguns dos nossos camaradas da CCS/BART 1896 e CART 1612, aprisionados em 20/5/1968, na picada Mampatá-Uane-Nhala. (Ao todo, foram oito).

Tratou-se de um operação de "marketing" político, habilmente conduzida por Amílcar Cabral: o objetivo explícito era mostar à opinião pública, portuguesa e internacional, que: 

(i) havia uma "guerra de libertação" em curso, na Guiné, com baixas de ambos os lados, incluindo prisioneiros; 

(ii)  os "prisioneiros de guerra" feitos pelo PAIGC tinham um tratamento, de acordo com as mais elementares regras de humanidade e de respeito pela Convenção de Genebra; 

(iii) os militantes e simpatizantes do PAIGC capturados pelas tropas portugueses eram, em contrapartida, tratados como simples "presos de delito comum"; 

(iv) não estando Portugal oficialmente em guerra com nenhum país vizinho, os militares portugueses aprisionados pelo PAIGC eram dados como "desaparecidos" ou "retidos pelo IN", situação de grande incerteza e angústia para as famílias.

A FPLN - Frente Patriótica de Libertação Nacional, que combatia no exílio, o regime do Estado Novo, fez depois uma edição, em papel, com estas declarações gravadas, em duas brochuras. A nº 1 tem 24 páginas, a 2ª tem 26 páginas. Na 2ª  reproduzem-se as declarações do Manuel Ferreira e do José Medeiros, que pertenciam ao mesmo grupo de prisioneiros.

Reproduzimos, com a devida vénia, as declarações (, a pp. 7/8), do Rui Rafael Correia, natural de Leça da Palmeira, Matosinhos, 1º cabo mecânico auto da CCS/BART 1896 (Buba, 1966/68). 

O Correia só será libertado em 20 de novembro de 1970, na sequência da Op Mar Verde. Teve portanto dois anos e meio de cativeiro.

De acordo com as declarações que o Rui Rafael Correia prestou aos microfones da Rádio Libertação, fica-se a saber que: 

(i) estava na CCS, em Buba; 

(ii) foi chamado para ir a Aldeia Formosa reparar uma viatura que estava avariada na estrada: 

(iii) recuperada a viatura, ficou à espera dos camaradas que estavam no mato;

(iv) quando estes regressaram, deram conta que faltava a "milícia"; 

(v) por ordem do alferes, comandante da força, foi um pequeno grupo a caminho de Uane buscar a "milícia"; 

(vi) o cabo mecânico Correia sentiu-se na obrigação de acompanhar a viatura à qual tinha acabado de dar assistência; 

(vii) entre Mampatá e Uane (vd. carta de Xitole) foram emboscados; 

e (viii) o pequeno grupo ficou completamente indefeso perante "uma emboscada tão forte e tão bem montada"... Balanço: 4 mortos e 8 prisioneiros. (LG)


Guiné > Carta de Xitole (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Mampatá, Uane, Nhala, Buba, Aldeia Formosa e Chamarra.


Segundo o nosso camarada José Teixeira, da CCAÇ 2381, que rendeu a CART 1612 [que estava em Aldeia Formosa desde novembro de 1967], "este trágico acontecimento [deu-se] no pontão de Uane entre Mampatá e Nhala, na velha picada de ligação Aldeia Formosa / Buba"... 

Era "um sítio muito complicado e temido junto a uma bolanha, onde existia um carreiro por onde PAIGC fazia passar o material de guerra vindo da Guiné Conacri para o interior da Guiné, via Cantanhez"... Era "um lugar para muitos cuidados, com emboscadas às colunas que faziam a ligação de Buba a Aldeia Formosa a par de outro conhecido pela Bolanha dos Passarinhos, já muito perto de Buba".

As NT estacionadas em Aldeia Formosa faziam patrulhamentos e montavam emboscadas na zona, mas as coisas aconteciam "ao mais pequeno descuido, como parece ter acontecido, ou pelo menos era o que constava, quando ali chegou a CCaç 2381 em julho de 1968 para render a Companhia [, a CART 1612,]  que sofreu esta emboscada, em 20 de maio".

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)








Guião, escrito pelo punho de Amílcar Cabral, para "conversa c/ os prisioneiros a libertar" (sic),  datado de 15/12/68". Clicar aqui para ampliar. [Cortesia do portal Casa Comum / Fundação Mário Soares]

Tópicos:

Augusto Dias - amigo (?) S [Sim ?]; Manuel Ferreira - amigo (?) S [Sim ?]; João da Costa Sousa -  amigo (?) N [Não ?]; [anotações ilegíveis, a seguir aos nomes]

Saudação - Estado deles. Tratamento, profissão, instrução, família; A situação deles. A juventude portuguesa; As mães, os pais, a família; O que é a nossa luta; o colonialismo português; A nossa posição; estamos certos de vencer; A posição do povo português (?); A posição do governo português, M. Caetano; Os crimes da guerra colonial; O nosso gesto: a vida deles está salva; O que esperamos deles. Documento disponível

[Observações - Estes 3 prisioneiros, Augusto Dias, Manuel Ferreira e João Costa Sousa, foram efetivamente entregues por Amílcar Cabral, em dezembro de 1068,  à Cruz Vermelha do Senegal, na pessoa de Rito Alcântara, Presidente da Cruz Vermelha no Senegal, e ex-vice-presidente da Cruz Vermelha Internacional durante 12 anos. Ver aqui foto do Arquivo Amílcar Cabral]





Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 07060.029.011

Título: Apontamentos para a conversa com os prisioneiros de guerra.

Assunto: Apontamentos de Amílcar Cabral para uma conversa a ter com os prisioneiros de guerra portugueses, Augusto Dias, Manuel Ferreira e João da Costa Sousa, a serem libertados.

Data: Domingo, 15 de Dezembro de 1968.

Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos

Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Arquivo Amílcar Cabral
04. PAI/PAIGC
Segurança

Citação:
(1968), "Apontamentos para a conversa com os prisioneiros de guerra", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41211 (2016-6-7)

____________

terça-feira, 29 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15911: (Ex)citações (306): A propósito da última troca de prisioneiros, em Aldeia Formosa, no dia 14 de setembro de 1974....Prisioneiros, não, "retidos pelo IN"...

Guiné > Bissau > HM 241 > 14 de setembro de 1974 >
Os últimos prisioneiros portugueses. 
Foto de Duarte Dias Fortunato
I. Os sete camaradas nossos que foram trocados por 35 militantes ou simpatisantes do PAIGC, presos pelas NT, não eram, segundo as autoridades militares portugueses da época, "prisioneiros de guerra"...  

Essa figura jurídica não existia... Não podia haver "prisioneiros de guerra" pela simples razão de que, para o regime de Salazar (e de Caetano),  Portugal não estava em guerra contra nenhum país estrangeiro. Tinha uma "guerra de subversão", nas suas províncias ultramarinas, apoiada por algumas potências estrangeiras, mas limitava-se a responder, para manter a paz e a ordem, contra os que, internamente, alimentavam essa guerra (*)...

Nessa medida, a Convenção de Genebra não se aplicava (ou não tinha que se aplicar, do ponto de vista legal) no TO da Guiné (e noutros teatros de operações, Angola e Moçambique)... Militar português capturado pelos nossos inimigos internos era classificado como "retido pelo IN"... Elemento subversivo ("terrorista")  capturado pelas NT devia ser tratado como um vulgar "preso de delito comum" (e entregue depois à PIDE/DGS, para obtenção de informações relevantes pata a "segurança interna")... Era, grosso modo, essa a  "doutrina vigente"...


II. Eis o que se escreve, sobre o tema Prisioneiros, no portal Guerra Colonial (1961-1974), desenvolvido pela A25A - Associação 25 de Abril... (Reproduzimos um excerto com a devida vénia):

(...) O facto de o regime português não reconhecer que se travava uma guerra nas suas colónias e de não atribuir o estatuto de beligerantes aos movimentos de libertação impedia que os militares portugueses tivessem a qualidade de prisioneiros de guerra, quando eram capturados.  Este assunto foi tratado, em 1967, em nota circular do Estado-Maior do Exército com o título: «Militares portugueses na posse do IN e elementos terroristas capturados», a qual estabelecia a seguinte doutrina:

"1. Tem vindo a verificar-se que os diversos partidos emancipalistas desenvolvem as mais variadas manobras no sentido de passarem a ser considerados como "beligerantes", oficializando assim a luta que se trava no Ultramar.

2. Um dos processos mais frequentemente usados tem sido o de solicitar para os terroristas capturados pelas nossas tropas as regalias que a Convenção de Genebra concede aos "prisioneiros de guerra". Por outro lado, e com o mesmo objetivo, esses partidos começaram a usar para com os militares portugueses em seu poder a designação de "prisioneiros de guerra", ao mesmo tempo que os seus órgãos de propaganda afirmam que lhes serão concedidas as garantias da mesma Convenção, como contrapartida.
Indivíduo suspeito, preso dpelas
NT.  Barro, 1968.
Foto de A. Marques Lopes (2005)

3. A fim de neutralizar esta manobra do inimigo, S. Ex.ª o ministro da Defesa Nacional, por despacho de 28 de junho de 1967, determinou que passassem apenas a ser usadas as designações que se seguem quer para elementos terroristas, quer para militares nacionais:

a. Terroristas caídos em poder das nossas tropas:

1) Ação - captura
2) Situação - sob prisão
3) Designação - preso

b. Militares portugueses em poder de elementos terroristas:

1) Ação - retenção
2) Situação - situação de retido
3) Designação individual - «retido pelo inimigo».

Assinava o general Sá Viana Rebelo, vice-chefe do Estado-Maior do Exército.  Curiosamente, esta circular era complementada com normas relativas ao «Procedimento a tomar no caso de ser retido», onde se afirmava no ponto d):  «Quando interrogado, o militar português apenas deve fornecer os dados a que é obrigado pela Convenção de Genebra: nome completo, posto, número e data do nascimento».
Capa da revista do Expresso, 29/11/1997

E acrescenta o  portal Guerra Colonial (1961-1974):

 (...) Embora seja pouco conhecido o número de militares portugueses prisioneiros, é possível adiantar os seguintes números e locais de prisão:

Na Guiné-Conacri, até 1970:  oficiais 1 (alferes); sargentos 2 (um sargento-piloto da Força Aérea e um furriel miliciano do Exército) ; cabos 4; soldados 15. Total 22.

Estes militares estiveram presos nos quartéis de Alfa Yaya e de Kindia, devendo-se-Ihes acrescentar um outro que foi colocado em Argel. Um soldado prisioneiro morreu em Conacri, tendo a sua morte sido comunicada diretamente à família por Carlos Correia, membro do Bureau Político do PAIGC, juntamente com uma fotografia do funeral. Ao todo, entre os que as Forças Armadas Portuguesas consideraram desertores e retidos, foram capturados e estiveram presos na Guiné cerca de 45 militares portugueses, dos quais três eram oficiais. (...)




Pormenor de um documento redigido pelo punho do próprio Amílcar Cabral, com a lista dos prisioneiros (sic) que se encontravam, nos últimos meses de 1971 na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Na altura eram seis , dos quais dois pportugueses, ambos "prisioneiros de guerra" (sic): o António Teixeira (entrado em 21/1/71) e o Duarte Dias Fortunato (24/2/71)... O Fortunato (capturado em Piche, em 22/2/1971) tem a palavra "desertor" riscada; o Amílcar Cabral escreveu por cima "prisioneiro" (a azul) e acrescentou (a lapiseira preta) "de guerra"... O mesmo se passa com o Teixeira: primeiro era simples "prisioneiro" e depois passou a ser "prisioneiro de guerra"... O Amílcar Cabral utilizava habilmente uns e outros, os prisioneiros de guerra e os desertores, para fins de propaganda diferentes e interlocutores diferentes: Igreja Católia / Vaticano, Cruz Vermelha Internacional, "países amigos", etc... 

Fonte: Cortesia da Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral


III. O nosso amigo e grã-tabanqueiro Luís Vaz Gonçalves acompanhou o seu falecido pai, coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz na sua última comissão em África, no TO da Guiné, onde foi o último Chefe do Estado-Maior do CTIG (do QG),  sobre o Comando do General Bettencourt Rodrigues.  Já aqui nos descreveu como, quando e onde foi feita a troca dos últimos  'prisioneiros', antes da transferência da soberania (**):

(...) Depois do 25 de Abril, sobre o comando do então brigadeiro Fabião, e em articulação com outros oficiais do Estado –Maior, implementaram os dispositivos de retração para acantonarem e retirarem deste Teatro de Operações os milhares de militares portugueses presentes nesta Província, tendo só abandonado a Guiné, no último voo com tropas Portuguesas, no dia 14 de outubro de 1974 na companhia do brigadeiro Fabião. Como tal, e ao realizar a biografia do meu falecido pai, coronel de cavalaria e do Estado/Maior, li muitos documentos classificados, do seu arquivo pessoal, e poderei acrescentar algumas informações sobre a troca dos últimos prisioneiros de guerra, com o PAIGC.

Mantivemos 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC) na ilha das Galinhas até à véspera do reconhecimento da Independência da República da Guiné-Bissau por parte do Governo Português. Pelo lado do PAIGC, mantinham 7 prisioneiros (4 soldados e 3 primeiros cabos, do nosso Exército), um dos quais era o soldado António Baptista, que tinha sido dado como morto em 17 de Abril de 1972, numa emboscada em Madina-Buco, onde as nossas tropas sofreram 1 desaparecido e 10 mortos, 6 dos quais queimados na explosão da viatura em que seguiam.

A troca destes sete prisioneiros na posse do PAIGC (retidos no Boé) por 35 guerrilheiros do PAIGC (retidos pelas nossas tropas na ilha das Galinhas) , foi feita segundo o estipulado pelo Acordo de Argel, e foi marcada para o dia 9 de setembro, em Aldeia Formosa, no entanto o PAIGC não compareceu nessa data como estava combinado, só no dia 14 de setembro a troca se realizou. Estiveram presentes nesse ato pelas nossas tropas, o major de inf Tito Capela (Chefe da 2ª Rep do QG), o major de art Aragão, o capitão-tenente Patrício, o capitão de inf Manarte e o furriel miliciano Elias (da 2ª Rep/QG/CTIG).  Por parte do PAIGC, estiveram presentes os seguintes elementos; Manuel dos Santos (Subsecretário Informação/Turismo da GB), Carmen Pereira (Membro do Conselho de Estado/GB) e Iafai Camará (Comandante do Aquartelamento de Aldeia Formosa).


Imediatamente após a troca, foi feita a identificação (os soldados: António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Silva Batista, Manuel Ferreira Vidal;  e os primeiros cabos: Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho), tendo os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau. Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau, e no dia seguinte, dia 15 de Setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa." (...).

Portanto, essa troca de prisioneiros não foi feita em Bafatá, como parece sugerir o depoimento de Duarte Dias Fortunato ("Desaparecido em combate", revista da GNR, "Pela lei e pela grei", abril de 2000),  mas sim em Aldeia Formosa, tendo depois os 7 portugueses sido levados de avião até Bissau, onde foram observados no HM 241, antes de embarcarem no dia seguinte para a metrópole.

Andamos a tentar localizá-los.  Um deles, pelo menos, já faleceu, ainda recentemente, o nosso grã-tabanqueiro António da Silva Batista (1950-2016) [, foto à esquerda]

__________________

Notas do editor:

(*)  Últino poste da série > 22 dce março de 2016 > Guiné 63/74 - P15888: (Ex)citações (305): A nossa Força Aérea viveu alguns dias de grande confusão com o aparecimento dos mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)

(**) Vd. poste de 11 de dezembro de 2011 >  Guiné 63/74 - P9180: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte II) (Luís Gonçalves Vaz)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2563: Inquérito online: Uma guerra violenta mas humana? (1): Nem santa nem suja (Francisco Palma / Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

Guiné > Região de Tombali > PAIGC > Região libertada de Balana/Quitafine > s/d > Dois guerrilheiros descansando das agruras da luta...

Foto: United Nations / Yutaka Nagata. In Return to the Source, Selected Speeches, by Amilcar Cabral . New York, Monthly Review Press, 1974. Fonte: A Brief History of the PAIGC (com a devida vénia...)

1. Amigos e camaradas:

Qual o sentido da frase do nosso camarada Manuel Rebocho, Uma guerra violenta mas humana ?

Guerra é guerra, e quem vai à guerra dá e leva...? Ou: a guerra que fizemos foi dura, cruel, violenta - não discutimos se foi justa ou injusta... Procurámos, no entanto, tratar (pelo menos entre 1972 e 1974) com a dignidade e a humanidade possíveis os prisioneiros que fizemos...

Não estamos sequer a falar da III Convenção de Genebra sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra, que data de 1949 e de que nós nunca ouvimos sequer falar, na instrução militar...

A questão é: Todos ou quase todos lidámos com prisioneiros: foram executados, foram torturados ? Foram tratados, quando feridos ?

Sabemos que não foi uma guerra "nem santa nem suja", até porque tanto as NT como o PAIGC estávamos empenhados (sobretudo a partir de Spínola...) em ganhar o apoio das populações...

Sei que este questão é dita fracturante (na nossa Tabanca Grande), mas todos podemos dar - com a serenidade possível, o que não quer dizer sem pinga de emoção... - o nosso ponto de vista particular (como testemunhas, como actores)...

Publicar-se-ão, no final da sondagem (que termina daqui a seis dias) as "declarações de voto", como esta, a primeira, que nos chega... Um Oscar Bravo para o Francisco Palma. Um Alfa Bravo para todos os camaradas e amigos da Tabanca Grande (os amigos também têm opinião...)

Luís

PS - E já agora, se aceitarem uma sugestão minha, vejam o filme que foi estreado há dias nos nossos cinemas, "No vale de Elah", de Paul Haggis:


Depois de regressar do Iraque, Mike Deerfield (Jonathan Tucker) desaparece e é considerado desertor. Quando Hank (Tommy Lee Jones, num surpreendente desempenho), um veterano, e a sua mulher Joan (Susan Sarandon) recebem o telefonema com a trágica notícia do desaparecimento do filho, o pai resolve procurá-lo. A detective Emily Sanders (Charlize Theron) ajuda-o na investigação, mas à medida que o mistério se revela e Hank descobre pormenores sobre a missão do filho no Iraque, tudo aquilo em que acreditava é posto em causa. "No Vale de Elah" é realizado por Paul Haggis, o realizador do premiado "Crash" e argumentista de "Million Dollar Baby", "As Bandeiras dos Nossos Pais" e "Cartas de Iwo Jima", de Clint Eastwood.

Fonte: http://cinecartaz.publico.pt/


2. Declaração de voto do Franscisco Palma (Residente em São João do Estoril, ex-condutor auto, hoje DFA, com mais de 30% de deficiência, em consequência de uma mina A/C, accionada em Abril de 1970) (1):

Voto DISCORDO porque , para mim, nenhuma guerra será humana, mas sim sempre cruel e injusta, quer para os combatentes e muito menos para os inocentes sem opinião formada.

Eu que o diga que nunca pedi para ir para a Guiné e sofri 15 ataques e a terminar a missão ( ? ) accionei uma mina anticarro ficando deficiente para o resto da vida, mas sortudo por não ter morrido, nem eu nem nenhum dos camaradas que seguiam na viatura.

Francisco Palma
CCAV 2748
Canquelifá
1970/72

3. Mensagem do Virgínio Briote (ex-Alf Mil Cmd, Brá, 1965/66, co-editor do nosso blogue):


A guerra não foi nem santa nem tão digna como por vezes ouvimos contar. Aconteceu de tudo. Prisioneiros entregues aos responsáveis pelas informações (2ª Rep, Comandos de Batalhão), Prisioneiros devolvidos às NT para servirem de guias (e não foram assim tão raros os casos em que foram abatidos em plena acção, em especial os que nunca davam com os caminhos por mais voltas e voltas que nos fizessem dar), Prisioneiros recuperados e integrados em estruturas locais (milícias, grupos especiais, cmds...), de tudo aconteceu.

E não podemos deixar de falar das populações, sempre esquecidas pelos intervenientes de qualquer dos lados. De uma maneira ou de outra acabavam por levar. Vítimas dos ataques da guerrilha a povoações e aquartelamentos e certamente vítimas das NT. Quantas vezes terá acontecido fazermos Prisioneiros (com as consequências respectivas) entre a população, apenas por indicações de elementos da própria tabanca e que, posteriormente, se revelaram sem crédito?

E finalmente (?) ainda, não podemos esquecer atitudes de grande nobreza moral, que ocorreram de um e outro lado. E que, na altura, não deixavam de ser notadas com sinais contrários, com gestos de enobrecimento por uns e de desprezo por outros também (O IN é assim que deve ser tratado ou o IN tem apenas o direito de ser tratado a tiro).

De tudo aconteceu e tudo aconteceu, passe a expressão.
Um abraço,
vb

4. Opinião do Carlos Vinhal (Ex-Fur Mil Art MA/CART 2732, Mansabá , 1970/72

Camaradas:

Votei Discordo totalmente, porque falar em guerra humana dentro do possível é demagogia.

Primeiro, porque quando me puseram na Guiné, foi com a intenção de que eu matasse para não morrer, aproveitando o instinto de sobrevivência natural em qualquer ser vivo, animal (irracional também) ou vegetal.

Segundo, porque quando a minha Companhia embarcou, passámos a ser números. Uns quantos foram destinados a fazer parte da percentagem X que iria morrer em combate, outros, da percentagem Y que iria ficar estropiada, etc., etc.

A nossa guerra não tem sido aproveitada, em Portugal, pela 7.ª Arte, mas os anglo-saxónicos, especialmente os americanos, não se coibem de fazer ficções sobre a 2.ª Grande Guerra, Guerra da Coreia , Vietname e até já do Iraque, onde assistimos a planeamentos de Batalhas e Operações, onde se apresentam cálculos das baixas prováveis, sem se importarem, se quem vai morrer é o António, o José ou o Manuel. Isto é ou foi humano?

Não morri porque não calhou, não matei porque não se proporcionou. Montei minas, não me importando se elas iriam ser accionadas por alguém que eventualmente até poderia ser civil. Não fui humano, nem deixei de ser.

Não devemos confundir a árvore com a floresta e, as acções individuais humanitárias praticadas por muitos dos combatentes de um lado e do outro, não dignificaram a guerra, dignificaram e muito quem praticou essas acções.

Um abraço

Carlos Vinhal

sábado, 13 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1425: Questões politicamente (in)correctas (16): na guerra, de facto, não vale tudo, também há regras (Vitor Junqueira)

Mensagem do Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, comentando o último post do Pedro Lauret (1):

Caro Luís Graça,

Acabo de ler no Blogue um comentário do Pedro Lauret que de uma forma sucinta aborda a questão da ética na frente de combate, invocando preceitos que relevam do Direito Internacional e das Convenções, em particular a SOLAS 1974 ( Salvaguarda da Vida Humana no Mar), e as de Genebra que são quatro e não apenas uma como muitos supõem, e respectivos protocolos. Como exemplos, o Pedro Lauret apresenta o caso geral do combate marítimo entre forças embarcadas e concretiza uma situação de envolvimento terrestre com a Operação Mar Verde.

A minha reacção a quente a este comentário é a seguinte:

Em primeiro lugar e como ser humano, sinto-me feliz por constatar que, nesta caserna, alguém com autoridade e firmeza vem lembrar que, em qualquer guerra, passada ou presente, há barreiras que jamais podem ser ultrapassadas independentemente de ordens ou circunstancialismos. Isto é: não vale tudo, há regras.

E em segundo lugar, meus caros amigos, porque andando eu um pouco às aranhas, reencontrei-me finalmente! Sim, posso dizer que foi nesta guerra, a do Pedro, que eu participei. Porque foi esta conduta que me foi ensinada desde o berço até às salas de aula da EPI. Porque nunca recebi nenhuma ordem de operações em que o principal item fosse "matar" e menos ainda torturar ou seviciar.

Porque não faz parte da tradição das (modernas) forças armadas de Portugal atentar contra os direitos humanos de quem quer que seja, ainda que do IN se trate. Porque é na frente de batalha que a verdadeira estatura do homem se revela e sabemos (eu sei) que abnegação, magnanimidade e generosidade produzem altíssimos dividendos.

E finalmente porque todos temos uma consciência que, uma vez violentada, nunca mais nos deixa em paz. Será por isso que entre nós, como em outros povos (devidamente estudados), envolvidos em guerras recentes, há tantos inadaptados, psicopatas, suicidas, criminosos, stressados de guerra? Não se ofendam, porque a relação está provada!

E já agora, permitam-me um último desabafo. Eu não sou tão ingénuo como pareço. Tontos, sempre os houve na população em geral. Mais tonto ainda foi quem permitiu a sua incorporação e lhes entregou funções de comando. Casos como aquele de que Wiriamu é um terrível exemplo, não sendo porventura o pior, e muitos outros que a História silenciará, talvez pudessem ter sido prevenidos através de adequado filtro médico(?). Mas se não estão ou estavam doentes, estes indivíduos deveriam ser julgados, sendo o único caso em que admito a reintrodução da pena de morte. Não pode haver desculpas, estes casos não ficam resolvidos com peregrinações patéticas aos locais do crime por parte dos seu autores, com um batalhão de repórteres de TV atrás, como eu já vi. Um milhão de ex-combatentes sentem-se enxovalhados por estes indivíduos.

Às minhas mãos e às minhas ordens, com dignidade, muito respeito e uma profunda dor no meu coração, morreram seres humanos. MAS NUNCA NINGUÉM TEVE QUE MORRER. Nem foi maltratado ou humilhado.

E já agora, deixemo-nos de desvalorizar os direitos do adversário, chamando-lhes Turras. Eram soldados do PAIGC que tal, como nós, cumpriam o seu dever defendendo a Pátria. Tal como eu e outros.

Um abração e p. f. passa ao Pedro.

Vitor Junqueira

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)