Guiné > Bissau > HM 241 > 14 de setembro de 1974 > Os últimos prisioneiros portugueses. Foto de Duarte Dias Fortunato |
Essa figura jurídica não existia... Não podia haver "prisioneiros de guerra" pela simples razão de que, para o regime de Salazar (e de Caetano), Portugal não estava em guerra contra nenhum país estrangeiro. Tinha uma "guerra de subversão", nas suas províncias ultramarinas, apoiada por algumas potências estrangeiras, mas limitava-se a responder, para manter a paz e a ordem, contra os que, internamente, alimentavam essa guerra (*)...
Nessa medida, a Convenção de Genebra não se aplicava (ou não tinha que se aplicar, do ponto de vista legal) no TO da Guiné (e noutros teatros de operações, Angola e Moçambique)... Militar português capturado pelos nossos inimigos internos era classificado como "retido pelo IN"... Elemento subversivo ("terrorista") capturado pelas NT devia ser tratado como um vulgar "preso de delito comum" (e entregue depois à PIDE/DGS, para obtenção de informações relevantes pata a "segurança interna")... Era, grosso modo, essa a "doutrina vigente"...
II. Eis o que se escreve, sobre o tema Prisioneiros, no portal Guerra Colonial (1961-1974), desenvolvido pela A25A - Associação 25 de Abril... (Reproduzimos um excerto com a devida vénia):
(...) O facto de o regime português não reconhecer que se travava uma guerra nas suas colónias e de não atribuir o estatuto de beligerantes aos movimentos de libertação impedia que os militares portugueses tivessem a qualidade de prisioneiros de guerra, quando eram capturados. Este assunto foi tratado, em 1967, em nota circular do Estado-Maior do Exército com o título: «Militares portugueses na posse do IN e elementos terroristas capturados», a qual estabelecia a seguinte doutrina:
"1. Tem vindo a verificar-se que os diversos partidos emancipalistas desenvolvem as mais variadas manobras no sentido de passarem a ser considerados como "beligerantes", oficializando assim a luta que se trava no Ultramar.
2. Um dos processos mais frequentemente usados tem sido o de solicitar para os terroristas capturados pelas nossas tropas as regalias que a Convenção de Genebra concede aos "prisioneiros de guerra". Por outro lado, e com o mesmo objetivo, esses partidos começaram a usar para com os militares portugueses em seu poder a designação de "prisioneiros de guerra", ao mesmo tempo que os seus órgãos de propaganda afirmam que lhes serão concedidas as garantias da mesma Convenção, como contrapartida.
Indivíduo suspeito, preso dpelas NT. Barro, 1968. Foto de A. Marques Lopes (2005) |
3. A fim de neutralizar esta manobra do inimigo, S. Ex.ª o ministro da Defesa Nacional, por despacho de 28 de junho de 1967, determinou que passassem apenas a ser usadas as designações que se seguem quer para elementos terroristas, quer para militares nacionais:
a. Terroristas caídos em poder das nossas tropas:
1) Ação - captura
2) Situação - sob prisão
3) Designação - preso
b. Militares portugueses em poder de elementos terroristas:
1) Ação - retenção
2) Situação - situação de retido
3) Designação individual - «retido pelo inimigo».
Assinava o general Sá Viana Rebelo, vice-chefe do Estado-Maior do Exército. Curiosamente, esta circular era complementada com normas relativas ao «Procedimento a tomar no caso de ser retido», onde se afirmava no ponto d): «Quando interrogado, o militar português apenas deve fornecer os dados a que é obrigado pela Convenção de Genebra: nome completo, posto, número e data do nascimento».
Capa da revista do Expresso, 29/11/1997 |
E acrescenta o portal Guerra Colonial (1961-1974):
(...) Embora seja pouco conhecido o número de militares portugueses prisioneiros, é possível adiantar os seguintes números e locais de prisão:
Na Guiné-Conacri, até 1970: oficiais 1 (alferes); sargentos 2 (um sargento-piloto da Força Aérea e um furriel miliciano do Exército) ; cabos 4; soldados 15. Total 22.
Estes militares estiveram presos nos quartéis de Alfa Yaya e de Kindia, devendo-se-Ihes acrescentar um outro que foi colocado em Argel. Um soldado prisioneiro morreu em Conacri, tendo a sua morte sido comunicada diretamente à família por Carlos Correia, membro do Bureau Político do PAIGC, juntamente com uma fotografia do funeral. Ao todo, entre os que as Forças Armadas Portuguesas consideraram desertores e retidos, foram capturados e estiveram presos na Guiné cerca de 45 militares portugueses, dos quais três eram oficiais. (...)
Fonte: Cortesia da Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral
(...) Depois do 25 de Abril, sobre o comando do então brigadeiro Fabião, e em articulação com outros oficiais do Estado –Maior, implementaram os dispositivos de retração para acantonarem e retirarem deste Teatro de Operações os milhares de militares portugueses presentes nesta Província, tendo só abandonado a Guiné, no último voo com tropas Portuguesas, no dia 14 de outubro de 1974 na companhia do brigadeiro Fabião. Como tal, e ao realizar a biografia do meu falecido pai, coronel de cavalaria e do Estado/Maior, li muitos documentos classificados, do seu arquivo pessoal, e poderei acrescentar algumas informações sobre a troca dos últimos prisioneiros de guerra, com o PAIGC.
Mantivemos 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC) na ilha das Galinhas até à véspera do reconhecimento da Independência da República da Guiné-Bissau por parte do Governo Português. Pelo lado do PAIGC, mantinham 7 prisioneiros (4 soldados e 3 primeiros cabos, do nosso Exército), um dos quais era o soldado António Baptista, que tinha sido dado como morto em 17 de Abril de 1972, numa emboscada em Madina-Buco, onde as nossas tropas sofreram 1 desaparecido e 10 mortos, 6 dos quais queimados na explosão da viatura em que seguiam.
A troca destes sete prisioneiros na posse do PAIGC (retidos no Boé) por 35 guerrilheiros do PAIGC (retidos pelas nossas tropas na ilha das Galinhas) , foi feita segundo o estipulado pelo Acordo de Argel, e foi marcada para o dia 9 de setembro, em Aldeia Formosa, no entanto o PAIGC não compareceu nessa data como estava combinado, só no dia 14 de setembro a troca se realizou. Estiveram presentes nesse ato pelas nossas tropas, o major de inf Tito Capela (Chefe da 2ª Rep do QG), o major de art Aragão, o capitão-tenente Patrício, o capitão de inf Manarte e o furriel miliciano Elias (da 2ª Rep/QG/CTIG). Por parte do PAIGC, estiveram presentes os seguintes elementos; Manuel dos Santos (Subsecretário Informação/Turismo da GB), Carmen Pereira (Membro do Conselho de Estado/GB) e Iafai Camará (Comandante do Aquartelamento de Aldeia Formosa).
Imediatamente após a troca, foi feita a identificação (os soldados: António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Silva Batista, Manuel Ferreira Vidal; e os primeiros cabos: Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho), tendo os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau. Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau, e no dia seguinte, dia 15 de Setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa." (...).
Portanto, essa troca de prisioneiros não foi feita em Bafatá, como parece sugerir o depoimento de Duarte Dias Fortunato ("Desaparecido em combate", revista da GNR, "Pela lei e pela grei", abril de 2000), mas sim em Aldeia Formosa, tendo depois os 7 portugueses sido levados de avião até Bissau, onde foram observados no HM 241, antes de embarcarem no dia seguinte para a metrópole.
Andamos a tentar localizá-los. Um deles, pelo menos, já faleceu, ainda recentemente, o nosso grã-tabanqueiro António da Silva Batista (1950-2016) [, foto à esquerda]
__________________
Notas do editor:
(*) Últino poste da série > 22 dce março de 2016 > Guiné 63/74 - P15888: (Ex)citações (305): A nossa Força Aérea viveu alguns dias de grande confusão com o aparecimento dos mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)
(**) Vd. poste de 11 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9180: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte II) (Luís Gonçalves Vaz)
2 comentários:
Excerto de uma Dissertação apresentada à Universidade dos
Açores para a obtenção do grau de Mestre em
Relações Internacionais, elaborada sob a
orientação do Professor Doutor Carlos Cordeiro. *
UNIVERSIDADE DOS AÇORES
Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais
PONTA DELGADA
2013
[* Nosso grã-tabanqueiro]
Adelino de Jesus da Mota Pimentel
Nos Inícios da Guerra do Ultramar
Doutrina, Informação e Propaganda
Ecos na Imprensa Açoriana (1961-1965)
Guerra ou policiamento?
Desde o início do conflito, marcado pelos acontecimentos de 4 de fevereiro de
1961, e durante algum tempo, as ações de contenção e repressão ocorridas e promovidas
pelo lado português, talvez pelo seu cariz inicial difuso, que resultou num ataque de que
fora seu alvo a polícia, que as operações de retaliação às agressões estavam sendo
consideradas pelos governantes como ações de polícia. Tal é tão visível que nos relatos
da imprensa inicialmente não há qualquer referência a ações militares em concreto
como ações de guerra. Questão que atualmente melhor nos é explicada na obra Nova
História Militar de Portugal que nos faz um relato referindo que a tropa portuguesa
aprisionara um terrorista e um dos nossos soldados fora capturado pelo inimigo. Diz o
autor a este respeito que os prisioneiros que os portugueses faziam não podiam assim
ser considerados, mas capturados porque “aquela guerra não era oficialmente uma
guerra, mas uma sublevação”. Quanto aos nossos soldados capturados pelo inimigo, até
se saber concretamente o destino que tiveram, eram “desaparecidos” ou “desaparecidos
em combate”, mas nunca prisioneiros. Se mais tarde se viesse a saber que estavam nas
mãos dos inimigos, seriam considerados “retido pelo inimigo”. “Isto é, era reconhecida
a existência de um inimigo, mas não o seu direito a fazer prisioneiros. Só mortos e
feridos, esses sim, em combate”. “Este intrincado jogo de palavras procurava negar a
realidade com formalismos jurídicos e tinha por objetivo evitar que as ações militares
portuguesas ficassem sujeitas às regras da Convenção de Genebra e a qualquer controlo
de organizações internacionais. Nem mesmo a Cruz Vermelha foi autorizada a
acompanhar a situação dos prisioneiros feitos pelos portugueses.” (...)
http://repositorio.uac.pt/handle/10400.3/2345
Ninguém até agora respondeu ao nosso apelo (dramático): Onde estão estes camaradas, os últimos "prisioneiros" da Guiné ? Onde vivem ? O que fazem ?
Terão, por certo, histórias para nos contar, nem todas seguramente más... Conheceram também a alegria da libertação, no dia 14 de setembro de 1974 e do regresso a casa, no dia seguinte...
Quem dá umas dicas ? Quem tem pistas ? Espero que os seis estejam vivos e de boa saúde!
Luís Graça
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