1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.
As minhas memórias de Gabu
Saudades daquela nota esverdeada estampada com a figura de Nuno Tristão, 50 pesos
Os conteúdos de memórias registadas na Guiné continuam. Nos seus teores cruzam-se recordações que jamais se apagarão das nossas respeitosas histórias e sobretudo analisadas sobre o prisma de militares que conheceram uma peleja que não dava folgas.
Numa destas últimas manhãs primaveris, ainda com o tempo bastante instável, atrevi-me a efetuar uma viagem por gavetas onde guardo alguns registos de uma vida que persiste em diluir-se num tempo sempre indeterminado, e detive-me perante uma nota de 50 pesos que trouxe da Guiné mas que arquivo religiosamente.
Falar em 50 pesos (escudos) é literalmente citar que essa nota, outrora grande, representa, atualmente, uns meros 25 cêntimos. Dá, quiçá, para comprar duas pastilhas elástica, ou coisa de somenos importância ou tão-pouco uma lembrança com o mínimo de projeção.
Mas, naquele tempo uma nota de 50 pesos na Guiné já fazia algum ronco. Sou de um tempo em que cruzei os anos de 1973/1974, sendo porém certo que a grandeza do dinheiro, escudos, foi paulatinamente ganhando novos contornos ao longo de comissões que a irreverente moçada cumpriu naquele território ultramarino.
Registo que o meu ordenado como furriel miliciano era de 6400$00 (seis mil e quatrocentos escudos, hoje, simplórios 32 euros), ficando na Metrópole 3800$00 e recebendo 2600$00 em Gabu. Manga de patacão, é verdade, daí que os gastos fossem fartos na compra de várias bugigangas e num beber permanente de bebidas alcoólicas entre as saudosas mariscadas, nomeadamente. Ah, fazia-se, à socapa, também um pequeno mealheiro.
Sobrou-me, assim, patacão para vir de férias e deliciar-me com os baldes de ostras, ou de camarão tigre, grelhado de preferência, bem como refrescar a garganta com as belas cervejas fresquinhas em cervejarias de casta em zonas nobres da cidade de Bissau e as noites de arrombo numa urbe que acolhia o pessoal que vinha do mato e já farto em levar “porrada”.
Para trás ficavam então as trincheiras do medo, ou, os indetermináveis dias em defesa de uma vida jovem e já entregue a insofismáveis incertezas, restando o momento de aparente sossego para a malta dar largas a leviandades próprias de uma idade que se situava na casa dos vinte e poucos anitos.
Reconhecido pelo primeiro momento em que o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné me proporcionou e, simultaneamente, abriu as suas portas para eu debitar pequenos textos enquadrados com exíguas memórias que cruzam gerações, atrevi-me a inserir nesta narrativa a razão óbvia da dimensão de uma nota de 50 pesos e a atual realidade de 25 cêntimos. Talvez que o repto seja eventualmente proveitoso para uma troca de ideias, tendo em conta a representatividade dos valores expostos.
E é com este pequeno subterfúgio que por ora deixo expresso que a vida, a nossa, conheceu momentos irónicos na guerra onde 50 pesos faziam rugido na Guiné e presentemente 25 cêntimos é um valor meramente irrisório.
Guiné e a sua moeda designada por pesos. Como o tempo mudou, camaradas.
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
3 comentários:
Zé, eu sei que essa notinha de 50 pesos, no meu tempo (1969), dava para almoçar e jantar em Bafatá, ou para comprar um quilo de lagostins, do Rio Geba (,supremo luxo!), cozidos, prontos a servir, na tasca do Zé Maria, em Bambadinca...
Cinquenta escudos, em 1973, equivaleria hoje a 10,22 €.. No caso do peso (o escudo da Guiné, emitido pelo BNU), havia já uma "desvalorização" (ou "quebra") de 10% (em relação ao escudo metropolitano, emitido pelo Banco Portugal)...
Tens aqui o conversor da Pordata, da Fundação Manuel dos Santos... Este valioso conversor permite-nos conhecer o valor de um montante (em euros ou em escudos) dos últimos 50 anos, a preços de hoje...
http://www.pordata.pt/Portugal
Luís, tens toda a razão. A conversão não é a correta. Simplifiquei a natureza real do dinheiro. A questão é, sobretudo, para enaltecer o que naquele tempo fazíamos com 50 escudos. Hoje, o seu "preço" (50 escudos) é irrisório. Obrigado e um grande abraço deste camarada de armas alentejano.
Zé Saúde
O Peso, em crioulo "Pês" continuou a funcionar por muitos anos, com os ministros das Finanças do PAIGC, alguns que foram Combatentes, por ex. Manecas, Manuel dos Santos e outros como ele, os mais inteligentes e preparados para governar.
Todos sairam do PAIGC de Conacry para o Governo.
Então era assim,não havia inflação nos ordenados dos funcionários públicos nem nos salários aprovados pelo sindicato do PAIGC (UNTG), único e muito exigente.
E os salários que o Último Governador Geral deixou no dia da independência, continuaram indefinidamente em pelo menos 10 anos com mínimas alterações.
Ou seja se um 2º Oficial ganhava nas Obras Públicas 3 contos, passados dez anos continuava a mesma função a valer 3 "cunto".
Só que um pão, papo seco, quando havia farinha, custava simplesmente "1 cunto", sempre mil pesos nem mais nem menos, até porque não havia moedas para troco, esgotaram-se e desapareceram de circulação.
Mas naquele regime socialista tudo era possível e tinha solução fácil.
Por exemplo na tentativa de implantar uma carreira de autocarros em Bissau (pela Salvador Caetano e Nino Vieira) em 1990, pos-se o problema do pagamento dos bilhetes, se não havia trocos, se a moeda mais pequena era mil Pês (1 cunto).
Solução, o passageiro vá para longe ou perto o bilhete tem preço único, 1 cunto.
E empresa ficou com o nome popular "Caetano um cunto".
Até que veio o CFA, Franco africano que a França coordena e integrou a Guiné e acabou-se o tal regime socialista onde tudo funcionava à moda dp partido.
Não sei se é melhor agor ou antes, mas desde que não venha o Boko-Haram, tudo se cria.
Nós também temos uns lindos financeiros e banqueiros!
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