sábado, 3 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22340: Tabanca da Diáspora Lusófona (16): Eh, malta da Tabanca do Atira-te ao mar, quando é que é o próximo "círio" ao Santuário da Senhora dos Remédios, Cabo Carvoeiro, Peniche ? (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Lourinhã, 13 de dezembro de 2014. Comércio tradicional, animação de rua, promovida pela junta de freguesia local. Grupo de Gaiteiros da Freiria, Torres Vedras

Vídeo (1' 45''),alojado em You Tube / Luís Graça



1. Primeira parte de mensagem do João Crisóstomo, enviada no dia 1 do corrente:
 
Date: quinta, 1/07/2021 à(s) 12:10
Subject: "Atira-te ao mar" e aparece...
 
Meu  caríssimo mano, Luís Graça, meu  comandante, camarada,…

 "Atira-te ao mar" ou "pega o avião"… "E vai onde a gana te chama"…

Isto aplica-se da mesma maneira aos que estão aqui e esperam melhores ventos para ir a Portugal como aos que estão por aí e vêm há anos a adiar viagens aos USA e a outros  destinos...

Isto vem a propósito dos três "posts" sobre o Círio  ao Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal. (*)

Não conheço esse Santuário  mas este lugar que,  graças ao blogue,  vim a descobrir agora, como sucede com tantas coisas maravilhas por esse país fora, fez-me avivar ainda mais a minha gana de ir até Portugal. Para  com o auxílio e talvez mesmo a companhia  de alguém que me possa informar  e elucidar sobre estas coisas,  visitar este e tantos tesouros escondidos que precisam de ser redescobertos.

 Hoje, como  quase todos os dias, levantei-me cedo e depois duma chávena de café fui ver os emails e visitar a "minha Tabanca Grande ",  já  que as de Enxalé e Porto Gole e Missirá   são memórias queridas , mas que apenas aparecem quando algum camarada as chama nos seus posts de recordações.

Desta vez deparei-me com estes posts sobre o "Círio ao Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal", este lugar lindo que ainda não conheço, mas que vai ser das primeiras coisas a visitar quando voltar a Portugal. 

Aqueles azulejos fizeram-me abrir a boca de espanto, aquelas salas cheias de recordações e mensagens de fé de camaradas nossos emocionaram-me. E no meio deste deambular entre os posts apareceu um outro post do Beja Santos sobre a "Sociedade de Geografia de Lisboa" (**) que me fez parar também. 

Depois fui deparar com os meus queridos camaradas "quase em pessoa", tão vívidas são as imagens e momentos aí lembrados: As fotos da "Eugénia, Luís Graça, Jaime Silva. Alice Carneiro, Conceição Ferreira (viúva do Eduardo Jorge Ferreira, 1952-2019), Joaquim Pinto Carvalho, Esmeralda Costa e Maria do Céu Pinteus…" a mostrarem a alegria e satisfação do momento…

"O régulo, Joaquim Pinto de Carvalho, 62 anos depois, sentado no chão a guardar o tacho" ... que até parece pela sua postura e das suas mãos estar a chamar-me a mim e à Vilma:"cheguem-se , cheguem-se que há para todos!"
… 

A São ( a Conceição Ferreira, viúva do nosso saudoso Eduardo) e o Jaime Silva, a "fazerem negaças" para nos juntarmos ao próximo Círio à Senhora dos Remédios em Peniche.

Se este Círio no Carvalhal me era desconhecido,  o mesmo não sucede com o de Peniche que tenho visitado muitas vezes. Quando era miúdo,  meu pai falava muito dele e das "peregrinações a pé"  das gentes da Bombardeira,  dos Casais  do Cano, da  Póvoa de Penafirme, Casais  das Paradas, Sobreiro Curvo, A-dos-Cunhados e  outras terras vizinhas que  aí peregrinavam  todos os anos. Da alegria da partida e do cansaço do regresso...

 Puxa vida, que posts assim  até me fazem  sofrer . Quando é que este malvado vírus desaparece? A olhar e ver estes posts até parece que a normalidade voltou, mas logo leio outras informações, avisos  e não sei quantas coisas mais que me fazem conter o meu entusiasmo. E a decidir ter paciência  e esperar .

(...) Instrui-me para não esquecer ( como se fosse preciso lembrar-me !) de te  enviar ti, à Alice e demais amigos de quem tantas saudades temos   um grande abraço. (**)

João e Vilma 

2. Resposta do editor LG:

João, eu também sou daqui, do Oeste como tu, e nunca tinha ao Santuário do Senhor do Carvalhal, a 25 km da minha terra... Mas tenho a nostalgia dos círios (nomeadamente,  do Seixal) que passavam e paravam na Lourinhã, em carros engalanados, e com o gaiteiro, o tocador de gaita de foles, à frente!...

Música encantatória, a da gaita de foles. Havia um na Atalaia, mas o mais famoso era do teu concelho, Torres Vedras, o Joaquim Roque... Mas a tradição não vai morrer... Há gente, malta nova, aqui no Oeste, a manter viva a gaita de fole(s), como por exemplo o Grupo de Gaiteiros da Freiria.

Quanto ao que me perguntas... A próxima caminhada até ao Santuário da Senhora dos Remédios, junto ao  Cabo Carvoeiro (c. 20 km desde a Lourinhã, ao longo da costa: Praia da Areia Branca, Paimogo, São Bernardino, Consolação, Peniche...) deve ser daqui a duas semanas... Eu, infelizmente, só poderei ir de carro, depois da sessão de fisioterapia que acabá às 12h20... Vou juntar à devoção, o prazer do convívio...  e de uma sardinhada no restaurante Toca do Texugo, mesmo ali ao lado... com as Berlengas à vista!

Mas ainda não recebi convocatória do régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Joaquim Pinto Carvalho, e/ou do seu adjunto, Jaime Silva.  Haveremos de matar saudades, quando tu e a Vilma puderem cá voltar. Oxalá/Enxalé/Inshallah  seja em breve. Saúde e chicorações fraternos... E muito cuidado com a 4ª vaga da maldita Covid-19. Luís
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22331: Tabanca do Atira-te ao Mar (5): O "círio" ao Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal - Parte III: Os painéis de azulejos com os nomes dos círios

(**) Último poste da série > 1 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22333: Tabanca da Diáspora Lusófona (15): Convite do João Crisóstomo e da Vilma Kracun, aos seus vizinhos de rua, para se juntarem em convívio pós-Covid... no 14 de Julho, dia nacional da França... Um exemplo muito bonito de boa vizinhança e multiculturalismo!

Guiné 61/74 - P22339: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte III: Cumeré, março de 1969




Guiné > Sector  de Bissau > Cumeré > Março de 1969 > Deslocámo-nos num zebro e estamos a subir o pontão. Aqui funcionava um CIM (Centro de Instrução Militar) e estava sediado o COMBIS .-Comando de Agrupamento de Bissau. Muitas unidaesd que chegavam ao CTIG, faziam aqui a IAO e, uma vez terminada a comissão, aguardavam aqui o embarque para a Metrópole.

Fotos (e legenda): © João Rodrigues Lobo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Duas mensagens de João Rodrigues Lobo que agregamos num texto único:


[ João  Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez 1967/fev1971): fez o 1º COM, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa; vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; membro nº 841 da Tabanca Grande.]


Date: quarta, 23/06/2021 à(s) 15:50
Suject: PTE - BENG 447
Date: quinta, 24/06/2021 à(s) 16:44
Subject: Angola

Boa tarde,

Sobre o meu "curriculo": Não cheguei a frequentar o IST em Lisboa . Chumbei no exame de admissão realizado em Luanda. Depois da passagem á disponibilidade frequentei o Curso de Engenharia mecânica da Universidade de Luanda mas desisti porque arranjei um óptimo emprego como Agente de Navegação internacional.

Quanto a questões colocadas sobre as fotos de Angola (*):

Nas recrutas, em Nova Lisboa, quer no COM que fiz na EAMA quer depois na instrução que dei no CICA a arma diária era a Mauser. Só na parada usei a Uzi ou FBP, e de serviço, a pistola Walter 9mm.

A coluna da foto, era de instrução para os condutores auto se habilitarem a conduzir em coluna em condições reais. Mais uma vez com as Mauser embora na foto só se veja uma.

A zona era calma na data (1968) mas nunca se sabia se surgiriam surpresas.

A coluna parou para a "bucha" perto do "Paraíso " que ficava nos arredores de Nova Lisboa (Huambo).

As Fotos 13 e 14 são do Jornal publicado pela Região Militar de Angola (Só tenho o número 18). A assinatura da capa é "Higino".

Sobre outars questões e comentários que tenho lido no blog:

Residia em Luanda quando fui incorporado, nessa altura a regra era "quem chumbasse ia para a tropa" e eu chumbei !

Sobre a minha ida para a Guiné, sim, a única explicação foi o intercâmbio entre Províncias Ultramarinas.  Estava no Quartel General de Angola e um Tenente-Coronel foi ter comigo e anunciou a mobilização. Mais disse ter questionado o Ministério, por rádio, porque eu fazia lá falta já estando habituado ao serviço e a chefiar os MVL,  e, só lhe responderam que não tinham mais explicações e eu iria ser substituído por um ido da Metrópole. 

Do Primeiro COM em Nova Lisboa, dado por Comandos, só saímos 6 para Transportes Rodoviários pois tinhamos óculos, e não podiamos ficar nos Comandos. Um reprovou, ficámos 5 e eu fui para a Guiné!
 
Fui em rendição individual, não tendo conhecido quem fui substituir nem quem me substituiu (, ambos idos da Metrópole). Não vou especular sobre o que levou a tal decisão. Fui em avião militar de Luanda para a ilha do Sal em Cabo Verde , onde estive uma semana a aguardar outro voo militar para Bissalanca. (Base aérea em Bissau)

Não estive em Bambadinca,  aliás só saía esporadicamente acompanhando as viaturas ás obras, especialmente das estradas. (Bem protegidos pelos camaradas de armas) ( e embora levasse a minha G3 bem á mão, conduzindo sempre a viatura onde me deslocava).

A coluna das fotografias foi uma dessas colunas e a foto foi tirada após saída de Brá julgo que para a estrada de Có / Pelundo.

Por essa estrada, de Brá a Có, cheguei a ir em carro civil com outros camaradas, pois a guarnição da jangada de João Landim nos transportou para a outra margem, por, nessa data, a estrada até Có ser considerada segura. (Mas pouco , como depois vim a saber...)

Lembro-me das Galion que transportávamos, mas não reconheço o major numa fotografia junto dela, Não me parece ser de Engenharia, ou do meu tempo.

Sobre a tal construção, ou não, de pontões não posso esclarecer absolutamente nada pois não passava pelo meu pelouro.

Vou pôr a memória a funcionar para trocar mais recordações.

Junto duas fotos a caminho do Cumeré , mas subindo o pontão onde fomos num Zebro. (Março de 1969)

Sobre a minha passagem pela EAMA, poderei em próximo post juntar fotografias se tal considerares de interesse neste blog da Guiné.

Os melhores cumprimentos,
João Rodrigues Lobo



Guiné > Sector de Bissau > Carta de Bissau (1949) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bissau, Brá, Bissalana e Cumeré (na maregm esquerda do canal do  Impernal)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


2. Fichas de unidades> Comando de Agrupamento de Bissau (COMBIS)

Identificação: COMBIS

Cmdt: 
Cor Inf José Martiniano Moreno Gonçalves
TCor Art Aristides Américo de Araújo Pinheiro
Cor Cav Fernando Rodrigues de Sousa Costa
Cor Art Gaspar Pinto de Carvalho Freitas do Amaral
Cor Inf António Mendes Baptista
Cor Inf João Afonso Teixeira Henriques
Cor Inf António da Anunciação Marques Lopes

CEM: 
TCor Inf José Bonito Perfeito
TCor Cav António Maria Rebelo
TCor Art Aristides Américo de Araújo Pinheiro
TCor Inf Carlos Frederico Lopes da Rocha Peixoto
TCor Inf João Polidoro Monteiro
Maj Inf Arménio Soares da Cruz Sampaio Nunes
Maj Cav João Luís Moreira Arriscado Nunes
TCor Inf João Salavessa Moura
TCor Inf João Afonso Teixeira Henriques
TCor Art Altinino Fernandes Gonçalves
TCor Art João Augusto Fernandes Bastos

Divisa: -
Início: 8Jan69 
Extinção: 20Set74

Síntese da Actividade Operacional

Este comando foi constituído a partir do Comando de Agrupamento n." 2952, sendo o seu pessoal nomeado por rendição individual. 

O Agrupamento tinha a missão de garantir a defesa da ilha de Bissau, de assegurar a manutenção da ordem pública e de controlar as vias de comunicação, as populações e os
abastecimentos, utilizando meios e pessoal dos três ramos das Forças Armadas
e das forças militarizadas sediadas em Bissau.

Em 8Jan69, substituindo o CmdAgr 2952, assumiu a responsabilidade da referida zona de acção, com a sede em Bissau e integrando as forças instaladas no respectivo sector, o qual englobava os subsectores de Brá (Bissau), Nhacra e Quinhámel.

Em 6Ag070, este comando passou a ter integrado na sua orgaruca o BArt 2866 e depois o BCaç 2929, incluindo as respectivas CCS, cujo pessoal passou a desempenhar funções no COMBIS. 

Em 1Set72, foi constituída e organizada a Formação do COMBIS, a qual substituíu a CCS do BCaç 2929 nas respectivas funções.

Em 18Nov71, por criação do COP 8, a sua zona de responsabilidade foi reduzida do subsector de Nhacra tendo, a partir de lJu173, o sector de Bissau sido articulado nos subsectores de Brá, Bor, Sa fim, Quinhámel e Prábis, este, apenas de nível pelotão.

Comandou e coordenou a actividades das forças atribuídas, em acções de patrulhamento e reconhecimentos, a par do controlo e fiscalização das populações e das acções de polícia militar e da segurança e protecção das instalações e pontos sensíveis da respectiva zona de acção.

Após ter voltado a integrar a zona de acção do COP 8, extinto em 12Set74, e depois da organização e montagem do dispositivo final das tropas portuguesas em Bissau, foi extinto em 20Set74, passando os subcomandos então definidos a assumir a responsabilidade das respectivas áreas, sob a dependência directa do Comando-Chefe.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pp. 597/598

Guiné 61/74 - P22338: Os nossos seres, saberes e lazeres (458): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (5): A doação de José-Augusto França à cidade de Tomar (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
Por diversas vezes, José-Augusto França descreveu a doação que fez a Tomar, mormente nas suas Memórias para o Ano 2000 e subsequentes. É um acervo da maior importância que abarca alguns desenhos, como os de Almada, Bernardo Marques, Mario Eloy, António Pedro, Dacosta e Vespeira, obras de grande significado do surrealismo, do abstracionismo e da não-figuração, tudo se espraia por uma moradia de rés-do-chão e dois andares e em qualquer um destes espaços se frui o que de relevante artistas como Costa Pinheiro, José Escada, Lourdes Castro, Manuel Baptista, Noronha da Costa, Cutileiro, Júlio Resende, Fernando Lanhas, Emília Nadal, Alice Jorge ou Luís Dourdil, entre tanto outros, inscreveram do que há de mais significativo nas Artes Plásticas Portuguesas. Não há nada como visitar este Núcleo (sempre no horário da tarde), a documentação produzida é muito esclarecedora, sugere-se uma primeira visita para tomar conhecimento, depois um passeio pelo Mouchão ou pela Corredoura até à Praça da República, visitando a Igreja de São João Baptista, e novo regresso ao acervo doado por José-Augusto França para degustar com mais pormenor as obras que mais toquem à sua sensibilidade - estão ali manifestações das mais expressivas de quase todo o século XX.

Um abraço do
Mário


A doação de José-Augusto França à cidade de Tomar (1)

Mário Beja Santos

O Núcleo de Arte Contemporânea José-Augusto França está instalado num prédio adaptado para o efeito com projeto do arquiteto Jorge Mascarenhas, integra uma centena de obras de arte da coleção do escritor e historiador que nasceu em Tomar em 1922. A inauguração efetuou-se em 2004 e proporciona a quem visita tão bela coleção momentos de fruição ímpares devido à qualidade das obras e até mesmo a coerência do gosto de quem a doou. José-Augusto França cedo se começou a relacionar com artistas plásticos e a fazer crítica, que se prolongou sobretudo entre os anos 1940 e 1970. Foi galerista e a sua bibliografia é impressionante.

Nesse mesmo ano de 2004 ele avançou algumas razões para esta doação:
“… de ordem moral uma, sentimental, a outra. Ao termo de sessenta anos de vida útil (dir-se-ia de carreira, mas detesto tal coisa), entendeu o doador arrumar o que neles foi acumulando, pinturas e outros objetos de arte, livros e manuscritos, o que seria, mas ainda não é, o seu espólio, distribuindo-os por sítios apropriados de cultura, os quadros para museus (e foram, principalmente, o do Chiado, e este de Tomar, consoante adequação histórica das espécies), os livros para várias bibliotecas, entre as quais a de Tomar, a da Fundação Gulbenkian (que guarda, desde 1992, o total da bibliografia ativa, em volumes singulares e coletivos, folhetos, catálogos e publicações periódicas do que se fez nessa altura, exposição e catálogo de 3400 números e ainda arquivos de doutoramentos no Departamento de História de Arte da Universidade Nova de Lisboa e da Cinemateca Nacional. A moral da história está em se acrescentar assim a utilidade que a vida do doador, isto é, a minha, possa ter tido, mostrando em permanência o que ele tinha guardado para uso próprio, gozo com certeza, mas também, e indispensavelmente, instrumentação do seu trabalho – uma coisa e outra no seu quotidiano de 60 anos”.

E José-Augusto França refere-se concretamente à razão de ordem moral e à vertente social, invoca a descentralização cultural, a razão sentimental de ter nascido na então Travessa da Saboaria, no segundo andar, no primeiro andar vivia a avó materna viúva. Despede-se das suas obras com enorme saudade e questiona o que se pode ver para fruição do visitante desta belíssima coleção que doou a Tomar:
“Não sei ainda exatamente quantos quadros, desenhos ou esculturas, mais de cem, podem ser mostrados ao mesmo tempo, obras de mais de 50 artistas portugueses. Não é aqui de mencionar obras de catálogo que algumas, sem propositada hierarquia, destaco em 20 reproduções. Porém, sim: e o doador deseja assinalar dois quadros que doou, e diz porquê. ‘Signos desmemoriados, momentos IX, de Fernando Lemos, pintado em 1972, durante 30 anos foi a primeira imagem que vi ao acordar, na minha casa de Lisboa, pendurado ao fundo do quarto, onde só outros ficaram, por serem estrangeiros. A grande pintura em duas tábuas, de Noronha da Costa, sem título, de cerca de 1970, é outra obra que, partindo, me deixa um grande vazio, de parede e de alma, porque durante os mesmos 30 anos, me sentei, todas as noites, com ela atrás de mim, sombra protetora – escrevi, muito tendo escrito sobre os dois pintores, meus amigos de duas gerações já”.
Noronha da Costa
A árvore azul, de José de Guimarães e um belo painel azulejar de Eduardo Nery recebem o visitante à entrada do Núcleo de Arte Contemporânea
Um desenho de Almada Negreiros, o inequívoco traço do grande mestre do Modernismo
No rés-do-chão do Núcleo proliferam obras muito importantes do surrealismo, do abstracionismo e da nova figuração. Ali se podem ver desenhos de Almada, Bernardo Marques, Mário Eloy, António Pedro, Vespeira e Fernando de Azevedo. A pintura surrealista da “Terceira Geração” do Modernismo nacional, está representada por Fernando Azevedo, Moniz Pereira e Fernando Lemos. Ao fundo da sala uma pintura de Vasco Costa. Uma escultura de papel recortado de José de Guimarães e duas esculturas de António Pedro preenchem o conteúdo deste piso.
António Pedro, provavelmente o seu melhor desenho
Escultura de António Pedro
Óleo de Marcelino Vespeira
Óleo de Marcelino Vespeira
Escada de acesso ao primeiro andar, como igualmente a de acesso ao segundo andar, o visitante encontrará séries de litografias de Costa Pinheiro, José de Guimarães, René Bertholo, além de uma série de azulejos originais realizados por J. Machado da Costa
Obras de José de Guimarães
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22318: Os nossos seres, saberes e lazeres (457): As Necessidades, a olhar o Palácio e a percorrer em júbilo a Tapada (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22337: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XI: Japão, Hakone, março de 2014






Japão, Hakone, situada no Parque Nacional Fuji-Hakone-Izu, a oeste de Tóquio,   2014

Foto: © António Graça de Abeu  (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros. É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 280 referências no blogue.


Montanhas de Hakone, Japão, Março 2014

Duzentos vulcões polvilham, enxameiam as grandes ilhas japonesas.

Venho desde Kyoto no célere Shinkansen. O rapidíssimo comboio fura o vento e encurta os espaços. Não dá para ver colinas em chamas, nem castelos de daimios e samurais. Encaminho, todavia, a toda a brida, os meus passos por caminhos certos.

Jornadeio pelas serranias de Hakone, ao encontro do fogo de mil séculos, apaziguador ou brutal, borbulhando desde as entranhas da terra. Vapores de enxofre, fumarolas, nascentes de água quente para mergulhar o corpo. Dias inteiros respirando, enxaguando pedaços da alma. Num grande complexo termal até existem duas piscinas onde, na água, se misturam vinho cálido e chá verde.

Os labirintos no olhar, ao longe a montanha Fuji adormecida, imensa, levanta-se para o céu, um cone de neve cintilante. Todo o esplendor da Primavera. De teleférico, subo, desço pelos ossos dos montes. O Fujiyama por companhia, o vulcão, o mais sagrado e reverenciado de todos, silencioso há trezentos anos, para eu afagar com os dedos. Em Owakudani, cai neve no cristal frio da manhã, à noite, é só prata ao luar.

Humedeço o bater do coração no lago Ashinoko, atravesso-o numa falsa barca de piratas, nuvens desfazem-se em bruma e descem para acariciar as águas.

Passeio-me no templo xintoísta, datado do século VIII, junto ao lago. Rochas, quedas de água, pequenos pavilhões escarlate, esculturas de animais sagrados, o beijo da natureza para enobrecer o dia.

Despeço-me das terras de Hakone nos três telhados sobrepostos do castelo branco de Odawara. Já não há gueixas, nem flores de cerejeira. No horizonte, ainda, sempre, a imponência perpétua da montanha Fuji.

António Graça de Abreu

Texto enviado em 25/6/2021

Guiné 61/74 - P22336: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VII


Foto 1 – Região de Badapal > Norte de Bula > 18Out1969, sábado. Assistência a feridos da CCAV 2487 (Bula; 1969/70), no decurso da «Operação Ostra Amarga». Fotograma seleccionado do vídeo, em francês "Guerre en Guinée" ("Guerra na Guiné", ORTF, Paris, 1969), disponível no portal do INA – Institut national de l'audiovisuel (13' 58") ou P18335, com a devida vénia.


Foto 2 – Sector L1 (Bambadinca) > O ex-alf mil med Joaquim António Pinheiro Vidal Saraiva (1936-2015), da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), prestando assistência médica à população do reordenamento de Nhabijões, maioritariamente de etnia balanta [e com "parentes no mato", tanto a norte do Cuor como ao longo da margem direita do rio Corubal, nos subsectores do Xime e do Xitole]. Foto do álbum de Arlindo T. Roda – P16251, com a devida vénia.


Foto 3 – Sector L1 (Bambadinca) > 08Fev1970, domingo. Assistência a ferido da CCAÇ 12, com helievacuação em Madina Colhido (Xime), no decurso da «Operação Boga Destemida». Foto do álbum de Arlindo T. Roda – P10726, com a devida vénia.






O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Tem 290 referências no nosso blogue.

 

MEMÓRIAS CRUZADAS

NAS "MATAS" DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS»

OS CONTEXTOS DOS "FACTOS E FEITOS" EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM "CRUZ DE GUERRA", DA ESPECIALIDADE "ENFERMAGEM"

PARTE VII

 


► Continuação do P22072 (VI) (06.04.21)

1. - INTRODUÇÃO

Visando contribuir para a reconstrução do puzzle da memória colectiva da «Guerra Colonial ou do Ultramar», em particular a da Guiné [CTIG], continuamos a partilhar no Fórum os resultados obtidos na investigação acima titulada. Procura-se valorizar, também, através deste estudo, o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da "saúde militar" (e igualmente no apoio a civis e população local) – médicos e enfermeiros/as – na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras ocasiões de menor risco de vida, mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais.

Considerando a dimensão global da presente investigação, esta teve de ser dividida em partes, onde procuramos descrever cada um dos contextos da "missão", analisando "factos e feitos" (os encontrados na literatura) dos seus actores directos "especialistas de enfermagem", que viram ser-lhes atribuída uma condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para esse efeito, a principal fonte de informação/ consulta utilizada foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).

2. - OS "CASOS" DO ESTUDO

De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os "casos do estudo" totalizam vinte e quatro militares condecorados, no CTIG (1963/1974), com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por "actos em combate", conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica divulgado no primeiro fragmento – P21404.

Nesta sétima parte analisaremos mais dois "casos", ambos registados no ano de 1966, onde se recuperam mais algumas memórias dos seus respectivos contextos.
No quadro nominal abaixo, referem-se os "casos" que faltam contextualizar (n-10).



3. - OS CONTEXTOS DOS "FEITOS" EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM "CRUZ DE GUERRA", NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "ENFERMAGEM" - (n=24)

3.13 - JOÃO DE JESUS SILVA, FURRIEL MILICIANO DO SERVIÇO DE SAÚDE, DA CCAÇ 1549, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE

A décima terceira ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe - a sexta das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1966 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título ao longo da sua comissão. Merecem, todavia, destaques, os comportamentos tidos na «Operação Queima», em 08 de Novembro de 1966, 3.ª feira, na região de Gã João / Gansene, onde foi ferido pelo IN, e na «Operação Nora», realizada na península da Pobreza, região de Tombali, entre 05 e 11 de Março de 1967 (infografia abaixo).

Histórico



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 23, de 18 de Maio de 1967, do QG/CTIG:

"Manda o Governo da Republica Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Furriel Miliciano, do Serviço de Saúde, João de Deus Silva, da Companhia de Caçadores 1549 [CCAÇ 1549] - Batalhão de Caçadores 1888, Regimento de Infantaria n.º 1."

● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvo o Furriel Miliciano do Serviço de Saúde (0145964), João de Jesus Silva, da CCAÇ 1549/BCAÇ 1888 – RI 1 e adida ao BART 1914, pela forma eficiente e dedicada como tem vindo a desempenhar as funções de enfermeiro. Tendo tomado parte em quase todas as operações realizadas pela Companhia, revelou ser dotado de grande coragem, sangue-frio, decisão e serena energia debaixo de fogo.

Em 08 de Novembro de 1966, 3.ª feira, durante a realização da «Operação Queima», tendo sido ferido pelo IN, juntamente com outros camaradas, manteve-se serenamente no seu posto, só promovendo a sua evacuação depois de ter prestado os primeiros socorros aos restantes feridos e dos fazer evacuar. Quando da realização da «Operação Nora» [06Mar67 (2.ª feira)], mais uma vez o Furriel Silva deu mostras de elevado espírito de sacrifício e vontade de bem servir de que é dotado, acompanhando as NT nas duas fases da operação, quando é certo que entre as duas, e enquanto o pessoal descansava e recuperava do esforço despendido, passou uma noite inteira de pé, ajudando o clínico presente a examinar o pessoal das Companhias empenhadas na operação.

De grande correcção e aprumo, muito disciplinado e cumpridor escrupuloso dos seus deveres militares, são estas qualidades que tornam o Furriel Silva merecedor desta pública forma de apreço e de a todos ser apontado como exemplo." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV, p 452).


◙► CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA

Para contextualização da última ocorrência, a «Operação Nora», socorremo-nos da narrativa do camarada Santos Oliveira (Como, Cufar e Tite; 1964/66), onde, no P2504 (04.02.2008), refere que (sic) "as acções do BCAÇ 1860 tiveram o seu clímax na «Operação Nora», realizada na Península de Pobreza, subsector de Empada, em que a par de importantíssima quantidade de material capturado – porventura a maior que se capturou [à data] na Província desde o início – se desarticulou completamente o dispositivo IN naquela área (infografia acima).

Por outro lado, e no que concerne à informação obtida na fonte Oficial (CECA), a explicação dada sobre a «Operação Nora» é muito reduzida, constando apenas que ela foi dividida por diferentes missões, nos dias 5, 6, 9 e 11Mar67, envolvendo forças da CCAÇ 1549, CCAÇ 1587, reforçada com 1 GC CªMIL 6, e CART 1614. No dia 06Mar67, 2.ª feira, foi efectuada uma batida à península de Pobreza, S1. Em Ingué, as NT capturaram diversos documentos e material, tendo o IN reagido pelo fogo. No decurso da acção este sofreu seis mortos, feridos em número não estimado e a captura de documentos e munições, além de volumoso material e do seguinte armamento: 1 canhão s/r 82 mm, 1 mort 82, 3 metr AA c/rodas, 4 mp 2 mi, 9 PM "PPSH", 7 PM "Uzi", 1 Lgfog "RPG-2", 3 carabinas "Mosin-Nagant", 2 esp "Mauser", 1 pist "Walter" e 1 pist de sinais.

■ A CART 1614 registou uma baixa – o fur mil Francisco Filipe dos Santos Encarnação, natural de Salvador, Concelho de Beja (CECA; 8.º Vol.; p 247).

3.13.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1549

= TITE - FULACUNDA - ENXUDÉ - QUINHAMEL - ILONDÉ - BISSAU

Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 1 [RI 1], da Amadora, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Caçadores 1549 [CCAÇ 1549], a primeira Unidade de Quadrícula do Batalhão de Caçadores 1888 [BCAÇ 1888; do TCor Inf Adriano Carlos de Aguiar], embarcou no Cais da Rocha, em Lisboa, em 20 de Abril de 1966, 4.ª feira, a bordo do N/M «UÍGE», sob o comando do Cap Mil Inf José Luís Adrião de Castro Brito, tendo chegado a Bissau a 26 do mesmo mês.

3.13.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1549


Após a sua chegada a Bissau, seguiu directamente para Tite, a fim de substituir a CCAV 677 [13Mai64-26Abr66; do Cap Cav António Luís Monteiro da Graça (1925-2014)], como subunidade de intervenção e reserva do sector, com um Gr Comb destacado em Fulacunda, até 28Jun66, e outro em Enxudé, a partir de 30Mai66, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1860 [23Ago65-15Abr67; do TCor Inf Francisco Manuel da Costa Almeida] e depois do BART 1914 [13Abr67-03Mar69; do TCor Art Artur Relva de Lima], tendo actuado em diversas operações efectuadas nas regiões de Fulacunda, Iusse, Nova Sintra e Flaque Cibe, entre outras.

Em 04Ago67, foi rendida pela CART 1743 [30Jul67-07Jun69; do Cap Mil Inf José de Jesus Costa] e seguiu para o sector de Bissau, onde assumiu a responsabilidade do subsector de Quinhamel, com um Gr Comb destacado em Ilondé, onde substituiu a CART 1647 [18Jan67-31Out68; do Cap Art Fernando Manuel Jacob Galriça], tendo ficado integrada no dispositivo do BART 1904 [18Jan67-31Out68; do TCor Art Fernando da Silva Branco], com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 02Nov67, foi rendida no subsector de Quinhamel pela CCAÇ 1585 [04Ago66-09Mai68; do Cap Inf José Jerónimo da Silva Cravidão (1942-1967) (1.º) e Cap Mil Inf Vítor Brandão Pereira da Gama (2.º)] e foi colocada em Bissau, em substituição da CCAÇ 1498 [26Jan66-04Nov67; do Ten Inf Manuel Joaquim Fernandes Vaz], mantendo a mesma missão anterior. Em 16Jan68, foi substituída pela CCAÇ 2313 [15Jan68-23Nov69; do Cap Inf Carlos Alberto Oliveira Penin], a fim de efectuar o embarque de regresso, que teve lugar no dia seguinte a bordo do N/M «UÍGE» (CECA; 7.º Vol.; p 86).

3.14 - DOMINGOS PEREIRA BARBOSA, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO, DA CART 1525, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 4.ª CLASSE

A décima quarta ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 4.ª Classe - a sétima das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1966 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título, ao socorrer os camaradas da sua unidade feridos durante o forte contacto havido com o IN, no decurso da «Operação Bissilão» realizada em 05 de Dezembro de 1966, 2.ª feira, na região de Biambe (infografia abaixo).

► Histórico




◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 08, de 16 Fevereiro de 1967, do QG/CTIG:

"Agraciado com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 01 de Março de 1967: O 1.º Cabo n.º 5493065, Domingos Pereira Barbosa, da Companhia de Artilharia 1525 [CART 1525] – Batalhão de Cavalaria 790, Regimento de Artilharia da Costa.

● Transcrição do louvor que originou a condecoração:

"Louvado o 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 5493065, Domingos Pereira Barbosa, da CART 1525, por ter desenvolvido no exercício das suas funções, quer internamente, quer em operações, uma actividade notável, e na qual colocou sempre a sua melhor boa vontade, carinho e esforço pessoal, nunca olhando a sacrifícios e sempre pronto a cumprir da melhor forma a missão de que está incumbido.

No decorrer da «Operação Bissilão», na qual, em face do forte contacto havido com o IN, as NT sofreram em pouco tempo várias baixas, o 1.º Cabo Barbosa, sendo o único elemento do Serviço de Saúde presente no local, quando o contacto inimigo se fazia sentir com violência, começou imediatamente a tratar dos seus camaradas feridos. Fazendo alarde de uma coragem e serenidade fora do vulgar, não o impressionou, nem o fogo IN, nem o grande número de feridos a tratar, e numa entrega total e admirável à sua tarefa, alheou-se do perigo que o cercava, e dando provas de uma abnegação, coragem, calma e desprezo pelo perigo invulgares, acorria para junto dos mais necessitados, não se importando com a sua segurança pessoal, ao deslocar-se debaixo de fogo In, a descoberto, e com o único intuito de chegar o mais breve possível junto dos camaradas que dele necessitavam.

Quer pelo seu procedimento anterior, com o qual granjeou as simpatias gerais, pelo modo correcto e sempre pronto como desempenhou as suas funções, quer agora, por esta sua acção de combate, na qual deu bastas provas de coragem, valentia e desprezo pelo perigo, merece o 1.º Cabo Barbosa, ser apontado a todos os seus camaradas como exemplo valoroso e dedicação ao serviço." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV, pp 234-235).

◙► CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para a elaboração deste ponto, procedemos à respectiva investigação utilizando, como habitualmente, a fonte Oficial (CECA), mas desta vez sem sucesso. De facto, nada foi encontrado. Mas, na busca de outras fontes, tivemos a "sorte" de ter acesso ao livro da Unidade do agraciado – CART 1525 - "HISTORIAL" – da qual retirámos os factos relacionados com o desenrolar da «Operação Bissilão», realizada em 05 de Dezembro de 1966, 2.ª feira, na Região de Biambe.

O principal objectivo da «Operação Bissilão» era realizar um golpe de mão a uma tabanca (base) IN, situada na região de Chumbume, a norte de Biambe, onde existia um morteiro 82, uma arrecadação de material e respectiva farmácia.

Foram escaladas para esta missão as seguintes forças: CART 1525; Gr Comandos "Os Falcões", 1 Pel Milícia 157 e 2 secções de Pol Adm., com apoio aéreo.


▬ DESENROLAR DA ACÇÃO:

● Eram 23h00 do dia 04Dez66 quando as NT saíram de Bissorã, tendo seguido pela estrada de Naga até à tabanca de Nhaé, onde deixaram a estrada e tomaram o caminho do mato. Depois de cambar a bolanha de Chumbume, cerca das 02h00 de 05Dez66, iniciou-se a aproximação do objectivo com o máximo cuidado.

Às 05h00 foi resolvido pôr em prática o plano: os elementos da polícia iriam flagelar a base com esp e granadas de mão, obrigando o IN a revelar-se da tabanca com o Mort 82. As outras forças cercariam a tabanca e, logo que o mesmo se revelasse, fariam o golpe-de-mão. Quando as forças assim divididas seguiam ao seu objectivo, próximo da referida tabanca a sentinela deu várias rajadas de PM e lançou uma granada de mão. Eram 05h30. Sendo então detectados, o êxito ficou comprometido. Mesmo assim, aguardou-se o ataque à base. Na tabanca o IN não se revelou. Nesta situação lançou-se o assalto à mesma, ao qual houve inicialmente fraca resistência acabando por cessar. Quando se atingiram as primeiras moranças, começou uma flagelação de Mort 82, proveniente de SE e regulada sobre a mesma tabanca. Destruída a mesma ainda sob a flagelação, as NT seguiram na direcção do Mort. Entretanto, de Sul começou outra flagelação de PM, a curta distância. 

Foi então que uma das granadas veio a cair no meio das NT, ocasionando inúmeros feridos e inutilizando o nosso apontador de LGFog e a sua arma. Imediatamente a seguir e quando o pessoal ainda se encontrava desorientado pelo rebentamento e consequências da mesma granada, foi disparado de W e a uma distância aproximada de 100 metros um rocket que causou imediatamente dois mortos e bastantes feridos, na maioria graves. A reacção não se fez esperar e, embora com o LGFog inutilizado, conseguiram as NT pôr o IN em debandada, criando condições de segurança no local onde se encontravam as nossas baixas. Uma rápida análise da situação constatou-se a morte de dois elementos, ferimentos graves num comandante de secção, que veio a falecer, e no comandante da milícia, além de outro pessoal gravemente ferido e outros de menor gravidade, entre os quais o comandante da Companhia (Cap Art Jorge Manuel Piçarra Mourão).

Feito um esforço tendente a melhorar a situação e a moralizar os mais abatidos, montou-se uma segurança ao local e aguardou-se a chegada do PCV, ao qual foi imediatamente pedido evacuações, remuniciamento e apoio dos bombardeiros. Os helicópteros fizeram cinco viagens e, embora o IN tivesse o seu Mort 82 regulado para a zona, não se manifestou. Presume-se que os mesmos estivessem instalados em Bula 8 H5/92 O movimento de regresso, com o apoio dos bombardeiros, processou-se para E, atingindo a estrada de Biambe sem mais incidentes, Recolhidas em viaturas, as NT chegaram ao aquartelamento cerca das 10h30 (Op cit.; pp 52-53).

A CART 1525 registou as seguintes três baixas: (CECA; 8.º Vol.; p 220)

■ Furriel Mil Alim Armindo Vieira Veloso, natural de Requião (Vila Nova de Famalicão)

■ 1.º Cabo Acácio Pestana Rafael, natural de Aljustrel (Aljustrel)

■ 1.º Cabo José António Silva Craveiro, natural de Freiria dos Chapéus (Torres Vedras)


3.14.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE ARTILHARIA 1525

= MANSOA - BISSORÃ - PONTE MAQUÉ

Mobilizada pelo Regimento de Artilharia de Costa [RAC], de Oeiras, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Artilharia 1525 [CART 1525], embarcou no Cais da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, em 20 de Janeiro de 1966, 5.ª feira, a bordo do N/M «UÍGE», sob o comando do Cap Art Jorge Manuel Piçarra Mourão (1942-2004), tendo chegado a Bissau a 26 do mesmo mês.

3.14.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 1525

Dez dias após a sua chegada a Bissau, a CART 1525 seguiu para Mansoa, a fim de efectuar um curto período de adaptação operacional e substituir a CART 644 [10Mar64-09Fev66; do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (-2004) (1.º), Cap Art Nuno José Varela Rubim (2.º), na função de reserva e intervenção do sector do BCAÇ 1857 [06Ago65-03Mai67; do TCor Inf José Manuel Ferreira de Lemos]. Em 21Fev66, por rotação com a CCAÇ 1420 [06Ago65-03Mai67; do Cap Inf Manuel dos Santos Caria], foi transferida para o subsector de Bissorã, em reforço da guarnição local até 31Out66, tendo ainda actuado em diversas operações realizadas nas regiões do Tiligi, Biambe, Morés e Queré e sendo também deslocada para operações na região de Jugudul, de 23Jul66 a 17Ago66; de 18Jun66 a 06Jul66, destacou, ainda, um pelotão para Ponte Maqué. Em 31Out66, assumiu a responsabilidade do subsector de Bissorã, após saída da CCAÇ 1419 [06Ago65-03Mai67; do Cap Mil Inf António dos Santos Alexandre], tendo passado a integrar o dispositivo e manobra do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado (1920-2001)], após reformulação dos limites da zona de acção dos sectores daquela área em 01Nov66, e depois do BCAÇ 1876 [26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior]. Pelos vultuosos resultados obtidos em baixas causadas ao inimigo e armamento apreendido, destacam-se as operações: «Embuste» [01Out66] e «Bambúrrio» [03Abr67], nas regiões de Iarom e Faja. Em 10Out67, foi rendida no subsector de Bissorã pela CCAV 1650 [06Fev67-19Nov68; do Cap Cav José Cândido de Bonnefon de Paula Santos], recolhendo seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso, o qual ocorreu em 04 de Novembro de 1967, sábado, a bordo do N/M «UÍGE». (CECA; 7.º Vol.; p 446).
Continua…

► Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra, 1962-1965; Lisboa (1991).

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014)

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição; Lisboa (2002).

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

07MAI2021
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de abril de  2021 > Guiné 61/74 - P22072: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VI

Guiné 61/74 - P22335: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (59): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
Os assuntos pessoais de Annette e Paulo entranham-se nas suas vidas, da mesma forma que Annette não deixa de pasmar com as errâncias de Paulo naqueles tempos de Bambadinca, um misto de recoveiro, guerreiro na escala, ajudante humanitário, vigilante de populações, até desenhador de operações, caso da Rinoceronte Temível, que está na forja. Paulo enviou a Annette um depoimento muito sofrido sobre a notícia da perda do seu maior amigo, Carlos Sampaio, falecido no início de fevereiro daquele ano de 1970, em Mocímboa da Praia, no norte de Moçambique. Na roda dentada do destino, coube-lhe receber a última carta do Carlos, datada de 31 de janeiro, antes de partir para uma estrada fatídica onde pisou um sistema de minas antipessoal. O horrível da carta era a maré de sonhos que ela continha, o que se faria depois da guerra, refundar uma livraria, finda a tormenta voltar-se-ia aos estudos, em breve os dois tão queridos amigos encontrar-se-iam no n.º 9 da Praça Pasteur, em Lisboa. Como Paulo escreveu a Annette: "Ao abrir aquela carta de onde se soltou a necrologia, a imagem do Carlos, formalmente com a farda n.º1, foi como se um coice de mula me atirasse ao chão, onde rebolei de dor, eu que recebia regularmente a visita da amiga morte, estava casualmente naquele quarto-camarata o meu camarada Abel Rodrigues que olhava, atónito, para quem tão inesperadamente urrava, lá pegou aquelas folhas e viu a necrologia e se apercebeu que havia motivação para tal explosão de sofrimento. Como se partilhasse as minhas lágrimas, em linguagem suave, tentava acalmar-me. Posso reconstituir toda aquela cena infernal, estou a vivê-la neste momento, e para todo o sempre".

Um abraço do
Mário


Rua do Eclipse (59): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon adoré Paulo, regressei ontem ao fim da tarde de Munique, uma cansativa conferência europeia sobre fundos regionais, o meu coordenador de trabalho já me avisou que tenho uma semana inteira com peritos que vêm debater a reforma da política agrícola, trabalharão com funcionários da Comissão Europeia, haverá reuniões com a Comissão Parlamentar de Agricultura, com o Comité Económico e Social Europeu e, não percebo bem porquê, com o Comité das Regiões. Felizmente que esta maratona não vai beliscar com as nossas férias.

Antes de te falar do meu trabalho de casa sobre este período de 1970, andas tu, feito vagabundo entre Bambadinca, Nhabijões, tabancas do Cossé, ponte do rio Undunduma, operações no Xime e colunas de reabastecimento ao Xitole, quero contar-te que o meu filho Jules está a manifestar um quadro de depressão e por razões sérias: a sua relação amorosa com Renée não tem futuro, ambos concordaram numa separação sem lágrimas, e o seu trabalho precário acaba em breve, pelo que ele me contou é um caso de falência fraudulenta, anda à procura de emprego, por ora sem sucesso. Inesperadamente, enquanto jantávamos aqui em casa, perguntou-me se considerava muito extravagante que pedisse para passar aí uma semana ou dez dias contigo, ele desenvencilha-se bem sozinho desde que lhe dês sugestões para passeios, visitas de museus e jardins, que ele adora. Disse que ia prontamente falar contigo, independentemente de em breve se poderem encontrar aqui e ele observou mesmo que talvez pudessem regressar os dois juntos a Lisboa…. Naturalmente, eu assumirei os encargos da viagem, Jules tem vivido do seu pequeno rendimento e da ajuda dos pais. Pensa se é exequível, se não vai transtornar os teus planos, tu regressas já com o fim do ano letivo no horizonte, não te quero trazer sobrecarga de trabalho. Está descansado que estou a ver no Guia Michelin nos cemitérios da I Guerra Mundial diferentes lugares de Ypres que visitaremos. Com Pas de Calais ainda não tenho elementos, tudo se resolverá a seu tempo.

Espero não te estar a constranger com imensas perguntas, sei que por vezes sou impertinente, olho para os teus papéis, fixo-me nas fotografias, na documentação avulsa, naquelas folhas que tu chamas aerograma, até nos bilhetes-postais que enviaste e recebeste e confesso que não posso deixar de achar extraordinário como tu tens aí pessoas naturais da Guiné que passadas estas décadas todas quando lhes fazes perguntas parece que a memória absorveu como um mata-borrão todos os pormenores, acho surpreendente as conversas com a professora Violete, até aos livros que ela te empresta, as pessoas que vai consultar para satisfazer as suas dúvidas, mas para mim não há ninguém como esse Queta Baldé, a quem tu chamas o número 126, natural de Amedalai, eu posso imaginar vocês os dois sentados à mesa do café a dar-te resposta sobre itinerários que se diluíram no teu espírito. Quase que fiquei arrepiada quando lhe perguntaste sobre certas povoações entre Bambadinca e Bafatá e ele te descreveu Bantajã Mandinga, Bantajã Assá e Bantajã Cuta como lá tivesse ido ontem. E quando lhe pediste informações sobre as tabancas do regulado de Badora, só faltou que ele dissesse quantos homens, mulheres e crianças viviam em Sinchã Dembel e Bricama. Como o Queta tinha sido milícia na Ponta do Inglês, ele deu-te informações sobre a presença do PAIGC na região desde o segundo semestre de 1963, já percorria o regulado do Xime com alguma liberdade, ele lembrou-te que o PAIGC deixara um dístico em Gundaguê Beafada, no início de 1964, onde estava escrito “Aqui começa a Guiné de Cabo Verde”. Ele deu-te pormenores sobre a reação das tropas que vieram de Bafatá, bem violenta. Constituíram-se milícias para defender a Ponta do Inglês, ficaram em autodefesa Amedalai, Demba Taco, Taibatá e Moricanhe, que tu já percorreste desde que em novembro do ano passado chegaste a Bambadinca. Nessa conversa com o Queta achei curioso ele ter dado a sua opinião de que considerava uma calamidade a retirada da Ponta do Inglês, viera permitir a total liberdade do PAIGC no Poidom e em Ponta Varela, a capacidade ofensiva da guerrilha era enorme, o Queta falou nas emboscadas Ponta Coli, mortíferas. E se surpreendida estava com a memória do Queta, mais surpreendida fiquei quando lhe falaste na Topázio Valioso, cerca de 30 horas a vaguear entre o capim alto e o arvoredo frondoso, os guias permanentemente perdidos, umas vezes em direção ao Burontoni, outras vezes em direção ao rio Corubal. E o comentário que tu escreveste com as observações dele são uma delícia, não leves a mal mas vou registá-las integralmente no dossiê que estou a organizar:
“Nosso alfero e senhor doutor, muitos anos se passaram depois da guerra, continuo a pensar que era um erro muito grande quando chegávamos a um quartel não se perguntar à tropa africana quem é que verdadeiramente conhecia a região, quantas vezes aconteceu chegarmos a um quartel e impuseram-nos um ou dois guias só porque eram da confiança do régulo ou propostos pelo chefe de tabanca. Ora a maior parte das vezes esses guias tinham ido uma ou duas vezes ao Burontoni em meninos, entretanto tudo tinha mudado na natureza. Na época seca, estava tudo diferente, quando se avistavam as palmeiras de Gundaguê Beafada os guias desorientavam-se, era aqui que se podia ir em direção ao Baio, ao lado do rio Buruntoni, e sabiam os guias, mas tinham medo de progredir por aqui, era uma terra de savana, do outro lado o PAIGC tinha sentinelas, foi a caminhar nas lalas que do outro lado eles começaram a foguear em 1967 e aqui perdemos o nosso bazuqueiro Mário Adulai Camará. Metemos para dentro da mata, o Mário a agonizar, era fim de tarde, nada se podia fazer para o salvar. Ao amanhecer apareceu uma avioneta que nos denunciou, os guias arrastaram-nos para perto da Ponta do Inglês, vendo do ar andávamos perdidos, deram ordem da avioneta para regressarmos ao Xime. Ficámos chateados, aquilo não era maneira de fazer a guerra. Foi assim que se criou a ideia que não era possível ir ao Burontoni. Não, nosso alfero, era possível ir ao Burontoni a partir de Mansambo ou de Moricanhe, mas era caminho que nunca se fazia porque em Mansambo não havia guia, nunca ninguém me perguntou se eu podia servir de guia. Eu ficava triste por ver que não nos aproveitavam, nós, gente daquele chão, nosso alfero, eu era tocador de batuque em jovem, percorri todas estas tabancas, conhecia os caminhos como a palma da mão, podem imaginar a minha dificuldade em estar calado, vendo tanta canseira sem resultado”.

Paulo, viveste estes dois primeiros meses em permanente errância, o que me surpreende é que os dias que passaste em Bissau a dormir te deixaram recomposto. Estou neste momento a ler cartas tuas e que falas em obras na ponte de Undunduma, dizes que já não queres viver no meio daquela espelunca, com uma fila de arame farpado apodrecido. Foste falar com o comandante da companhia de comandos e serviços, o capitão Figueiras, ele deferiu um projeto de benfeitorias, parecia que tu voltavas aos bons tempos da reconstrução de Missirá, agora numa versão ligeira, ele dava-te arame farpado, cibes e cobertura de bidão, sacos de cimento, a engenharia emprestava-te pás e picaretas para reforçar as valas. Falas num delegado do batalhão de engenharia que te recebeu com duas pedras na mão, alegando que todo aquele material estava contado para os Nhabijões, se ele foi azedo contigo tu também não te contiveste, avisaste esse homem de nome Dário que se preparasse para nessa noite ir dormir na ponte de Undunduma, ele amansou e garantiu que os materiais e o ferramental seriam cedidos na semana seguinte.

Detenho-me aqui, sei que a seguir vais ter um dos maiores desgostos da tua vida, como escreverás inúmeras vezes, perdeste no norte de Moçambique o teu mais querido amigo, e tenho na minha frente o documento que me enviaste sobre a operação Rinoceronte Temível, que gizaste e comandaste. Faltam-me palavras para te dizer quanto te amo, com que profundidade e com que pasmo, quando se abre a janela para a nossa terceira idade, e encontro em ti o meu porto de abrigo, eu que faço interpretação em várias línguas como se fosse a coisa mais natural do mundo, ao ler estas folhas, é tudo para mim inacreditável o que aconteceu naquela noite dentro da bolanha do Poidom, duzentos homens, trinta carregadores a transportar dois morteiros 81 e trinta granadas, mais caixas de munições, a fuzilaria monumental que rebentou ao amanhecer.

Espero ansiosamente o teu telefonema, que a tua voz me inunde de sonhos, que me recorde que passei a ter futuro, cavaleiro andante a meu lado, e já pouco me importa ter receios quanto ao modo como vamos viver nos poucos anos que medeiam até termos uma vida em comum para sempre. Bisous infiniment, en attendant ton coup de fil, bien à toi, à tantôt, Annette.
Lembranças de Missirá, de braço dado com Nhamô Soncó, ao lado de Quebá, seu marido, nosso picador, irmão do régulo Malam, cruelmente metido numa prisão em Bafatá depois da independência. Nhamô não ganhou para o susto neste dia. Tem a seus pés um saco com coisas que pensa levar à família em Bambadinca. Mas foi parar ao Enxalé onde deixou este presente e trouxe outro para Missirá
Pista de Bambadinca, drama lancinante, deitado na maca está Uam Sambu. Ali estou dilacerado, com a camisa toda ensanguentada, a olhar o meu querido amigo que não chegará vivo ao Hospital Militar de Bissau
Não encontro justificação para o silêncio das Artes Plásticas face à guerra que vivemos em África. As exceções são poucas, e a que destaco como a mais relevante é a do pintor Manuel Botelho que aqui presta homenagem à morte do soldado-condutor Soares, morto na estrada entre Nhabijões e Bambadinca, por quem eu nutria uma profunda estima
A Escola de Bambadinca, muitos anos depois. Não faço grande esforço em conseguir na minha imaginação bater na porta da casa ao lado, ali vive a professora Violete com a sua mãe, como nas Mil e Uma Noites vamos conversar sobre o passado do Cuor, do comércio do Geba, de heróis e lendas
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22315: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (58): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P22334: (In)citações (187): As tabernas de antigamente na minha aldeia, e a importância que elas tinham (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 30 de Junho de 2021:


As tabernas de antigamente na minha aldeia, e a importância que elas tinham...

Recuando no tempo, a conversa, hoje, é sobre as tabernas que existiam na aldeia de Molianos por volta do ano de 1950 do século passado, e aquilo que elas representavam na vida das pessoas de então. Por essa altura, e ainda durante mais alguns anos… foram as tabernas os locais onde os homens se juntavam ao domingo, assim como nos dias santos… ou, no inverno quando não era possível trabalhar nas terras. 

 Durante o tempo que estavam nas tabernas, eles, para além de muita conversa, aproveitavam para beberem uns copos do tinto e também do branco, ainda, que, por aqui, fossem poucos o que trocavam o tinto pelo branco, o bagaço também fazia parte das bebidas que eles consumiam. Outras havia que não faziam parte dos seus hábitos: a cerveja, a gasosa, a laranjada e ainda o pirolito que, entretanto, acabou!... Para beberem vinho, algumas vezes, nem necessitavam de copo, bebiam todos pela mesma garrafa, a olho como naquele tempo por aqui se dizia. 

As tabernas, para além das bebidas… eram também o local onde se vendia quase tudo que as pessoas necessitavam para o dia a dia: o açúcar, o café (para fazer na cafeteira), a massa, o arroz, o colorau, o petróleo, o bacalhau, o sebo para as botas, entre muitas outras coisas. Um pouco mais tarde, em algumas, até comprimidos para a constipação... vendiam, eram uma espécie de supermercado da época.

Naquele tempo, na aldeia de Molianos, as mulheres não frequentavam as tabernas, a não ser para irem fazer as compras e logo regressavam a casa. Diziam os homens que as tabernas não eram para as mulheres. Mas não se pense que algumas, mesmo sem estarem na taberna, de vez em quando, não apanhavam também a sua piela de tal tamanho... que as fazia ziguezaguear, não conseguindo passar despercebidas junto das pessoas com quem se cruzavam.

Por aquela altura não existiam na aldeia coletividades ou outros espaços públicos onde os homens se pudessem juntar, a não ser nas tabernas, ou no tempo da apanha da azeitona em que também os lagares eram sítios onde muitos se encontravam no fim do dia, apesar de ser no inverno, os lagares eram locais onde existia um ambiente confortável a que eles não estavam habituados, um espaço aquecido… e com boa iluminação, coisa inexistente nas casas da aldeia.

Naquele tempo, as pessoas não saíam para fora da terra a não ser para trabalhar, algumas vezes para muito longe. Os transportes públicos apenas havia à segunda-feira, para Alcobaça, por ser o dia em que lá tinha lugar o mercado. Os transportes particulares também não haviam. Apesar de existirem muitos homens na aldeia, apenas, quatro ou cinco, possuíam uma bicicleta. O transporte mais utilizado pelas pessoas para se deslocarem, não só para o campo, mas também para ir às compras, à sede do concelho, eram os burros, animais esses que havia muitos na aldeia.

Só à segunda-feira, havia a camioneta da carreira como as pessoas lhe chamavam, mas mesmo assim nem todos a utilizavam, eram muitos os que faziam os dez quilómetros para cada lado a pé, para pouparem o valor do bilhete… que era pouco, mas necessário para ajudar nas compras que iam fazer, o pouco dinheiro de que dispunham a isso os obrigava.

Se as tabernas durante algum tempo era o sítio onde os homens se encontravam quando não era possível trabalhar… também havia algumas épocas em que os frequentadores eram poucos. Isso acontecia, quando quase todos os homens e rapazes, alguns com doze ou treze anos, saíam da aldeia para irem trabalhar para as vindimas para a região saloia, assim como para outros serviços, em particular, para a zona de Lisboa.

Quando regressavam à terra voltava a ser grande o ajuntamento nas tabernas aos domingos à tarde, onde a bebida e as conversas à mistura eram sempre muitas. Por vezes, apareciam por lá poetas populares com jeito para cantar ao desafio o que era sempre do agrado de todos. Quando o álcool já era quem mais ordenava… por dá cá aquela palha, algumas vezes, aconteciam cenas de pancadaria, nada que passado alguns dias os contendores, por iniciativa própria ou com a ajuda de alguém, não resolvessem fazendo as pazes. Chegava a acontecer a alguns ficarem mesmo amigos.

As tabernas, para além do já referido… desempenhavam também uma "função social" não davam nada a ninguém, mas tornavam possível, sem aumento de preço… a algumas pessoas adquirir bens essenciais para o dia a dia das famílias, quase sempre numerosas, permitindo-lhe comprar fiado com a promessa de vir pagar quando tivessem dinheiro. Se assim não fosse, as pessoas não podiam comprar e as dificuldades que eram sempre muitas, seriam ainda mais. 

Há já muitos anos, fiz parte de um rancho folclórico, que então dava os primeiros passos… na minha aldeia, e que ainda hoje existe. Algumas vezes, apesar da distância no tempo em que isso aconteceu, que é muita, dou comigo a recordar conversas que tínhamos com as pessoas mais idosas em que procurávamos que eles nos contassem aquilo que sabiam, que tivesse a ver com os usos e costumes do povo da nossa aldeia... talvez por isso, hoje tenha vindo falar das tabernas e daquilo que elas representavam naquele tempo, para os nossos antepassados.

Não sou muito de pensar no passado. O que foi bom já não volta. E o menos bom é melhor esquecer para que não nos continue a fazer companhia!... Mas, por vezes, recordar situações mesmo menos boas que nos tenham acontecido, se as olharmos e as soubermos situar com a devida distância… também podem contribuir para ajudar a ultrapassar alguns momentos mais aborrecidos com que agora venhamos a ser confrontados!...

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22316: (In)citações (186): As várias idades ou "Estar vivo é o contrário de estar morto" (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872)