terça-feira, 29 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22326: Documentos (32): Ordem de Serviço n.º 40 do Comandante-Chefe Interino das Forças Armadas da Guiné com o discurso de despedida do General Spínola, dirigido aos Militares de Terra, Ar e Mar e Mílicias em serviço na Guiné (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)

1. Mensagem do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489 (Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67), com data de 25 de Junho de 2021, trazendo em anexo a transcrição da OS N.º 40, de 13 de Setembro de 1973, do Comandante-Chefe Interino das Forças Armadas da Guiné, com a mensagem de despedida do General Spínola após terminar as suas funções de Governador da Província e Comandante-Chefe da Forças Armadas da Guiné:


ORDEM DE SERVIÇO N.º 49

BISSAU, 13 DE SETEMBRO DE 1973

SUA EXCELÊNCIA O COMODORO COMANDANTE-CHEFE INTERINO DAS FORÇAS ARMADAS DA GUINÉ DETERMINA E MANDA PUBLICAR:

Art.º 1.º - MENSAGEM DE DESPEDIDA DE SUA EXCELÊNCIA O GENERAL COMANDANTE-CHEFE DAS FORÇAS ARMADAS DA GUINÉ

Militares de Terra, Ar e Mar
Milícias

Após mais de cinco anos no Governo da Província e no Comando das suas Forças Armadas, chegou o momento do render da guarda. E ao cessar as funções de Comandante-Chefe, é sob a mais viva emoção que vos dirijo esta mensagem de despedida, em testemunho do meu muito apreço pelo gigantesco esforço que vindes desenvolvendo na defesa desse sagrado rincão da Pátria e do ideal que preside à construção da nova sociedade que aí se ergue. E embora as minhas palavras sejam para todos, sem distinção de origem ou hierarquia, elas destinam-se, em especial, aos Soldados e Marinheiros, Europeus e Africanos.

Para os Europeus, que obedecendo ao imperativo do Dever se arrancaram ao seio das suas famílias para darem à causa da Pátria o melhor de si próprios, vai toda a expressão de um vivo sentimento repassado de verdadeira admiração. Cumprindo com sublime nobreza e inexcedível generosidade a vossa comissão de serviço, sois o espelho de um Povo que ao longo de oito séculos de História jamais regateou o suor e o sangue ao serviço de ideais em que acredita; povo que em vós bem merece ser venerado e amado, no profundo respeito pela obra eminentemente humana que aí estais edificando com a arma numa das mãos e na outra a ferramenta do progresso através do qual vindes a operar a mais nobre das conquistas: a do coração dos nossos Irmãos Africanos. A esta cruzada eminentemente nacional vos devotaste em dádiva de total generosidade, não olhando a sacrifícios e desprezando perigos. Magnífica lição de verdadeiro patriotismo, esta que vindes dando àqueles que teimam em ignorar que a Pátria é, acima de tudo, uma ideia viva alimentada pelo esforço de quantos por ela são capazes de dar a vida. Destes-me, dessa Pátria, uma imagem sublime que jamais colhi senão junto dos soldados que comandei nos matos de Angola e Guiné. Por isso me orgulho de vos ter comandado e agradeço a lição que, de vós, recebi.

Dirijo-me aos Africanos, que encontraram, finalmente, na justiça, na valorização e dignificação humana o caminho da verdadeira independência, e que por ele optaram, empunhando as armas. E, dentre Vós, a primeira palavra é para os “Comandos Africanos” que se cobriram de glória em defesa do chão português da Guiné e das suas martirizadas Gentes. Formulo votos para que o vosso ânimo não esmoreça na luta para a construção de uma fraterna comunidade Luso-Guineense, em cujo seio os Guinéus se sintam conscientes da sua dignidade de homens e orgulhosos da sua qualidade de cidadãos livres.

Desejo ainda deixar uma palavra de despedida ao Corpo de Milícias. A mais bela e inequívoca expressão de livre vontade de um Povo que defende, lado a lado com as Forças Armadas, a terra onde nasceu e o seu ideal de afirmação humana.

De todos vós, militares de Terra, Ar e Mar e Milícias, me despeço emocionado e agradecido pelo esforço que vindes desenvolvendo na construção do Portugal do Futuro; esforço que não podemos deixar trair, pois não só assim o querem todos os que aí lutam e trabalham, como também o exigem o sangue dos nossos mutilados e a memória dos nossos mortos.

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13 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Esta mensagem parece-me uma despedida vã de alguém que conhecia bem o que ali se passava, mas não podia dizer a verdade sobre o que conhecia e previa o que poderia vir a acontecer.
Às vezes é necessário engolir o sapo.
Um Ab.
António J. P. Costa

Morais Silva disse...

Hoje, décadas passadas, a minha memória continua a recordar com respeito e saudade o excepcional Comandante de Tropas que o General Spínola era: Competente, Decidido, Corajoso e acima de tudo Cuidador dos seus soldados.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

O Gen. Spínola era, no seu tempo, dos melhores, se não fosse mesmo o melhor general dos exércitos europeus. Os "franceses da Argélia" já se tinham reformado e nada restava deles. Mas na Guiné havia operações todos os dias, logística todos os dias, problemas de pessoal todos os dias e tudo o resto que enforma uma guerra subversiva todos os dias e com as dificuldades e limitações que bem conhecemos todos os dias.
Estou certo, embora ninguém mo tivesse dito, que o Gen. saiu da Guiné absolutamente cônscio de que "aquilo" não tinha solução de espécie nenhuma: nem militar, nem política e isso torna a despedida ainda mais dramática. No fundo, ele sabia bem que aqueles que ficavam e que ele enumera detalhadamente e a quem agradece, corriam o risco de se virem a defrontar com uma solução insolúvel. Infelizmente viemos a saber que mesmo os que "mandavam" sabiam que o fim se aproximava a passos largos e nem sequer se preocupavam em encontrar uma solução, fosse ela qual fosse. Enfim, um caso típico de desonestidade intelectual.

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É, de facto, Tó Zé, um discurso tão "cínico" quanto "amargurado"... Spínola sai já em ruptura com Marcelo Caetano e o Estado Novo que serviu toda a vida...Mas temos de reconhecer que foi um grande cabo de guerra.

Sê bem vindo, Virgínío Briote, fazes sempre cá falta... Fazes muitas pontas, devias ter sido engenheiro...LG

Cherno Baldé disse...


"Dirijo-me aos Africanos, que encontraram, finalmente, na justiça, na valorização e dignificação humana o caminho da verdadeira independência, e que por ele optaram, empunhando as armas. E, dentre Vós, a primeira palavra é para os “Comandos Africanos” que se cobriram de glória em defesa do chão português da Guiné e das suas martirizadas Gentes. Formulo votos para que o vosso ânimo não esmoreça na luta para a construção de uma fraterna comunidade Luso-Guineense, em cujo seio os Guinéus se sintam conscientes da sua dignidade de homens e orgulhosos da sua qualidade de cidadãos livres."

Gen. Antonio de Sebastiao Ribeiro Spinola.


Caros amigos,

Na Guiné, quando começamos a despertar do espanto e do torpor da guerra foi com o Gen. spinola que começamos a vislumbrar alguns sinais de que um dia poderiamos aspirar a uma vida mais digna e livre das arbitrariedades e atropelos a que nos tinham sujeitado ao longo dos séculos. Nao era exactamente como ele a pintava, mas sempre era um começo para novas conquistas rumo ao futuro. A visao dos nossos avos e pais que em muito coincidiam com a visao do General depois nao vingaram, da mesma forma que o proprio nao conseguiu ter sucesso com a sua gente e no seu proprio, mas pelo menos foi coerente e consequente na sua vontade politica, como ele diz, de "construçao de uma fraterna comunidade Luso-Guineense" a que nunca se abdicou até ao fim.

Eu vi, com os meus olhos, um Capitao do exército a receber uma valente chapada e os seus galoes a serem arrancados por este grande homem que tinha decidido acabar por todos os meios com o abuso do poder que pairava sobre os Guinéus e iniciar a construçao dos alicerces de uma sociedade mais justa e que permitisse a participaçao de todos os cidadaos no ambito de uma comunidade Luso-Guineense. Na verdade, tudo isso nao passou de um sonho.

Por esta e por outras razoes, uma parte significativa dos Guineenses que o conheceram, nunca o esquecerao.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Antº Rosinha disse...

Spínola ao assumir uma responsabilidade quase sobre-humana para resolver da melhor maneira para africanos e europeus aquele conflito colonial em que Portugal e as colónias portuguesas internacionalmente cairam, ficará para a história tanto em Portugal como na Guiné, como uma grande figura que só se apagará com mais algum tempo.

Quando foi da golpada do Nino contra o Luis Cabral, em 1980, foi preciso o Nino vir à rádio e mandar calar o povo com um boato que se criou que vinha aí o Spínola e os portugueses para voltar tudo à antiga forma.

Tinham passado 6 anos, após o 25 de Abril, claro que as velhas gerações já desapareceram, poucos puderam fugir a "aquilo" mas os maioria dos jovens guineenses de hoje, continuam a pedir b´leia para qualquer parte do mundo, se não for para Lisboa ou Paris, que seja ao menos para as Canárias.

A Guiné não é dos piores países para a sociedade africana, embora com poucas riquezas naturais, há outros países mais ricos que são uma prova concreta que provam a maneira assertiva daquilo que Spínola defendia, não abandonar a Guiné a qualquer neocolonialismo.

Claro que a Guiné sem grandes riquezas poucos "exploradores" se querem dedicar a uma neocolonização.

A Europa, inglaterra, frança, bélgica, não quiseram assumir as responsabilidades que Spínola assumia, agora a Europa é acusada de não saber o que há-de fazer aos "refugiados", sendo que alguns vão sendo aproveitados no futebol e alguns médicos.

Quem estava errado? é que o problema vai durar anos e anos, e quem morreu, morreu!

Mas o papel do Spínola deve ser lembrado o mais tempo possível, sem complexos colonialistas.

Valdemar Silva disse...

Realmente, '..Dirijo-me aos Africanos que encontraram finalmente na justiça, na valorização e dignificação humana caminhando verdadeira independência..', mas faltou este discurso algo como:
"Para meu sangue, minha honra, meu Deus, eu juro dar à Guiné a liberdade. Independência ou morte".
Mas estávamos em África, e em África não houve os Gritos do Ipiranga da América do Sul, quando muito poderia ter havido uns "Ian Smiths" aventureiros, isolados e de pouca duração.

Valdemar Queiroz

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Só quero recordar aos camaradas que em História (como no futebol) não há "ses".
As coisas foram como foram e o texto do Gen. Spínola diz isso mesmo.
Assisti à chegada do "TO daquela PU" e com as ideias que trazia.
Depois, o terreno ensinou-lhe como as coisas eram e como iriam ser, mais tarde ou mias cedo.
À chegada era um homem com convicções (fortes). À saída sabia que como tudo iria acabar. Só não sabia quando, mas que acabaria mal, disso não tinha dúvidas.
E deixem-se de saudosismos! Tá bem?

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Verdade....Verdadinha

Vou descrever os acontecimentos que vivi no pós 25 ABRIL.

No dia 27 guerrilheiros do paigc apresentam-se junto ao arame, dizendo que querem conversar.
Uma semana depois concordamos com um cessar fogo sem pedir autorização a ninguém.
Convivíamos regularmente com os guerrilheiros.
Começaram as conversações de Argel que para nós era uma perda de tempo.
Queríamos todos era vir embora.
Finalmente fez-se a transmissão de poder para os representantes do paigc ? Muitos deles eram de certeza do exército da guiné-conakry.
Cumpriram-se todas as formalidades militares.
Corriam boatos que o General Spínola queria uma federação e ou poder partilhado de transição.
Queríamos todos era vir embora.
A junta em Bissau não mandava nada, ou melhor ninguém lhe obedecia.
Queríamos todos era vir embora.
Chegou o General graduado Fabião que se apresenta em Cacine fardado da seguinte forma...boné azul. dolmen militar, calças jeans e botas militares dizendo que estava ali com a finalidade de organizar a retração para Bissau.
Queríamos todos era vir embora
É dada a ordem que os obuses regressavam a Bissau mas o restante material incluindo as granadas deviam ser atirados ao mar o que não foi feito.
Queríamos todos era vir embora.

Caro Cherno aquilo que contas é de uma prepotência e abuso de autoridade inqualificável porque havia regras de justiça militares e respectivos tribunais, independentemente de o Sr.General ter razão.
Queríamos todos era vir embora.
Queríamos todos era vir embora....
Perdeu-se completamente a cadeia de comando.

PERCEBERAM OU QUEREM QUE VOS EXPLIQUE

Artilheiro em Gadamael

C.Martins

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Saí de uma "Guiné Melhor" em Agosto de 1973.
E nessa altura não me restavam dúvidas de que "Queríamos todos era vir embora.
Queríamos todos era vir embora"!
Cheguei a temer uma Dien-Bien-Phu (à Portuguesa, claro), com consequências que nem sabia quais. Seria algo de indescritível. Temia a falta de apoio logístico por parte da "Metrópole" e, se tal sucedesse... Mas como se diz hoje "era um hipótese em cima da mesa".
Já escrevi um texto sobre o "Moral das Tropas" em 1973.
Claro que que se o que que todos era vir embora... Perdeu-se completamente a cadeia de comando.
Creio que foi o melhor que se pôde fazer...

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Caro amigo C. Martins,

Acredito que sim, mas foi a forma mais convincente que ele teria encontrado para combater a prepotência de certos comandantes que usavam e abusavam do seu poder de "chefes" em aquartelamentos em quadricula no mato onde eram a autoridade máxima. No seu diário, o soldado Inácio Maria Gois (da primeira companhia_CCaç674_ que esteve na minha terra em 1964/66_descreve um cenário de terra de ninguém, tantos eram os atropelos e "prepotência do comandante.

Como se costuma dizer "para grandes males grandes remédios. O Gen. Spinola sabia o que estava a fazer, na altura com aquele "Show-of" mais politico que militar, talvez não soubesse das futuras consequências de tais actos, porque, na verdade, como se viu depois: "Todos queriam eram irem embora...".

Grande abraço,

Cherno Baldé

António J. P. Costa disse...

Todos queriam "ir embora", mesmo os que lá tinham nascido e lá viviam.
No fundo, todos sabiam que "aquilo" não tinha solução.
Quer através da guerra, quer através daquilo a que se convencionou chamar a paz.
Mas isso já não me diz respeito.
Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Caro Antonio J. P. Costa,

Olha que nao, olha que nao, pois a provar isto é que, de acordo com a equipa que procedeu ao desarmamento e entrega do territorio, aos Comandos africanos tinha sido feita a proposta de escolherem entre partir ou ficar e alguns chegaram a se inscrever numa lista para, de seguida, mudarem de opiniao, tendo em conta o bom comportamento da gente do PAIGC que nada fazia prever o que viria a acontecer. Se soubessem, talvez alguns ou todos eles aceitassem partir, mas os guerrilheiros sempre tinham demonstrado serem mais matreiros e com objectivos melhor definidos e com uma liderança mais eficaz.

Todavia, tendo em conta a ma experiencia por que passou o Ten. Coronel Marcelino da Mata no quartel do RALIS durante o verao quente de 1975, talvez tenha sido melhor nao terem ido, pois o resultado poderia ser o mesmo.

Cordialmente,

Cherno Baldé