Notícia de primeira página do "Diário de Lisboa", nº 17096, ano 50, domingo Domingo, 26 de Julho de 1970, 1ª edição.(Diretor: António Ruella Ramos). Edição, obviamente, visada pel censura...
Citação:
(1970), "Diário de Lisboa", nº 17096, Ano 50, Domingo, 26 de Julho de 1970, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_6804 (2019-12-13)
Citação:
(1970), "Diário de Lisboa", nº 17096, Ano 50, Domingo, 26 de Julho de 1970, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_6804 (2019-12-13)
Fonte:
Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares~
1. Era o tempo em que não havia internet, blogues, Facebook, redes sociais e a imprensa (rádio, TV e jornais) estavam sujeitos à censura (agora rebatizada com um eufemismo: "exame prévio"). E a comunicação era num só sentido, unilateral, de cima para baixo.
Da guerra em África só se sabia aquilo que os soldados escreviam nos aerogramas para as famílias, ou que contavam quando vinham de férias ou depois de passarem à peluda. Claro, havia a imprensa internacional, a BBC, etc., que só chegava a alguns, privilegiados. Havia a propaganda dos movimentos nacionalistas. Havia a boataria. Havia a contra-propaganda... E havia os comunicados das Forças Armadas. A informação oficial e oficiosa era canalizada pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo. Chegava aos jornais sob a forma de "comunicados", lacónicos demais para se poder criar confiança no leitor, crítico e independente... Não havia opinião pública, desgraçadamente, num país como o nosso.
Uma notícia como esta, publicada na primeira página do "Diário de Lisboa", de 26/7/1970, era susceptível de ter várias leituras (*) e dar origem aos mais desconcertados e desconcertantes boatos. Não havia liberdade de imprensa nem investigação independente. Era o tempo da "evolução na continuidade"... da ditadura.
Neste caso, temos um "comunicado da província da Guiné" (sic) a dar conta de um grave acidente de helicóptero que transportavam dois militares e quatro deputados à Assembleia da República que estavam a acabar uma visita ao interior do território... Eram eles os deputados James Pinto Bull, José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra e José Vicente de Abreu. Os três primeiros eram "doutores" e o último era "senhor".
Saberemos depois que a aeronave, que serviu de caixão aos nossos seis compatriotas (, dois dos quais nossos camaradas de armas,) acabará por ser encontrada, dias depois, no fundo do Rio Mansoa, ou melhor na foz de um dos seus afluentes, o rio Baboque (**).
Era o tempo em que era governador da Guiné o general Spínola, acumulando com o cargo de comandante-chefe. Era um homem poderoso e, em geral, amado pelos seus homens e admirado por muitos "guinéus". Não sabemos quantos o amavam: nunca foi feito nenhuma referendo ou plebiscito. Seria interessante ele poder ter disputado eleições, livres, como na livre Inglaterra, com o Amílcar Cabral, que ainda não tinha sido assassinado. (E nunca saberemos às ordens de quem, diga-se "en passant".)
Quem sabe hoje, os nossos filhos e netos, quem foi José Pedro Maria Anjos Pinto Leite (Cascais, 1932 - Guiné, 1970) ? Acreditou, em 1969, na "Primavera Marcelista", ou seja, que era possível reformar, "por dentro", o velho Estado Novo... Foi eleito deputado à "Assembleia Nacional", para rapidamente se converter no líder da chamada "Ala Liberal". Morreu ingloriamente na Guiné, aos 38 anos, neste desastre de helicóptero, nas proximidades de uma ilha chamada Lisboa (que fica no estuário do rio Mansoa).
Sucedeu-lhe Francisco Sá Carneiro (Porto, 1934 - Loures, 1980) à frente dessa quixotesca ala liberal, que quis, contra a extrema-direita do regime, democratizar o corporativo e autoritário Estado Novo. Estranha, sinistra, coincidência: Sá Carneiro irá morrer igualmente num desastre de avião em circunstâncias que nunca virão a ser cabalmente esclarecidas: falha humana. erro técnico, atentado...
(**) Vd. poste de 13 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20446: Álbum fotográfico de Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 (Bissau e Fulacunda, 1969/71) - Parte V: Em Cutia, entre Mansoa e Mansabá, barragem de artilharia sobre a mata do Morés, de 17 a 27 de julho de 1970... A 25, no regresso da visita a Teixeira Pinto, morrem quatro deputados da Assembleia Nacional, em acidente aéreo, no rio Mansoa.
Pasta: 06616.154.24967
Título: Diário de Lisboa
Número: 17096
Ano: 50
Data: Domingo, 26 de Julho de 1970
Directores: Director: António Ruella Ramos
Edição: 1ª edição
Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos
Tipo Documental: IMPRENSA
1. Era o tempo em que não havia internet, blogues, Facebook, redes sociais e a imprensa (rádio, TV e jornais) estavam sujeitos à censura (agora rebatizada com um eufemismo: "exame prévio"). E a comunicação era num só sentido, unilateral, de cima para baixo.
Da guerra em África só se sabia aquilo que os soldados escreviam nos aerogramas para as famílias, ou que contavam quando vinham de férias ou depois de passarem à peluda. Claro, havia a imprensa internacional, a BBC, etc., que só chegava a alguns, privilegiados. Havia a propaganda dos movimentos nacionalistas. Havia a boataria. Havia a contra-propaganda... E havia os comunicados das Forças Armadas. A informação oficial e oficiosa era canalizada pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo. Chegava aos jornais sob a forma de "comunicados", lacónicos demais para se poder criar confiança no leitor, crítico e independente... Não havia opinião pública, desgraçadamente, num país como o nosso.
Uma notícia como esta, publicada na primeira página do "Diário de Lisboa", de 26/7/1970, era susceptível de ter várias leituras (*) e dar origem aos mais desconcertados e desconcertantes boatos. Não havia liberdade de imprensa nem investigação independente. Era o tempo da "evolução na continuidade"... da ditadura.
Neste caso, temos um "comunicado da província da Guiné" (sic) a dar conta de um grave acidente de helicóptero que transportavam dois militares e quatro deputados à Assembleia da República que estavam a acabar uma visita ao interior do território... Eram eles os deputados James Pinto Bull, José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra e José Vicente de Abreu. Os três primeiros eram "doutores" e o último era "senhor".
Saberemos depois que a aeronave, que serviu de caixão aos nossos seis compatriotas (, dois dos quais nossos camaradas de armas,) acabará por ser encontrada, dias depois, no fundo do Rio Mansoa, ou melhor na foz de um dos seus afluentes, o rio Baboque (**).
Era o tempo em que era governador da Guiné o general Spínola, acumulando com o cargo de comandante-chefe. Era um homem poderoso e, em geral, amado pelos seus homens e admirado por muitos "guinéus". Não sabemos quantos o amavam: nunca foi feito nenhuma referendo ou plebiscito. Seria interessante ele poder ter disputado eleições, livres, como na livre Inglaterra, com o Amílcar Cabral, que ainda não tinha sido assassinado. (E nunca saberemos às ordens de quem, diga-se "en passant".)
Quem sabe hoje, os nossos filhos e netos, quem foi José Pedro Maria Anjos Pinto Leite (Cascais, 1932 - Guiné, 1970) ? Acreditou, em 1969, na "Primavera Marcelista", ou seja, que era possível reformar, "por dentro", o velho Estado Novo... Foi eleito deputado à "Assembleia Nacional", para rapidamente se converter no líder da chamada "Ala Liberal". Morreu ingloriamente na Guiné, aos 38 anos, neste desastre de helicóptero, nas proximidades de uma ilha chamada Lisboa (que fica no estuário do rio Mansoa).
Sucedeu-lhe Francisco Sá Carneiro (Porto, 1934 - Loures, 1980) à frente dessa quixotesca ala liberal, que quis, contra a extrema-direita do regime, democratizar o corporativo e autoritário Estado Novo. Estranha, sinistra, coincidência: Sá Carneiro irá morrer igualmente num desastre de avião em circunstâncias que nunca virão a ser cabalmente esclarecidas: falha humana. erro técnico, atentado...
Estranho país este, o que coube em sorte a Pinto Leite e a Sá Carneiro que foram bons (senão dos melhores) portugueses do seu tempo... LG
_______________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 8 de dezenbro de 2019 > Guiné 61/74 - P20428: Recortes de imprensa (107): Homenagem, em Ribamar, Lourinhã, aos 23 pescadores, de um total de 38 mortos, que ficaram insepultos no mar nos últimos 50 anos ("Alvorada", 15 de novembro de 2019)
_______________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 8 de dezenbro de 2019 > Guiné 61/74 - P20428: Recortes de imprensa (107): Homenagem, em Ribamar, Lourinhã, aos 23 pescadores, de um total de 38 mortos, que ficaram insepultos no mar nos últimos 50 anos ("Alvorada", 15 de novembro de 2019)
(**) Vd. poste de 13 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20446: Álbum fotográfico de Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 (Bissau e Fulacunda, 1969/71) - Parte V: Em Cutia, entre Mansoa e Mansabá, barragem de artilharia sobre a mata do Morés, de 17 a 27 de julho de 1970... A 25, no regresso da visita a Teixeira Pinto, morrem quatro deputados da Assembleia Nacional, em acidente aéreo, no rio Mansoa.