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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15631: Blogues da nossa blogosfera (72): Uma aventura em África: em 14 de novembro de 1980, eu estava em Bissau... Depois do jantar, no Hotel 24 de Setembro, fui surpreendido pelo golpe de Estado do 'Nino' Vieira (Francisco George, antigo represente da OMS - Organização Mundial da Saúde na Guiné-Bissau)

1. O dr. Francisco George é uma figura pública, enquanto diretor-geral de saúde (*), e como tal conhecido da generalidade dos portugueses, pelas suas amiudadas intervenções na comunicação social e, em especial, na televisão. 

O que é menos sabido a seu respeito é a sua forte ligação à Guiné-Bissau e o seu grande carinho pelo povo guineense. O Francisco George, meu colega e amigo da saúde pública, é também um grande contador de histórias. Conheci-o em Beja, depois do seu regresso de África, no início da década de 1990. Tem uma página na Net, "Dossier de Lutas", que merece uma visita.  Foi de lá, e esperando contar com a sua compreensão e benevolência, que retirei esta história: acho que os amigos e camaradas da Guiné vão gostar de a ler e comentar... Eu depois peço-lhe a devida autorização... e dou-lhe o nosso "feedback" (**). (LG)




Em 1980 fui colocado em Bissau, no âmbito do recrutamento como novo membro do staff da OMS, depois de terminados os procedimentos administrativos e de informação técnica na Sede Regional em Brazzaville.

A chegada à Guiné-Bissau foi tranquila. O escritório da OMS tinha como Representante o médico de nacionalidade espanhola Garcia Morilla. A correspondência quer com Genebra quer com Brazzaville era assegurada pelo serviço semanal de Mala Diplomática. Para além disso, só telegramas através dos Correios garantiam ligações rápidas, uma vez que, na altura, não se podia contar com telefones.

Garcia Morilla estava muito perto de atingir a idade da aposentação,  que era de 62 anos. O calendário de folhas soltas em cima da sua secretária tinha a enumeração decrescente até ao seu último dia de trabalho. Quando o encontrei pela primeira vez faltavam 421 dias, no dia a seguir diminuiu para 420, depois 419 e assim por diante. Invariavelmente, todos os dias pela manhã, mostrava-me a folha correspondente com assinalável satisfação ao verificar que a distância ia ficando cada vez mais encurtada. Ausentava-se com frequência para se deslocar a Cabo Verde, visto que a Representação assegurava a cobertura dos dois Estados, politicamente ligados desde o tempo da Luta de Libertação conduzida pelo PAIGC.

O dia 14 de Novembro de 1980 foi igual aos anteriores até à hora do jantar. Depois, foi bem diferente como se verá. Julgo que Morilla estaria em Cabo Verde.

Como habitualmente, jantei no “Hotel 24 de Setembro” (antiga messe de oficiais do Quartel General do tempo colonial). Muitos cooperantes, mesmo os que não ficavam nem jantavam no Hotel, concentravam-se na magnífica esplanada a fim de tomarem café ao ar livre e, sobretudo,  para a conversa. Discutiam-se temas sobre o desenvolvimento, sobre política Africana e, naturalmente, sobre Portugal da AD de Sá Carneiro.

Ora, pelas nove da noite, repentinamente, ouvem-se uns ruídos, percebem-se correrias, pessoas espantadas, muito assustadas e, de forma inesperada, surgem grupos de militares rebeldes que montam uma metralhadora pesada no centro da esplanada. Logo de seguida, o Comandante dá ordem para todos levantarem as mãos. Momentos depois estavam todos os guineenses e cooperantes, incluindo eu, com mãos ao alto, surpreendidos, sem sabermos o que se seguia.

Todos nós compreendemos, rapidamente, que eram manobras integradas num golpe para derrubar o Presidente Luís Cabral. No meio deste cenário, surge o gerente do hotel a pedir ao chefe dos revoltosos para os clientes pagarem as respectivas contas. É então que é dada nova ordem: “Todos pagam primeiro as dívidas do café e logo depois voltam a levantar as mãos”…

A situação, apesar de caricata, foi apagada pelo medo generalizado. Medo misturado com a esperança de um futuro melhor.

Era o Movimento de Nino Vieira. Afinal, o grande herói da Luta que todos admiravam e respeitavam. A confiança era imensa. Julgavam que a pobreza podia ser combatida como Nino fizera contra o exército de Spínola. Era agora que o País iria para a frente, pensaram muitos.

Voltando à esplanada. Depois das contas pagas, todos ergueram de novo os braços. Cerca de meia hora depois, os soldados rebeldes às ordens de Nino Vieira mandam todos para os quartos. Acontece que muitos dos que ali estavam não tinham alojamento no hotel. Era essa, aliás, a minha situação. Olhei em redor para ver se conhecia alguém. Resolvi, então, pedir a um cooperante português que me deixasse ficar no quarto dele. Nada levava comigo. Já no quarto do António Manuel Reis, que eu acabara de conhecer, resolvemos proteger as janelas com almofadas. Durante a noite os sons de tiros de canhão que tudo faziam estremecer, aumentavam a nossa ansiedade.

A manhã seguinte foi, pelo contrário, de alegria generalizada perante a confirmação do sucesso da operação rebelde. Luís Cabral, deposto e expulso, deu lugar a um Conselho da Revolução. O próprio Nino Vieira apresentou os membros do Conselho num grande comício que promoveu na Praça do Império cinco dias depois. Assisti a esta manifestação, genuinamente popular, a lembrar-me do nosso Primeiro de Maio em 1974.

Hoje, trinta anos passados, temos que reconhecer, a construção de um Estado de Direito, regido por princípios democráticos, é um processo ainda inacabado.

Francisco George
Verão de 2011


Guiné-Bissau > Bissau  > 2010 > Hotel Azalai > "Foi piscina dos oficiais, dos hóspedes do Hotel 24 de Setembro, aparece agora retocada para a inauguração do Hotel Azalai. Tem beleza e quem organizou este espaço foi feliz com o traçado do meio envolvente." (Foto e legenda de Mário Beja Santos, aqui).


Foto (e legenda); © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados

____________

Notas do editor:



Francisco George. Foto: Cortesia
de Direção Geral de Saúde

(i) nasceu em Lisboa, em 1947;

(ii) licenciado em Medicina (1973);

(iii) diplomado com  o Curso de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (Lisboa) (1977);

(iv) especialista em saúde pública, foi delegado de saúde a partir de 1976 (em Cuba e depois Beja);
 (v) funcionário da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 1980 e 1991;

(vi) para além de Bissau e Harare, foi consultor em missões da OMS nas mais diversas partes do mundo (Pequim, Xangai, Brazzaville, Genebra, Rio de Janeiro, Maputo, Praia, São Tomé, Luanda, Bamako, Antananarivo, Maseru e Lusaka);

(vii) ainda no âmbito da OMS, foi designado: chefe do projecto da OMS para o desenvolvimento dos serviços de saúde, na República da Guiné-Bissau (1980); representante da OMS na República da Guiné-Bissau (1986); epidemiologista do Programa Mundial de Luta Contra a SIDA da OMS (coordenador deste programa na África Austral) (1990):

(viii) tendo regressado à carreira nacional de saúde púiblica,   é chefe de serviço de saúde pública desde 1992;

(ix) nomeado subdirector-geral da saúde em 2001 e reconduzido em 2004;

(x) nomeado director-Geral da Saúde, em 2005, cargo que mantém até hoje;   

(xi) é professor auxiliar convidado da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP/UNL);

(xii)  foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique, Grande-Oficial, pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio (2006).

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11377: (Ex)citações (218): Sexo em tempo de guerra... e brancos mpelelé no pós-independência (Cherno Baldé / José Teixeira / António Rosinha)



Uma das belíssimas fotos da série temática "A Mulher, menina, bajuda de Bedanda", da autoria do nosso nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 -Bedanda, 1971/73).
Foto: © António Teixeira  (2011). Todos os direitos reservados
1.  Seleção de comentários ao poste P11360 (*)


(i) Cherno Baldé

A sexualidade é, desde sempre, um tema sensível, em particular se tivermos em conta a carga moral ou moralista de cariz cultural ou religioso que o acompanha nas nossas sociedades.

Falando de relações sexuais entre a tropa e as nossas mulheres (locais) que não podem ser confundidas com prostituição, sendo esta uma dimensão distinta dentro do mesmo e grande campo sociológico, a minha opinião é que no decurso da guerra e em função do aumento do numero do contigente militar no TO, da fixação mais prolongada, da diminuição da frequencia das operações e saidas ao mato em determinados sitios, da aclimatização e perda relativa do medo da diferença e do outro, do estranho, etc..etc, terá havido maiores espaços sociais de convivialidade e de aproximação entre as partes que, por sua vez, favoreceram e facilitaram as relações de intimidade.

No caso concreto de Fajonquito, uma tabanca grande para a época que recebera numerosas familias fugidas da guerra a volta e habitada por uma população Fula e Mandinga, coexistiram lado a lado uma espécie de prostituição semi-profissional, protagonizada por algumas mulheres viuvas ou solteiras sem esperanças de voltar a casar, quase sempre de outras etnias não muçulmanas e que, por isso, eram imunes a pressão comunitária local. Mas, também, algumas bajudas Fulas cairam no charme dos jovens brancos e pasmem-se, era por amor, pela curiosidade e gosto da aventura ou simplesmente por violação as vezes consentida e fraqueza pessoal ou humana.

Os casos da prostituição eram bem controlados porque eram feitos por profissionais do sexo que não raras vezes alugavam os serviços de pessoas terceiras dentro de um grande sigilo profissional.

Paradoxalmente, a maior parte dos filhos "mestiços" que resultaram dessas relações fortuitas aconteceu com as nossas bajudas Fulas ainda jovens e inexperientes, quase crianças sem contar com os casos de aborto ou de infanticídio.

Os primeiros casos conhecidos e que resultaram em filhos de carne, osso e cabelos ondulados ou de capim seco, são de meados de 1969, mas a maior parte aconteceu depois de 1970 tempo que coincide com as duas últimas companhias.

Conheci muita bajuda fula ingenua e doidamente apaixonada por soldados metropolitanos, mas infelizmente, parece que não havia recíprocidade de sentimentos. Aos soldados apeteciam-lhes fazer sexo e descarregar suas baterias com as nativas e mais nada, pois a mentalidade colonial de superioridade racial debaixo dos seus camuflados não lhes permitia ter outra forma de ver as coisas e de se relacionar com o nativo, "indígena" logo inferior.

É evidente que hoje, todos nós temos uma forma diferente de ver as coisas e de justificá-las.

(ii) José Teixeira:

Obrigado Cherno pelo ponto de vista que expressas e que é o resultado de uma visão atenta dos acontecimentos in loco.

Tu, melhor que qualquer um de nós podes explicar bem este fenómeno. Creio que na realidade a visão ou concepção de ser "superior" do militar branco só em poucos casos lhe permitia um apaixonamento real, mas da outra parte também se colocavam reservas a meu ver naturais, porquanto um militar branco não ficaria na Guiné, após a passagem à "peluda".

Muitos de nós tínhamos assumido compromissos de namoro, noivado e casamento em Portugal.
No entanto conheci camaradas que se apaixonaram por jovens africanas e não eram correspondidos, pois já estavam prometidas em casamento na maior parte dos casos. Também conheci jovens africanas apaixonadas por camaradas meus.

Eu ainda hoje trago na mente a imagem da minha lavadeira, como a mais linda mulher que conheci, a qual estava prometida a um filho do chefe de tabanca, pelo que se distanciava de nós. Nas vezes que voltei à Guiné, tive a oportunidade e a alegria de me reencontrar e conviver com ela e com o marido
As intimidades partilhadas, eram em muitos casos resultantes de um aproveitamento por parte do militar branco do seu poder económico e o poder das armas, aliados às necessidades hormonais como diz o C. Martins, de uma juventude afastada do seu modus vivendi.

(iii) Cherno Baldé:

A minha visão deste fenómeno em particular não pretende ser completa, nem neutra e muito menos deve ser vista como imparcial, é simplesmente uma opinião de quem (con)viveu a época com as suas naturais limitações de análise, viu e sofreu juntamente com os seus irmãos "mulatos" as difíceis experiências e as mil e uma interrogações sem respostas de crianças que estavam a crescer num mundo que à partida não devia ser deles e eram tratados em conformidade.

Acontece que o fenómeno dos filhos mestiços entre nós não era de todo inédito, pois já os comerciantes lusos, em tempos anteriores, tinham feito filhos num contexto diferente e com comportamentos diferentes.

Os da primeira vaga (comerciantes) eram mais responsáveis e assumiam sempre a sua progenitura, muitos dos quais eram enviados para estudar em colégios na metrópole e não havia problemas de maior.

Os filhos da tropa, abandonados, quase todos, viraram brancos "mpelelé" no período após independência.

As promessas de casamento entre familias eram de facto uma realidade, particularmente no seio dos grupos islamizados, mas também não se pode apresentar nenhum caso em que um soldado "tuga" fosse apresentar-se aos pais de uma bajuda com uma proposta séria de casamento, nenhum.

Posso garantir-vos que a maior parte das mulheres casadas com soldados nativos ou milicias daquela época já estavam prometidas a outras familias ou pessoas, mas sempre que foram colocadas perante factos reais (por força do estatuto militar, capacidade financeira ou decisão firme das filhas e pretendentes), os anciões guineenses souberam sempre decidir pela razão, pela bondade e bom senso que caracteriza a mentalidade primitiva dos africanos da época.

Reconheço e aceito o meu etnocentrismo, obrigado e mais não digo,

PS - E, por sinal, são estes filhos de comerciantes lusos, caboverdianos e sãotomenses que, mais tarde, bem instruídos e conhecedores do mundo e da realidade portuguesa, vão formar a nata da elite politica que vai reivindicar o direito a emancipacao e a independência dos territórios do ultramar.

(iv) Antº Rosinha

Não se deve confundir uma simples queca de um soldado ou de qualquer jovem numa breve passagem (2 anos) pela África colonial, com o fenómeno da mestiçagem luso-africana ou luso-brasileira.

Toda a secular colonização portuguesa foi baseada num ambiente mestiço.

Os últimos anos (13) de guerra do Ultramar colonial, que representam o fim do império, não são representativos do ambiente colonial.

O ambiente mestiço das colónias portuguesas (antes da guerra) era muito respeitável, e foi pena que se extinguiu ou esteja em vias de extinção porque era um modelo digno de ser preservado e imitado.

O PAIGC guineense eliminou esse ambiente mestiço com o 14 de Novembro de 1980.

Penso que se está mantendo e desenvolvendo esse fenómeno em São Tomé, Caboverde e Portugal.

O "bulyling" sobre estudantes mestiços no liceu de Bissau, após o 14 de Novembro era perigoso e muito difícil.

Colega meu sãotomense teve que reenviar os filhos para Portugal, nesses tempos.

Pessoalmente penso que era naquele bem-estar mestiço que sonhavam os fundadores do MPLA. PAIGC e FRELIMO, quando resolveram partir para a independência.

______

Nota do editor:


(*) Último poste da série > 8 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11360: (Ex)citações (217): Lavadeiras... e favores sexuais na Empada do meu tempo (José Teixeira / Arménio Estorninho, "maiorais" da CCAÇ 2381, 1968/70)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8178: Controvérsias (120): Spínola, Amílcar Cabral, o Tarrafal, o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, os guineenses e os caboverdianos, nós e o blogue (Torcato Mendonça / Pepito)





Fotograma do documentário, produzido e realizado por Diana Andringa, em 2009, Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, que foi exibido pela primeira vez em televisão, ontem, na RTP1, às 23h00. Um dos ex-presos, caboverdiano, entrevistado (em 2009), comentando a notícia do assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1973. Qual o eventual papel dos tarrafalistas, guineenses, libertados no  tempo do Gen Spíonla, na organização e execução do assassinato de Amílcar Cabral ? O documentário de Diana Andringa, baseado em entrevistas com antigos presos do Tarrafal (1 português, e cerca de 30 guineenses, angolanos e caboverdianos),  não aborda  explicitamente esta melindrosa questão. (LG)





1. Texto organizado com base num comentário de Torcato Mendonça ao Poste P8165, originando por sua vez um comentário do seu autor, o nosso amigo Pepito:



(i) Torcato Mendonça [, foto
a esquerda, tirada no Fundão em 27 de Janeiro de 2007] 
, em comentário de 25 do corrente, ao poste P8165:



Caro Carlos Schwarz:


Actualmente tenho dificuldades de comunicação. Consegui ler o P8165. De facto, este Blogue do Luís Graça [& Camaradas da Guiné] tem contribuído muito para se falar e debater a "guerra da Guiné". Com um senão: quem aqui escreve, na quase totalidade, são ex-combatentes portugueses (incluo os guineenses que combateram com a farda de meu País). 


O PAIGC pouco ou nada diz. O Simpósio foi importante. Uma ilha a pender para um lado...?? Não cabe aqui debatê-lo nem a questão da  "guerra  perdida" e isso o Marechal Spínola sabia, disse-o e tentou inverter o curso normal da história das ditas potências coloniais.


O assassinato de A. Cabral deve ser procurado dentro do PAIGC,não ? Como o esclarecimento das divergências entre guineenses e caboverdianos.


A Op Mar Verde é um caso a estudar, como outros,  e daria excelente debates.


Boa Sorte para a AD. Abraço Torcato



2. Resposta, não publicada, do Pepito [, foto à direita],no mesmo dia:


Caro Torcato:


Concordo consigo quando diz que o assassinato de Amilcar Cabral deve ser procurado (acrescento eu, também) dentro do PAIGC. Estou à vontade para o dizer, pois defendi sempre que o golpe de 14 de Novembro [de 1980]  foi o golpe conseguido que falhou no assassinato de Cabral.


Talvez por minha ignorância militar, mas não conheço nenhuma vitória militar de Spínola. A única vitória, que não lhe nego, é política: ter apostado forte e conseguido maximizar o ponto mais forte e mais fraco do PAIGC, a unidade entre guineenses e caboverdianos. Foi aí, nessa luta,  que ele ganhou, que ele minou o PAIGC, infiltrou os seus agentes, dividiu,  organizou o assassinato de Amílcar Cabral.


Sou o primeiro a reconhecer que foram "militantes" do PAIGC que mataram Cabral, mas quem o mandou matar e organizou a sua entrada,  a partir do Tarrafal, isso poderia ter sido esclarecido se os dossiers da PIDE referentes ao Spínola não tivessem sido mandados retirar da António Maria Cardoso [, sede da polícia política até ao 25 de Abril]. 



Mais. Muito do que ainda hoje estamos a viver na Guiné-Bissau tem as suas raízes profundas no assassinato de Amilcar Cabral. O que me espanta é ouvir dizer que o Spínola nada tem a ver com o assassinato de Cabral, tanto assim é que "ele sempre o elogiou". Caro amigo, já ouvi a alguns dos implicados guineenses dizer o mesmo... Hoje em dia, até o Alpoím Calvão que bombardeou a casa de Cabral em Conakry na operação Mar Verde, nega que o tenha querido matar. Pois....



abraço

pepito




PS - Quanto à ilha a pender para um lado...que lhe respondam os militares e historiadores portugueses que estiveram no Simpósio [Interncaional de Guiledje].  


(iii) Novo comentário de Torcato Mendonça, de 27 do corrente:


Luís Graça


Faz chegar, por favor, a minha breve resposta, a possivel para quem está limitado com a Rede TMN. O computador é da Ana e noutro sistema. Em breve escreverei. Melhor em e-mail.


Spínola sabia que tinha que actuar assim. O assassinato de Cabral é assunto a ser tratado de outro modo. Nada me mete medo sobre tal ou outros assuntos. Assumo ter admirado o Marechal enquanto Com-Chefe na Guiné. Sabes isso. Da parte restante falaremos. Aquela guerra nunca seria ganha militarmente... Houve grandes combatentes de ambos os lados. Nem sempre utilizando os meios suaves... nem sei como se definia isso ou que importância terá para esta conversa entre nós.


Só dois pontos:

- Portugal vivia sob uma ditadura feroz. Os ultras e certos interesses económicos nunca suportariam uma negociação política. Marcelo era um Chefe de um Governo de fachada.

- Li e ouvi os vídeos do Simpósio. Conheço pela leitura e não só o trabalho da AD. Vai, logicamente além do que aqui tem aparecido no Blogue. É natural em quem se interessa por estes assuntos.

A "ilha estava inclinada" foi um modo de dizer como certos dirigentes actuavam...ou actuam.


Agradeço que encaminhes isto, caro Luís, para o Carlos Schwarz. Não  tenho endereços e o resto falha. Só o gosto por vocês, pelo blogue, pela Guiné e pelo o meu País me levam a tentar, quando posso e o sistema funciona, a escrever assim e a vir aqui,  religiosamente.
Abraço os dois. Através de um todos os camaradas do blogue; do outro o Povo daquela Terra vermelha e ardente que a mim ficou colada.


Abraço do Torcato (a verdade tem sempre muitas inverdades... a verdade pura é utopia).



2. Comentário do editor:  


Tanto o nosso amigo Pepito como o nosso camarigo Torcato autorizaram a publicação destes comentários feitos em registo off.


Mais concretamente o Pepito acaba de me mandar a seguinte mensagem:


Luis: Se considerares que tem interesse para os nossos bloguistas, publica.
abraço
pepito


PS - Gostei muito de conhecer os filhos do Zé Teixeira [que acaba de regressar da sua viagem à Guiné, onde foi recebido com grande alegria, reconhecimento,  gratidão, esperança e entusiasmo pelas gentes do Cantanhez] . Há uma nova geração (com os teus filhos) fora de série....

______________

Nota do editor:



Último poste da série > 18 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8128: Controvérsias (119): 10 de Junho: Ainda, o Dia dos Combatentes (Joaquim Mexia Alves)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7300: (In)citações (21): 14 de Novembro de 1980, uma data que mudou a vida do meu país e a minha (Nelson Herbert)

1. Comentário do nosso amigo Nelson Herbert [, foto à esquerda,] ao poste P7281:


Mais Velho Rosinha:


Lembro-me perfeitamente,  aos meus 17 anos, dessa noite por sinal, a mais longa da minha vida...

Por várias razões,  pessoais e familiares. Foi uma noite que enlutou a minha familia... um orfão, um bebé de apenas um ano, para cuja educação, sem ressentimentos e ódios, fui chamado a contribuir já no exterior da Guiné. Hoje é um engenheiro licenciado aqui,  nos Estados Unidos, entretanto há anos radicado na Suécia !


Tratar-se-ia pois do primeiro, de duas crianças, membros da minha família, orfãos, vítimas das purgas internas do PAIGC. A segunda é uma jovem formada em Administração de Empresas na Africa do Sul, hoje residente em Angola...


Portanto,  a noite de 14 de Novembro não só alterou o curso da história da Guiné,como acabou por influir no destino e nos projectos da minha vida, como jovem...

Foi por sinal a noite em que o cine-teatro UDIB exibia o filme "Estado Sítio" [État de siège, de Costa-Gravas, 1972]... Se não me falha a memória, um filme retratando também ele um golpe de estado militar algures na América Latina... 


Antecipando a sessão, os primeiros tiroteios aconselhavam a um recolher obrigatório...E a sessão ficou adiada.. 


Sabe que ainda hoje,  algures nos meus arquivos pessoais da Guiné, conservo o bilhete de cinema desse dia, na esperança de um reembolso (Ah Ahhhh)? Aqui pelos States virou hábito vasculhar os clubes de vídeo americanos, em busca de uma cópia do filme, a que não cheguei a assistir !

Foi igualmente a noite em que,  a escassos metros da minha casa, e tendo como alvo uma residência vizinha, um violento tiroteio e explosões envolvendo disparos de tanques e de armas automáticas, punham fim à vida de António Buscardini [1943-1980], o ex-chefe da secreta do governo de Luís Cabral...

A noite mais longa... e de insónias !


Como na época era proibido contrariar os ânimos e os próprios argumentos justificativos do golpe militar (aliás,  sobre este aspecto o meu conterrâneo Cherno Baldé [ e não Djaló, lapso do Nelson] referiu-se em tempos de forma precisa num post deste blog à então unanimidade reinante entre os guineenses nessa matéria), entre o querer ficar mas ter que partir, havia uma opção a ser feita !

Foi pois igualmente a noite determinante da minha decisão de, apesar de jovem, procurar outros rumos mais além. Para tal foi apenas necessário alguns meses de um compasso de espera, o tempo suficiente para a conclusão do ano lectivo e consequentemente do 2º  ano do curso complementar (o antigo 7º ano dos Liceus).


Na altura eu era um jovem professor integrante das então brigadas Chico Tê, a de jovens professores ao serviço da massificação da educação e do ensino na Guiné !


Portanto a todos os níveis, incluindo episódios que por enquanto prefiro manter reservados, a noite de 14 de Novembro de 1980  acabou por alterar não apenas o rumo da Guiné Bissau (*)...mas também o meu próprio destino e projecto de vida ...

Mantenhas

Nelson Herbert
Washington DC,USA
__________________


Notas de L.G.:


Último poste desta série > 13 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7272: (In)citações (25): 14 de Novembro, às 10h30, na BBC, mais um Remembrance Day (António Martins de Matos)


(*) Vd. também o depoimento de Norberto Tavares de Carvalho, "O Cote" (que esteve com  Buscardini antes de este morrer) na página de Didinho: Resistência e morte de António Alcântara Buscardini, 6/10/2006. Em Março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje, conheci pessoalmente a viúva de Buscardini, Isabel. Era então ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria.


Sobre Norberto Tavares de Carvalho, que foi preso  na sequência do golpe de Estado de 'Nino' Vieira, vd. o poste de 10 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3125: História de vida (14): Norberto Tavares de Carvalho, O Cote: do PAIGC ao exílio (A. Marques Lopes)


Sobre Buscardini (e o seu papel no processo que levou ao fuzilamento dos ex-Comandos Africanos, em 1977/78), ver ainda o site do seu sobrinho, António Buscardini, e em especial um extenso extracto de declarações de André Gomes, chefe do departamento do Estado-Maior da Guiné-Bissau,  em Novembro de 1980, "no Comissariado do Interior no pós-golpe de Estado conduzido pelo ex- Comissário-Principal do Presidente Luís Cabral, 'Nino' Vieira"...


Infelizmente, o webmaster não cita a fonte bibliográfica, em suporte de papel ou em suporte digital, donde extrai as sinistras e arrepiantes declarações do dirigente do PAIGC sobre os fuzilamentos de 1977/78 (e nomeadamente os de Nhacra), encenadas ou não, obtidas sob coacção ou não, mas com o propósito de incriminar Luís Cabral, António Buscardini e outros, que pertenciam à facção derrotada em 14 de Novembro de 1980.

O material foi colocado na página pessoal (Polonii, plural de Polon, Poilão),  de António Buscardini, filho de José Manuel Buscardini, e  sobrinho do antigo homem forte do regime de Luís Cabral, em 5/7/2007. Presumo que a fonte original seja o Nô Pintcha, o órgão do PAIGC, que passou a estar alinhado com a facção vencedora.  Uma das medidas mais mediáticas tomadas pelos vencedores do 14 de Novembro de 1980 foi a de tentar 'diabolizar' o regime de Luís Cabral,  com a 'revelação' das valas comuns  de Porto Gole, Farim, Cumeré e Nhacra, contendo os restos mortais de cinco centenas de guineenses, executados sumarimente como contra-revolucionários, 10% dos quais pertenciam ao antigo Batalhão de Comandos Africanos.

Recorde-se que este destacado militante do PAIGC, André Pedro Gomes, um dos braços direitos de Buscardini,  era o comandante da guerrilha na região  de Caboiana/Churo, aquando do chamado massacre do chão manjaco, em 20 de Abril de 1970.

Em 17 de Fevereiro de 1968, terá sido ele a chefiar o comando que flagelou, com foguetes (Katiusha),  o aeroporto de Bissau.

Em 1972 era um homem da inteira confiança de Amílcar Cabral, membro do Comité Executivo da Luta e Comandante da frente Nhacra – Morés.

Em 31 de Dezembro de 1980, um mês e meio depois do golpe de Estado,  o Nô Pintcha noticiava o seu "suicídio" na prisão...Enfim, há mais referências, no nosso blogue (II Série), ao André Pedro Gomes...