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sábado, 25 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24095: Blogues da nossa blogosfera (179): "Reserva Naval", criado e mantido pelo nosso camarada Manuel Lema Santos, chega ao fim... por razões pessoais e familiares do autor (mas também, em parte, pelo cansaço bloguístico e pela ingratidão das nossas instituições e associações)



"Espaço aberto a antigos Oficiais da Reserva Naval na publicação de documentos, relatos, imagens e comentários. Um meio de comunicação e participação na divulgação do legado histórico da Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa."


1. Chega ao fim um dos mais notáveis blogues da nossa blogosfera. A notícia foi-me dada no passado dia 23, em Ílhavo...

E foi-me dada justamente pelo primeiro vice-almirante que eu conheci, pessoalmente, na vida, o Tito Peixe Cerqueira, filho da terra. (E que, por acaso, é o primeiro almirante de Ílhavo, o que não deixa de ser irónico, quando falamos de uma terra que tem no corpo e na alma o ADN do mar.) Não o conhecia pessoalmente antes, mas éramos, afinal, amigos do arquiteto José António Paradela que, nesse dia, partia, aos 85 anos, para a sua derradeira viagem, aquela que não tem regresso.

E, em conversa com o vice-almirante, agora na reforma, Tito Cerqueira, falámos inevitavelmente do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (de que ele era leitor), da Marinha, da Reserva Naval, da Escola Naval, etc., e de alguns amigos e conhecidos comuns. E veio então à baila o nome do Manuel Lema Santos, cujo blogue "Reserva Nacional", criado por ele (a sua origem rem0nta a 2006, embora com outros nomes) e mantido até há pouco tempo (desde 2016) com grande paixão, competência e dedicação.

Confesso que fiquei triste pela notícia, para mais naquela hora e lugar. Mas não quis começar a fazer o luto por mais uma perda de vulto (a seguir à perda de um grande amigo e um grande ser amigo, que era o  José António Paradela), sem antes confirmar, na Net, o que se estava a passar. De facto, ao chegar a casa, à noite, e ao clicar no link:


verifiquei só havia dois postes, um de 2021 e outro de 2023 (este datado de 16 de janeiro, que começava justamente com uma "nota do autor do blogue". 

Já aqui escrevemos em tempos: "Sem desprimor para outras páginas sobre a nossa Marinha, esta é uma verdadeira enciclopédia, de consulta obrigatória, sobre a nossa armada, nomeadamente do tempo da guerra do ultramar / guerra colonial."

E tínhamos orgulho nesse blogue da nossa blogosfera, para mais criado por um histórico do nosso blogue onde tem nada menos do que 6 dezenas de referências. A história da Reserva Naval da nossa Marinha (1958-1992) é também também parte da nossa história

Na realidade, essa "enciclopédia viva" está para todos os efeitos,  fechada, ou sem acesso... Mas eu ainda esperava, ontem,  que fosse só para "obras de remodelação", como a gente faz com as nossas casas, pelo menos ao fim de 30 ou 40 anos: fecha a casa, por uns meses, para obras...

Ontem à tarde, quis tirar a limpo as minhas dúvidas e telefonei ao Manuel Lema Santos, coisa que não é muito habitual em mim, não gosto de usar e abusar do telefone dos amigos e camaradas da Guiné. Afinal tivemos uma longa conversa, de 54 minutos e 40 segundos em que ele me explicou as razões por que "descontinuou" o seu precioso e insubstituível blogue.

Não estou autorizado (ou melhor: não vou cometer a indelicadeza de reproduzir aqui a nossa conversa, franca e desinibida, como é habitual entre nós, que não temos de afinar o nosso pensamento pelo mesmo diapasão mas respeitamos-nos mutuamente, começando por reconhecer a nossa comum condição de antigos combatentes na Guiné, que já se conhecem pessoalmente desde 2006, e, em segundo lugar, o de criadores e editores de blogues que, quer se goste ou não, são uma referência para muita gente que se interessa pela história da guerra do ultramar / guerra colonial, tendo consumido num caso e no outro muitos milhares de horas trabalho...

O que eu posso adiantar, muito resumidamente,  é que: 

(i) o Manuel Lema Santos acabou de fazer oitenta aninhos, em dezembro passado;

(ii) sente-se no direito de fazer uma "sabática", embora se sinta ainda em boa forma, física e intelectualmente;

(iii) há cansaço bloguístico, o blogue deixou de estar "on line" (todavia os seus ficheiros estão salvaguardados e pode ser reativado em qualquer momento);

(iv) com tempo e vagar, e sem prejuizo da sua vida pessoal e familiar (que ele agora põe em primeiro lugar), tem outros projetos: por exemplo, uma eventual publicação (e ele está à vontade neste domínio porque conhece bem o setor editorial e indústria gráfica),  para o material imenso (fotografia, infografia, texto...) que foi recolhendo, dos arquivos e dos seus camaradas da marinha que com ele têm colaborado; 

e , por fim e não menos importante (v) deixou-me transparecer alguma mágoa pela indiferença e  ingratidão que, concordamos os dois, é uma pecha nacional, é uma das "nódoas negras" que mancham a "farda branca" dos portugueses (sejam eles militares ou civis)...

De facto, nenhum de nós está à espera de uma comenda mas quando se faz oitenta aninhos  depois de muito trabalho "pro bono", a favor dos outros (através das associações, organizações, blogues, etc.) sabe bem o reconhecimento e o apreço de quem direito, e sobretudo dos nossos pares...

De qualquer modo, o blogue está também, em grande parte,  salvaguardado com as capturas feitas pelo robô do Arquivo.pt. a última das quais em 19 de março de 2021, às 6h30. Dei a notícia  ao autor, que desconhecia a existência do Arquivo.pt,  da FCT - Fundação para a Ciência  e Tecnologia. 

Eis o (novo) endereço da "Reserva Naval" (agora em arquivo morto):

https://arquivo.pt/wayback/20210310063043/https://reservanaval.blogspot.com/



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 21 de Abril de 2012 > Manuel Lema Santos e Maria João (Massamá / Sintra)... O Manuel Lema Santos fez, antes do início do almoço, uma breve alocução, em nome da direção da AORNA - Associação dos Oficiais da Reserva Naval.  

O Manuel Lema Santos (ex-1º ten da Reserva Naval da Marinha de Guerra, imediato da LFG Orion, Guiné, 1966-1972), e que foi um dos nossos camaradas que esteve no nosso 1º Encontro Nacional, na Ameira, em 2006, ofereceu ao blogue, na pessoa do Luís Graça, um exemplar do "Anuário da Reserva Naval, 1958-1975", da autoria de A.B. Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado (Lisboa, 1992), um exemplar autografado do "Anuário da Reserva Naval, 1976-1992", de Manuel Lema Santos (Lisboa: AORN, 2011), bem como vários exemplares da última edição da publicação periódica da AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval (AORN, nº 19, outubro de 2011), e ainda uma medalha comemorativa da fundação da AORN, em 1995.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados  


2. Nada melhor do que reproduzir aqui, com a devida vénia, a "nota explicativa" que o aut0r do blogue quis deixar para os seus leitores, na hora da despedida.  

Aqui fala-se, polidamente, em "suspensão", e não em "fecho definitivo"... E deixam-se agradecimentos a quem ajudou o autor. E, por fim, ficam também sentidas palavras de apreço e gratidão para com  a Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa que "encarnou, para todos os Oficiais que por lá desfilaram, muito mais do que uma forma, dita civilizada, de cumprimento do serviço militar obrigatório".

Nota do autor do blogue:

Desde 2006 que entendi publicar regularmente alguns retalhos da História da Marinha Reserva Naval, em que aquela classe de Oficiais teve primordial importância na segunda metade do século XX, muito por virtude da Guerra do Ultramar.

Ao longo dos anos a Marinha acabou por formar quase 4.000 oficiais da Reserva Naval. Mais exactamente 1712 entre 1958-1975, conforme Anuário da Reserva Naval da autoria dos Comandantes Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado e outros 1886 entre 1976-1992, conforme Anuário da Reserva Naval referente àquele período e da autoria de Manuel Lema Santos, antigo oficial da Reserva Naval, licenciado no posto de 1TEN RN em 1972, regressando nesse ano à vida civil.

Expresso aqui o meu profundo agradecimento à Instituição Marinha, nomeadamente ao Arquivo de Marinha, Biblioteca da Marinha, Revista da Armada e Museu de Marinha que me permitiram consultar, compilar e coligir muita da documentação que estruturou um blogue simples, ainda que pretendendo exibi-lo publicamente com um mínimo de qualidade histórica.

Não posso deixar de acrescentar um agradecimento aos inúmeros apoios que tive de Camaradas com documentação e imagens cedidas, sem os quais não me teria sido possível alcançar este objectivo, modesto mas determinado por forma a manter algum rigor histórico. 

Um último obrigado a todos os que, com comentários ou pessoalmente, me incentivaram por qualquer forma à continuação ao longo do tempo.

No outro lado da margem os que gostam de brilhar plagiando o trabalho de outrém, sem sequer se preocuparem com a qualidade da cópia ou as referências de origem. Felizmente foram muito poucos e sem expressão.

Por cansaço natural e um olhar familiar que me permita ainda tentar zelar pelo futuro de filhos e netas com natural apreensão, entendi suspender a publicação do blogue pessoal www.reservanaval.blogspot.com,  com um natural e sentido pedido de desculpas àqueles que me seguiram ao longo dos anos, para os quais manterei sempre a minha disponibilidade.

A Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa encarnou, para todos os Oficiais que por lá desfilaram, muito mais do que uma forma, dita civilizada, de cumprimento do serviço militar obrigatório. Ao tempo, uma opção pessoal possível num percurso universitário completo ou em vias de o ser, passagem obrigatória no rumo de vida traçado, ao serviço da cidadania e do país onde nasceram.

Diria melhor e mais correctamente, da Pátria. A evasão temporária ao amplexo paternalista, algum inconformismo e a necessidade inadiável de transpor aquela linha no horizonte terão sido algumas das motivações.

Outras tantas, eventualmente condicionadas por aspectos pessoais, profissionais, familiares e também económicos. De um lado, incertezas, anseios, dúvidas tumultuosas, sentimentos contraditórios e algumas perspectivas goradas, mas também natural confiança e esperança.
Do outro, o salto no desconhecido, arrojado mas sonhador, a aventura e o desejo de bem cumprir.

Se para muitos configurou uma escolha alternativa enquanto no desempenho de um dever cívico, para outros terá representado uma ponte provisória para a vida profissional. Ainda para alguns, em menor número mas mais tarde, a própria carreira profissional.

Escola Naval, viagem de instrução e juramento de bandeira marcaram, em sucessão, formação académica e humana, camaradagem e também crescimento. Em cenários de guerra como Moçambique, Angola e Guiné, mas igualmente em S. Tomé, Cabo Verde e no Continente, quase quatro mil Oficiais da Reserva Naval desempenharam funções ao serviço da Marinha de Guerra Portuguesa.

A navegar ou em terra, como oficiais de guarnição ou nos fuzileiros, todos fazendo parte do transbordante testemunho de solidariedade, generosidade e convívio partilhado com as Unidades e Serviços onde permaneceram. Ombreando com militares e camaradas de outros ramos das Forças Armadas. Ganhando acrescido sentido de responsabilidade e maturidade. Grangeando pelo cumprimento, pelo exemplo e pela dedicação, a amizade, admiração, respeito e camaradagem de superiores, subordinados e também das populações com que contactaram.

Na memória que o tempo não apaga, esfumam-se relatos, acontecimentos, documentos, registos, afinal História. História da Reserva Naval e da Marinha de Guerra que lhe deu origem. No espírito Reserva Naval, um passado comum a preservar.

Uma palavra para todos aqueles que nos deixaram prematuramente, chamados para a última viagem. Estarão sempre connosco!

Manuel Lema Santos
1TEN RN 1965/1972
Guiné, LFG "Orion" 1966/1968;
Comando Naval do Continente, 1968/1970;
Estado-Maior da Armada, 1970/1972

[Revisão e fixação de texto / Negritos, para efeitos de edição dese poste: LG]
_________

Nota do editor:

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Guiné 6/74 - P21885: A Nossa Marinha (2): Em louvor dos bravos da Reserva Naval (1961/74) (Luís Graça / Manuel Lema Santos)


Guiné > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > Setembro de 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche >  Peças de artilharia 11.4. ao lado de garrafões de vinho...

Foto nº 68/199 do álbum do João José Alves Martins (ex-alf mil art, BAC 1,Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69; membro da  Tabanca Grande desde 12 de fevereiro de 2012). (*)



Guiné > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Cais de Bissau. 

Foto nº 63/199 do álbum do João Martins.



Guiné > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Chegada ao porto fluvial de Bambadinca (... quando as LDG ainda navegavam pelo Geba Estreito até a Bambadinca, passando por Mato Cão)... 

Foto nº 73/199  do  album do João Martins. 

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários ao poste P21843 (**):


(i) Luís Graça:

Manuel, camarada: Espero que não leves a mal por ter citado o teu preciosíssimo blogue [Reserva Naval
: "Espaço aberto a antigos Oficiais da Reserva Naval na publicação de documentos, relatos, imagens e comentários. Um meio de comunicação e participação na divulgação do legado histórico da Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa".]...

Chegou-me às mãos uma foto da LDM 203, a navegar algures (presumo que entre Bissau e Catió), em 1964, no "Mare Nostrum"... Penso que a podes utilizar, foi editada por mim, o original pertence ao Rui Ferreira, filho de uma camarada nosso, infelizmente já falecido...

Aproveitei para relembrar a epopeia da LDM 302.

Não preciso de te dizer para te cuidares e poupares. Vejo que o teu blogue continua de vento em popa... Criei, no nosso (onde tens cerca de 60 referências e a "Marinha" 140...) uma nova série, "A Nossa Marinha"... Pode ser que apareçam mais fotos das nossas sempre queridas unidades navais [e surjam mais camaradas da Reserva Naval: o último foi o Carlos Moreno, hoje arquitecto,  2º tenente RN, oficial imediato da Esquadrilha de Lanchas do CTIG (1968/70) (***)].

Li também o teu poste sobre as (des)venturas da LDG Bombarda, de saudosa memória... Andei nela e vi-a várias vezes no Xime, que era a porta de entrada no Leste, como sabes...

Tenho uma história passada com a LFG Orion, nos anos 1969/70, quando esteve atracada ao cais, em reparação, e era então o melhor restaurante de Bissau... Um dia destes mando-ta.

E vamos a ver quando é que chegamos ao 1º ano da era pós-Covid (de que Deus nos livre!)... Só oiço malta a chorar a perda de amigos e familiares. Ou gente que apanhou um "cagaço" dos antigos... Que a doença, como diz o povo, vem a cavalo e vai a pé...

Um alfabravo, Luís

 de fevereiro de 2021 às 11:57

(ii) Manuel Lema Santos
 
Caro Luis Graça,

As minhas primeiras palavras são para o filho de um Camarada falecido que, pese embora o desgosto que tão pesada carga negativa arrasta para família e amigos, estará certamente em descanso. Entre os melhores, porque cumpriu o que lhe foi exigido.

Grato pelas referências feitas que, infelizmente, correspondem a um trabalho a "solo", o que não deveria suceder em qualquer situação. Há responsabilidades históricas colectivas institucionais que me não pertencem ainda que, pessoalmente, pudesse ser um colaborador entre tantos que poderiam manter viva a chama da Marinha que, tal como nos restantes ramos das Forças Armadas parece em vias de extinção.

Como é do conhecimento generalizado fui "apenas" um oficial da Reserva Naval (1TEN lic) entre 1.712 admitidos pela Briosa entre 1958 e 1975 a que se adicionaram mais 1.886 entre 1976 e 1992. 

Dos primeiros que desfilaram enquanto esteve no palco a Guerra do Ultramar, cerca de 1.000 daqueles camaradas estiveram nos vários teatros de guerra, especialmente em Angola, Moçambique e Guiné. Vou mesmo mais longe nos meus considerandos já que, mesmo em Macau, esteve um oficial RN e, em Timor, outros dois camaradas completamente ignorados. 

A LFG «Orion», 1966-1968, num teatro difícil, complementou a minha formação social e humana, pouco atractivo para jovens recém-saídos da Casa Paterna, universitário IST  [, Instituto Superior Técnico] e com 24 anos de percurso na vida. Contudo, repetiria aquela rota tendo em conta o caminho que me foi permitido percorrer, com as opções que tive de fazer como qualquer comum mortal.

Sobre as LDM, tema sobre que tenho divagado bastante,  disfrutem. A nossa Linha de Horizonte de vida, contrariando Eduardo Galeano, está a ficar bastante mais próxima cada dia que navegamos.
Cuidem-se!


(***) Vd. poste de 10 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21244: Tabanca Grande (500): Carlos Moreno, 2º tenente da Marinha, oficial imediato da Esquadrilha de Lanchas do CTIG (1968/70): senta-se no lugar nº 814, à sombra do nosso poilão

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21843: A Nossa Marinha (1): LDM 203 e LDM 302 (Manuel Lema Santos / Luís Graça)



Guiné > s/l > c. setembro de 1964  >  LDM (Lancha de Desembarque Média) 203... que devia  estar a  fazer serviço entre Bissau e Catió, abastecemdo as NT no sul.

Foto (e legenda): © Rui Ferreira (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Nunca andei numa LDM, só nas LDG... No Rio Geba, "ó para lá e ó para cá", ou seja, no início da comissão, em 2 de junho de 1969, rio Geba acima, até ao Xime, e depois no fim da comissão, em março de 1971, de regresso a Bissau, rio Geba abaixo...  Penso que foi na mesma  LDG, a "Bombarda" (105, mais tarde, "rebatizada"  201).

Mas não é das LDG [, Lanchas de Desembarque Grandes]  que quero falar hoje, mas sim  das LDM, das Lanchas de Desembarque Médias, onde nunca andei. 

Uma foto da LDM 203, acabada de se publicar no nosso blogue (*), despertou-me a curiosidade sobre estas unidades da nossa Marinha, de que sei pouco ou quase nada,

E a quem recorrer ? Naturalmente, ao blogue "Reserva Nacional", do nosso amigo e camarada Manuel Lema Santos, que o criou e mantem desde 2016, com grande paixão, competência e dedicação... 

Sem desprimor para outras páginas sobre a nossa Marinha, esta é uma verdadeira enciclopédia, de consulta obrigatória,  sobre a nossa armada, nomeadamente do tempo da guerra do ultramar / guerra colonial.


Lisboa > Monumento aos Combatentes
do Ultramar > 10 de junho de 2019 
(antes da era da pandemia Covid-19) 
> Manuel Lema Santos e Luís Graça.

Foto: LG (2019)



Aconselho, por isso, os nossos leitores a consultar o poste de 7 de abril de 2020 > 

O Manuel Lema Santos (que tem cerca 
de 6 dezenas de referências no nosso blogue) foi nosso camarada no TO 
da Guiné ( 1.º tenente da Reserva Naval,
 ex-imediato da NRP Orion (1966/68), 

Escreveu o Manuel Lema Santos:

(...) "Da classe 200, foram cinco 
as LDM - Lanchas de Desembarque Médias fabricadas. Estas unidades, 
construídas nos Estados Unidos da América  foram modernizadas nos estaleiros navais 
da Argibay  [, em Alverca]. (...)

"Em 13 de Janeiro de 1964 foram aumentadas ao efectivo dos navios da Armada as LDM 201, LDM 203, LDM 204 e LDM 205" (...)

Depois de efectuass as necessárias "provas e testes", estas unidades navais "foram transportadas para a Guiné em navios mercantes, onde permaneceram sempre enquanto operacionais até serem abatidas ao efectivo" (, no princípio da década de 1970, e mais concretamente, no caso da LDM 203, em junho de 1971).


Das suas caracterísricas técnicas destaque-se o seguinte, de acordo com o Manuel Lema Santos:

(i) Deslocamento máximo: 50 toneladas;
(ii) Comprimento (fora a fora): 15, 28 metros;
(iii) Calado máximo  (distância da quilha do navio à linha de flutuação): 1,22 metros
(iv) Velocidade máxima: 9,2 nós ou milhas marírimas (c. 17 km)
(v) Autonomia: 460 milhas (c. 850 km)
(vi) Armamento: 1 metralhadora Oerlikon Mk II 20 mm + 2 metralhadores MG 42, de 7,62 mm
(vii) Lotação: 6 praças
(viii) Capacidade de transporte: 1 destacamento de fuzileiros (80 homens) ou 20 toneladas de carga ou 1 camião de 6 toneladas ou 2 jipes

Diz ainda o nosso camarada Manuel Lema Santos:

(...) "Muitos oficiais da Reserva Naval desempenharam missões de comando que integraram aquelas unidades navais em múltiplas missões operacionais de fiscalização, escolta, embarque e transporte de fuzileiros, militares de outros ramos, população em geral, nos comboios logísticos com material, equipamentos e abastecimentos.

"Com uma guarnição de 6 homens, comandadas por um Cabo de Manobra, foram, em conjunto com todas as outras classes de LDM presentes na Guiné, um importante suporte da estrutura operacional e logística da Marinha." (,..)

"Que se enalteça a competência, coragem, esforço e dedicação das suas guarnições, no bom êxito conseguido das inúmeras e arriscadas missões que lhes foram atribuídas, algumas delas pagas com o sacrifício da própria vida." (...)

2. E aqui, acrescento eu,  nunca é demais evocar e relembrar a epopeia da LDM 302,  a cuja tripulação pertenceu o marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira (1947-2011), natural da Lourinhã, condecorado com a Cruz de Guerra em 1968. 

Infelizmente, este meu conterrâneo, vizinho, amigo e condiscípulo, nascido no mesmo ano que eu, morreu prematuramente aos 64 anos, com o posto de sargento chefe reformado (*)

Escrevi há uns anos atrás (*):

(...) "A epopeia da LDM 302 e dos seus bravos marinheiros merece ser melhor conhecida de todos nós. Na altura do ataque de 19 de dezembro de 1968 bem como no de 10 de junho de 1968, o Ludgero fazia parte da sua guarnição como maquinista fogueiro. São factos que eu só agora vim a saber. E quero partilhá-los com os amigos e camaradas da Guiné, que acompanham o nosso blogue bem como com os meus conterrâneos e ainda a família do meu amigo, em especial o seu filho e os seus irmãos, bem como a mãe do seu filho, Maria Teresa Henriques, natural da Atalaia.

Que a terra te seja leve, meu amigo e camarada!... E que a gente da nossa terra saiba cultivar a tua memória e a memória dos nossos antepassados que têm o mar no seu ADN !" (...)

____________

Notas do editor:
 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21276: Blogues da nossa blogosfera (136): J. M. Correia Pinto, no seu blogue "Politeia", em 22/1/2013, faz uma recensão do meu livro "Diário da Guiné", de 2007 (António Graça de Abreu)


Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2017 > O Marcelino da Mata, mostrando o livro, "Diário da Guiné: lama, sangue e água pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007), que o autor, António Graça de Abreu, lhe ofereceu autografado. (*)

 Na altura,  o Marcelino da Mata, ten cor ref, era  um participante relativamemnte  frequente dos convívios da Tabanca da Linha.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem coomplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem,  com data de 20 do corrente, 20h31, do António Graça de Abreu [ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com mais de 260 referências no nosso blogue;  é poeta, escritor, tradutor, sinólogo, autor de livros de poesia (8), história (4), traduções (7), e viagens (3)]:

Meu caro Luís

Se achas que deves publicar, avança. O livro nunca teve recensão neste blogue [Luís Graça & Camaradas da Guiné]  pelo Mário Beja Santos.

Ignorava completamente este texto publicado em 2013 no blogue Politeia por J. M.  Correia Pinto, sobre o meu Diário da Guiné, o livro editado em 2007 pela Guerra e Paz, escritos sobre a minha experiência na Guiné 1972/74, num Comando de Operações, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, no norte, centro e sul do território em fogo. (**)

Na foto [, acima,] , estou em Cascais com o Marcelino da Mata, o mais condecorado de todos os militares portugueses.

Abraço,

António Graça de Abreu


Capa do livro do António Graça de Abreu, "Diário da Guiné" 
(Lisboa, Guerra e Paz, 2007, 220 pp)


2. Blogue Politeia: comentário político-económico-social > terça feira, 22 de janeiro de 2013 > Diário da Guiné: um livro de António Graça de Abreu 

Vem a propósito do quadragésimo aniversário da morte de Amílcar Cabral falar num livro publicado há cerca de seis anos mas de que somente há dias tive conhecimento – Diário da Guiné, escrito por António Abreu, entre Junho de 1972 e Abril de 1974, quase dia por dia o tempo da minha comissão de serviço na Guiné, em Bissau, na secção de Justiça do Comando da Defesa Marítima.

Para além da enorme diferença que à época representava ser colocado em Bissau ou no mato, há ainda uma outra porventura não menos negligenciável: fazer o serviço militar na Marinha ou no Exército. A diferença era sob todos os aspectos abissal.

António Abreu foi mobilizado para a Guiné com 23 meses de tropa cumpridos em Portugal, tendo sido sucessivamente colocado em Canchungo (antiga Teixeira Pinto), Mansoa e Cufar. Ou seja, quanto mais a comissão se aproximava do seu termo mais perigoso era o local para onde o mandavam.

Tendo muito presente as grandes datas dos dois últimos anos de guerra e as ocorrências que tragicamente as assinalam, segui, como se estivesse a reviver esses mesmos tempos, esta narrativa contada por quem viveu de muito perto esses mesmos acontecimentos.

O livro de António Abreu é, a vários títulos, um testemunho notável do que foram os dois últimos anos de guerra na Guiné não apenas no plano militar, mas também no plano das relações entre os milicianos e os soldados, do comportamento das chefias militares mais próximas, do estado de espírito dos combatentes, do relacionamento dos soldados com a população, das dificuldades correntes do quotidiano que se agravavam dramaticamente quanto mais perigoso era o teatro de operações, da filosofia de vida com que se encarava a inevitabilidade de uma comissão de 22 ou 24 meses, da incerteza sobre o dia seguinte, a partir de certa altura, do minuto seguinte…

Tudo isto António Abreu conta numa prosa elegante, sempre com muita grandeza de espírito e notável humanismo. O modo como salpica a narrativa com alguns episódios burlescos acontecidos no dia-a-dia da guerra e a fina ironia com que os trata fazem lembrar alguns dos melhores gags de Chaplin. 

Por outro lado, o equilíbrio das suas apreciações e o sentido de justiça sempre presente, mesmo nas condições mais difíceis, fazem com que ele seja capaz de apreciar as qualidades e até as virtudes daqueles de cuja acção discorda. A suposta ingenuidade com que aceita o inevitável, mantendo-se sempre íntegro e igual a si próprio, e a sua vasta cultura contribuíram certamente para que tenha saído sem traumatismos de uma guerra que se ia tornado mais violenta à medida que se ia aproximando fim.

Das muitas leituras sobre a Guerra Colonial, desde as narrativas de militares até à obra de ficcionistas consagrados, passando pela obra dos historiadores, tenho na minha modesta capacidade de apreciação literária o Diário de Guerra, de António Abreu como uma das obras mais interessantes que sobre o tema já li.[Publicado por JM Correia Pinto]

JM Correia Pinto, editor do blogue Politeia, desde fevereiro de 2008

"Fiz o liceu em Viana do Castelo e a universidade em Coimbra. Depois, fui assistente na Faculdade de Direito e militar na Guiné, na Reserva Naval. A seguir ao 25 de Abril, estive no Governo (IV e V) durante o período revolucionário. Andei depois pela cooperação para o desenvolvimento, no MNE, e fui professor na Faculdade de Direito de Lisboa (Clássica) e mais tarde na UAL. Agora estou 'retirado' ".]

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(**) Último poste da série > 3 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21220: Blogues da nossa blogosfera (134): Esquadrão de Bula: modelo à escala da Panhard AML 60, MX-03-19, do EREC 3432 (1972/74). Autor: João Tavares, da Associação de Modelismo do Montijo (José Ramos)

terça-feira, 7 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21148: O que é feito de ti, camarada? (13): Pessoal da CCAÇ 3460 / BCAÇ 3863, Cacheu, 1971/73



Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > DFE 21 (Cacheu e Bolama, 1973/74) > Da esquerda para a direita:

Alferes Silva (CCAÇ 3460) [1];
2º Tenente, oficial imediato, Castro Centeno (DFE 21) [2];
Furriel Lopes (CCAÇ 3460) [3];
2º Tenente Macedo (DFE21)[4];
 e, em primeiro plano, Alferes Médico Moura (CCAÇ 3460 / BCAÇ 3863) [5], de quem não se sabe nada atualmente, tal como de resto não se sabe dos restantes, com exeção do dono da foto...  (*)

[O 2TEN FZE RN Manuel Maria Peralta de Castro Centeno, 19.º CFORN, ingressou nos QP; o 2TEN FZE RN José Joaquim Caldeira Marques Monteiro de Macedo era do 21.º CFORNm e vive os EUA.  Fonte: Reserva Naval, blogue do nosso amogo e camarada Manuel Lema Santos]

Foto (e legenda): © Zeca Macedo (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Sobre o Cacheu e esta CCAÇ 3460 (1971/73) (**), contemporânea, em parte,  do DFE 21 (1972/74),  temos relativamente poucas referências, e apenas um camarada inscrito na Tabanca Grande, o Joaquim Ascensão, natural da Maia.

Sobre esta subunidade do BCAÇ 3863 (, Comando e CCS, sediados em Teixeira Pinto), escreveu o António Graça de Abreu o seguinte, no seu Diário da Guiné (Canchungo, 30 de Setembro de 1972):

(...) O capitão Morgado veio do Cacheu até cá [, a Teixeira Pinto, sede do CAOP1] , o que sucede com alguma frequência, para tratar de pequenas operações com o meu coronel [ Cor Cav Pára Rafael Durão. que ele nunca identifica, a não ser pela incial do apelido, D.] de outros assuntos com o seu comandante de batalhão [, o BCAÇ 3863, ten cor inf António Joaquim Correia].

O Morgado é miliciano e comandante da Companhia 3460, a que pertenci. Sempre mantivemos um bom relacionamento, é boa pessoa, afável no trato e nas ideias. Hoje dizia-me: 
- Você não sabe o que perdeu em não vir para a minha Companhia, aquilo lá no Cacheu é uma estância de férias formidável. 

E ria, ria. Não lhe falei nos fuzileiros mortos, recordei-lhe apenas a perna desfeita do alferes Potra, meu substituto. Já não riu, não me falou mais nas delícias do Cacheu.

Mas é verdade que o lugar, uma das vilas mais antigas da Guiné, vive em paz, não é atacada. O problema é a Caboiana e Jopá, as zonas libertadas do PAIGC perto do Cacheu e de Canchungo. A companhia 3460 não vai lá, por isso vivem tranquilos.

Sinal de paz e boa vida, o capitão trouxe-nos uns quilos de camarão cozido, fabuloso, grande, gostoso, pescado nas águas do rio Cacheu. (...)


2. Comentário de José Pardete Ferreira, ex-alf mil médico, CAOP1, Teixeira Pinto; HM 241, Bissau, 1969/71

(...) Linda terra! Em 1969, não havia lá FZE, só uma CCaç de açoreanos e outra de madeirenses bem como uma pequena lancha da Marinha, com um 2,5 à proa. Por acaso num dos dias em que lá estive, passou por lá o Capelão da Base Naval. Não me lembro do nome, só me recordo que era gordinho, baixote, louro e que usava óculos com aros castanhos.


3. Comentário Lacasta, ex-fur mil, 1º Gr Comb, CCAÇ 3460 (Cacheu, 1971/73) (*):


(...) Pertenci à CCaç 3460, tal como o Siva (2º grupo de combate ) e o Lopes (fur mil de informações e operações) [Vd. foto acima]

O Capitão Morgado era,  sem dúvida,  um optimista. Contudo,  tanto o Cacheu como Bianga eram, do ponto de vista militar, bastante pacatos, embora ainda hoje eu carregue no braço um estilhaço de um RPG 7, resultado de uma emboscada na curva de Capo,  em 19 Abril 1973.

Já o Gabriel Horta, condutor da Berliet, perdeu a vida nesse dia.

O Morgado era uma figura sui-generis, obcecado pela "lerpa", alheio dos seus homens, profícuo em "papaias",  sempre dado ao auto-elogio, o "maior",  como se intitulava.

Foi, para mim, um suplemento de dificuldades. O Potra, o Sousa, o Rodrigues, o Dias também lhe tirariam a vontade de rir. É que chamar àquilo "estância de férias",  não lembra ao diabo. Ou melhor, só lembra mesmo ao diabo.

Fui Furriel na CCaç 3460, 1º Grupo de combate, Lacasta. (...)

4. Esclarecimento do António Graça de Abreu (***):

(,,,) A minha companhia 3460 foi parar ao Cacheu, mas eu não parti para a Guiné juntamente com estes homens.

Uma operação a uma velha luxação crómio-clavicular no ombro direito, resultado de uma cena de pancadaria em que fui o personagem principal quando tinha dezassete anos, devidamente explorada, possibilitou-me a passagem aos serviços auxiliares. Fui reclassificado com a especialidade de Secretariado e desmobilizado. (...)


5. Comentário de Camilo Santos (*)

(...) Caros camaradas:
Sou o Camilo Santos, ex-1º cabo  da CCAÇ 3460 / BCAÇ 3863. 

Só há pouco soube deste blogue, tendo estado a  ler a crónica do AGA  [António Graça de Abreu], sobre a minha (e dele) companhia. Sobre o alf.Potra,  ele foi o comandante do meu grupo até ir para uma companhia  africana,  tendo vindo a ficar sem uma perna como descrito. Quanto ao capitão Morgado, esse,  já faleceu há  4 anos. Tenho ido aõs almoços do batalhão e até jé me revi em algumas fotos. 

Aqui.vai um abraço. camilosantos50@sapo.pt (...)

5 de março de 2013 às 17:54 


6.  Apresentação de Joaquim dos Santos Ascenção, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 3460/BCAÇ 3863 (Cacheu, 1971/73) (****)

(...) Tenho adiado este momento muitas vezes. Não me é fácil mexer na caixa de recordações, mas eis que chegou o dia. 

(...) Assentei tropa no dia 7 de outubro de 1970, embarquei para a Guiné em 16 de Setembro de 1971 e regressei a 22 de Dezembro de 1973. Estive em Bolama a fazer o IAO e depois fui para Cacheu. Pertenci ao Batalhão de Caçadores 3863 e Companhia de Caçadores 3460. Fui Furriel Miliciano com a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria. (...)

7. Apresentação do  Luciano Vital, natural de Valpaços, Trás-os-Montes, ex-fur mil, de rendição individual, que andou pelas CCAV 3463 (Mareué), CCAÇ 3460 (Cacheu) e Adidos (Bissau), 1973/74

(...) Foi por acaso que encontrei esta página. Também eu pertenci à CCAÇ 3460,  sob o comando do capitão Morgado, aonde cheguei em rendição individual em1973 para ajudar o furriel Lacasta a comandar o pelotão que ele comandava sozinho até à minha chegada.

Outros nomes de que me lembro: Furriéis Canha, Bravo, Pacheco, Pinto.

Antes de ir para o Cacheu, estive 14 meses na CCAV 3463 em Mareué, batalhão de Pirada, Capitão Touças, Furriéis Santos, Peres, Freitas, Ivo, Luís, Malhoa, etc. (...)

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12292: Facebook..ando (31): Memórias da histórica vila de Cacheu, ao tempo do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos, DFE 21 (Zeca Macedo, 2º tenente fuzileiro especial, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74, a viver agora nos EUA)

(**) Último poste da série > 1 dr abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20797: O que é feito de ti, camarada? (12): Virgílio Teixeira, "aquarentenado" em Vila do Conde...
(****) Vd. poste de 9 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15094: Tabanca Grande (474): Joaquim dos Santos Ascenção, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 3460/BCAÇ 3863 (Cacheu, 1971/73)

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19171: A galeria dos meus heróis (11): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – Parte I (Luís Graça)



Luís Graça, Contuboel,  CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, julho de 1969

A Galeria dos Meus Heróis (11): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – Parte I (Luís Graça)




− Meu caro Belmiro, dá-me cá um valente quebra-costelas, como se diz lá em baixo no meu Além... Tejo!

− E tu, como vais, meu velho ? – respondeu efusivamente o Belmiro, ao abraço apertado e prolongado do António, Tony para os amigos.

− Cá vamos andando, menos mal!...Velhos, carecas e gordos! – replicou o Tony.

− Cá vamos andando, como dizem os mouros cá de cima, de Riba... Tejo.

Em muito pouco tempo, em escassas semanas, era a segunda vez que se encontravam, depois de longos anos sem se verem, o Belmiro Mateus, advogado, e o António Mota, professor de história do ensino secundário, dois conterrâneos agora separados pelo Tejo.

− Cada um para seu lado, Belmiro. O nascimento aproximou-nos, a vida ou a história afastou-nos. Bolas, e se éramos amigos de coração!

− Como irmãos, Tony, como irmãos!... É verdade, não se escolhe pai e mãe, e a terra natal é aquela que nos calha na rifa da sorte!

− ... aquela que nos calha na rifa da sorte, dizes bem!

Reencontravam-se agora no cemitério da terra natal, pela segunda vez em dois meses, o que queria dizer “por circunstâncias infelizes”. Desta vez, vinham acompanhar um amigo comum, o Zé Nuno, “até à sua última morada”.

− Que raio de sítio – pragejou o António – para o reencontro de dois velhos amigos, conterrâneos, vizinhos… e condiscípulos!

− E manos, acrescebta aí!

O Belmiro, ainda hoje supersticioso, confessou que, quando era novo, tinha um medo que se pelava de passar por aquelas bandas, sozinho, à noite, fora das muralhas que delimitavam o casco velho do antigo burgo medieval.

O cemitério tinha sido construído há cento e tal anos, no tempo do senhor Dom Luís de boa memória, e localizava-se no início da lezíria, que era o grande celeiros da vila ribatejana.

− À noite, só de pensar nos fogos fátuos, nas corujas, nas bruxas, nas almas penadas, nos lobisomens... ficava com os cabelos em pé!

− Eu, também, confesso, nessas coisas era um medricas… Mas, lembras-te, Belmiro ?!... As nossas patifarias, tais como caçar lagartos no muro do cemitério...


−... com anzóis de pesca e bocados de pão, embebidos em leite!... Para o que nos devia de dar!... Esses lagartos, hoje, foi espécie que desapareceu.

− Espera, não eram lagartos, eram sardões! Eram verdes, podiam medir um ou dois palmos.

O Belmiro lembrava-se que o bando de garotos de escola enfiava um laço à volta do pescoço do bicho, e com um cordão comprido passeavam-no pelas ruas e vielas da terra, metendo medo aos mais fracos, as crianças mais pequenas,as raparigas, as mulheres e os velhotes…


− Acho que éramos sádicos e cruéis como todos os miúdos na pré-puberdade, a aprender a ser machos!

− Mas, já agora, Belmiro, acrescenta ao rol dos nossos crimes de malvadez partir os vitrais da rosácea da velha igreja matriz… À pedrada, imagina!

− Se me lembro, Tony, ainda hoje carrego essa culpa, por crime de lesa-património. Bolas, era (e é) uma magnífica igreja, gótica, monumento nacional, um lugar sagrado, a casa de Deus!... Que estupores!... Meninos de coro e escuteiros, ainda por cima. E, tens razão, era a casa de Deus!

− Se bem que fechada ao culto, na altura estava para obras, com andaimes...

E aqui o Belmiro reconstituiu a cena do grupo de “peles vermelhas”, ululantes, montados nos seus cavalos de cabo de vassoura, comandados pelo grande chefe “Língua de Víbora”, um primo mais velho do António, que há-de, logo a seguir, em meados dos anos 50,  emigrar com a família para o Canadá.


− Montados em cavalos de cabo de vassoura, como os das bruxas,  e disparando saraivadas de setas com arcos de pau de tramagueira!...

− Mas que terrorista,  esse meu primo, filho de uns tios-avós. O gajo safou-se, mesmo a tempo, de ir parar mais tarde, com os quatro costados à Índia ou a até a Angola...

O “Língua de Víbora”!... O Tony nunca conhecera, no seu tempo de escola, miúdo mais endiabrado, mal educado, traquinas, se não mesmo mau e perverso, como o seu primo em segundo grau.

A alcunha cabia-lhe que nem uma luva, tinha-lhe sido dada, ninguém sabe por quem, devido às patifarias que ele pregava e sobretudo às asneiras que ele deitava pela boca fora. Todos os palavrões que o Tony sabia (e que usou pela vida fora...) tinha-os aprendido com o primo, mais velho uns três ou quatro anos... Era expulso com frequência da escola e da catequese pela sua insolência e má-criação. E, no entanto, a mãe era uma santa senhora, daquelas que iam à missinha todos os dias. O pai, pelo contrário, era um carroceiro.

− Mas, sabes, eu tenho saudades dele e do nosso bando de "índios" – atalhou o Belmiro. – Dele e toda essa malta, rapazes e raparigas que fizeram parte da nossa infância e que, já em plenos  anos 50, começaram ir-se embora, uma parte deles para o Brasil, a América, o Canadá!...

− Cá tens, o exemplo de um mau líder de grupo que faz maus rapazes. O "Língua de Víbora", há séculos que não sei dele, espero que não se tenha perdido no Novo Mundo… Oxalá ainda esteja vivo!

− Ficas a saber, Tony, que eu nunca tive a coragem de confessar ao padre frei Batista esse grave pecado, o de atirar pedras aos vitrais da igreja. Para mim, puto, era um pecadilho, daqueles que não dava condenação ao inferno, apenas simples castigo no purgatório.

E foi logo recordado por ambos os amigos a figura do bom frei Batista, mais tarde missionário, franciscano, barbaramente assassinado,  a golpe de catana, em março de 1961, no norte de Angola.

− Que raio de memórias, fomos buscar!... Mas, voltando ao que aqui nos traz hoje, o doloroso dever de homenagear o nosso já saudoso amigo Zé…

− Já se foi, António, já aqui está na terra da verdade… Horrível, um cancro, fulminante, que em poucos meses o levou…

− É tramado, Belmiro… Um rapaz da nossa geração, da nossa colheita...

O Zé Nuno era ligeiramente mais velho, uma meia dúzia de meses, que o Tony e o Belmiro. Fez o antigo curso de engenharia técnica em Lisboa e depois alistou-se na Marinha. Ficou na Reserva Naval e foi mobilizado para Moçambique onde desempenhou funções de imediato de uma orveta da Marinha.

− A imagem que eu tenho dele era o moço de forcados, rijo pegador de touros, marialva, “bon vivant”...

− Bom garfo, melhor copo, mas… mau cavaleiro! Não tinha jeito nenhum para montar, até eu, que não tinha cavalos, montava melhor do que ele…

− Mas valente como ninguém na cara dos touros... Enfim, é o lídimo representante de uma geração que está a desaparecer.

− Inteiramente justo o que dizes, Tony.

− Como sabes, Belmiro, eu nunca fui amante da festa brava, que continua a ter muitos aficionados na nossa terra, em todo o nosso Ribatejo e o nosso Alentejo.

− Eu sei, Tony, os amigos não têm que ter todas as afinidades. Como eu gosto de dizer, no círculo estreito da amizade cabemos todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar... E as touradas (e já agora a bola e a política) são algumas delas...

− Sim, Coisas que nos podem separar, a política, a religião, o futebol…, o que no cômputo final representa 90% das nossas conversas de machos…

− Mete aí também o tempo, passamos a vida a falar do tempo que faz, ora sol ora chuva, ora calor ora frio... Mas isso é inócuo, é conversa da treta... De qualquer modo, o Zé tinha outras vivências e origens sociofamiliares. Os touros, o fado, os cavalos, o marialvismo, a boémia... eram coisas que ele tinha bebido no leite materno...

− ... e que estavam nos genes do pai. De qualquer modo, vai-nos fazer falta, o Zé, a todos nós – lamenta o António.

− Vai fazer falta à terra, ao grupo de forcados, à festa brava, à malta que gosta do fado e sobretudo à família e aos amigos. Era um coração aberto, generoso como poucos…

Fez-se um silêncio, entre ambos, sentados, ali no muro do cemitério, a "relembrar os bons velhos tempos"... O Belmiro continuou a conversa:

− Sabes, fico sempre jeito, nestas ocasiões. Eu que tenho a mania que falo bem, e de improviso, com tantos anos de barra nos tribunais, nunca encontro as palavras certas para consolar a família e os amigos mais íntimos... Sim, o Zé era o mais afável de todos os nossos amigos de infância, e se calhar o melhor de todos nós. Aquelas mãos brutas e aqueles braços compridos de pegador de touros, e sobretudo aqueles dedos mágicos de dedilhar a guitarra,  também sabiam dar afagos e xicorações, como ninguém… Era uma joia de moço, um encanto...


E esclarece:

− Foi meu companheiro de caça durante muitos anos, se bem que a política nos tenha afastado um pouco, antes e depois do 25 de Abril. Ele teve dificuldade em lidar e aceitar o meu esquerdismo dos verdes anos... Foi também para Lisboa, estudar, mas raramente nos encontrávamos lá, eu em direito, ele em engenharia... Sei que o seu sonho era ir para o curso de regentes agrícolas em Santarém, tinha lá amigos do grupo de forcados... Mas o pai, homem autoritário, achava que seria borga a mais... De resto, o irmão mais velho, o "Morgadinho", é que começou cedo a tomar conta da herdade. Dizia que não tinha cabeça para estudar...

− Autoritário e mulherengo, o pai, acrescenta aí. Nunca foi, aliás, das minhas relações – arrematou o Tony.

− Infelizmente, a casa agrícola, outrora próspera, prestigiada, com tradições republicanas, está de pantanas, hipotecada aos bancos... Confirma-se a velha teoria de que em três gerações dá-se cabo do  património de uma empresa, neste caso agrícola, uma das maiores e melhores do nosso concelho.

− Olha, costuma-se dizer "coitado é de quem cá fica", refiro-me em concreto à viúva, que encontrei, ontem, no velório, lavada em lágrimas...

− Era uma miúda muito gira, talvez a mais bonita da terra. Destroçou corações...

− Disso já não me lembro, Belmiro. É bastante mais nova do que nós, e eu mal a conheço.

Para o Belmiro, o advogado, estes não eram tempos bons para um gajo bater a bota e deixar a família em maus lençóis.

O Zé tinha casado tarde, ficou solteirão até aos quarenta, mantendo uma tradição que remontava até ao bisavô, republicano, amigo e admirador do José Relvas, da Golegã.

− E, ao que sei, deixa ainda um filho a estudar em Coimbra. E outro com problemas de saúde mental, creio que é bipolar.

− A desvantagem de se viver num vilória como a nossa: não há vida privada – concluiu o Tony. 
– Vai parar tudo à praça pública, até os segredos de padre no confessionário e do clínico no consultório...

E prosseguiu:

− O raio da gadanha da morte não escolhe idade nem condição, ceifa o pobre, ceifa rico, o jovem e o velho, o homem e a mulher… Também não sabia que ele tinha passado por África, pela guerra colonial…

O António tinha perdido o contacto com a malta do seu tempo, da escola primária Conde de Ferreira e do colégio João XXIII, os que ficaram pela terra e sobretudo os que partiram... E foram muitos, não só para a França e a Alemanha, como até para o Novo Mundo (Brasil, EUA, Canadá)... Um ou outro fixou-se em Angola e Moçambique, depois de terminado a comissão de serviço militar.

− Além da grande Lisboa, os felizardos, como tu e o Zé, que tiveram possibilidade de prosseguir os seus estudos…


O António, Tony para os amigos da terra, estudara até ao 5º ano do liceu no colégio João XXIII, com grande sacrifício do pai, que tinha uma pequena oficina de serralharia. 

Depois, aos 16 anos, tinha tido uma “crise mística” e decidiu ir para o seminário. Fez a filosofia e parte da teologia, envolvendo-se no 10º ano com um grupo da JUC – Juventude Universitária Católica que, na associação de estudantes,  tirava a “stencil” uns panfletos contra a guerra colonial. 

Numa noite, foi apanhado pela PSP a colar "papéis subversivos" nos candeeiros, junto às esplanadas dos cafés da Avenida de Roma... Terá havido uma denúncia de algum empregado mais zeloso da propriedade alheia ou, o que era mais provável,  de algum bufo da PIDE… As mensagens eram "pacifistas", o que não  livrou o Tony, já "quase padreco"(siv), de passar uma noite na António Maria Cardoso, juntamente com mais dois ou três rapazes do grupo da JUC. O caso chegou aos ouvidos do Patriarcado de Lisboa e foi comunicado ao seminário dos Olivais. 

O silêncio da Igreja em relação à guerra colonial e aos católicos presos por "motivos políticos" levaram o Tony a questionar a sua vocação. Saiu do seminário, aos 20 anos. E aos 21 estava em Mafra a fazer a recruta. Escassos meses depois era mobilizado, em rendição individual, para a Guiné, como alferes miliciano de infantaria, para uma companhia de caçadores, independente, composta por praças do recrutamento local.


 [Continua]