Quinquagésimo oitavo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Companheiros, já vos falámos um pouco de Las Vegas, da Las Vegas que quase todos conhecem dos filmes, das televisões, dos casinos, da
sorte ao jogo, da “cidade da perdição”, mas Las Vegas não é só isso, se
viajarmos de carro, umas milhas para oeste, existem paisagens de
montanha, planícies, lugares para admirar, cenários lindos com árvores
centenárias, montanhas de pedra com diversas cores que a natureza
privilegiou, onde muitos atletas se treinam e praticam desportos radicais.
Para quem percorreu toda aquela zona, verifica que Las Vegas está localizada na parte sudeste do estado de Nevada, que pertence ao condado de Clark, é uma cidade plana, rodeada por montanhas secas, a sua elevação é de aproximadamente 620 metros acima do nível do mar, a flora é dominada por vegetações rasteiras.
Na área metropolitana de Las Vegas é onde se concentra a sua
população, que dizem ser a maior aglomeração urbana do estado
de Nevada, sendo composta por pessoas oriundas não só de diversos
estados dos USA, como até dos mais remotos países do mundo.
Como curiosidade, nesta “cidade da perdição”, quase 15% das
habitações, na sua área de residência, é ocupada por famílias com mulher
sem marido presente como chefe de família. E mais ainda, mais de 25%
de todas as residências são habitadas por apenas uma pessoa, e quase 10%
da população com 65 anos
ou mais de idade, que por
aqui moram, estão vivendo
abaixo da linha de
pobreza.
Isto é Las Vegas, Las
Vegas, onde existem
luxuosos casinos, o
dinheiro rola nas mesas de
jogo, onde exibem os
melhores Circos, os
melhores espectáculos, os
melhores actores,
cantores, actrizes e
cantoras do mundo, que aqui vêm na procura de protagonismo, campeões do
mundo de boxe registam nos seus contratos que só colocarão o seu título
em disputa, se combaterem em Las Vegas. Existem Feiras Internacionais,
Eventos e Convenções, mas não existe uma equipa de futebol ou basebol,
com nome firmado, porque podia haver concorrência nas apostas, ...e
apostas, só nos casinos.
Depois de percorrer uma
vez mais as montanhas
que circundam esta
cidade, fizemos um piquenique,
que constou de pão,
queijo, fruta e coca-cola,
não arroz da bolanha,
peixe e vinho tirado com o
púcaro do café da mesma
bacia de alumínio que
servia a comida, lá no
aquartelamento da
“Mansoa City”, isto tudo,
lá no cimo das montanhas, de onde também desfrutámos uma vista
privilegiada para a cidade, descemos em direcção ao aeroporto,
percorrendo mais uma vez a Las Vegas Bouleyvard, onde havia
movimento, luz, alegria, pessoas com pressa, “acotovelando-se”,
saindo de uns casinos e entrando noutros, filas de pessoas entregando
cartões de apresentação, mostrando-se, sorrindo, com convite para uma
“relação fácil” e não só.
No aeroporto da cidade
de Las Vegas, no estado
de Nevada, onde
continuam a existir
máquinas de jogo nas diversas salas de espera,
para todos terem a
possibilidade de gastarem
as últimas moedas,
entregámos o carro que
tínhamos alugado no
aeroporto da cidade de
Tucson, no estado do
Arizona, tomando de
seguida o avião que fez uma paragem de rotina na cidade de Houston, no
estado do Texas, aterrando em seguida na cidade de Orlando, no estado
da Flórida, de onde regressámos a casa no nosso carro utilitário, onde nos
esperava a “relva” que já necessitava de ser cortada.
Até qualquer dia, companheiros.
Tony Borie
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Nota do editor
Último poste da série de 24 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13190: Bom ou mau tempo na bolanha (57): Duas personagens (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 31 de maio de 2014
Guiné 63/74 - P13218: Parabéns a você (742): Nos meus 69 anos, com imensa alegria, ofereço-vos uns extratos de um livro que tenho em preparação, “O Fedelho Exuberante” (Mário Beja Santos)
1. No dia do seu 69.º aniversário, o nosso camarada Mário Beja Santos presenteia-nos com alguns extratos do seu livro, em preparação, "O Fedelho Exuberante".
Queridos amigos,
É proverbial nesta data recebermos saudações de todos os irmãozinhos da tabanca.
Nos meus 69 anos, com imensa alegria, com milhares de leituras para fazer e vazar neste terreno fecundo das nossas lembranças, ofereço-vos uns extratos de um livro que tenho em preparação, “O Fedelho Exuberante”, uma crónica familiar à volta das nascituras Avenidas Novas onde, no pós-guerra, vinham viver, em espaços próprios, as diferentes classes sociais decorrentes da expansão económica em curso.
Coube-me o bairro social de Alvalade, e tive o privilégio de ver nascer a Avenida dos EUA e a Avenida de Roma, era este o meu admirável novo mundo, cercado do afeto de três mulheres admiráveis que me moldaram no que sou.
Aqui a amostra, com muito júbilo,
Mário
AS PRIMEIRÍSSIMAS LEMBRANÇAS
O episódio parece macabro, talvez de mau gosto ou mesmo fantasioso, mas foi exatamente assim que o retive. Em frente à velha Igreja de S. Jorge de Arroios ficava a agência funerária onde pontificava a minha madrinha de registo, D. Isaura, tenho dela uma lembrança ténue, dizem-me que nada devia à beleza mas nunca recusei acompanhar a minha Mãezinha tal o enlevo com que a prestadora de serviços fúnebres a acolhia e me beijocava. Instituiu-se um ritual, passava-me para a mãozinha uma moeda de dez escudos, as madrinhas também servem para dar presentes, aquela moeda era um dinheirão na época, e eu entregava-a à minha criadora. Conversavam, às vezes juntava-se uma amiga de ambas, D. Olga, uma angolana imponente, se fosse possível o recurso a uma similitude seria a da Mahalia Jackson, seios fartos, ancas possantes, sorriso panorâmico. Ora, em circunstâncias impossíveis de especificar, um dia fartei-me de as ver em comunicação vivacíssima naquele espaço ornado de mãozinhas de cera, litogravuras do Padre Cruz, estelas funerárias em perspetiva, até as cadeiras eram fúnebres, entediado rumei silenciosamente para o armazém da agência, pejado de urnas, panejamentos, havia coisas de outras eras, dos tempos em que as carretas funerárias levavam cavalos com panos negros, andei por ali a dessedentar a curiosidade, subi e desci escadas a mirar o interior das urnas com tecidos recamados, pregueados, mas também havia urnas muito austeras, apropriadas para gentes de poucas posses, importa relevar que naquele tempo ainda era de uso frequente a vala comum, vi uma urna com um aspeto de ser tão fofinha num expositor que nela me deitei, não há puto que não se maravilhe com o imprevisto daquele conforto. Não sei se adormeci, mas a dada altura ouvi a vibração “Oh Mató, onde é que tu andas, vem depressa, tenho que ir às compras!”. Não sei o que é que me deu, deixei-me estar no conforto, não tugi nem mugi, houve insistências, sempre a clamar pelo Tó, era esse o maldito diminutivo que me acompanhou até aos cinco, seis anos, houve mesmo familiares que se compraziam a chamar-me Mató, coisa mais horrível não me podia ter acontecido, depois entraram, Mãezinha e madrinha, e vasculharam pelo armazém, o que é que o miúdo andaria a fazer por aquele espaço tumular, sem enfeites próprios para atrair a criançada?
Passaram perto de mim, eu quedo, e resolvi fazer uma cabriolice, empurrei a tampa da urna, ali encostada, estatelou-se com estrépito aos pés da D. Isaura, gritou em transe e espavorida. Eu respondi com uma risada, e a minha mãe deu-me uma nalgada, corretivo vezeiro na época.
A CHEGADA ÀS QUINTAS DO VISCONDE DE ALVALADE
E em 8 de março de 1952, a meio da primeira classe, fez-se a mudança para uma zona residencial, ainda a cheirar a fresco, em frente de uma enorme quinta, o Campo Grande ali perto, em baixo, frondoso, bem ajardinado, na parte de cima notava-se que havia imensas obras, estavam a desbravar a Avenida de Roma, um enorme estaleiro com prédios, parecia-me, assombrosos, tudo aquilo me parecia modernaço, nada tinha a ver com a arquitetura de Arroios nem mesmo com a de Algés. Nem me passa pela cabeça o tempo que vou viver em Alvalade, será aqui que frequentarei a Escola Primária nº 151, entre a Rua Mário de Sá Carneiro, Rua Fernando Pessoa e Rua Branca de Gonta Colaço, seguir-se-á o Colégio Moderno, na Estrada de Malpique, e upa-upa, até me apetecia saltar já para a Biblioteca das Galveias, no Campo Pequeno, onde fiz aprendizagem das publicações destinadas aos jovens e li tantos livros.
Se havia a obsessão de que eu devia ser autónomo, não constituir um peso para os meus irmãos, e se ficasse órfão de mãe não podia contar com o pai para coisa nenhuma, ele não me reconhecia como seu filho, nem me queria ver, se me apresentasse seria um empecilho de todo o tamanho, pois bem, aparecera agora outra obsessão, os estudos, eu tinha que provar a outra dimensão de autonomia de que ainda não se falara, eu teria que singrar na vida, ela tudo faria, dizia repetidamente, para que eu tirasse um curso, se tivesse aptidões para tanto. Assim, era primordial que estudasse, que ganhasse gosto pelos estudos, com disciplina e fervor. Estas conversas culminavam sempre com uma promessa, que eu não entendia muito bem: serás um homem livre, vencerás a ignorância, acredita em mim. E eu acreditava.
Mas tive um desgosto de todo o tamanho quando dias depois de termos chegado a Alvalade fomos à Escola Primária nº 151, aí a uns 150 metros da nossa casa, onde disseram à Mãezinha que eu só podia entrar na primeira classe em outubro, porque ainda não tinha completado sete anos, vim a soluçar todo o caminho até casa, a dar pontapés nas pedras, eu queria fugir dali, eu queria voltar para Algés pelo menos até acabar o ano letivo, dera provas de ser um aluno aplicado, o que é que eu ia fazer aqueles meses todos à boa vida, não conhecia ninguém na rua, os vizinhos do lado tinham dois filhos crescidos, nos outros andares havia também gente mais crescida, com quem é que eu podia brincar, com aquela quinta e aquele olival mesmo à porta, parecia que tínhamos recuado séculos atrás? A Mãezinha, imperturbável, dava-me cópias e contas para fazer, leituras avulsas, como aquelas latinidades de que já falei, havia outras mais entusiasmantes, levava-me muitas vezes para a Maternidade Alfredo da Costa, trabalhava aí no serviço de contabilidade, depois fiz sete anos, estava cada vez mais ansioso que o tempo passasse velozmente para eu ir para a escola, ganhei simpatia por uma senhora chamada Natércia que estava no serviço de registo dos recém-nascidos da maternidade. Sentava-me a um canto, sem tugir nem mugir, a Natércia chamava a família que vinha proceder ao registo e cedo me apercebi que havia mães solteiras, apareciam pais felizes mas também outros com o ar mais desgostoso deste mundo, parecia que aquelas crianças em vez de ser uma fonte de alegria já estavam a ser um estorvo, a Natércia pedia identificações e no final fazia a leitura em voz alta da certidão, os presentes assinavam, saiam felizes, menos felizes e até contrafeitos. Na minha cabecinha eu dava voltas para apurar por que é que vimos ao mundo e não damos todos o mesmo contentamento que eu tinha trazido à Mãezinha e até à avó Ângela, era tão bom ter manos como eu tinha, um mano que me levava ao cinema, eu ficava nos seus joelhos embasbacado a ver os cowboys e os índios, ele levava-me para as suas brincadeiras, eu assistia a tudo, maravilhado, e uma mana que me contava histórias e me tratava tão bem. A vida tem destas coisas, terei mais tempo para aprender o que hoje me está a confundir.
E os meses passaram depressa, a Mãezinha inscreveu-me na catequese da Igreja dos Santos Reis Magos do Campo Grande, já perto da Avenida Alferes Malheiro, hoje do Brasil. Não havia dinheiro para passar férias fora de Lisboa, mais tarde iria para colónias balneares e depois a madrinha Anita passou a levar-me para a Foz do Arelho. Naquele ano, no verão, a avó Ângela gostava de me ter na Junqueira, apanhávamos o elétrico até Algés ou Cruz Quebrada, íamos com farnel e eu tinha direito a comer barquilho ou uma Bola de Berlim.
E um dia, alvoraçado, entro na escola e passo a ser aluno da D. Emília numa turma de perto de quarenta alunos, metade de meninos viviam em Alvalade e outra metade de meninos vinha de Telheiras, umas quintas, umas casas apalaçadas e umas azinhagas para lá do Campo Grande, ali não havia escola. Acamaradámos todos, os meninos de Telheiras viviam nitidamente com mais dificuldades que nós, traziam roupas remendadas, bonés sujos e vinham descalços. Gostavam muito da escola porque tinham a cantina onde comiam gratuitamente uma sopa bem adubada, recebiam um quarto de carquejo, umas lascas de torresmos, às vezes sardinhas ou carapaus fritos, e uma peça de fruta como almoço, à saída havia um copo de leite com chicória, um naco de pão e uma fatia de marmelada. Em linguagem de hoje, a aculturação não foi fácil, lembro-me perfeitamente que a D. Emília estava no estrado em frente ao quadro elaborando uma sofisticada diminuição, terá ouvido um ruído insólito, virou-se e apanhou o Hermenegildo em flagrante, a parede a fumegar de urina. “Tu és um selvagem, Hermenegildo, porque é que não pediste para ir à casa de banho?”. E o Hermenegildo, com cara de caso e com toda a inocência: “Eu estava à rasca Senhora Professora, ou mijava agora ou sujava-me nas calças!”. E D. Emília insistia: “Meu bruto, para que é que se fizeram as casas de banho?”. E o Hermenegildo replicou, com a mesma inocência: “Lá em casa não há casa de banho, Senhora Professora!”.
Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular, Praça Mouzinho de Albuquerque (até 1933), à entrada do Campo Grande, fotografia de 1967, do Arquivo Municipal de Lisboa, com a devia vénia
A DESCOBERTA DOS ARRABALDES
A Mãezinha ia diariamente, de segunda a sexta, fazer as compras no mercado do Saldanha, a avó Ângela e eu colaborávamos nas compras de mercearia. A padaria ficava à entrada do Campo Grande, a mercearia no términus da Rua de Entrecampos, a confluir com o Campo Grande, lembro-me perfeitamente de quando se começou a fazer a Avenida dos Estados Unidos da América ao tempo em que apareceram os quatro edifícios de arquitetura arrojada no cruzamento entre a Avenida de Roma e o troço da Avenida dos Estados Unidos da América que naquele tempo ligava com a Avenida Gago Coutinho e com o descampado que era a Avenida de Roma. Havia muitas artérias assim em Lisboa, recordo que a Avenida João XXI começava na Praça do Areeiro, atravessava a Avenida de Roma e não chegava ao Campo Pequeno, só anos mais tarde é que se fez a ligação e tudo ficou transformado quando a fábrica de cerâmica Lusitânia deu lugar à sede da Caixa Geral de Depósitos.
Nunca esqueci a mercearia da Rua de Entrecampos, o prédio já desapareceu, está lá hoje um serviço do Centro Nacional de Pensões. Comprava-se quase tudo a granel, as leguminosas secas estavam em tulhas, havia medidas em madeira e rasoiras e cartuchos, meio litro de grão, meio litro de feijão manteiga, uma quarta de banha, meio quilo de açúcar, uma garrafa de azeite enchida no momento. A mobília era imponente, armários até ao teto, alguns com portas de vidro, onde se recolhiam alimentos e bebidas de preço mais sofisticado, levava-se um saco das compras, o plástico ainda não tinha feito a sua aparição. Mas toda a Rua de Entrecampos acolhia o comércio e serviços de primeira linha: livraria e tabacaria, retrosaria, barbeiro e cabeleireira, sapateiro, ferrador, loja de eletrodomésticos, pelo menos duas mercearias, talhos, taberna e carvoaria (se bem que no Campo Grande esta atividade estivesse mais desenvolvida, recordo que entre a Avenida da Igreja e a Igreja dos Santos Reis Magos do Campo Grande havia oficinas de reparação de automóveis, de bicicletas, tascas com carvoarias noutra dependência, lojas de adubos e rações, etc.). Parecia que a Rua de Entrecampos assegurava praticamente as nossas necessidades básicas, dispensavam o mais elementar, assim se evitava as idas à Baixa, era aqui que se comprava o excecional e se aproveitava para conhecer as modas. Escusado é dizer que a comida era caseira: cachucho com arroz de tomate; iscas com batata cozida; feijoada… os restos de um cozido à portuguesa davam origem a um prato gostoso chamado sopa fervida, com pão e hortelã. A leiteira passava de manhã cedo, fervia-se o leite e eu bebia-o com um aromatizante, cedo passei a gostar da mistura popular de café, só muito mais tarde houve condições para comprar o Milo ou o Ovomaltine. Usava-se muito a salsa e o coentro. Recordo-me da fúria da avó Ângela quando um dia bateram à porta, era uma senhora de bata branca a oferecer uma amostra de sopa em pacote e uma caixa com cubos que se destinavam a dar gosto às sopas, a avó barafustava: “Como é que é possível deitar água neste pó e sair sopa, diz aqui que temos uma refeição pronta em cinco ou seis minutos, tenho que mexer a sopa em lume brando?”.
Era nestes queixumes que eu sentia que estava a crescer num mundo em transição, aquelas manadas de bois que atravessavam o Campo Grande a caminho do Mercado Geral de Gados, onde hoje estão os vestígios da Feira Popular que veio para aqui nos anos 1950, depois da Fundação Gulbenkian ter comprado o Parque de Santa Gertrudes, em Palhavã, era aqui, que desde os anos 1940 funcionava a feira, lembro-me muito bem. A Câmara Municipal de Lisboa ainda guardou algumas destas instalações do Entreposto durante muitos anos, era uma correnteza de edifícios em frente à linha de comboio de Entrecampos.
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2. Nota do editor:
Caro Mário, muito obrigado por este bocadinho da tua infância. Eu, que quase não conheço a Lisboa de hoje, através da tua escrita "fiz" o retrato da Lisboa do teu tempo. Quase senti os cheiros. Bem bonita e bem cheirosa.
No teu dia de anos resolves presentear a tertúlia com este texto tão belo que ainda por cima nos abre o apetite para a obra final. Quando sai "O Fedelho Exuberante"? O título é sugestivo.
Acho que posso agradecer em nome da tertúlia a prenda que nos ofereceste hoje, dia do teu 69.º aniversário.
Bem hajas.
Carlos Vinhal
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Nota do editor
Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13216: Parabéns a você (741): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)
Queridos amigos,
É proverbial nesta data recebermos saudações de todos os irmãozinhos da tabanca.
Nos meus 69 anos, com imensa alegria, com milhares de leituras para fazer e vazar neste terreno fecundo das nossas lembranças, ofereço-vos uns extratos de um livro que tenho em preparação, “O Fedelho Exuberante”, uma crónica familiar à volta das nascituras Avenidas Novas onde, no pós-guerra, vinham viver, em espaços próprios, as diferentes classes sociais decorrentes da expansão económica em curso.
Coube-me o bairro social de Alvalade, e tive o privilégio de ver nascer a Avenida dos EUA e a Avenida de Roma, era este o meu admirável novo mundo, cercado do afeto de três mulheres admiráveis que me moldaram no que sou.
Aqui a amostra, com muito júbilo,
Mário
A Mãezinha escreveu no verso:
O Mário António no dia em que fez 2 anos, 31/5/47
AS PRIMEIRÍSSIMAS LEMBRANÇAS
O episódio parece macabro, talvez de mau gosto ou mesmo fantasioso, mas foi exatamente assim que o retive. Em frente à velha Igreja de S. Jorge de Arroios ficava a agência funerária onde pontificava a minha madrinha de registo, D. Isaura, tenho dela uma lembrança ténue, dizem-me que nada devia à beleza mas nunca recusei acompanhar a minha Mãezinha tal o enlevo com que a prestadora de serviços fúnebres a acolhia e me beijocava. Instituiu-se um ritual, passava-me para a mãozinha uma moeda de dez escudos, as madrinhas também servem para dar presentes, aquela moeda era um dinheirão na época, e eu entregava-a à minha criadora. Conversavam, às vezes juntava-se uma amiga de ambas, D. Olga, uma angolana imponente, se fosse possível o recurso a uma similitude seria a da Mahalia Jackson, seios fartos, ancas possantes, sorriso panorâmico. Ora, em circunstâncias impossíveis de especificar, um dia fartei-me de as ver em comunicação vivacíssima naquele espaço ornado de mãozinhas de cera, litogravuras do Padre Cruz, estelas funerárias em perspetiva, até as cadeiras eram fúnebres, entediado rumei silenciosamente para o armazém da agência, pejado de urnas, panejamentos, havia coisas de outras eras, dos tempos em que as carretas funerárias levavam cavalos com panos negros, andei por ali a dessedentar a curiosidade, subi e desci escadas a mirar o interior das urnas com tecidos recamados, pregueados, mas também havia urnas muito austeras, apropriadas para gentes de poucas posses, importa relevar que naquele tempo ainda era de uso frequente a vala comum, vi uma urna com um aspeto de ser tão fofinha num expositor que nela me deitei, não há puto que não se maravilhe com o imprevisto daquele conforto. Não sei se adormeci, mas a dada altura ouvi a vibração “Oh Mató, onde é que tu andas, vem depressa, tenho que ir às compras!”. Não sei o que é que me deu, deixei-me estar no conforto, não tugi nem mugi, houve insistências, sempre a clamar pelo Tó, era esse o maldito diminutivo que me acompanhou até aos cinco, seis anos, houve mesmo familiares que se compraziam a chamar-me Mató, coisa mais horrível não me podia ter acontecido, depois entraram, Mãezinha e madrinha, e vasculharam pelo armazém, o que é que o miúdo andaria a fazer por aquele espaço tumular, sem enfeites próprios para atrair a criançada?
Passaram perto de mim, eu quedo, e resolvi fazer uma cabriolice, empurrei a tampa da urna, ali encostada, estatelou-se com estrépito aos pés da D. Isaura, gritou em transe e espavorida. Eu respondi com uma risada, e a minha mãe deu-me uma nalgada, corretivo vezeiro na época.
A CHEGADA ÀS QUINTAS DO VISCONDE DE ALVALADE
E em 8 de março de 1952, a meio da primeira classe, fez-se a mudança para uma zona residencial, ainda a cheirar a fresco, em frente de uma enorme quinta, o Campo Grande ali perto, em baixo, frondoso, bem ajardinado, na parte de cima notava-se que havia imensas obras, estavam a desbravar a Avenida de Roma, um enorme estaleiro com prédios, parecia-me, assombrosos, tudo aquilo me parecia modernaço, nada tinha a ver com a arquitetura de Arroios nem mesmo com a de Algés. Nem me passa pela cabeça o tempo que vou viver em Alvalade, será aqui que frequentarei a Escola Primária nº 151, entre a Rua Mário de Sá Carneiro, Rua Fernando Pessoa e Rua Branca de Gonta Colaço, seguir-se-á o Colégio Moderno, na Estrada de Malpique, e upa-upa, até me apetecia saltar já para a Biblioteca das Galveias, no Campo Pequeno, onde fiz aprendizagem das publicações destinadas aos jovens e li tantos livros.
Se havia a obsessão de que eu devia ser autónomo, não constituir um peso para os meus irmãos, e se ficasse órfão de mãe não podia contar com o pai para coisa nenhuma, ele não me reconhecia como seu filho, nem me queria ver, se me apresentasse seria um empecilho de todo o tamanho, pois bem, aparecera agora outra obsessão, os estudos, eu tinha que provar a outra dimensão de autonomia de que ainda não se falara, eu teria que singrar na vida, ela tudo faria, dizia repetidamente, para que eu tirasse um curso, se tivesse aptidões para tanto. Assim, era primordial que estudasse, que ganhasse gosto pelos estudos, com disciplina e fervor. Estas conversas culminavam sempre com uma promessa, que eu não entendia muito bem: serás um homem livre, vencerás a ignorância, acredita em mim. E eu acreditava.
Mas tive um desgosto de todo o tamanho quando dias depois de termos chegado a Alvalade fomos à Escola Primária nº 151, aí a uns 150 metros da nossa casa, onde disseram à Mãezinha que eu só podia entrar na primeira classe em outubro, porque ainda não tinha completado sete anos, vim a soluçar todo o caminho até casa, a dar pontapés nas pedras, eu queria fugir dali, eu queria voltar para Algés pelo menos até acabar o ano letivo, dera provas de ser um aluno aplicado, o que é que eu ia fazer aqueles meses todos à boa vida, não conhecia ninguém na rua, os vizinhos do lado tinham dois filhos crescidos, nos outros andares havia também gente mais crescida, com quem é que eu podia brincar, com aquela quinta e aquele olival mesmo à porta, parecia que tínhamos recuado séculos atrás? A Mãezinha, imperturbável, dava-me cópias e contas para fazer, leituras avulsas, como aquelas latinidades de que já falei, havia outras mais entusiasmantes, levava-me muitas vezes para a Maternidade Alfredo da Costa, trabalhava aí no serviço de contabilidade, depois fiz sete anos, estava cada vez mais ansioso que o tempo passasse velozmente para eu ir para a escola, ganhei simpatia por uma senhora chamada Natércia que estava no serviço de registo dos recém-nascidos da maternidade. Sentava-me a um canto, sem tugir nem mugir, a Natércia chamava a família que vinha proceder ao registo e cedo me apercebi que havia mães solteiras, apareciam pais felizes mas também outros com o ar mais desgostoso deste mundo, parecia que aquelas crianças em vez de ser uma fonte de alegria já estavam a ser um estorvo, a Natércia pedia identificações e no final fazia a leitura em voz alta da certidão, os presentes assinavam, saiam felizes, menos felizes e até contrafeitos. Na minha cabecinha eu dava voltas para apurar por que é que vimos ao mundo e não damos todos o mesmo contentamento que eu tinha trazido à Mãezinha e até à avó Ângela, era tão bom ter manos como eu tinha, um mano que me levava ao cinema, eu ficava nos seus joelhos embasbacado a ver os cowboys e os índios, ele levava-me para as suas brincadeiras, eu assistia a tudo, maravilhado, e uma mana que me contava histórias e me tratava tão bem. A vida tem destas coisas, terei mais tempo para aprender o que hoje me está a confundir.
E os meses passaram depressa, a Mãezinha inscreveu-me na catequese da Igreja dos Santos Reis Magos do Campo Grande, já perto da Avenida Alferes Malheiro, hoje do Brasil. Não havia dinheiro para passar férias fora de Lisboa, mais tarde iria para colónias balneares e depois a madrinha Anita passou a levar-me para a Foz do Arelho. Naquele ano, no verão, a avó Ângela gostava de me ter na Junqueira, apanhávamos o elétrico até Algés ou Cruz Quebrada, íamos com farnel e eu tinha direito a comer barquilho ou uma Bola de Berlim.
E um dia, alvoraçado, entro na escola e passo a ser aluno da D. Emília numa turma de perto de quarenta alunos, metade de meninos viviam em Alvalade e outra metade de meninos vinha de Telheiras, umas quintas, umas casas apalaçadas e umas azinhagas para lá do Campo Grande, ali não havia escola. Acamaradámos todos, os meninos de Telheiras viviam nitidamente com mais dificuldades que nós, traziam roupas remendadas, bonés sujos e vinham descalços. Gostavam muito da escola porque tinham a cantina onde comiam gratuitamente uma sopa bem adubada, recebiam um quarto de carquejo, umas lascas de torresmos, às vezes sardinhas ou carapaus fritos, e uma peça de fruta como almoço, à saída havia um copo de leite com chicória, um naco de pão e uma fatia de marmelada. Em linguagem de hoje, a aculturação não foi fácil, lembro-me perfeitamente que a D. Emília estava no estrado em frente ao quadro elaborando uma sofisticada diminuição, terá ouvido um ruído insólito, virou-se e apanhou o Hermenegildo em flagrante, a parede a fumegar de urina. “Tu és um selvagem, Hermenegildo, porque é que não pediste para ir à casa de banho?”. E o Hermenegildo, com cara de caso e com toda a inocência: “Eu estava à rasca Senhora Professora, ou mijava agora ou sujava-me nas calças!”. E D. Emília insistia: “Meu bruto, para que é que se fizeram as casas de banho?”. E o Hermenegildo replicou, com a mesma inocência: “Lá em casa não há casa de banho, Senhora Professora!”.
Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular, Praça Mouzinho de Albuquerque (até 1933), à entrada do Campo Grande, fotografia de 1967, do Arquivo Municipal de Lisboa, com a devia vénia
A DESCOBERTA DOS ARRABALDES
A Mãezinha ia diariamente, de segunda a sexta, fazer as compras no mercado do Saldanha, a avó Ângela e eu colaborávamos nas compras de mercearia. A padaria ficava à entrada do Campo Grande, a mercearia no términus da Rua de Entrecampos, a confluir com o Campo Grande, lembro-me perfeitamente de quando se começou a fazer a Avenida dos Estados Unidos da América ao tempo em que apareceram os quatro edifícios de arquitetura arrojada no cruzamento entre a Avenida de Roma e o troço da Avenida dos Estados Unidos da América que naquele tempo ligava com a Avenida Gago Coutinho e com o descampado que era a Avenida de Roma. Havia muitas artérias assim em Lisboa, recordo que a Avenida João XXI começava na Praça do Areeiro, atravessava a Avenida de Roma e não chegava ao Campo Pequeno, só anos mais tarde é que se fez a ligação e tudo ficou transformado quando a fábrica de cerâmica Lusitânia deu lugar à sede da Caixa Geral de Depósitos.
Nunca esqueci a mercearia da Rua de Entrecampos, o prédio já desapareceu, está lá hoje um serviço do Centro Nacional de Pensões. Comprava-se quase tudo a granel, as leguminosas secas estavam em tulhas, havia medidas em madeira e rasoiras e cartuchos, meio litro de grão, meio litro de feijão manteiga, uma quarta de banha, meio quilo de açúcar, uma garrafa de azeite enchida no momento. A mobília era imponente, armários até ao teto, alguns com portas de vidro, onde se recolhiam alimentos e bebidas de preço mais sofisticado, levava-se um saco das compras, o plástico ainda não tinha feito a sua aparição. Mas toda a Rua de Entrecampos acolhia o comércio e serviços de primeira linha: livraria e tabacaria, retrosaria, barbeiro e cabeleireira, sapateiro, ferrador, loja de eletrodomésticos, pelo menos duas mercearias, talhos, taberna e carvoaria (se bem que no Campo Grande esta atividade estivesse mais desenvolvida, recordo que entre a Avenida da Igreja e a Igreja dos Santos Reis Magos do Campo Grande havia oficinas de reparação de automóveis, de bicicletas, tascas com carvoarias noutra dependência, lojas de adubos e rações, etc.). Parecia que a Rua de Entrecampos assegurava praticamente as nossas necessidades básicas, dispensavam o mais elementar, assim se evitava as idas à Baixa, era aqui que se comprava o excecional e se aproveitava para conhecer as modas. Escusado é dizer que a comida era caseira: cachucho com arroz de tomate; iscas com batata cozida; feijoada… os restos de um cozido à portuguesa davam origem a um prato gostoso chamado sopa fervida, com pão e hortelã. A leiteira passava de manhã cedo, fervia-se o leite e eu bebia-o com um aromatizante, cedo passei a gostar da mistura popular de café, só muito mais tarde houve condições para comprar o Milo ou o Ovomaltine. Usava-se muito a salsa e o coentro. Recordo-me da fúria da avó Ângela quando um dia bateram à porta, era uma senhora de bata branca a oferecer uma amostra de sopa em pacote e uma caixa com cubos que se destinavam a dar gosto às sopas, a avó barafustava: “Como é que é possível deitar água neste pó e sair sopa, diz aqui que temos uma refeição pronta em cinco ou seis minutos, tenho que mexer a sopa em lume brando?”.
Era nestes queixumes que eu sentia que estava a crescer num mundo em transição, aquelas manadas de bois que atravessavam o Campo Grande a caminho do Mercado Geral de Gados, onde hoje estão os vestígios da Feira Popular que veio para aqui nos anos 1950, depois da Fundação Gulbenkian ter comprado o Parque de Santa Gertrudes, em Palhavã, era aqui, que desde os anos 1940 funcionava a feira, lembro-me muito bem. A Câmara Municipal de Lisboa ainda guardou algumas destas instalações do Entreposto durante muitos anos, era uma correnteza de edifícios em frente à linha de comboio de Entrecampos.
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2. Nota do editor:
Caro Mário, muito obrigado por este bocadinho da tua infância. Eu, que quase não conheço a Lisboa de hoje, através da tua escrita "fiz" o retrato da Lisboa do teu tempo. Quase senti os cheiros. Bem bonita e bem cheirosa.
No teu dia de anos resolves presentear a tertúlia com este texto tão belo que ainda por cima nos abre o apetite para a obra final. Quando sai "O Fedelho Exuberante"? O título é sugestivo.
Acho que posso agradecer em nome da tertúlia a prenda que nos ofereceste hoje, dia do teu 69.º aniversário.
Bem hajas.
Carlos Vinhal
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Nota do editor
Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13216: Parabéns a você (741): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)
Guiné 63/74 - P13217: Manuscrito(s) (Luís Graça (31): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte V): O bairro de Santa Luzia, de 1948: uma das nossas primeiras experiências de alojamento para populações nativas
Fonte: © Ana Vaz Milheiro (2012) (Reproduzido com a devida vénia)
1. Manuscrito(s) (Luís Graça)
Nota de leitura > Ana Vaz Milheiro – Guiné-Bissau: 2011. Lisboa, Circo de ideias, 2012, 52 pp. (Viagens, 5)
Parte V (*)
Continuação das nossas notas de leitura desta brochura da investigadora e professora do ISCTE -IUL, Ana Vaz Milheiro. Este livrinho, profusamente ilustrado com fotografias da autora, a cores. Recorde-se que o livrinho resulta de uma singular viagem à Guiné-Bissau, de 2 arquitetos (entre as quais a autora) e de 1 sociólogo (Eduardo Costa Dias, nosso grã-tabanqueiro), durante 10 dias, de 2 a 10 de outubro de 2011.
Reproduzimos, com a devida vénia, as pp. 2e 23, relativa à construção do nosso conhecido Bairro de Santa Luzia, uma das primeiras experiências, nas nossas colónias, de alojamento para populações nativas. Estamos em 1948,. e era governador Sarmento Rodrigues:
.Guiné-Bissau > Bissau, capital do país. Planta da cidade, pós-independência. C. 1975. Escala 1/20 mil., O bairro de Santa Luzia ergue-se fora do limite da "cidade formal", a nordeste, tendo à sua esquerda o Cupelon, o nosso conhecido Pilão. Santa Luzia aparece assinalada a azui.
Imagem © A. Marques Lopes (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]
Inforgrafia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2914).
Capa da brochura de Ana Vaz Milheiro – Guiné-Bissau: 2011. Lisboa, Circo de ideias, 2012, 52 pp. (Viagens, 5).
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Nota do editor:
Vd. poste anterior:
19 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13164: Manuscrito(s) (Luís Graça (28): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte IV): Na antiga avenida da República (, hoje Amílcar Cabral), os edifícios da Sé Catedral (João Simões, 1945) e dos Correios (Lucínio Cruz, 1950/55)
Poste anterior da da série > 29 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13210: Manuscrito(s) (Luís Graça) (30) "Bem vindos, piras, ao primeiro dia do inferno que vai ser o resto das vossas vidas!"... Parabéns, capitão António Vaz!
Capa da brochura de Ana Vaz Milheiro – Guiné-Bissau: 2011. Lisboa, Circo de ideias, 2012, 52 pp. (Viagens, 5).
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Nota do editor:
Vd. poste anterior:
19 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13164: Manuscrito(s) (Luís Graça (28): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte IV): Na antiga avenida da República (, hoje Amílcar Cabral), os edifícios da Sé Catedral (João Simões, 1945) e dos Correios (Lucínio Cruz, 1950/55)
Poste anterior da da série > 29 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13210: Manuscrito(s) (Luís Graça) (30) "Bem vindos, piras, ao primeiro dia do inferno que vai ser o resto das vossas vidas!"... Parabéns, capitão António Vaz!
Guiné 63/74 - P13216: Parabéns a você (741): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)
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Nota do editor
Último poste da série de 29 de Maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13206: Parabéns a você (740): António Gabriel R. Vaz, ex-Cap Mil, CMDT da CART 1746 (Guiné, 1967/69)
Nota do editor
Último poste da série de 29 de Maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13206: Parabéns a você (740): António Gabriel R. Vaz, ex-Cap Mil, CMDT da CART 1746 (Guiné, 1967/69)
sexta-feira, 30 de maio de 2014
Guiné 63/74 - P13215: IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (11): Camarada traz outro camarada, amigo traz outro amigo... Com o Joaquim Jorge, de Ferrel, Peniche, ex-al mil da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66), somos já 92 os magníficos grã-tabanqueiros e seus acompanhantes que vamos estar juntos e conviver em Monte Real, no dia 14 de junho próximo... Continuam abertas as inscrições
Lourinhã, Ribamar > Festa anual em honra de N. Sra. Monserrate > 14 de outubro de 2013 > Almoço anual de convívio de amigos do Oeste, organizado pelo Eduardo Jorge Ferreira > Na foto, dois camaradas que estiveram no TO da Guiné, e que são ambos naturais do concelho de Penicge: (i) em primeiro plano, o Joaquim da Silva Jorge, natural de Ferrel, ex-alf mil, CCAÇ 616 / BCAÇ 619, que esteve em Empada (1964/66); e a seguir, (ii) o António Miguel Franco, natural de (ou residente em) Casal Salgueiro, lugar da Estrada, Atouguia; foi capitão miliciano (não sei de cor qual a unidade que ele comandou e em que época; creio que foi já no final da guerra).
Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.
Joaquim :
Não queres aparecer em Monte Real no IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (*), ou seja, do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que reune já 658 camaradas (e amigos), membros registados desde 23 de abril de 2004, e dos quais 5% infelizmente já morreram ?...
Como sabes, somos uma "espécie em vias de extinção", os ex-combatentes que andaram por aquela terra verde e vermelho que, apesar de tudo, nos ficou no coração... Da malta tua conhecida, lá do nosso oeste estremenho, vai aparecer: além de mim, o Jorge Pinto (Alcobaça) e o Eduardo Jorge Ferreira (Vimeiro, Lourinhã).
Há mais de 3 mil marcadores no blogue... Um deles é o "Joaquim Jorge" (com 2 referências; sabias ? clica aqui) .
Monte Real fica a meio caminho do norte e do sul... Já temos neste momento, 83 inscrições [, 92, ao im da tarde de hoje], a duas semanas e meia do encontro, que é a 14 de junho, sábado, no Palace Hotel MOn te Real... Há missa às 11h30, e depois convívio, muito convívio.... O serviço de catering, por 30 morteiradas, inclui aperitivos (13h), almoço (14h) e lanche ajantarado (17h30).
Aparece e traz mais um camarada...
Um alfabravo (ABraço) fraterno. Luis
2. Resposta imediata do nosso camarada Joaquim da Silva Jorge:
Data: 29 de Maio de 2014 às 11:21
Assunto: Convívio da Tabanca Grande, Monte Real, 14 de Junho
Amigo Luís Graça:
Já tirei licenciatura, mestrado e estágios em convívios, de maneira que não posso deixar a prática de fora.
Se Deus me permitir, lá estarei em Monte Real no próximo dia 14 de Junho. Recordar é viver e eu quero viver enquanto puder porque depois vamos estar mortos muito tempo.
Aproveito para te informar que o convívio anual da CCAÇ 616, este ano, será nos dias 26 e 27 de Julho, como de costume no Hotel Pax em Fátima. Comemoramos este ano os 50 anos da partida para a Guiné (08/01/1964). Agradeço que divulgues esta informação.
Por acaso consegues saber o contacto da filha do cabo nº 2514 Fernando Ferreira da minha companhia, falecido em 1991? Podes fazer o favor de me dar o e-mail do Francisco Galveia que era o cifra da minha companhia. Desculpa-me tanto incómodo da minha parte.
Um abraço do
Joaquim Jorge
3. Mensagem, de resposta, de L.G.:
Joaquim:
É com alegria que recebo o desejo de estares com a rapaziada da Guiné que acompanha o nosso blogue, gente de todos os tempos e lugares... Já dei conhecimento ao Carlos Vinhal,. da comissão organizadora, do teu pedido de inscrição.
Vou divulgar a notícia do vosso encontro, que é só em julho. Mas dá-me mais pormenores, manda-me o programa..
E já agora, e partindo do princípio que aceitas o meu convite para integrar a Tabanca Grande, manda-me uma ou mais fotos do teu tempo de Guiné, além de uma atual, tipo passe... Se tiveres uma história ou episódio para contar, melhor... É só esse o preço de ingresso: 2 fotos + 1 história... Faço questão de ser a aprensentar-te às tropas em parada...
Se responderes na volta do correio, serás o grã-tabanqueiro nº 659 ou 660... Mas estás à vontade: não é obrigatório fazer parte (formalmente falando) do blogue para ires ao encontro, em Monte Real, dia 14 de junho... (Este, o de 2014, é já a 9ª edição). Mas tem vantagens para ti e para todos: divulgação de iniciativas, publicação de histórias, partilha de memórias, contactos com a tua malta, etc.).
Aqui tens os contactos pedidos (endereços de email] da malta da tua companhia (o 1º cabo cripto Francisco Monteiro Galveia e a filha do 1º cabo Ferreira, a Ana Paula Ferreira, a quem dou conheciomento desta mensagem, além dos nossos amigos Jorge Pinto e Eduardo Jorghe Ferreira com quem espero também estar no Vimeiro, a 28 de junho):
Um abração,
Luis
___________________
LISTA DOS 92 INSCRITOS, ATÉ HOJE, NO NOSSO CONVÍVIO ANUAL, EM MONTE REAL, em 14 DE JUNHO DE 2014.
[AS INSCRIÇÔES CONTINUAM ABERTAS} (**):
Agostinho Gaspar (Leiria)
Alcídio Marinho e Rosa (Porto)
António Faneco e Tina (Montijo / Setúbal)
António Fernando Marques e Gina (Cascais)
António José Pereira da Costa e Isabel (Mem Martins / Sintra)
António Manuel Sucena Rodrigues + Rosa Pato, António e Ana
Aparece e traz mais um camarada...
Um alfabravo (ABraço) fraterno. Luis
2. Resposta imediata do nosso camarada Joaquim da Silva Jorge:
Data: 29 de Maio de 2014 às 11:21
Assunto: Convívio da Tabanca Grande, Monte Real, 14 de Junho
Amigo Luís Graça:
Já tirei licenciatura, mestrado e estágios em convívios, de maneira que não posso deixar a prática de fora.
Se Deus me permitir, lá estarei em Monte Real no próximo dia 14 de Junho. Recordar é viver e eu quero viver enquanto puder porque depois vamos estar mortos muito tempo.
Aproveito para te informar que o convívio anual da CCAÇ 616, este ano, será nos dias 26 e 27 de Julho, como de costume no Hotel Pax em Fátima. Comemoramos este ano os 50 anos da partida para a Guiné (08/01/1964). Agradeço que divulgues esta informação.
Por acaso consegues saber o contacto da filha do cabo nº 2514 Fernando Ferreira da minha companhia, falecido em 1991? Podes fazer o favor de me dar o e-mail do Francisco Galveia que era o cifra da minha companhia. Desculpa-me tanto incómodo da minha parte.
Um abraço do
Joaquim Jorge
3. Mensagem, de resposta, de L.G.:
Joaquim:
É com alegria que recebo o desejo de estares com a rapaziada da Guiné que acompanha o nosso blogue, gente de todos os tempos e lugares... Já dei conhecimento ao Carlos Vinhal,. da comissão organizadora, do teu pedido de inscrição.
Vou divulgar a notícia do vosso encontro, que é só em julho. Mas dá-me mais pormenores, manda-me o programa..
E já agora, e partindo do princípio que aceitas o meu convite para integrar a Tabanca Grande, manda-me uma ou mais fotos do teu tempo de Guiné, além de uma atual, tipo passe... Se tiveres uma história ou episódio para contar, melhor... É só esse o preço de ingresso: 2 fotos + 1 história... Faço questão de ser a aprensentar-te às tropas em parada...
Se responderes na volta do correio, serás o grã-tabanqueiro nº 659 ou 660... Mas estás à vontade: não é obrigatório fazer parte (formalmente falando) do blogue para ires ao encontro, em Monte Real, dia 14 de junho... (Este, o de 2014, é já a 9ª edição). Mas tem vantagens para ti e para todos: divulgação de iniciativas, publicação de histórias, partilha de memórias, contactos com a tua malta, etc.).
Aqui tens os contactos pedidos (endereços de email] da malta da tua companhia (o 1º cabo cripto Francisco Monteiro Galveia e a filha do 1º cabo Ferreira, a Ana Paula Ferreira, a quem dou conheciomento desta mensagem, além dos nossos amigos Jorge Pinto e Eduardo Jorghe Ferreira com quem espero também estar no Vimeiro, a 28 de junho):
Um abração,
Luis
___________________
LISTA DOS 92 INSCRITOS, ATÉ HOJE, NO NOSSO CONVÍVIO ANUAL, EM MONTE REAL, em 14 DE JUNHO DE 2014.
[AS INSCRIÇÔES CONTINUAM ABERTAS} (**):
Agostinho Gaspar (Leiria)
Alcídio Marinho e Rosa (Porto)
António Faneco e Tina (Montijo / Setúbal)
António Fernando Marques e Gina (Cascais)
António José Pereira da Costa e Isabel (Mem Martins / Sintra)
António Manuel Sucena Rodrigues + Rosa Pato, António e Ana
Brandão (Oliveira do Bairo)
António Maria Silva (Cacém / Sintra)
António Martins de Matos (Lisboa)
António Rebelo (Massamá / Lisboa)
António Sampaio & Clara (Leça da Palmeira / Matosinhos)
António Santos, Graciela & mais 7 do clã (Caneças / Odivelas)
António Sousa Bonito (Carapinheira / Montemor-o-Velho)
Arménio Santos (Lisboa)
António Martins de Matos (Lisboa)
António Rebelo (Massamá / Lisboa)
António Sampaio & Clara (Leça da Palmeira / Matosinhos)
António Santos, Graciela & mais 7 do clã (Caneças / Odivelas)
António Sousa Bonito (Carapinheira / Montemor-o-Velho)
Arménio Santos (Lisboa)
C. Martins (Penamacor)
Carlos Vinhal & Dina (Leça da Palmeira / Matosinhos)
Carlos Vinhal & Dina (Leça da Palmeira / Matosinhos)
David Guimarães & Lígia (Espinho)
Delfim Rodrigues (Coimbra)
Delfim Rodrigues (Coimbra)
Eduardo Campos (Maia)
Eduardo Jorge Ferreira (Vimeiro / Lourinhã)
Eduardo Jorge Ferreira (Vimeiro / Lourinhã)
Fernando Súcio (Campeã / Vila Real)
Francisco (Xico) Allen (Vila Nova de Gaia)
Francisco Baptista e Fátima Anjos (Aldoar / Porto)
Francisco Palma (Estoril / Cascais)
Francisco (Xico) Allen (Vila Nova de Gaia)
Francisco Baptista e Fátima Anjos (Aldoar / Porto)
Francisco Palma (Estoril / Cascais)
Hugo Guerra, Ema e neto Daniel (Marvila / Lisboa)
Humberto Reis e Joana (Alfragide / Amadora)
Humberto Reis e Joana (Alfragide / Amadora)
Idálio Reis (Sete-Fontes / Cantanhede)
João Alves Martins (Lisboa)
Joaquim Gomes Soares e Maria Laura (Porto)
Joaquim Luís Fernandes (Maceira / Leiria)
Joaquim Mexia Alves (Monte Real / Leiria)
Joaquim Nunes Sequeira e Mariete (Colares / Sintra)
Joaquim da Silva Jorge (Ferrel / Peniche)
Jorge Cabral (Lisboa)
Jorge Canhão & Maria de Lurdes (Oeiras)
Jorge Loureiro Pinto (Agualva / Sintra)
Jorge Rosales (Monte Estoril / Cascais)
José Barros Rocha (Penafiel)
José Casimiro Carvalho (Maia)
José Louro (Algueirão / Sintra)
José Manuel Cancela e Carminda (Penafiel)
Julio Costa Abreu e Richard (Holanda)
Juvenal Amado (Fátima / Ourém)
Joaquim Gomes Soares e Maria Laura (Porto)
Joaquim Luís Fernandes (Maceira / Leiria)
Joaquim Mexia Alves (Monte Real / Leiria)
Joaquim Nunes Sequeira e Mariete (Colares / Sintra)
Joaquim da Silva Jorge (Ferrel / Peniche)
Jorge Cabral (Lisboa)
Jorge Canhão & Maria de Lurdes (Oeiras)
Jorge Loureiro Pinto (Agualva / Sintra)
Jorge Rosales (Monte Estoril / Cascais)
José Barros Rocha (Penafiel)
José Casimiro Carvalho (Maia)
José Louro (Algueirão / Sintra)
José Manuel Cancela e Carminda (Penafiel)
Julio Costa Abreu e Richard (Holanda)
Juvenal Amado (Fátima / Ourém)
Luís Encarnação (Cascais)
Luís Graça & Alice (Alfragide /Amadora)
Luís Moreira (Mem Martins / Sintra)
Luís Graça & Alice (Alfragide /Amadora)
Luís Moreira (Mem Martins / Sintra)
Manuel Augusto Reis (Aveiro)
Manuel Joaquim (Agualva / Sintra)
Manuel Resende, Isaura e Palmira Serra (Cascais)
Manuel dos Santos Gonçalves e Maria de Fátima (Carcavelos / Cascais)
Mateus Oliveira e Florinda (Boston / EUA)
Miguel Pessoa & Giselda (Lisboa)
Mário Gaspar (Lisboa)
Manuel Joaquim (Agualva / Sintra)
Manuel Resende, Isaura e Palmira Serra (Cascais)
Manuel dos Santos Gonçalves e Maria de Fátima (Carcavelos / Cascais)
Mateus Oliveira e Florinda (Boston / EUA)
Miguel Pessoa & Giselda (Lisboa)
Mário Gaspar (Lisboa)
Raul Albino e Rolina (Vila Nogueira de Azeitão / Setúbal)
Rui Silva e Regina Teresa (Sta. Maria da Feira)
Rui Silva e Regina Teresa (Sta. Maria da Feira)
Vasco da Gama (Buarcos / Figueira da Foz)
Virgínio Briote e Irene (Lisboa)
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Virgínio Briote e Irene (Lisboa)
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Notas do editor:
(**) Vd. também poste de 30 de abril de 2014 > Guiné 63/74 – P13074: IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (1): 10 razões para estarmos todos juntos, em Monte Real, no dia de 14 de junho de 2014, sábado, das 10h às 20h…
Guiné 63/74 - P13214: Notas de leitura (595): "O Corredor da Morte", pelo nosso camarada e tertuliano Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Maio de 2014:
Queridos amigos,
Mário Vitorino Gaspar cinge-se a vários blocos que são momentos-chave da sua existência: Alhandra, que descreve primorosamente, e de onde parte para se juntar à CART 1659, vão para Gadamael-Porto e arredores; é furriel de minas e armadilhas, patrulha e embosca mas acima de tudo monta e desmonta os engenhos da morte, é um profissional cheio de sangue frio a desativar minas antipessoal e bailarinas; a operação ao coração onde constrói um impressionante sonho (ou delírio, seja o que for) entre a luminosidade e um turbilhão de recordações; e depois a militância de um stressado que se pôs ao serviço e muito ofereceu à APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stresse de Guerra.
Vale a pena meditar no que ele tem para nos comunicar.
Um abraço do
Mário
Andanças pelo corredor da morte e outras militâncias e errâncias
Beja Santos
Mário Vitorino Gaspar fez uma comissão entre 1967 e 1968 na região de Gadamael, era furriel de minas e armadilhas e pertenceu a uma companhia independente, a CART 1659. Destas e outras memórias plasmou em livro intitulado “O Corredor da Morte”, edição de autor, 2014, lembranças de infância, da mobilização, das suas deambulações por Ganturé, Guileje, Gadamael-Porto, Sangonhá e arredores, de uma operação ao coração em que chegou a vislumbrar a senhora morte e da sua participação na APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas de Stress de Guerra. Arrecadou recordações poderosas, oferece-nos páginas tocantes, tem orgulho nas suas origens, enfim, com surpresa ou sem ela visitou os corredores da morte, não o das penitenciárias que encaminham para execuções mas aqueles corredores onde em tempos de guerra e paz temos a vida em processo de licitação. Começa com todo o processo que leva à sua hospitalização e à operação ao coração, em março de 2002. Temos aqui uma estrondosa viagem pelo sonho, aquele vácuo de onde vamos buscar farrapos de reminiscências pelas errâncias da vida, há para ali descrições que nos lembram outras de pessoas que estiveram à beira de passar para a outra margem, luminosidade e turbilhão:
“Vejo algo como o paraíso encerrado em vidro. Entrei. Os soldados carecas de cabeça cúbica. Era tropa de elite e conheciam-me.
Ao fundo da sala uma porta estranha. Pequena. Quando chega a minha vez, e depois de uns me analisarem, eu, que era dos primeiros, entro naquela porta carregada de uma luz bonita que não encadeava nem feria a vista. Uma luz mais pura e forte bate-me na vista. Atravessei um túnel, antes um corredor. Não estava a sonhar e vi um cenário que nunca imaginara existir: uma floresta multicolor; arco-íris; jardins que percorriam todo o espaço; plantas exóticas; relva e musgo; florestas; flores de uma beleza nunca vista; um rio de água límpida; cascatas; mares calmos bem azuis; um mar de areia cor de ouro”.
E depois a infância, tudo começou na região de Sintra, havia férias na Covilhã; em gaiato vai viver para Alhandra, lembra a fábrica de cimento, o mouchão, as bateiras no Rio Tejo e também as fragatas, os avieiros, o Alhandra Sporting Clube, a terra de Baptista Pereira, a pequenada com quem brincou. São páginas enternecedoras, muito próximas de “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes. Segue-se, em termos telegramáticos, a recruta e a especialidade. E depois a despedida para a Guiné, comoções controladas e descontroladas, uma longa viagem solitária para olhar todas aquelas referências de lugares e pessoas. Parte para Oeiras e daqui para o Uíge, estamos em janeiro de 1967. Mal chegados a Bissau foram prontamente colocados em Gadamael-Porto, nem deu tempo para pôr os pés em Bissau, o batelão desceu imediatamente para a zona de alto risco. A sede do batalhão está em Buba. Ali à volta, nomes sonantes da guerra: depois do cruzamento de Ganturé, encontrava-se Sangonhá, Cacoca e Cameconde, seguindo Cacine; no chamado cruzamento de Guileje havia uma bifurcação para Mejo e Guileje.
Havia 400 pessoas da população em Gadamael e cerca de 200 Beafadas em Ganturé, sede de regulado. É especialista de minas e armadilhas, começa a rebentar com petardos de trotil os morros de bagabaga, havia que fazer clareiras e não dar ensejo a que os guerrilheiros tivessem pontos de apoio. De Ganturé saíam patrulhas de apoio às companhias de Mejo, Guileje e Sangonhá. Começaram a construir o cais de Gadamael e a armadilhar itinerários por onde os guerrilheiros iam tomar posição para as flagelações. Recorda a primeira emboscada no corredor de Guileje, um sucesso. Num batuque, em 4 de julho de 1967, rebenta uma granada e morrem vários civis, nunca se apurou se se tratou de imprevidência, vingança ou terror deliberado. Sucedem-se operações, patrulhamentos, colunas de reabastecimento. Aqui e acolá, Mário Vitorino Gaspar vai poetando. Vem de licença e nesse ínterim morrem dois camaradas, o furriel Pestana e o soldado Costa, pisaram minas, a narrativa é despretensiosa, autêntica, reproduz o jargão do tempo, sente-se mesmo a atmosfera dos destacamentos, a vivência da messe, os comentários quando se vai e vem das operações. Observa como a guerrilha se fortalece, com armamento bem equipado.
Deixamos algumas páginas de sufoco, a montar e a desmontar, a pôr arames de tropeçar, com uma “bailarina” que esteve pacientemente a remover de uma picada. Chega Spínola e toma medidas de retirada de quartéis em posições insustentáveis, é o caso de Sangonhá. Não deixa de comentar a monotonia da comida, adora petiscos e sempre que chega exige seis ou sete cervejolas frescas. Conta as atividades da CART 1659. Chegou a hora do regresso a Portugal. Descobre na caderneta militar que fora dado como morto. É admitido como lapidador de diamantes na DIALAP. Tem manifestações de stresse, passa a ter acompanhamento psiquiátrico. A sua narrativa faz um hiato, já está a trabalhar em prol da APOIAR com a ajuda do Dr. Afonso Albuquerque. É uma descrição sugestiva da vida de uma organização aonde acorre gente em grande sofrimento. Ele escreve no jornal acerca destes stressados:
“Ele teve que matar para sobreviver (…) O assistir mortes e ter que matar para sobreviver; estar presente em ações de violência; passar fome e sede; assistir e/ou participar na morte de crianças e mulheres; estar presente em ações de bombardeamentos, tiroteios intensivos; rebentamentos de minas, armadilhas, fornilhos; as dificuldades de ambientação ao clima e o estar longe da família – transformaram aqueles jovens sorridentes, ávidos de vida, em homens precocemente envelhecidos. O regresso. Farrapos humanos, remendados. Uns já haviam constituído família, outros fizeram-no logo de imediato, os restantes ficaram solteiros. Marcham para vidas diferentes. As mulheres e os filhos paridos muitas vezes de atos sexuais de violência, mulheres violadas pelo guerreiro e não pelo amor do marido.
De imediato, ou posteriormente, o ex-combatente, isola-se como se a aldeia, a vila ou a cidade fossem um aquartelamento. Não fala da guerra nem aos pais, à mulher, aos filhos, a familiares e a amigos, como não o fizeram quando combatia. Ao fazê-lo com alguém só narrava as bebedeiras e sorria.
Na generalidade, e num período curto ou mais lasso, volta a vestir a farda, embora civil, agride, esbofeteando a mulher, os filhos, ou ambos. Não tem paciência para o diálogo e, por vezes, a família embrião é destruída como por ação de um rebentamento. Os filhos ficam a cargo da mãe violada pela guerra colonial. Ele teve que matar para sobreviver na guerra. É o funeral da família. Foi uma mina, uma armadilha ou um fornilho”.
O leitor vai encontrar aqui páginas de uma renhida militância, Mário Vitorino Gaspar é um dos cometas da APOIAR até 2005, altura em que se mudou para a ACSSL – Associação Cultural e Social de Seniores em Lisboa – Academia de Seniores de Lisboa.
Muito penou e muito militou. E percebe-se bem quando cita num artigo um poema de Fernando Pessoa:
Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser
e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo,
por que também há vida…
Sou isso, enfim…
Apague a luz, feche a porta
e deixe de ter barulho de
chinelos no corredor
Para adquirir o livro, contactar por email: mariovitorinogaspar@gmail.com
____________
Nota do editor
Último poste da série de 26 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13196: Notas de leitura (594): "Planta da Praça de Bissau e suas Adjacentes", por Bernardino António Álvares de Andrade (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Mário Vitorino Gaspar cinge-se a vários blocos que são momentos-chave da sua existência: Alhandra, que descreve primorosamente, e de onde parte para se juntar à CART 1659, vão para Gadamael-Porto e arredores; é furriel de minas e armadilhas, patrulha e embosca mas acima de tudo monta e desmonta os engenhos da morte, é um profissional cheio de sangue frio a desativar minas antipessoal e bailarinas; a operação ao coração onde constrói um impressionante sonho (ou delírio, seja o que for) entre a luminosidade e um turbilhão de recordações; e depois a militância de um stressado que se pôs ao serviço e muito ofereceu à APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stresse de Guerra.
Vale a pena meditar no que ele tem para nos comunicar.
Um abraço do
Mário
Andanças pelo corredor da morte e outras militâncias e errâncias
Beja Santos
Mário Vitorino Gaspar fez uma comissão entre 1967 e 1968 na região de Gadamael, era furriel de minas e armadilhas e pertenceu a uma companhia independente, a CART 1659. Destas e outras memórias plasmou em livro intitulado “O Corredor da Morte”, edição de autor, 2014, lembranças de infância, da mobilização, das suas deambulações por Ganturé, Guileje, Gadamael-Porto, Sangonhá e arredores, de uma operação ao coração em que chegou a vislumbrar a senhora morte e da sua participação na APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas de Stress de Guerra. Arrecadou recordações poderosas, oferece-nos páginas tocantes, tem orgulho nas suas origens, enfim, com surpresa ou sem ela visitou os corredores da morte, não o das penitenciárias que encaminham para execuções mas aqueles corredores onde em tempos de guerra e paz temos a vida em processo de licitação. Começa com todo o processo que leva à sua hospitalização e à operação ao coração, em março de 2002. Temos aqui uma estrondosa viagem pelo sonho, aquele vácuo de onde vamos buscar farrapos de reminiscências pelas errâncias da vida, há para ali descrições que nos lembram outras de pessoas que estiveram à beira de passar para a outra margem, luminosidade e turbilhão:
“Vejo algo como o paraíso encerrado em vidro. Entrei. Os soldados carecas de cabeça cúbica. Era tropa de elite e conheciam-me.
Ao fundo da sala uma porta estranha. Pequena. Quando chega a minha vez, e depois de uns me analisarem, eu, que era dos primeiros, entro naquela porta carregada de uma luz bonita que não encadeava nem feria a vista. Uma luz mais pura e forte bate-me na vista. Atravessei um túnel, antes um corredor. Não estava a sonhar e vi um cenário que nunca imaginara existir: uma floresta multicolor; arco-íris; jardins que percorriam todo o espaço; plantas exóticas; relva e musgo; florestas; flores de uma beleza nunca vista; um rio de água límpida; cascatas; mares calmos bem azuis; um mar de areia cor de ouro”.
E depois a infância, tudo começou na região de Sintra, havia férias na Covilhã; em gaiato vai viver para Alhandra, lembra a fábrica de cimento, o mouchão, as bateiras no Rio Tejo e também as fragatas, os avieiros, o Alhandra Sporting Clube, a terra de Baptista Pereira, a pequenada com quem brincou. São páginas enternecedoras, muito próximas de “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes. Segue-se, em termos telegramáticos, a recruta e a especialidade. E depois a despedida para a Guiné, comoções controladas e descontroladas, uma longa viagem solitária para olhar todas aquelas referências de lugares e pessoas. Parte para Oeiras e daqui para o Uíge, estamos em janeiro de 1967. Mal chegados a Bissau foram prontamente colocados em Gadamael-Porto, nem deu tempo para pôr os pés em Bissau, o batelão desceu imediatamente para a zona de alto risco. A sede do batalhão está em Buba. Ali à volta, nomes sonantes da guerra: depois do cruzamento de Ganturé, encontrava-se Sangonhá, Cacoca e Cameconde, seguindo Cacine; no chamado cruzamento de Guileje havia uma bifurcação para Mejo e Guileje.
Havia 400 pessoas da população em Gadamael e cerca de 200 Beafadas em Ganturé, sede de regulado. É especialista de minas e armadilhas, começa a rebentar com petardos de trotil os morros de bagabaga, havia que fazer clareiras e não dar ensejo a que os guerrilheiros tivessem pontos de apoio. De Ganturé saíam patrulhas de apoio às companhias de Mejo, Guileje e Sangonhá. Começaram a construir o cais de Gadamael e a armadilhar itinerários por onde os guerrilheiros iam tomar posição para as flagelações. Recorda a primeira emboscada no corredor de Guileje, um sucesso. Num batuque, em 4 de julho de 1967, rebenta uma granada e morrem vários civis, nunca se apurou se se tratou de imprevidência, vingança ou terror deliberado. Sucedem-se operações, patrulhamentos, colunas de reabastecimento. Aqui e acolá, Mário Vitorino Gaspar vai poetando. Vem de licença e nesse ínterim morrem dois camaradas, o furriel Pestana e o soldado Costa, pisaram minas, a narrativa é despretensiosa, autêntica, reproduz o jargão do tempo, sente-se mesmo a atmosfera dos destacamentos, a vivência da messe, os comentários quando se vai e vem das operações. Observa como a guerrilha se fortalece, com armamento bem equipado.
Deixamos algumas páginas de sufoco, a montar e a desmontar, a pôr arames de tropeçar, com uma “bailarina” que esteve pacientemente a remover de uma picada. Chega Spínola e toma medidas de retirada de quartéis em posições insustentáveis, é o caso de Sangonhá. Não deixa de comentar a monotonia da comida, adora petiscos e sempre que chega exige seis ou sete cervejolas frescas. Conta as atividades da CART 1659. Chegou a hora do regresso a Portugal. Descobre na caderneta militar que fora dado como morto. É admitido como lapidador de diamantes na DIALAP. Tem manifestações de stresse, passa a ter acompanhamento psiquiátrico. A sua narrativa faz um hiato, já está a trabalhar em prol da APOIAR com a ajuda do Dr. Afonso Albuquerque. É uma descrição sugestiva da vida de uma organização aonde acorre gente em grande sofrimento. Ele escreve no jornal acerca destes stressados:
“Ele teve que matar para sobreviver (…) O assistir mortes e ter que matar para sobreviver; estar presente em ações de violência; passar fome e sede; assistir e/ou participar na morte de crianças e mulheres; estar presente em ações de bombardeamentos, tiroteios intensivos; rebentamentos de minas, armadilhas, fornilhos; as dificuldades de ambientação ao clima e o estar longe da família – transformaram aqueles jovens sorridentes, ávidos de vida, em homens precocemente envelhecidos. O regresso. Farrapos humanos, remendados. Uns já haviam constituído família, outros fizeram-no logo de imediato, os restantes ficaram solteiros. Marcham para vidas diferentes. As mulheres e os filhos paridos muitas vezes de atos sexuais de violência, mulheres violadas pelo guerreiro e não pelo amor do marido.
De imediato, ou posteriormente, o ex-combatente, isola-se como se a aldeia, a vila ou a cidade fossem um aquartelamento. Não fala da guerra nem aos pais, à mulher, aos filhos, a familiares e a amigos, como não o fizeram quando combatia. Ao fazê-lo com alguém só narrava as bebedeiras e sorria.
Na generalidade, e num período curto ou mais lasso, volta a vestir a farda, embora civil, agride, esbofeteando a mulher, os filhos, ou ambos. Não tem paciência para o diálogo e, por vezes, a família embrião é destruída como por ação de um rebentamento. Os filhos ficam a cargo da mãe violada pela guerra colonial. Ele teve que matar para sobreviver na guerra. É o funeral da família. Foi uma mina, uma armadilha ou um fornilho”.
O leitor vai encontrar aqui páginas de uma renhida militância, Mário Vitorino Gaspar é um dos cometas da APOIAR até 2005, altura em que se mudou para a ACSSL – Associação Cultural e Social de Seniores em Lisboa – Academia de Seniores de Lisboa.
Muito penou e muito militou. E percebe-se bem quando cita num artigo um poema de Fernando Pessoa:
Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser
e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo,
por que também há vida…
Sou isso, enfim…
Apague a luz, feche a porta
e deixe de ter barulho de
chinelos no corredor
Para adquirir o livro, contactar por email: mariovitorinogaspar@gmail.com
____________
Nota do editor
Último poste da série de 26 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13196: Notas de leitura (594): "Planta da Praça de Bissau e suas Adjacentes", por Bernardino António Álvares de Andrade (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P13213: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte VIII: (i) os primeiros dias em Canjambari: em mês de santos populares, o batismo de fogo, os primeiros contactos com o IN; e (ii) a santa ingenuidade: um episódio com um cobra venenosa
1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte VIII (Fur mil at inf, 3º pelotão, Fernando Pires)
Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do livro editado pelo 1º ex-cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). Esta publicação é uma obra coletiva, feita com a participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças).
A brochura chegou-nos digitalizada através do Luís Nascimento (que também nos facultou um exemplar em papel e que, até ao momento, é o único representante da CCAÇ 2533, na nossa Tabanca Grande). Temos autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as peripécias por que passou o pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras (Farim, 1969/71).
Continuamos a publicar a colaboração do fur mil at inf Fernando J. do Nascimento Pires, que pertenceu ao 3º pelotão. O poste de hoje corresponde às pp. 41/45 e a duas narrativas: (i) os primeiros dias de Canjambari; e (ii) santa ingenuidade. (LG).
_________
Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do livro editado pelo 1º ex-cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). Esta publicação é uma obra coletiva, feita com a participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças).
A brochura chegou-nos digitalizada através do Luís Nascimento (que também nos facultou um exemplar em papel e que, até ao momento, é o único representante da CCAÇ 2533, na nossa Tabanca Grande). Temos autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as peripécias por que passou o pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras (Farim, 1969/71).
Continuamos a publicar a colaboração do fur mil at inf Fernando J. do Nascimento Pires, que pertenceu ao 3º pelotão. O poste de hoje corresponde às pp. 41/45 e a duas narrativas: (i) os primeiros dias de Canjambari; e (ii) santa ingenuidade. (LG).
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Nota do editor:
Último poste da série > 18 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13160: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte VII: (i) Os primeiros dias, a viagem de LDG até Farim, e depois em coluna até ao nosso destino... (ii) O meu primeiro aniversário...(Fernando Pires, ex-fur mil at inf)
Último poste da série > 18 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13160: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte VII: (i) Os primeiros dias, a viagem de LDG até Farim, e depois em coluna até ao nosso destino... (ii) O meu primeiro aniversário...(Fernando Pires, ex-fur mil at inf)
Guiné 63/74 - P13212: (In)citações (65): Salvemos o elefante africano que 40 anos depois do fim guerra volta a percorrer o corredor de migração de Gandembel, Balana, Cumbijã e Colibuía na época das chuvas!
1. Mensagem do nosso amigo Nelson Herbert Lopes, jornalista da Voz da América (VOA)
De: Nelson Herbert
Data/hora: 29 mai 2014 15:40
Assunto - Elefantes
Quatro dácadas volvidas sobre o fim da guerra pela independência, "elefantes" repovoam mitica floresta de Cantanhez... no Sul da Guine Bissau !
Anexo foto recente (Abril 2014) do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) da Guine Bissau !
Pepito ia adorar saber disso ! (*)
Imagem de um elefante, captado pelo IBAP - Instituto de Biodiversidade e das Áreas Protegidas, da Guiné-Bissau, no dia 1 de abril de 2014, às 17h53. Imagem enviada pelo Nelson Herbert Lopes, sem indicação de fonte. Em princípio, é uma foto automática, tirada por uma câmara especial, "Moultrie", usada para fotografar a vida selvagem... A temperatura ambiente era de 30º.. Estamos no fim da época seca (abril)... (LG)
2. Recortes de imprensa
(i) IBAP confirma presença de elefantes nas florestas da Guiné-Bissau
2014-05-27 13:33:20
Bissau – O Instituto de Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) confirmou a existência, nas florestas da Guiné-Bissau, de animais de grande porte, concretamente na região de Quinara, sector de Buba.
Em comunicado de imprensa que a PNN consultou, esta instituição indicou que, em Fevereiro de 2014, a Direcção do Parque Natural das Lagoas de Cufada foi informada da presença de elefantes nas matas de Sintchã Paté [,entre o Quebo e Xitole], tendo uma equipa do IBAP deslocado-se ao local para confirmar estas informações, onde se observou a presença de elefantes a 6 de Fevereiro, pelas 18.30 horas.
De acordo com os habitantes da povoação de Sintchã Paté e de Samba Só, trata-se de uma pequena manada composta por três animais, dois adultos e uma cria, que se encontram bloqueados numa área restrita com condições favoráveis à sua sobrevivência, dotada de água e alimentos, pois o corredor de migração habitualmente utilizado foi bloqueado devido ao corte de madeira.
Na sequência da presença do primeiro grupo destes animais, a ocorrência foi novamente confirmada em Abril, pelos técnicos do IBAP através da instalação de câmaras de vigilância ultravioleta nas florestas, que conseguiu captar imagens de um casal de elefantes na lagoa de Caruai, Balana, Parque Nacional de Cantanhez.
O instituto informa ainda que esta manada de elefantes parece localizar-se numa zona muito limitada, com frequentes migrações entre a República da Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau, em busca de água e alimentos. O elefante africano é o maior mamífero terrestre conhecido. Está classificado na Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza na categoria de animais ameaçados de extinção e também consta no anexo I da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas. (...)
(c) PNN Portuguese News Network
[Excerto, reproduzido, com a devida vénia, de Jornal Digital - Notícias em Tempo Real]
(ii) Alguns excertos da nota informativa do IBAP que foi reproduzida no sítio da IUCN - União Interncional para a Conservação da Natureza:
De: Nelson Herbert
Data/hora: 29 mai 2014 15:40
Assunto - Elefantes
Quatro dácadas volvidas sobre o fim da guerra pela independência, "elefantes" repovoam mitica floresta de Cantanhez... no Sul da Guine Bissau !
Anexo foto recente (Abril 2014) do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) da Guine Bissau !
Pepito ia adorar saber disso ! (*)
Imagem de um elefante, captado pelo IBAP - Instituto de Biodiversidade e das Áreas Protegidas, da Guiné-Bissau, no dia 1 de abril de 2014, às 17h53. Imagem enviada pelo Nelson Herbert Lopes, sem indicação de fonte. Em princípio, é uma foto automática, tirada por uma câmara especial, "Moultrie", usada para fotografar a vida selvagem... A temperatura ambiente era de 30º.. Estamos no fim da época seca (abril)... (LG)
2. Recortes de imprensa
(i) IBAP confirma presença de elefantes nas florestas da Guiné-Bissau
2014-05-27 13:33:20
Bissau – O Instituto de Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) confirmou a existência, nas florestas da Guiné-Bissau, de animais de grande porte, concretamente na região de Quinara, sector de Buba.
Em comunicado de imprensa que a PNN consultou, esta instituição indicou que, em Fevereiro de 2014, a Direcção do Parque Natural das Lagoas de Cufada foi informada da presença de elefantes nas matas de Sintchã Paté [,entre o Quebo e Xitole], tendo uma equipa do IBAP deslocado-se ao local para confirmar estas informações, onde se observou a presença de elefantes a 6 de Fevereiro, pelas 18.30 horas.
De acordo com os habitantes da povoação de Sintchã Paté e de Samba Só, trata-se de uma pequena manada composta por três animais, dois adultos e uma cria, que se encontram bloqueados numa área restrita com condições favoráveis à sua sobrevivência, dotada de água e alimentos, pois o corredor de migração habitualmente utilizado foi bloqueado devido ao corte de madeira.
Na sequência da presença do primeiro grupo destes animais, a ocorrência foi novamente confirmada em Abril, pelos técnicos do IBAP através da instalação de câmaras de vigilância ultravioleta nas florestas, que conseguiu captar imagens de um casal de elefantes na lagoa de Caruai, Balana, Parque Nacional de Cantanhez.
O instituto informa ainda que esta manada de elefantes parece localizar-se numa zona muito limitada, com frequentes migrações entre a República da Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau, em busca de água e alimentos. O elefante africano é o maior mamífero terrestre conhecido. Está classificado na Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza na categoria de animais ameaçados de extinção e também consta no anexo I da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas. (...)
(c) PNN Portuguese News Network
[Excerto, reproduzido, com a devida vénia, de Jornal Digital - Notícias em Tempo Real]
(ii) Alguns excertos da nota informativa do IBAP que foi reproduzida no sítio da IUCN - União Interncional para a Conservação da Natureza:
A época de migração destes elefantes para a Guiné-Bissau (regiões de Quínara e Tombali), em busca de água e alimento, começa no início das chuvas, em maio e vai até novembro, altura em que voltam à Guiné-Conacri, para a zona do Rio Kogum (Bouliagne) onde se supõe que se encontra o resto da população. (**)
____________
Notas do editor:
quinta-feira, 29 de maio de 2014
Guiné 63/74 - P13211: Agenda cultural (319): Lançamento do livro "QUEBO - Nos confins da Guiné", pelo TCor Rui Alexandrino Ferreira, dia 21 de Junho de 2014, pelas 10h30, no Regimento de Infantaria 14 de Viseu
1. Pelo correio tradicional, em papel, recebi hoje, do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira, TCor Reformado (ex-Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72), uma "Carta aberta aos amigos", que se reproduz abaixo, assim como um convite para assistir ao lançamento do seu livro "QUEBO - Nos confins da Guiné", que se reporta à comissão de serviço por si cumprida na naquela ex-Província Ultramarina como Capitão Miliciano e Comandante da CCAÇ 18.
O evento realiza-se no próximo dia 21 de Junho de 2014, sábado, às 10h30, nas instalações do Regimento de Infantaria 14, em Viseu, seguido de almoço para quem se inscrever previamente.
Aqui fica a notícia, especialmente para aqueles que morando na zona centro do país e se possam deslocar a Viseu, o façam para abrilhantar este momento de alegria do nosso camarada e amigo Rui e para lhe dar um abraço. Como ele próprio afirma na sua carta aberta, está a atravessar um período menos bom da sua saúde pelo que a presença dos amigos será algo que o reconfortará.
2. Em Agosto de 2013 foram publicados três postes referentes ao depoimento do Major-General Pezarat Correia* insertos no I Capítulo do livro "QUEBO - Nos confins da Guiné".
Como consta no Convite, o livro vai ser apresentado por este Oficial General.
(*) Vd. postes de:
10 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10249: Bibliografia de uma guerra (60): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (1): Mais que um superior hierárquico um amigo de eleição - Pezarat Correia
11 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10253: Bibliografia de uma guerra (61): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (2): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (1)
e
12 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10255: Bibliografia de uma guerra (62): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (3): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (2)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 27 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13198: Agenda cultural (318): Lançamento do livro "Militares e política: o 25 de Abril" (organizado por Luísa Tiago de Oliveira) - 28 de Maio, 18h, ISCTE-IUL, Edifício II, Auditório B203
O evento realiza-se no próximo dia 21 de Junho de 2014, sábado, às 10h30, nas instalações do Regimento de Infantaria 14, em Viseu, seguido de almoço para quem se inscrever previamente.
Aqui fica a notícia, especialmente para aqueles que morando na zona centro do país e se possam deslocar a Viseu, o façam para abrilhantar este momento de alegria do nosso camarada e amigo Rui e para lhe dar um abraço. Como ele próprio afirma na sua carta aberta, está a atravessar um período menos bom da sua saúde pelo que a presença dos amigos será algo que o reconfortará.
2. Em Agosto de 2013 foram publicados três postes referentes ao depoimento do Major-General Pezarat Correia* insertos no I Capítulo do livro "QUEBO - Nos confins da Guiné".
Como consta no Convite, o livro vai ser apresentado por este Oficial General.
(*) Vd. postes de:
10 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10249: Bibliografia de uma guerra (60): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (1): Mais que um superior hierárquico um amigo de eleição - Pezarat Correia
11 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10253: Bibliografia de uma guerra (61): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (2): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (1)
e
12 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10255: Bibliografia de uma guerra (62): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (3): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (2)
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Nota do editor
Último poste da série de 27 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13198: Agenda cultural (318): Lançamento do livro "Militares e política: o 25 de Abril" (organizado por Luísa Tiago de Oliveira) - 28 de Maio, 18h, ISCTE-IUL, Edifício II, Auditório B203
Guiné 63/74 - P13210: Manuscrito(s) (Luís Graça) (30) "Bem vindos, piras, ao primeiro dia do inferno que vai ser o resto das vossas vidas!"... Parabéns, capitão António Vaz!
1. Antóno Vaz, valoroso capitão de Bissorã e do Xime, comandante da CART 1746... Hoje fazes anos, de acordo com o nosso poste da série "Parabéns a você"... Mas eu tenho estranhado o teu silêncio... Os médicos dizem que o silêncio dos órgãos é sinal de saúde... Na realidade, é mau sinal quando eles começam a "falar"... Mas eu refiro-me ao silêncio... das nossas comunicações bloguísticas, . Há mais de um ano que não mandas um ALFBRAVO à gente...
Pergunto; o que é que se passa contigo, comandante ? A última vez que te vi, na Praça do Comércio, tinhas ido à faca...Mas senti-te em boa forma!
Hoje é dia de festa, de aniversário... Eu e o resto da malta estamos contigo para te cantar os "parabéns a você" debaixo do poilão da Tabanca Grande!... Lembras.te dos poilões do Xime, a última tabanca de que foste o "régulo!" ? Levaram morteirada e canhoada em cima, mas ainda lá estão, dizem... Pois é isso que a gente te deseja: aguenta, capitão, força, António!
[foto à esquerda, cap art mil António Vaz, CART 1746, Xime, c. 1969]
Pergunto; o que é que se passa contigo, comandante ? A última vez que te vi, na Praça do Comércio, tinhas ido à faca...Mas senti-te em boa forma!
Hoje é dia de festa, de aniversário... Eu e o resto da malta estamos contigo para te cantar os "parabéns a você" debaixo do poilão da Tabanca Grande!... Lembras.te dos poilões do Xime, a última tabanca de que foste o "régulo!" ? Levaram morteirada e canhoada em cima, mas ainda lá estão, dizem... Pois é isso que a gente te deseja: aguenta, capitão, força, António!
[foto à esquerda, cap art mil António Vaz, CART 1746, Xime, c. 1969]
2. Nunca esquecerei a minha chegada ao Xime, vindo de LDG pelo Geba acima... Foi na manhã de 2 de junho de 1969, 2ª feira... Estávamos no início do tempo das chuvas, a pior época para um pobre tuga acabado de chegar do primaveril Portugal continental ...E logo ali soubemos que a sede do batalhão, Bambadinca, tinha sido atacada em força, na 4ª feira, dia 28 de maio... Soubemos pela boca dos "velhinhos" da tua CART 1746... Queríam-nos claramente acagaçar...
Tenho um longo poema ("Por esse Geba acima"), de que vou reproduzir um excerto, em tua honra e dos teus bravos da CART 1746 que nos abriram alas, quando a gente desembarcou o leste, a malta da CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12), a caminho de Contuboel... LG
Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > c. 1969/70 > Vista aérea (parcial) da tabanca do Xime, onde estava sediada uma unidade de quadrícula... No dia 2 de junho de 1969, era a CART 1746, comandada pelo cap art mil António Vaz.
Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]
Por esse rio Geba acima...
(...) E aqui estás, neste caixote flutuante,
sem colete nem salvação,
sem bode expiatório, nem álibi,
sem uma simples palavra de explicação,
sem razão para matar ou morrer,
de morte matada,
de G3 na mão,
porquê eu, porquê tu, meu irmão,
mas com cinco litros de sangue no corpo,
a derramar pela Pátria, se for preciso,
em rega gota a gota,
ou até em bica aberta,
que a Pátria não se discute,
a Pátria, a Fátria ou a Mátria
que te pariu,
meu safado,
meu javardo,
a caminho da guerra,
que não sabes nem onde começa nem onde acaba.
E sobretudo quando acaba…
Recapitulas:
–Tite, Porto Gole, Ponta Varela…
E registas no teu caderninho
os primeiros termos da gíria de caserna:
embrulhanço, turras, gosse-gosse, djubi
mancarra, bunda, macaréu,
bolanha, irã, jagudi…
E eis que chegas agora,
ao primeiro porto, seguro,
um porto fluvial,
num sítio chamado Xime,
sem qualquer tabuleta que o identifique,
um pontão acostável,
meia dúzia de estacas no lodo,
caranguejos de um só pata
devorando a íris dos pobres dos mortos
arrastados pela fúria do macaréu,
uma guarnição militar a nível de companhia
com um destacamento no Enxalé,
do outro lado do rio e da bolanha.
Aqui começa o Geba Estreito, o Xaianga,
avisam-te,
e mais à frente é o Mato Cão,
que irás conhecer como a palma da tua mão,
um leito de rio incerto, sinuoso, viscoso,
como o corpo de uma serpente,
em que ficas ao alcance de uma granada de mão,
nas curvas da morte…
– Xime, meu amor! –
nunca o dirás
em nenhum aerograma,
porquê eu, porquê tu, meu irmão,
mas com cinco litros de sangue no corpo,
a derramar pela Pátria, se for preciso,
em rega gota a gota,
ou até em bica aberta,
que a Pátria não se discute,
a Pátria, a Fátria ou a Mátria
que te pariu,
meu safado,
meu javardo,
a caminho da guerra,
que não sabes nem onde começa nem onde acaba.
E sobretudo quando acaba…
Recapitulas:
–Tite, Porto Gole, Ponta Varela…
E registas no teu caderninho
os primeiros termos da gíria de caserna:
embrulhanço, turras, gosse-gosse, djubi
mancarra, bunda, macaréu,
bolanha, irã, jagudi…
E eis que chegas agora,
ao primeiro porto, seguro,
um porto fluvial,
num sítio chamado Xime,
sem qualquer tabuleta que o identifique,
um pontão acostável,
meia dúzia de estacas no lodo,
caranguejos de um só pata
devorando a íris dos pobres dos mortos
arrastados pela fúria do macaréu,
uma guarnição militar a nível de companhia
com um destacamento no Enxalé,
do outro lado do rio e da bolanha.
Aqui começa o Geba Estreito, o Xaianga,
avisam-te,
e mais à frente é o Mato Cão,
que irás conhecer como a palma da tua mão,
um leito de rio incerto, sinuoso, viscoso,
como o corpo de uma serpente,
em que ficas ao alcance de uma granada de mão,
nas curvas da morte…
– Xime, meu amor! –
nunca o dirás
em nenhum aerograma,
pela simples razão
de que nunca escreverás
nenhum aerograma a ninguém,
o Xime é uma bandeira das cinco quinas ao vento,
descolorida,
esfarrapada,
gente brava, lusitana,
três obuses Krupp, alemães,
de 10 ponto 5,
do tempo da II Guerra Mundial,
silenciosos mas ameaçadores,
meia dúzia de casas de estilo colonial,
de adobe e chapa de zinco,
e mais umas escassas dezenas de cubatas de colmo,
por entre poilões e mangueiros,
ruínas dum antigo posto administrativo,
restos de uma comunidade mandinga,
gente que não é de inteira confiança,
dir-te-ão mais tarde os teus soldados fulas,
vestígios de um decadente entreposto comercial,
cercados de holofotes,
arame farpado,
espaldões,
valas,
abrigos,
a estrada cortando ao meio a tabanca e o aquartelamento,
dois irmãos siameses condenados a viver e a morrer juntos…
– Bem vindos, piras,
camaradas,
amigos,
ao primeiro dia do inferno
que vai ser o resto das vossas vidas! –
Alguém, um velhinho, cacimbado,
da CART 1746,
apanhado do clima,
desgraçado,
que ouves com temor e reverência,
escreveu numa daquelas paredes de adobe,
desboroadas,
de cores desbotadas…
– Ah! Como tudo isto é tão triste, meu Deus!–
Duvido que tenhas dito Meu Deus!,
como não dirias turras,
que aos vinte e dois anos,
não evocavas o nome de Deus em vão,
e sentias-te órfão,
sem pai nem mãe no mundo,
nem tinhas carta de condução,
nem bússola,
nem nenhuma ideia definitiva sobre o sentido da vida
mas achavas ainda romântica a ideia
daquela maldita guerrilha…
E ali vais tu,
meio acagaçado, meio curioso,
disposto a salvar o coiro, o corpo,
mesmo perdendo a alma,
alinhado ma non troppo,
desformatado,
violentado na tua consciência,
o quico bem enterrado até às orelhas,
entre filas de velhinhos, brancos e pretos,
de lenços garridos ao pescoço,
com ar de fadistas,
a palhinha de capim ao canto da boca,
como o estereótipo do chulo do Bairro Alto,
fingindo fazer um cordão de segurança no mato,
até à famigerada bolanha de Madina Colhido,
a caminho de Bambadinca,
a próxima paragem (...)
Luís Graça - Por esse rio Geba acima [excerto],
poema inédito,
v8 23 mai 2014
_______________
Nota do editor:
Último poste da série > 27 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13199: Manuscrito(s) (Luís Graça):(29): "A boda e a baile mandado... não vás sem ser convidado"... E os bailes que organizávamos, na tabanca do Bataclã, nos intervalos da guerra ?
de que nunca escreverás
nenhum aerograma a ninguém,
o Xime é uma bandeira das cinco quinas ao vento,
descolorida,
esfarrapada,
gente brava, lusitana,
três obuses Krupp, alemães,
de 10 ponto 5,
do tempo da II Guerra Mundial,
silenciosos mas ameaçadores,
meia dúzia de casas de estilo colonial,
de adobe e chapa de zinco,
e mais umas escassas dezenas de cubatas de colmo,
por entre poilões e mangueiros,
ruínas dum antigo posto administrativo,
restos de uma comunidade mandinga,
gente que não é de inteira confiança,
dir-te-ão mais tarde os teus soldados fulas,
vestígios de um decadente entreposto comercial,
cercados de holofotes,
arame farpado,
espaldões,
valas,
abrigos,
a estrada cortando ao meio a tabanca e o aquartelamento,
dois irmãos siameses condenados a viver e a morrer juntos…
– Bem vindos, piras,
camaradas,
amigos,
ao primeiro dia do inferno
que vai ser o resto das vossas vidas! –
Alguém, um velhinho, cacimbado,
da CART 1746,
apanhado do clima,
desgraçado,
que ouves com temor e reverência,
escreveu numa daquelas paredes de adobe,
desboroadas,
de cores desbotadas…
– Ah! Como tudo isto é tão triste, meu Deus!–
Duvido que tenhas dito Meu Deus!,
como não dirias turras,
que aos vinte e dois anos,
não evocavas o nome de Deus em vão,
e sentias-te órfão,
sem pai nem mãe no mundo,
nem tinhas carta de condução,
nem bússola,
nem nenhuma ideia definitiva sobre o sentido da vida
mas achavas ainda romântica a ideia
daquela maldita guerrilha…
E ali vais tu,
meio acagaçado, meio curioso,
disposto a salvar o coiro, o corpo,
mesmo perdendo a alma,
alinhado ma non troppo,
desformatado,
violentado na tua consciência,
o quico bem enterrado até às orelhas,
entre filas de velhinhos, brancos e pretos,
de lenços garridos ao pescoço,
com ar de fadistas,
a palhinha de capim ao canto da boca,
como o estereótipo do chulo do Bairro Alto,
fingindo fazer um cordão de segurança no mato,
até à famigerada bolanha de Madina Colhido,
a caminho de Bambadinca,
a próxima paragem (...)
Luís Graça - Por esse rio Geba acima [excerto],
poema inédito,
v8 23 mai 2014
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13199: Manuscrito(s) (Luís Graça):(29): "A boda e a baile mandado... não vás sem ser convidado"... E os bailes que organizávamos, na tabanca do Bataclã, nos intervalos da guerra ?
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