Oeiras, Amadora > Academia Militar > Aquartelamento da Amadora > 1963 [Recorde-se que a Academia Militar toma esta designação em 1959, e tem o seu antecedente histórico na Escola do Exército, fundada em 12 de Janeiro de 1837 pelo Marquês de Sá da Bandeira. A sua sede é no Paço da Raínha ou Palácio da Bemposta, na Rua Gomes Freire, em Lisboa,. com um polo nma Amadora, desde 1959.
O município da Amadora foi cirado em 11 de setembro de 1977, por secessão das freguesias da Amadora e da Venteira, do nordeste do concelho de Oeiras. Entre os seus símbolos, contam-se o Aqueduto das Águas Livres, bem como os campos de aviação que tiveram tanta importância na emergência da aviação em Portugal, sendo que ainda hoje o Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa se situa no concelho, na freguesia de Alfragide. Na foto acima, veem-se os primeiros prédios da Reboleira, mais tarde freguesia, hoje extinta com a divisão municipal de 2013].
Foto: © Virgínio Briote (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]
Durante os primeiros anos do nosso blogue, o Virgínio Briote foi um membro da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia, como então lhe chamávamos), fidelíssimo, dedicado, empenhado, ativo, produtivo, ao mesmo tempo que ia produzindo e publicando textos, pessoalíssimos, belíssimos, no seu blogue Tantas Vidas: as dele, as do Gil Duarte, as da Teresa, sempre a Teresa, as do Capitão Valentim, as do Capitão Leão, as de uma geração inteira, de homens e mulheres, que amaram e desamaram, viveram e morreram, lutaram e perderam, a Dora, a Clara, a Matilde, o Leonel, o Manaças, o Marcolino da Mata e tantos outros, figuras de carne e osso que povoaram Brá, Bissau, Mansoa, o norte, o sul, o leste, as bolanhas, as picadas, as matas da Guiné... Foi o retrato de uma geração que ele construiu , como um puzzle, a partir da sua experiência, como comando e como homem, no TO da Guiné, nos anos de 1965/67...
Temos pena que, mais recentemente, ele tenha decidido desativar o seu blogue, Tantas Vidas (*). Matei por isso saudades, ao ler, de um só fôlego, o notável texto que se a seguir se reprodu, e que julgo ser inédito..
Ainda não perdi, totalmente, a esperança de um dia ainda conseguir publicar uma antologia dos seus textos.
Mas será que ele vai aceitar o meu desafio (que é sobretudo um pedido, de um leitor, amigo e camarada que o admira) para ele ir alimentando, discreta e pausadamente, esta série Tantas Vidas ?... Não combinei nada com ele nem posso assegurar a continuidade da série...
Não se trata de ressuscitar o seu blogue mas de dar a conhecer, a uma público, mais vasto, o dos seus camaradas e amigos da Guiné, sobretudo os que chegaram mais tarde à Tabanca Grande alguns dos melhores textos que ele na altura produziu (Hoje o blogue tem 6 vezes mais membros registados do que em 2006).
Se publicarmos pelo menos 6 postes está justificada a razão de ser da sére,,, E o Virgínio Briote, ou melhor, o seu heterónimo (Gil Duarte ou Gil da Silva Duarte) ainda tem muita cousa guardada no "baú"... (LG)
2. Tantas vidas (Gil da Silva Duarte / Virgínio Briote) (1) > Tantos anos depois. Recordar, porquê?
por Gil da Silva Duarte
[pseudónimo literário de Virgínio Briote, aqui na 5ª Rep, Café Bento, Bissau, maio de 1965 ]
Estojo, que é isto? A Star do pai, uma 6,35. Pegou nela, as seis balas no carregador, a cor dos cartuchos, os projécteis prateados, como se tivessem saído ontem da fábrica! Veio-lhe à memória a jura que fizera a ele próprio, ainda na Guiné, de nunca mais voltar a pegar numa arma.
Uma data de horas a separar a papelada, cartas, fotografias, tanto tempo passado e parecia-lhe ter sido ontem. Vieram as recordações, uma, depois outra, uma catadupa a seguir e a Guiné a voltar à tona do charco.
No dia seguinte, num princípio de uma tarde de Janeiro, com a Star do pai no bolso do blusão, montou na bicicleta e foi pelo caminho fora, a caminho da Barca do Lago.
O areal imenso de há quarenta anos estava muito mais pequeno. Seria assim ou os olhos já não eram os mesmos? Bicicleta encostada a um eucalipto, meteu-se pela areia fora, sentou-se em frente à casa dos Reids. Uma história infeliz nos meados dos anos 50 veio-lhe à lembrança. O dono daquela casa magnífica, nunca se soube porquê, metera uma bala na boca.
Pegou na Star, esteve uns momentos a mirá-la, depois lançou-a, bem para o meio das águas. Sentado, uma tarde num instante, reviu a vida toda para trás, os Rasas todos que conhecera, ele próprio. O Cávado, em frente, cheio de preguiça, sem vontade de se perder no mar.
Gil da Silva Duarte.
Às 5 horas de uma tarde cheia de sol, em Janeiro de 2005
[pseudónimo literário de Virgínio Briote, aqui na 5ª Rep, Café Bento, Bissau, maio de 1965 ]
Sou o sargento-mor R. F. do Arquivo Histórico-Militar, estou encarregado de fazer a história dos Comandos. O seu nome tem-me aparecido aqui em relatórios de operações e numa série de documentos. Tenho contactado com várias pessoas que fizeram a guerra da Guiné consigo, o sargento Mário Dias, o furriel João Parreira, o Marcelino da Mata e outros.
A razão do meu telefonema é saber se dispõe de documentação desse tempo e que me possa ajudar a reconstituir a história. Dos anos mais recentes tenho tudo, agora dos primeiros anos da formação dos comandos falta-me informação documentada. Que já tinham passado muitos anos, quase quarenta, que arrumara tudo em casa do pai, na aldeia de Fonte Seca, lá para o norte. Que, quando lá fosse, procuraria o material que tinha trazido e se o encontrasse, teria muito gosto em o entregar ao Arquivo.
Quando se voltou a sentar em frente ao computador, os olhos saltaram pela janela para o movimento da avenida. Por uns momentos, muita coisa começou a andar para trás.
As guerras são muito monótonas, não há variedade, sempre a mesma história, tiros, granadas, feridos, mortos. Está tudo contado há muito tempo. Porquê recordar?
Os factos das guerras têm pouco interesse, parece-me, são sempre iguais, vulgares. Afinal, uma batalha é o resultado de um trabalho de alguns dias, o planeamento. Depois é o estardalhaço de meia dúzia de minutos, estrondos, rebentamentos, gritos de ataque e de dor. Só isto.
Outra história é o que as guerras fizeram das pessoas, as que intervieram e as outras.
Fornadas de jovens, arrancados ao trabalho e ao estudo, espalhados pelas Mafras e Taviras do País, encaixotados nos comboios, nas camaratas, nos camarotes ou nos porões sujos e escuros dos Uíges, de G3 na mão pelas matas, savanas, tarrrafos e bolanhas, corações aos saltos, T6 e Fiats G-91 no ar, helis à procura de locais para pousarem, macas com feridos e mortos, os regressos aos abarracamentos, partir para outra, sempre assim, até ao fim dos dois anos. As guerras são todas assim, Comos, Madinas, Guidages, Guilejes, Gadamaeis foi tudo igual, já está tudo contado.
Quando se voltou a sentar em frente ao computador, os olhos saltaram pela janela para o movimento da avenida. Por uns momentos, muita coisa começou a andar para trás.
As guerras são muito monótonas, não há variedade, sempre a mesma história, tiros, granadas, feridos, mortos. Está tudo contado há muito tempo. Porquê recordar?
Os factos das guerras têm pouco interesse, parece-me, são sempre iguais, vulgares. Afinal, uma batalha é o resultado de um trabalho de alguns dias, o planeamento. Depois é o estardalhaço de meia dúzia de minutos, estrondos, rebentamentos, gritos de ataque e de dor. Só isto.
Outra história é o que as guerras fizeram das pessoas, as que intervieram e as outras.
Fornadas de jovens, arrancados ao trabalho e ao estudo, espalhados pelas Mafras e Taviras do País, encaixotados nos comboios, nas camaratas, nos camarotes ou nos porões sujos e escuros dos Uíges, de G3 na mão pelas matas, savanas, tarrrafos e bolanhas, corações aos saltos, T6 e Fiats G-91 no ar, helis à procura de locais para pousarem, macas com feridos e mortos, os regressos aos abarracamentos, partir para outra, sempre assim, até ao fim dos dois anos. As guerras são todas assim, Comos, Madinas, Guidages, Guilejes, Gadamaeis foi tudo igual, já está tudo contado.
O que está pouco contado é o que se passou a seguir. O regresso, o esquecimento, o deles não, que bem queriam mas não conseguiam. O sentimento de culpa por não terem desertado passou a viver em muitos deles. E, valha a verdade, tudo foi feito para que vivessem assim, esquecidos. Para que aqueles jovens que deram tudo o que tinham, se envergonhassem de terem defendido um governo colonialista. Foi o que Portugal lhes deu, interrompeu-lhes as vidas, ainda no começo, depois despacharam-nos com uma guia de marcha para as famílias, que tomassem conta deles.
Tempos depois, entrou no escritório que o pai tinha na casa de Fonte Seca. Olhou para a papelada acumulada, mais de quarenta anos de pó, do pai e dele. Gavetas para fora, virou-as ao contrário. Papéis amarelecidos, fotos daquele preto e branco com muitos anos.
Tudo fora da ordem, coisas misturadas, um papel com uns apontamentos à mão, numa letra de alguém que devia estar com uma pressa danada, uma data de Janeiro de 65, uma foto logo a seguir com quatro camaradas sorridentes, empoleirados numa barcaça do navio, as fardas novinhas, ainda com os vincos a notarem-se nos calções, as pernas e os braços muito brancos, o sol a dar-lhes com um mar calmo à volta.
E logo a seguir outra foto, com um deles a escorrer sangue que foi com certeza vermelho por uma daquelas pernas abaixo, 12 de Setembro de 65, granada, só isso nas traseiras da foto.
Há pretas bonitas aí onde estás? Dizem aqui que elas andam nas ruas sem soutien, já viste alguma, uma madrinha de guerra curiosa. Uma boina que já foi preta, um emblema de plástico, uma Playboy com a Marilyn na capa, as folhas da revista com sinais de muito uso, muitas mãos passaram por ali, pelo menos um pelotão inteiro, corneteiros e tudo.
Um papel azul de 35 linhas, oficial, do Exército Português, DESPACHO, o título a meio, meia dúzia de linhas muito bem arrumadas, que é para aprenderes a respeitar a ordem pública. Mais uma foto, uma balanta, sorridente, uma cabaça com água na cabeça, as mãos a segurá-la, a água, sorridente também, a escorrer-lhe pelas mamas empinadas, mais apetitosas ainda.
Uma clareira, o sol a inundar a imagem, um pelotão em fila de pirilau, uns a olhar para o chão, outros para muito longe dali. Um relatório de operações, um ataque fulminante das NT desbaratou totalmente as forças IN que os emboscaram. Perseguidos pelo pelotão do alferes T., foram deixando para trás o material que abaixo se indica. E indicava-se. Uma granada de mão ofensiva, um porta-cartucheiras, cerca de 100 munições de vários calibres e mais material não especificado.
Uma carta de Bissau, uma foto com uma dedicatória, para nos momentos de solidão te lembrares de mim. E outra foto, uma mesa cheia de garrafas de cerveja, e um gajo com cara de sono, olhar morto, apalermado para a câmara.
E mais papéis. Outro documento do Exército, tão oficial como o outro, com o título a meio, PUNIÇÃO e mais uma série de linhas muito bem organizadas, letras a baterem certinhas, como se tivesse sido um designer a arrumá-las. Meu querido filho, nesta altura que te escrevo já deves estar a fazer as malas para te vires embora. Embora ainda não, mãe, há ainda muita tralha para pôr na ordem.
Outro documento do Exército, letras muito bem organizadas, o s também, sempre a insistir em querer ficar um pouco acima das outras, mas o título sempre a meio, LOUVOR, estás a ver como estás a aprender a respeitar a ordem estabelecida? Não tarda e estás feito um cidadão como deve ser, cumprir primeiro, cumprir segundo, cumprir terceiro e por aí fora.
Talvez depois tenhas um prémio, quem sabe?
Escrevo-lhe esta para lhe dar conhecimento que o meu marido, chamado Roberto, soldado do seu grupo, já não me escreve vai para dois meses e meio. Eu sei que não lhe aconteceu mal nenhum porque as más notícias correm muito depressa, não é? Peça por tudo ao meu marido que me escreva, por amor de quem lá tem, senhor alferes, que eu sei que é um homem direito.
Sabes onde te estou a escrever? Na cama, com a tv em frente, a ver o diário da volta, os ciclistas, serra da Estrela acima, com um calor que não imaginas. Fui sair depois do jantar, apanhar um pouco de fresco até à baía, encontrei o idiota do P., não me larga nem por nada, vim logo a correr para casa. O calor, aqui dentro de casa, pega-se. À falta de um balde de gelo onde eu coubesse, meti-me no chuveiro, e deixei-me estar com a água a correr até a mãe bater à porta. Nem roupa nem nada, estou assim, com o livro em cima dos joelhos, a servir de secretária. Ainda te lembras do pôr-do-sol no Monte Brasil? E daquelas tardes loucas nos Biscoitos, os dois sós, sem roupa?
Ordem de serviço, abates à carga, transferências, punições, louvores, comissões dadas por finda, prorrogações de comissão por mais um ano. Mais e mais fotos, uma cópia da operação Vamp, setas a vermelho e verde no croqui a papel vegetal. Que é que interessa agora se este croquis mente, se a entrada para o acampamento não foi por aí, mas sim pelo trilho que vem do Senegal?
Tempos depois, entrou no escritório que o pai tinha na casa de Fonte Seca. Olhou para a papelada acumulada, mais de quarenta anos de pó, do pai e dele. Gavetas para fora, virou-as ao contrário. Papéis amarelecidos, fotos daquele preto e branco com muitos anos.
Tudo fora da ordem, coisas misturadas, um papel com uns apontamentos à mão, numa letra de alguém que devia estar com uma pressa danada, uma data de Janeiro de 65, uma foto logo a seguir com quatro camaradas sorridentes, empoleirados numa barcaça do navio, as fardas novinhas, ainda com os vincos a notarem-se nos calções, as pernas e os braços muito brancos, o sol a dar-lhes com um mar calmo à volta.
E logo a seguir outra foto, com um deles a escorrer sangue que foi com certeza vermelho por uma daquelas pernas abaixo, 12 de Setembro de 65, granada, só isso nas traseiras da foto.
Há pretas bonitas aí onde estás? Dizem aqui que elas andam nas ruas sem soutien, já viste alguma, uma madrinha de guerra curiosa. Uma boina que já foi preta, um emblema de plástico, uma Playboy com a Marilyn na capa, as folhas da revista com sinais de muito uso, muitas mãos passaram por ali, pelo menos um pelotão inteiro, corneteiros e tudo.
Um papel azul de 35 linhas, oficial, do Exército Português, DESPACHO, o título a meio, meia dúzia de linhas muito bem arrumadas, que é para aprenderes a respeitar a ordem pública. Mais uma foto, uma balanta, sorridente, uma cabaça com água na cabeça, as mãos a segurá-la, a água, sorridente também, a escorrer-lhe pelas mamas empinadas, mais apetitosas ainda.
Uma clareira, o sol a inundar a imagem, um pelotão em fila de pirilau, uns a olhar para o chão, outros para muito longe dali. Um relatório de operações, um ataque fulminante das NT desbaratou totalmente as forças IN que os emboscaram. Perseguidos pelo pelotão do alferes T., foram deixando para trás o material que abaixo se indica. E indicava-se. Uma granada de mão ofensiva, um porta-cartucheiras, cerca de 100 munições de vários calibres e mais material não especificado.
Uma carta de Bissau, uma foto com uma dedicatória, para nos momentos de solidão te lembrares de mim. E outra foto, uma mesa cheia de garrafas de cerveja, e um gajo com cara de sono, olhar morto, apalermado para a câmara.
E mais papéis. Outro documento do Exército, tão oficial como o outro, com o título a meio, PUNIÇÃO e mais uma série de linhas muito bem organizadas, letras a baterem certinhas, como se tivesse sido um designer a arrumá-las. Meu querido filho, nesta altura que te escrevo já deves estar a fazer as malas para te vires embora. Embora ainda não, mãe, há ainda muita tralha para pôr na ordem.
Outro documento do Exército, letras muito bem organizadas, o s também, sempre a insistir em querer ficar um pouco acima das outras, mas o título sempre a meio, LOUVOR, estás a ver como estás a aprender a respeitar a ordem estabelecida? Não tarda e estás feito um cidadão como deve ser, cumprir primeiro, cumprir segundo, cumprir terceiro e por aí fora.
Talvez depois tenhas um prémio, quem sabe?
Escrevo-lhe esta para lhe dar conhecimento que o meu marido, chamado Roberto, soldado do seu grupo, já não me escreve vai para dois meses e meio. Eu sei que não lhe aconteceu mal nenhum porque as más notícias correm muito depressa, não é? Peça por tudo ao meu marido que me escreva, por amor de quem lá tem, senhor alferes, que eu sei que é um homem direito.
Sabes onde te estou a escrever? Na cama, com a tv em frente, a ver o diário da volta, os ciclistas, serra da Estrela acima, com um calor que não imaginas. Fui sair depois do jantar, apanhar um pouco de fresco até à baía, encontrei o idiota do P., não me larga nem por nada, vim logo a correr para casa. O calor, aqui dentro de casa, pega-se. À falta de um balde de gelo onde eu coubesse, meti-me no chuveiro, e deixei-me estar com a água a correr até a mãe bater à porta. Nem roupa nem nada, estou assim, com o livro em cima dos joelhos, a servir de secretária. Ainda te lembras do pôr-do-sol no Monte Brasil? E daquelas tardes loucas nos Biscoitos, os dois sós, sem roupa?
Ordem de serviço, abates à carga, transferências, punições, louvores, comissões dadas por finda, prorrogações de comissão por mais um ano. Mais e mais fotos, uma cópia da operação Vamp, setas a vermelho e verde no croqui a papel vegetal. Que é que interessa agora se este croquis mente, se a entrada para o acampamento não foi por aí, mas sim pelo trilho que vem do Senegal?
Star 6.35, modelo CU. Cortesis de Star-Firearms |
Uma data de horas a separar a papelada, cartas, fotografias, tanto tempo passado e parecia-lhe ter sido ontem. Vieram as recordações, uma, depois outra, uma catadupa a seguir e a Guiné a voltar à tona do charco.
No dia seguinte, num princípio de uma tarde de Janeiro, com a Star do pai no bolso do blusão, montou na bicicleta e foi pelo caminho fora, a caminho da Barca do Lago.
O areal imenso de há quarenta anos estava muito mais pequeno. Seria assim ou os olhos já não eram os mesmos? Bicicleta encostada a um eucalipto, meteu-se pela areia fora, sentou-se em frente à casa dos Reids. Uma história infeliz nos meados dos anos 50 veio-lhe à lembrança. O dono daquela casa magnífica, nunca se soube porquê, metera uma bala na boca.
Pegou na Star, esteve uns momentos a mirá-la, depois lançou-a, bem para o meio das águas. Sentado, uma tarde num instante, reviu a vida toda para trás, os Rasas todos que conhecera, ele próprio. O Cávado, em frente, cheio de preguiça, sem vontade de se perder no mar.
Gil da Silva Duarte.
Às 5 horas de uma tarde cheia de sol, em Janeiro de 2005
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Nota do editor:
Nota do editor:
(*) Vd, I Série > Poste de 10 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXIX: Tantas Vidas, o blogue do nosso camarada Virgínio Briote
(..) Temos mais um camarada nosso que se tornou bloguista: o Virgínio Briote (ex-alferes miliciano comando, Brá, 1965/67). É com muita satisfação ( ) que vejo o nosso VB a dar os primeiros passos na pilotagem do seu próprio blogue... A gente já sabia que ele tinha o bichinho da escrita. A blogosfera é um outro passo a seguir, lógico e natural... Sentimo-nos honrados por ele ter andado também connosco, nestes últimos meses...O VB (...) comunicou-me que o blogue foi uma surpresa e uma prenda dos filhos: que ternura!... O blogue chama-se Tantas Vidas.
"Estou a aproveitar o espaço para treinar, relato pequenas histórias do dia a dia e vou publicar algumas partes dos meus dias na Guiné". Desde 6 de Fevereiro de 2006, o italiano (sic) já lá pôs uma meia dúzia de boas estórias na categoria Guiné.
Tem outra secção (ou categoria) chamada Contos Curtos, altamente promissora (Que estória, de primeira água, a do Inácio, militante delicado!)...
O nosso VB, um andarilho do mundo, promete: talento, sensibilidade, fino trato, sentido de humor, capacidade de efabulação, matéria-prima, mundo percorrido, vidas vividas... nada lhe falta. Tivemos aqui o privilégio de publicar algumas peças dele, que são de antologia...
Espero que ele continue a aparecer por aqui, quanto mais não seja em patrulha... de nomadização. Boa saúde, boa navegação, camarada! E que o teu belo exemplo contagie outros amigos e camaradas. Por que viver e escrever... é preciso!
PS - Adorei o poste 1. O Caminho para lá: deliciosa descrição da viagem até Guiné, no Alfredo da Silva, com as peripécias do Capitão Matos e do Alferes Gil no Funchal, no Mindelo, em Bissau... Cinco estrelas, VB!
[Estes links foram descontinuados, com a desativação do blogue Tantas Vidas] [LG]
(..) Temos mais um camarada nosso que se tornou bloguista: o Virgínio Briote (ex-alferes miliciano comando, Brá, 1965/67). É com muita satisfação ( ) que vejo o nosso VB a dar os primeiros passos na pilotagem do seu próprio blogue... A gente já sabia que ele tinha o bichinho da escrita. A blogosfera é um outro passo a seguir, lógico e natural... Sentimo-nos honrados por ele ter andado também connosco, nestes últimos meses...O VB (...) comunicou-me que o blogue foi uma surpresa e uma prenda dos filhos: que ternura!... O blogue chama-se Tantas Vidas.
"Estou a aproveitar o espaço para treinar, relato pequenas histórias do dia a dia e vou publicar algumas partes dos meus dias na Guiné". Desde 6 de Fevereiro de 2006, o italiano (sic) já lá pôs uma meia dúzia de boas estórias na categoria Guiné.
Tem outra secção (ou categoria) chamada Contos Curtos, altamente promissora (Que estória, de primeira água, a do Inácio, militante delicado!)...
O nosso VB, um andarilho do mundo, promete: talento, sensibilidade, fino trato, sentido de humor, capacidade de efabulação, matéria-prima, mundo percorrido, vidas vividas... nada lhe falta. Tivemos aqui o privilégio de publicar algumas peças dele, que são de antologia...
Espero que ele continue a aparecer por aqui, quanto mais não seja em patrulha... de nomadização. Boa saúde, boa navegação, camarada! E que o teu belo exemplo contagie outros amigos e camaradas. Por que viver e escrever... é preciso!
PS - Adorei o poste 1. O Caminho para lá: deliciosa descrição da viagem até Guiné, no Alfredo da Silva, com as peripécias do Capitão Matos e do Alferes Gil no Funchal, no Mindelo, em Bissau... Cinco estrelas, VB!
[Estes links foram descontinuados, com a desativação do blogue Tantas Vidas] [LG]
5 comentários:
Amigos e camaradas, eu sei que este não é um blogue de escritores profissionais... Mas também é verdade que daqui já sairam alguns, bastantes, bons livros e hão de sair mais... Aqui têm-se revelado inesperados talentos literários... Há aqui muitos camaradas a escrever bem...
Não me levam, pois, a mal que eu chame a atenção para a qualidade literária deste texto do Gil da Silva Duarte, ou melhor, Virgínio Briote... Sem desprimor para ninguém, e muito menos para os nossos escritores da Tabanca Grande com obra publicada...
Exactamente, meus caros Luís e Briote, escrita límpida, brilhantissima.
Muitos escrevemos livros sobre a nossa Guiné (eu incluído!), obras de duvidosa qualidade, não pelo que vivemos, mas pelo modo como damos no papel testemunho dessas nossas vivências. O Briote pertence à nata literária dos que, com exaltante saber de dolorosa experiência feita,
nos trazem o florão das nossas vidas.
Abraço,
António Graça de Abreu
Olá Gil Duarte,
Há quanto tempo nada sobre ti via aqui escrito...Gostei do que li e voltei a parar para meditar um pouco. De facto - o depois de - é bem mais dificil...por isso gosto de estar entre serras e só. Mas Lisboa e o Sul fazem-me falta. De quando em vez zarpo e entro no outro, volto e esqueço-me de mim, felizmente.Ouvi o "Bairro Alto", li sobre os acontecimentos do Baile de 65 em Bissau, intrometeu-se, nem sei como, o ataque ,Mai/68, a Bambadinca e certas conseqencias que provocou e "rascunhei" um escrito.Não teclei e rasguei. Porquê? Pelo tal "depois", pela exposição aqui,por voltar a pensar ou a meditar naquela droga e não só. Nada de bom se perdeu e há muito que nada escrevo...o ultimo será talvez "A Impotencia da Escrita". Hoje deste-me uma ideia e talvez a ponha em prática...vou pensar.
Continua pois o Blogue fica mais "composto". Um abração, Torcato
Também concordo com os antecedentes: o Virgínio escreve muito bem. Reparei nisso há cerca de um ano, com a leitura de um texto muito correcto, e há poucos dias, também achei muito interessante o estilo a que se propôs descrever os acontecimentos ocorridos no baile dos finalistas.
Significa isso, que ao longo dos anos recentes temos "perdido" muitas ocasiões para conviver com dos melhores de nós.
Mas o Virginio é acima de tudo um camarada delicado e despretensioso, pelo que me atrevo a lançar-lhe o repto para puxar dos galões, e deitar cá para fora todas as ocorrências das vulvas (1) inspiradoras.
Abraços fraternos
JD
(1) Vulvas são partes delicadas do belo sexo, que os homens por norma começam a descobrir com a puberdade. Mas há, felizmente, quem lhes dê recortes literários. Se for um florão de vulvas, então... leio, leio, até ficar extasiado.
Já admirava o camarada Virgínio Briote pelo que fui conhecendo em alguns postes que visitei. Admirava a sua atitude, a sua verticalidade, o seu talento. Mas não conhecia nem conheço todos os seus textos.
Este, encantou-me! Alguns parágrafos senti-os de uma beleza extraordinária. Quem escreve assim,não pode guardar na gaveta(ou no baú) tão fina sensibilidade e tão grande talento. Tem que sair de si e comunicar-se. Que não lhe falte a saúde, a inspiração, a vontade e o tempo.
Um grande abraço de parabéns.
JLFernandes
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