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sexta-feira, 2 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26753: VI Viagem a Timor Leste: 2025 (Rui Chamusco, ASTIL) - IV (e última) Parte: de 9 a 19 de abril de 2025: um país, de cultura riquíssima, onde algumas das suas melhores tradições, como o Fase Matan, correm o risco de perder



A foto e a legenda é da página do Facebook do Nunes José Nunes Martins, com data de 27 de março ·

"Imagem com história verdadeira:  Primeiro Ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, visita surpresa e celebra com a comunidade o 7ºaniversário da Escola São Francisco de Assis "Paz e Bem". Rui Chamusco sorri ao ver Xanana com tanto interesse na concertina aos ombros da menina que alegremente o recebe.

A imagem vale por mil palavras! (Nota: trata-se uma das  imagens oficiais do Governo de Timor!)



Rui Chamusco

1. Mensagem do Rui Chamusco, ainda em Díli, Timor-Leste, mas que entretanto já regressou à sua casa, na Lourinhã, Portugal, a 20 mil km de distância 

Data - sábado, 19/04, 13:00 (há 12 dias)
Assunto - Crónicas de Tiumor-Leste

Estimados amigos,

Desde a Terra do Sol Nascente,  os meus votos de Boas Festas de Páscoa. 

Que a alegria de Jesus Ressuscitado seja a nossa força e esperança num mundo melhor.

Quase a chegar ao fim desta minha estadia, envio-vos um cheirinho das últimas crónicas que escrevi.

Um grande abraço,  Rui

 
2. O Rui  Chamusco é membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de maio de 2024. Tem mais de 60 referências no nosso blogue.  Natural da Malcata, Sabugal, vive na Lourinhã onde durante cerca de 4 décadas foi professor de música no ensino secundário. É um dos cofundadores e dirigentes da ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste), criada em 2015, com sede em Coimbra, com outros amigos, o luso-timorense Gaspar Sobral e a  malcatense  Glória Sobral. A ASTIL fundou em Boebau, nas montanhas de Liquiçá, uma escola, a ESFA (Escola São Francisco de Assis), em 2018. Voltou a Timor-Leste, em 2025, pela sexta vez. 



VI Viagem a Timor Leste: 2025 (Rui Chamusco, ASTIL) - IV (e última) Parte: de 9 a 19 de abril de 2025: um país, de cultura riquíssima,  onde algumas das suas melhores tradições, como o Fase Matan, correm o risco de perder



 
09.04.2025, quarta – As promessas são para ser cumpridas…

A seguir ao VII aniversário da ESFA prometi que eu voltaria a passar mais uns dias em Boebau antes de regressar a Portugal. E assim fiz… No dia 9 deste mês eu mais o inseparável Eustáquio (o que é que eu aqui faria sem este precioso amigo?), lá vamos nós outra vez a caminho da Escola São Francisco de Assis. E, já sabemos, que cada vez que vamos ou vimos de Boebau, temos de contar com as dificuldades e os imprevistos do percurso.

Estes dias tem chovido muito por cá, e há que contar com os buracos mais acentuados, com os lamaçais, com as terras que deslizaram para os caminhos, cvom os montes de pedra e areia que depositaram à borda desses caminhos devido às obras em curso promovidas pelo programa de desenvolvimento rural que está a ser implementado pelo governo timorense. Apesar de alguns melhoramentos já verificados, o baloiço e a aflição dão sempre cabo deste corpo que está cada vez mais escangalhado e em que o Pdi (Porra da Idade) faz questão de se fazer notar. Mas pronto. 

Como disse a primeira vez que a professora Cristina visitou Boebau,  “ vale a pena tanto esforço porque estas paisagens enchem-nos a alma. Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”… 

Então cá estamos nós a dar apoio a esta comunidade escolar de alunos, professores e todos aqueles que de uma forma ou de outra estão envolvidos neste projeto solidário.


10.04.2025, quinta – Outra vez com as portas fechadas

A casa dos professores está cheia. Desta vez pernoitamos nela seis pessoas, umas a dormir nos colchões que são três, outras a dormir no chão. Eu sou sempre um privilegiado, talvez por consideração em ser velho ou por respeito ao abô Rui, destinam-me sempre um quarto com colchão. 

Até aqui tudo bem. O pior é quando acontece o imprevisto. Eu tenho o costume, quando estou em Boebau, de me levantar várias vezes durante a noite para passear, para ver as paisagens ao luar, para ouvir as ribeiras que passam de ambos os lados, ou até para outras coisas. Ontem já passava da meia noite quando, regressando desse passeio noturno, me preparava para entrar de novo em casa. Então não é que a porta, que eu deixei aberta quando saí, estava bem fechada à chave? 

Que grande “tampa” me deram. E eu a pensar quem foi, quem não foi e a ter de tomar uma decisão ad hoc. Cá fora está frio, lá para dentro não posso ir, que fazer? Seis ou sete horas ao relento dão cabo de mim. A chave da escola também está lá dentro. E o tempo ia passando enquanto maus pensamentos me atormentavam, até que tomei a decisão de dar a volta à casa, e bater suavemente na porta traseira procurando que alguém ouvisse e me abrisse a porta. 

Depois de algum tempo alguém perguntou: 

– Quem é?

– É o Rui!” – respondi eu.

E quando ouço a chave da porta a desandar, todo o meu ser se aliviou. Afinal o Eustáquio e o professor Alarico ainda estavam conversando na sala.

 Quem fechou a porta?– perguntei.

– Foi o Alarico. Ele não sabia que o Tiu estava fora  disse o Eustáquio. 

Depois, foi rir à gargalhada com os comentários que fazíamos. Mas aprendi bem a lição: nunca mais sair à noite sem levar a chave comigo.


11.04.2025, sexta – Histórias da História: o homem que viajou na ponta de canhão

De vez em quando aparecem histórias destas por aqui. Depois de chegarmos a Ailok Laran, e enquanto bebíamos um café, o Eustáquio chamou-me a atenção para o senhor que conversava lá fora com o irmão Mari (Mário). 

– Quem é o Senhor? – perguntei.

– É o Apeo (Pedro)   
– respondeu. 

Então é assim. O Apeo no tempo da invasão indonésia em Timor Leste, não sei se em luta pela resistência timorense ou noutra situação, foi ferido pelos invasores, que atacavam com carros de combate. Como não tinham outro meio de transporte, colocaram o homem ferido na ponta do canhão, e assim foi transportado para Dili a fim se ser assistido. 

Pois o homem que andou na ponta de um canhão, aqui está ainda bem vivo e fresquinho, a fazer visita e companhia a este amigo Mari. Grande Apeo!...

14.04.2025, segunda  – O que fazer, quando não há nada para fazer?



Sim, há dias assim. E então, quando estás em terra estrangeira, privado dos meios de locomoção a que está habituado, ou seja sem o teu carro, dependente de segundos, o tempo que estás parado parece uma eternidade e suscita talentos não habituais que frequentemente não utilizamos, sobretudo a leitura e a escrita. 

E é por isso que estou escrevendo: E é por isso que por ser escritor durante as minhas seis estadias neste país irmão Timor Leste que as minhas crónicas já estão a chegar às trezentas páginas. Não fora Timor Leste o e projeto de solidariedade em que estamos empenhados, nada destes escritos teriam vindo a lume. Até por isso, valeu e vale a pena ter estado em Timor. 

Hoje é Dia de Ramos. E, enquanto eu estou retido neste habitáculo onde escrevo, uma multidão de gente está-se movimentando para participar na celebração deste evento religioso, o primeiro da semana santa que na igreja católica hoje se inicia. Uma semana repleta de rituais, de celebrações que nos levam à festa mais importante do calendário litúrgico: a Páscoa, a Ressurreição, a vida nova.

 Para os que têm fé e acreditam esta é a grande notícia: Cristo venceu a morte. Ressuscitou!... A Ressurreição de Cristo é a garantia da nossa ressurreição. “Se com Ele morremos, com Ele vivemos, com Ele cantamos: Aleluia!”

16.04.2025, quarta – “Rapaziada da vida airada…” / Cerimónia do “Fase Pima”

Hoje foi o dia escolhido pelos construtores da campa da Aurora (a saudos esposa do Eustáquio) para fazer o “remate”. Embora eles já tenham terminado a obra há bastantes dias, só agora a deram por acabada. E eu perguntava ao Eustáquio: 

– Já terminaram ?

– Sim! – disse ele. 

– Então por que deixaram aqui os materiais (baldes, colheres, fios, etc…)? 

– Porque agora tem de haver o ritual da lavagem dos materiais e a celebração. Aqui, em Timor é assim, faz parte da nossa cultura. Temos de fazer a cerimónia do “Fase Pima” (que, traduzido do tétum quer dizer “lavagem das mãos).

Fiquei estupefato, e a pensar comigo: "mais comes e bebes, mais bebedeiras, mais cigarros, mais despesas para a família.” 

Então logo de manhã aparecem os três moços que construíram a campa, que mais não vi fazer do que ouvir músicas nos telemóveis, fumar cigarros e um pouco de conversa. Depois do almoço é que foi a festa. Começaram a juntar-se junto à campa a rapaziada da vida airada, alguns já bem nossos conhecidos pelos seus excessos alcoólicos e pelas figuras tristes que daí lhes advêm. E não foi certamente para rezarem pela alma da Aurora, mas sim para entre copos, alguma comida, música e muitos cigarros, se divertirem e fazerem a festa à sua maneira. 

Coitada da Aurora! O que dirá ela perante estes festejos?... Ela que me perdoe, mas não são nada ao meu gosto. Mas, por respeito aos mortos e aos vivos deste país, que tem a sua tradição e cultura identitária, tenho de respeitar e aceitar que façam assim.

18.04.2025, sexta feira santa – Da terra para o mar…

Há dias assim. Hoje, sexta feira santa, quando tudo fazia crer que não havia nada para fazer, surge um convite depois do almoço. O Fred (Frederico Sobral),  filho do Abeca, veio convidar-me para ir a Casait visitar o projeto de criação de tartarugas, que desde há três anos vem desenvolvendo um pequeno grupo de doze voluntários, em prole da preservação desta espécie marinha. 

Anui sem hesitação, e sem demoras pusemo-nos a caminho no jipe da família,  um Pajero Patrol, que mesmo a cair aos bocados, arrancou todo contente pelas ruas e estradas que nos conduzem de Ailok Laran ao local do destino. 

A título de memória, foi este carro que me(nos) levou a primeira vez a Boebau e que consta em descrições nas Primeiras Crónicas de 2016. Carregado com viajantes como eu, a Adobe, a Glória, o Afun e o condutor Fred, depressa galgou os quilómetros do percurso, deixando-nos mesmo á beira mar, junto às pequenas instalações onde os ovos e as pequenas tartarugas dão início às suas vidas. 

Este projeto que muitos já conhecem porque o visitaram ou viram reportagens televisivas sobre o mesmo, e que, sem qualquer apoio do Estado ou de outras entidades procuram manter apesar das muitas dificuldades, por exemplo muitas das tartarugas bebés morrem por falta de
alimento apropriado (gema de ovos), é um exemplo do empenho e dedicação destes doze jovens que, sem qualquer remuneração monetária, fazem este belo trabalho de procurarem os
ovos na praia, arranjar os tanques incubadores, alimentar os bebés e devolver estas novas criaturas ao seu habitat natural que é o mar. 

De vez em quando são anunciados os dias em que se vai fazer o lançamento no mar, E é então que as pessoas interessadas, e sobretudo as crianças das escolas, se deslocam para vivenciar este espetáculo único. Nós tivemos o privilégio de, orientados pelos amigos Frederico Sobral e N… Braz (dois dos fundadores deste movimento) conhecermos ao pormenor todas estas etapas. 

E confesso que tive uma emoção enorme quando eles apareceram com três pequenas tartarugas, cada uma dentro de uma metade de coco, a nadarem e nos disseram para dar o nome a cada uma. E eu adiantei: Glória, Adobe e Rui, e assim foram batizadas. Depois, cada um de nós com o seu bebé, entramos um pouco no mar e, ao sinal de contagem de três a zero, largamos as meninas carinhosamente, até vê-las desaparecer. 

Foi-nos dito que as fêmeas, porque já está gravado no seu ADN, vão voltar. Que mais não seja para pôr os seus ovos. À semelhança de São Francisco de Assis direi:

“Louvado sejas meu Senhor por todas as tuas criaturas, e especialmente pelas irmãs tartarugas
que são tão lindas e belas. De Ti,  Altíssimo nos fazem lembrar”.

19.04.2025, sábado – O “Fase Matan”

Logo de manhã, ao consultar as notícias no Facebook, deparo com uma publicação do jornal nacional  "Diligente” que me surpreendeu e passo a registar nesta crónicas.

Sendo eu ávido da cultura timorense, não poderia ficar insensível a tal publicação, mais a mais envolvendo rituais em que os protagonistas são as crianças.





"Cresce com dedicação ao trabalho. Aprende a limpar a tua casa, a preparar a terra e a plantar o teu próprio alimento"


Quando ver é mais do que olhar: a tradição do Fase Matan em Timor

Jornal “Diligente” |  Rilijanto Viana | 19 de abril de 2025 (reproduzido com a devida vénia)


Segundo a crença dos timorenses, a tradição do Fase Matan — que significa literalmente “lavar os olhos” — é realizada para garantir que, no futuro, a criança desenvolva uma visão clara e apurada. Além disso, marca simbolicamente a libertação da mãe, permitindo-lhe voltar a sair de casa e usar água fria. Contudo, esta prática começa a rarear na sociedade atual, levando os praticantes a apelar à preservação deste ritual ancestral.

O sol ainda mal iluminava as montanhas de Dare, aldeia situada a cerca de dois quilómetros de Díli. Eram seis da manhã. Crianças corriam e brincavam sob tendas improvisadas; mulheres mais velhas preparavam comida nas cozinhas; e os homens estendiam um tapete à entrada da casa. As famílias começavam a juntar-se para dar início à cerimónia.

Sobre o tapete, foram colocados dois pratos cheios de água, folhas, um anel e uma moeda de dez centavos. Ao lado, também estavam a noz de areca e cigarros tradicionais. Dentro da casa, a tia Rosa de Aleixo trazia às costas um cesto, uma alavanca e uma catana, enquanto o tio Virgílio Fátima carregava o bebé recém-nascido, segurando um caderno e um lápis nas mãos.

Pouco depois, saíram do quarto. Lá fora, todos os familiares se levantaram para os acompanhar, caminhando lentamente até à esteira, colocada a cerca de três metros de distância. Quando chegaram, tia Rosa começou a cortar as ervas com a catana e, com a alavanca, abriu um pequeno buraco na terra, dizendo em voz alta: 

“Cresce com dedicação ao trabalho. Aprende a limpar a tua casa, a preparar a terra e a plantar o teu próprio alimento.”

De seguida, o tio Virgílio sentou-se com o bebé na esteira e, com grande delicadeza, passou as folhas sobre os olhos da criança, dizendo: “Lavo os teus olhos para que no futuro vejas tudo claramente.” Depois, pegou no anel e repetiu o gesto, pronunciando:

“Lavo os teus olhos para que no futuro possas ver toda a tua família, sejas sábio e saibas observar o mundo à tua volta.”

Terminada esta fase, o tio abriu o caderno onde estavam escritos o nome completo e a
data de nascimento do bebé, e murmurou-lhe ao ouvido: “

"O teu nome é Queinaya Viana de Aleixo. Este caderno e este lápis são para tu segurares, escreveres e estudares, para que tenhas pensamentos brilhantes.”

Ergueu então o bebé em direção ao sol nascente, para que recebesse a luz e a energia do novo dia. Após este gesto, tanto o tio como a tia esfregaram os próprios olhos com as folhas, a Moeda e o anel, como sinal de proteção. Os restantes membros da família também repetiram o ritual, esfregando estes objetos nos olhos.


Os familiares presentes na cerimónia também devem lavar seus olhos para os proteger

Foto: Diligente


Um gesto ancestral para proteger e abençoar a criança


 
 A cerimónia do Fase Matan é realizada desde tempos ancestrais. Costuma acontecer três dias ou uma semana após o nascimento. De acordo com a tradição, lavar os olhos do bebé evita que a sua visão se torne “cinzenta” e também assinala o momento em ue a mãe pode voltar a usar água fria.

Além da cerimónia, a ocasião é também um momento de convívio comunitário. Familiares e vizinhos trazem ofertas práticas como sabonete, sabão em pó, fraldas e toalhas para dar as boas-vindas ao recém-nascido.

Afonso Aleixo Bareto, representante da família, explicou que o Fase Matan é uma prática para pedir matak malirin — a bênção natural — para que a criança cresça saudável. “Se não realizarmos esta prática, no futuro a criança poderá não compreender bem o mundo”, alertou.

A cerimónia deve ocorrer antes do nascer do sol, para que a criança aprenda a levantar-se cedo e desenvolver hábitos de responsabilidade. Afonso sublinhou ainda que todos os que assistiram ao parto — seja em casa ou no hospital — devem participar no ritual de lavar os olhos, como forma de proteger a própria visão.

Entre os materiais essenciais estão água retirada diretamente de uma nascente natural, para garantir frescura e pureza; folhas da planta ai lauk, conhecidas pela sua energia vitalizante; um anel ou uma moeda de dez centavos, símbolos de luz e roteção visual e materiais agrícolas e escolares, para orientar o bebé no trabalho e no estudo.

“O ai lauk cresce perto da nascente e é ele que dá vida à água, por isso consideramos
que ele transmite essa energia vital ao desenvolvimento da criança”, explicou.

As mulheres realizam o ritual dentro da casa, simbolizando o trabalho doméstico, enquanto os homens realizam-no no exterior, representando o trabalho agrícola.

O cesto, a catana e a alavanca representam a ligação da criança à agricultura, enquanto o caderno e o lápis incentivam a sabedoria e o estudo. “Se estes materiais não acompanharem o bebé, ele poderá crescer com preguiça de trabalhar e estudar”, afirmou Afonso.


As diferentes práticas do Fase Matan em Timor

Tomás Alves Madeira, de Letefoho, Ermera, explicou que na sua comunidade o Fase Matan é sempre feito de madrugada, para que o bebé receba a bênção da luz das estrelas e do sol. O ritual inclui medir o bebé dos pés à cabeça — gesto simbólico para que a criança cresça saudável e alta — e passar uma moeda de dez centavos nos olhos do bebé.

“É necessário realizar o Fase Matan para que a criança possa receber a luz das estrelas e  do sol, de modo a que os seus olhos fiquem claros e consigam ver tudo com nitidez”, destacou.

Tomás contou que, durante a cerimónia, os familiares colocam água num prato e adicionam uma moeda de dez centavos, que é depois colocada em frente à casa, juntamente com bua malus (noz de areca e betel, em português). 

“Pegamos numa moeda de 10 centavos para passar nos olhos do bebé, para que os seus olhos brilhem como a lua e as estrelas. E não é apenas para proteger os olhos do bebé, mas também para todos os familiares, para que ninguém fique com a visão cinzenta demasiado cedo”, explicou.

Disse ainda que, durante o processo, deve ser escolhida uma pessoa para realizar a medição do bebé, passando as mãos dos pés até à cabeça, com o objetivo de que, no futuro, a criança possa crescer com boa estatura. Após essa medição, a criança é levada para fora de casa para se realizar o ritual do Fase Matan, utilizando a água e a moeda que foram previamente colocadas no prato. “Depois, o bebé é erguido em direção ao nascer do sol, para que possa receber a força e a bênção da luz do dia”, explicou.

Tomás Madeira concordou que o Fase Matan é uma tradição feita para conceder atak malirin (bênção da natureza) ao bebé e que, ao mesmo tempo, serve como um ritual de libertação, permitindo que tanto o bebé como a mãe possam voltar a sair de casa e sentar-se ao ar livre.

João Rui Lemos, de Laclubar, Manatuto, descreveu o ritual como uma espécie de “batismo cultural”. Na sua tradição, além de lavar os olhos, a família entorna água sobre a moleira do bebé e anuncia-lhe oficialmente o nome, geralmente herdado dos avós. Caso o nome escolhido não seja o adequado (por exemplo, se o bebé chorar muito), a família procura outro nome dentro da linhagem familiar.

A pessoa que carrega o bebé: espelho do seu futuro

Os praticantes do Fase Matan acreditam que a pessoa que carrega o bebé durante o ritual influencia o seu caráter futuro. Por isso, a escolha é criteriosa. O homem torna- se o Aman Kous (“pai acolhido”) e a mulher, a Inan Kous (“mãe acolhida”).

Afonso explicou: “Se escolhermos alguém que não respeita os outros ou que tem maus
comportamentos, a criança poderá crescer com essas mesmas características.”

“Se escolhermos uma pessoa que gosta de causar problemas, que não respeita os outros e age com arrogância, esse comportamento refletir-se-á na criança”, disse Afonso. Mencionou que essa situação aconteceu na sua própria família. “A minha filha, agora, fala muito, tal como a tia que a acolheu durante o Fase Matan“, afirmou.

Tomás Madeira acrescentou que, mais tarde, realiza-se outra cerimónia chamada
Oidu (“trazer para fora”), na qual o bebé é levado para fora de casa com utensílios agrícolas
e materiais escolares, reforçando a ligação entre trabalho e estudo.

Disse que a pessoa escolhida para carregar o bebé para fora de casa deve ter boas atitudes e conhecimento, pois, no futuro, esses comportamentos refletir-se-ão na criança à medida que crescer.

“Quando uma criança é traquina e as pessoas comentam que ela não respeita ninguém, as famílias perguntam logo aos pais: ‘Quem levou a criança para fora de casa durante o Fase Matan?’ Se os pais indicarem uma pessoa conhecida por esse tipo de comportamento, então as famílias dizem: ‘É por isso que o comportamento do teu filho ou filha é igual ao dessa pessoa;”, explicou.

Um apelo urgente: preservar uma tradição em risco

Apesar da sua importância cultural, o Fase Matan está a desaparecer, sobretudo devido à modernização e às mudanças nos valores familiares. Afonso Aleixo explicou que, mesmo onde ainda se pratica o barlaque (casamento tradicional), a cerimónia já enfrenta dificuldades.

“Se a casa sagrada deixar de dar importância a estas práticas, a tradição poderá desaparecer. Podemos registá-las por escrito, mas a sua verdadeira força está na prática”, lamentou João Lemos.

Tomás Alves Madeira observou que, em Ermera, a tradição ainda resiste, mas nas famílias que se mudaram para Díli o ritual tem vindo a perder-se.

Todos apelam para que se continue a praticar e a investigar o Fase Matan, para que as gerações futuras possam conhecer e valorizar esta herança ancestral. “Precisamos que os estudantes pesquisem, registem e divulguem esta tradição, porque ela está seriamente ameaçada de desaparecer”, concluiu Tomás.

Entre a luz e a cegueira

Em Timor-Leste, a visão não é apenas física: é também um dom espiritual, um guia para a vida. O ritual do Fase Matan reflete esta conceção ancestral — lavar os olhos do recém-nascido para que ele possa ver o mundo com clareza, sabedoria e responsabilidade.

Este simbolismo ecoa também na literatura timorense, nomeadamente no romance Olhos de Coruja, Olhos de Gato Bravo, de Luís Cardoso. A protagonista, Beatriz, nasce com olhos enormes e mágicos, mas é vendada para ser protegida das dores do mundo e por julgarem que ela padece de uma doença. Paradoxalmente, é ela, cega para o exterior, quem melhor compreende as verdades escondidas, enquanto aqueles que mantêm os olhos abertos permanecem presos à ignorância e à ilusão.

Tal como em Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, Luís Cardoso mostra-nos que ver fisicamente não significa necessariamente compreender. A verdadeira cegueira é espiritual: é não querer ver, é não querer saber. Em Timor, nas tradições como o Fase Matan, preserva-se o valor de ensinar a ver para além do imediato — de formar crianças capazes de interpretar o mundo com lucidez e compaixão.

Num país onde a visão representa tanto uma bênção como uma responsabilidade, osrituais e as histórias lembram-nos que, mais importante do que abrir os olhos, é aprender a ver. Como diria José Saramago, no seu Ensaio sobre a Cegueira, “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.

Texto e fotos:  Rilijanto Viana | Jornal “Diligente” |  19 de abril de 2025  

(Revisão / fixação de texto para publicação no blogue: LG)

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Nota do editor:

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terça-feira, 4 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26550: O melhor de ... Valdemar Queiroz (1945-2025) - Parte I: (i) na morte do Renato Monteiro (1946-2021); (ii) Guiro Iero Bocari, o meu epílogo da guerra




Foto nº 1A e 1 > Guiné > Zona leste > Região de Gabu > L5 (Nova Lamego) > Subetor de Paunca > Guiro Iero Bocari > CART 11 (1969/70) > Arruamento  principal da povoação... O Valdemar com os "djubis", os  miúdos, filhos ds soldados da CART 11.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste  > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 (futura CART 11)  > O Renato Monteiro (1946-2021) à esquerda e o Cândido Cunha, à direita.

Foto: © Renato Monteiro (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Valdemar Queiroz  (1945-2025)
1. O Valdemar Queiroz (Afife, Viana do Castelo, 1945 - Agualva-Cacém, Sintra, 2025) (*) [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, "Os Lacraus", Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; membro da Tabanca Grande desde 16/2/2014, com mais de 200 referências do nosso blogue] foi autor da série "Memórias de um Lacrau", de que se publicaram 15 postes, de fevereiro a junho de 2014. 

Tinha um especial carinho pela Guiné, as suas gentes, o "chão fula", e sobretudo pelos seus soldados e suas famílias, que andavam sempre ele, com a casa às costas.... 

A sua CART 2479 (depois CART 11) e o seu grupo de combate passaram  por vários sítios do Leste: CIM de Contuboel, Nova Lamego, Paunca, Guiro Iero Bocari... 

O Cherno Baldé chamava-lhe Valdemar Queiroz "Embaló". 

Em jeito de homenagem, vamos fazer um apanhado de alguns dos seus "melhores apontamentos" dispersos pelo nosso blogue... Mais difícil é rastrear os seus comentários, curtos mas originais, em geral, certeiros mas elegantes,  e sempre bem humorados, comentários em que era mestre na arte da observação: não havia pormenores que lhe escapassem, e à volta disso era capaz de contar uma historieta... 

Para melhor suportar a  terrível doença de que sofria, bem como a solidão do seu apartamento na Rua de Colaride, em Agualva-Cacém, fez do nosso blogue uma fiel companhia, lendo e comentando o que se publicava diariamente... (até à véspera de morrer).

Nos últimos anos cinco anos, deixara de poder sair à rua e ir aos convívios dos "Lacraus"... O último terá sido em 2019, antes da pandemia, em 25 de maio (dia em que também se realizava o XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, a que ele obviamente nâo pôde ir,  com pena de ambos, e eu perdi a oportunidade soberana de lha dar um abraço ao vivo, 50 anos depois de termos estado juntos, por menos de 2 meses, no CIM de Contuboel, em junho/julho de 1969; foi também nessa altura que conheci outros "Lacraus":  Renato Monteiro (1946-2021), o Abílio Duarte, o Cândido Cunha, etc.


(i) Na morte de Renato Monteiro (1946-2021)

Data: sábado, 10/07/2021 à(s) 16:25
Assunto: Morreu o Renato Monteiro (**)

Morreu o meu querido amigo Renato Monteiro.

Morreu mais um dos nossos queridos camaradas,  também passou as passas de Piche e do Xime. 

Só soube agora  pelo telefonema do seu grande amigo Cândido Cunha, morreu no passado dia 7 de Julho de 2021. 

Ele telefonou-me no dia 27 do mês passado, que estava mal e ia para o hospital, mas pareceu-me ser mais uma crise de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica), agora começo a pensar se não seria mesmo uma despedida. 

Morreu o Monteiro, nunca mais o ouviremos dizer:
 
Quando abrires
o teu armário,
das surpresas imprevistas,
não desistas, não desistas.
E se encontrares dentro dele
roupas velhas,
amachucadas,
desbotadas,
ou se  vires viscosa aranha
com peçonha no seu ventre,
olha para ela de frente,
que ela passa sem tocar-te.
Não desistas, não desistas.

Os meus sentidos pêsames à sua esposa Guida,  a quem ele no dia 18 de fevereiro de 1969 acenou com um lenço vermelho até deixarmos de ver Lisboa a caminho da guerra na Guiné.

Estou a chorar.

PS - Anexo uma foto do Monteiro com o seu grande amigo Cândido Cunha (vd. foto nº 2)


(ii)  Guiro Iero Bocari, o O meu epílogo da guerrra 

Data: 1 de Junho de 2014 às 22:49

Assunto: Uma grande fotografia que representa o meu epílogo na Guiné (***)

Caro Luís Graça:

Esta grande fotografia (vd. foto nº1)  é,  para mim,  o meu epílogo da passagem pela guerra na Guiné.

Com exceção de um ataque de mísseis 122 mm a Nova Lamego, eu nunca tive contacto direto ou com a ação de combate, ou ataques a aquartelamentos.

Eu tive muita sorte, mas é verdade. Eu nunca dei um tiro, a não ser a alguma rola.

Não quero dizer, com isto, que eu não fizesse muitas operações  ou de que a nossa CART 11 não tivesse problemas em combate, que os teve e graves, mas eu,  o ex-fur mil Valdemar Queiroz, por várias razões ou por sorte, nunca os tive...

Mas a  guerra não é só feita de  combates e eu estive lá. Esta fotografia retrata bem o que para mim foi (enganosamente) um epílogo de guerra: uma  tabanca sossegada, sem o mínimo vestígio de violências, eu em trajos civis passeando com crianças alegres (as crianças eram filhos dos nossos soldados e tinhamos acabado de jogar à bola).

Foi a minha última fotografia  tirada na Guiné, se calhar foi a primeira daquelas crianças na rua principal em Guiro Iero Bocari.

Inesquecível!

Valdemar Queiroz

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Carta de Paunca (1957) (Escala 1/50 mil) > Detalhes: posição relativa de Paunca, Paiama, Sinchã Abdulai e Guiro Iero Bocari, junto à fronteira com o Senegal.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 1 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22332: In Memoriam (397): Actor Carlos Miguel Bugalho Artur (1943-2021), ex-Fur Mil Amanuense do CMD AGR 1980 (Bafatá, 1967/68), falecido no dia 19 de Junho de 2021 (José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5)


(***) Vd. poste de 2 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13226:Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte XV): Uma grande fotografia que representa o epílogo da minha passagem pela guerra

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26317: Por onde andam os nossos fotógrafos? (35): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte IV




Fotos nº 1A e 1 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  " (...) Depois de 7/8 meses a vermos o céu sempre igual e a atmosfera amarelada com as poeiras vindas do deserto, os primeiros pingos grossos de chuva eram celebrados com grande alívio por nós e contagiante alegria pela criançada que aproveitavam as poças de água para se refrescarem, brincarem e encharcarem os adultos incautos"…





Foto nº 2A, 2B e 2   > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "(...) . Mesmo em cenário de guerra havia disposição para 'jogatanas' de futebol. Este campo foi construído durante período que vivi em Fulacunda. Havia ainda um outro campo térreo, que na época das chuvas ficava impraticável para futebol."... (Na foto 2B, o Jorge Pinto, é o do meio, o quarto a contar da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda)






Foto nº 3A  e 3 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Soldados construindo a capela cristã.... Claro, não podia faltar o "bioxene" aos carpinteiros, a trabalhar ao sol...



Foto nº 4 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  O alf mil Jorge Pinto lendo a revista norte-americana "Time" (talvez esquecida por algum "velhinho" que tenha por ali passado: a revista é de  10 de maio de 1971).


Foto nº 5 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  Capa da revista "Tine, edição de MAY 10, 1971: "How to cope with Japan's business | Sony's Akio Morita"-|  (Como lidar com os negócios do Japão | Akio Morita da Sony. )
 
Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagemcomplementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. O Jorge Pinto [ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Turquel, Alcobaça; professor do ensino secundário, reformado; membro da Tabanca Grande desde 17/4/2012, com 6 dezenas de referências no blogue ] tem o melhor álbum fotográfico sobre Fulacunda, região de Quínara, chão biafada. Pela qualidade técnica e estética bem como pelo interesse documental dos "slides" que tirou. 

Estamos a republicar, depois de reeditadas,algumas das suas melhores fotos (*).

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 21 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26296: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (33): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte III

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26157: Casos: A verdade sobre... (49): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Luís Graça)



Umaru Baldé (c. 1953- c.2004, Bambadinca, meados de 1970
Foto: Benjamim Durães (2010)



Umaru Baldé (c. 1953-c. 2004), recruta do CIM Contuboel,
 c. março de 1969 

Foto: Valdemar Queiroz (2014)


1. Resposta do editor LG ao Valdemar Queiroz (*): 

Valdemar, obrigado pela tua preciosa "lembrança"... Reconheço estes putos ou pelo menos três, os que pertenceram à CCAÇ 12, e que fizeram a guerra comigo (*)...

Quanto ao Umaru Baldé (c. 1953- c. 2004), o "menino de sua mãe", tens aqui  duas fotos dele (uma é do teu álbum, o recruta Baldé, no CIM de Contuboel, com cara e corpo de "djubi"; a outra, um ano mais tarde,  de meados de 1970, tirada em Bambadinca, já com o BART 2917).

Vamos pô-lo a nascer por volta de 1953 para salvar a "honra do convento", isto é, para que a NT não sejam acusadas de recrutar crianças para a guerra, como acontecia com o PAIGC...

Soldado do recrutamento local, nº 82115869, o Umaru tirou a recruta   (com a CART 11) e a especialidade (com a CCAÇ 12), no CIM de Contuboel (um um um "oásis de paz", como eu lhe chamei, em junho de 1969). 

Foi exímio apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo at inf  da CCAÇ 2590 /  CCAÇ 12 (1969-1972), no 4º Gr Comb,  3ª secção [comandada inicialmente pelo fur mil 11941567 António Fernando R. Marques: DFA, vive hoje em Cascais, empresário reformado, membro da nossa Tabanca Grande].

O Umaru Baldé, que era de Dembataco (ou Demba Taco),  cresceu com a guerra: Demba Taco pertencia ao subsetor do Xime, um dos primeiros a conhecer a crueldade da guerra.  Foi recrutado em 12/3/1969,  como ele conta em carta pungente que te escreveu, trinta anos depois, já a viver na Amadora. 

Tirou a recruta no CIM Contuboel e fez o juramento de bandeira em Bissau, em cerimónia a que assistiu o gen Spínola.  Em junho e julho de 1969 fez a especialidade, já com os graduados da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 como instrutores... Juntos formamos companhia e fizemos a IAO.  Em 18 de julho de 1969 ficámos à ordem do comando do sector L1, e fomos colocados em Bambadinca.  Seis dias depois tivemos o batismo de fogo em Madina Xaquili, que será abandonada, dois meses e tal depois, em outubro.

O Umaru Baldé fez a guerra  entre meados de 1969 e 1972,  foi depois colocado, nesse ano,  em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, onde ficou até ao fim da guerra.  (Julgo que depois de ter sido ferido em combate, ainda na CCAÇ 12, que entretanto passará a unidade de quadrícula, colocada no Xime em março de 1973.)

Conheceu, em mais de metade da sua vida, a amargura e a solidão do exílio. Não sei se chegou a ter mulher e filhos.  Percorreu meia África, em busca de liberdade e seguranças. Veio a morrer, aos 50 anos,  em Portugal, no "terminal da morte", que era então o, hoje  já extinto,  Hospital do Barro, Torres Vedras (onde também, por ironia do destino,  viria a morrer Luís Cabral, uns anos depois, em 2009).

O "puto" Umaru,  como sempre o tratámos, contou apenas com o apoio e a ajuda de alguns dos seus antigos camaradas de armas, "tugas",  da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, mas também da CART 11 (como tu, Valdemar Queiroz,  e outros). 

Não posso confirmar, com rigor, o ano em que nasceu e o ano em que morreu. Nunca mais o vi desde que regressei a casa em 17 de março de 1971. Tenho uma foto com e com o Zé Carlos.

 

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Fevereiro de 1970 >  Região do Xime >   1º  Grupo de Combate, comandado pelo Alf Mil Inf Op Esp Francisco Moreira, no decurso da Op Boga Destemida, uma operação sangrenta...  A CCAÇ 12, que integrava a "nova força africana" (que era a menina dos olhos de Spínola) foi uma subunidade de intervenção, duramente usada e abusada pelo comando dos BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72) 


Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados 
[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Aproveito para retomar aqui, com algumas alterações,  um comentário meu que já tem 18 anos sobre  "a lista dos Baldés" da CCAÇ 2590 / 12, e que publicitei, em 2006 (**), depois de ponderar os prós e os contras: eram 100 os "Baldés", que foram integrados na CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), em Contuboel... Muito poucos deles estariam ainda vivos nessa altura. E hoje já não estará nenhum.

Na altura, podia parecer fastidiosa, inútil, irrelevante... a minha lista de Baldés...    Mais: até imprudente, podendo pôr em risco a liberdade e a segurança dos nossos antigos camaradas guineenses,  os sobreviventes, os que ainda estariam vivos (como, por exemplo, o José Carlos Ussumane Baldé, o único 1º cabo que existia no meu tempo).

Não pensava o mesmo , em 2006: podia ter (ou vir a ter) algum interesse documental, historiográfico, eu sei lá... Podia facilitar a pesquisa de informação, de testemunhos, de depoimentos...E quanto a ajustes de contas, infelizmente já tinham sido feitos sob o regime de Luís Cabral...

Entendia que era um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da 'nova força africana'  com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC (eles e não apenas a "tropa especial", com destaque para os Comandos Africanos).

Infelizmente, uma grande parte deles (quantos, exactamente?) já não estariam vivos em 2006. Uns tinham sido fuzilados, como o Abibo Jau, logo em 1975, outros andaram fugidos, a maior parte terá morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estava à vontade para publicar essa lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos "traidores", aos "contra-revolucionários", aos "mercenários", aos "colaboracionistas", aos "cães dos colonialistas", aos "cachorros dos tugas"...

Eu já não estava lá, em agosto de 1974, quando foi extinta a CCAÇ 12 e as demais subunidades da "nova força africana" (incluindo a CCAÇ 11, herdeira da CART 11). E, confesso que, desde que cheguei, em março de 1971, e até ao final da década de 70, pus uma tranca à porta da "memória da guerra". E só no princípio de 1980, comecei a tentar "exorcizar os fantasmas da guerra colonial" (sic) (uma expressão minha, que paga direitos de autor...).

Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu, na metrópole,  admirava-o, em abstrato,  intelectualmente, pelo pouco tinha lido dele (náo tenho pejo em admito-lo hoje). 

Achava que na Guiné, depois da independência, "abadá a guerra e feita a paz", tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, na Argélia, em Cuba, etc. Pobre de mim, ingénuo...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da integração destes "putos" no nosso exército: mesmo sendo  da especialidade de armas pesadas, e não fazendo  parte formal, organicamente,  de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, acabei como vulgar atirador de infantaria, já que a companhia não tinha instalações a defender e  era de intervenção ("uma companhia de nharros, carne de canhão", rosnávamos nós, entre os dentes, sempre que saíamos para o mato...).

Participei, por isso, em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas, transportámos às costas os nossos feridos e os nossos mortos... 

Foram meus camaradas, em suma.

Alguns (ou até bastantes) vieram das milícias, a maior parte já tinha alguma experiência de combate. E quanto à sua origem geográfica, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé, com exceção de um mancanhe, escolarizado,  oriundo de Bissau (que se fartou de levar "porradas", por ser "reguila" e "indisciplinado").

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12. (O que só era verdade 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em junho e julho de 1969: nunca tiveram tempo sequer de ter aulas regimentais, o português que aprenderam, a falar e a escrever foi connosco.)

Foram incorporados no Exército como "voluntários" (sic), acrescentou o escriba (fui que escrevi a "história da unidade"), para branquear a insustentável (historicamente falando) situação dos jovens fulas, condenados a aliarem-se aos tugas e a pagarem a fatura do "colaboracionismo" no dia a seguir à nossa partida... 

Mas devo acrescentar: mal ou bem, a tropa e a guerra acabaram por ser um "modo de vida" para muitos deles... Teria o Umaru Baldé alguma alternativa ? Seguramente que não. O Salazar, o Tomás, o Caetano queriam-nos,  a todos,  heróis ou... mortos!
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Notas do editor:

(*) Ultimo poste da série : 14 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26153: Casos: A verdade sobre... (48): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Valdemar Queiroz)

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26153: Casos: A verdade sobre... (48): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Samba Baldé (Cimba), nº mec 82110969... Futuro Ap Metr Lig HK 21, 3º Gr Com 3º Gr Comb [Comandante: alf mil inf 01006868 Abel Maria Rodrigues [bancário reformado, Miranda do Douro], 1ª secção [fur mil at inf Luciano Severo de Almeida, já falecido]...  De origem fula.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 > Salu Camara, nº mec 82103469. Provavelmente de origem futa.fula. Integrou a CART 11.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 >  Sori Baldé, nº mec 82111069,  De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold at inf. Pertenceu O 4 º Gr Comb [ comandante: alf mil  at cav  10548668 José António G. Rodrigues, já falecido, vivia em Lisboa], 3º secção [1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação, vive em Barcarena]... [O Valdemar Queiroz identifica-o, erradamente, como sendo o Tijana Jaló, esse sim, devia pertencer à CART 11, mas com outro nº mecanográfico... Estou bem recordado do Sori Baldé, um dos meus soldados, quando estive no 4º Gr Comb.]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Mamadu Jaló, nº mec 821179669, De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold arvorado. . Pertenceu ao 1 º Gr Comb 3ª secção [fur mil at inf 19904168 António Manuel Martins Branquinho, reformado da Segurança Social, Évora, já falecido]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > 1º trimestre de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Alceine Jaló, nº mec 82114669, De origem futa ou futa-fula. Pertenceu à CART 11.



Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Narço de 1969 > Silhueta do recruta Umaru Baldé, natural de Dembataco, regulado de Badora, setor L1 (Bambadinca), nº mec 82115869.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar  > c. março / abril de 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé, Sori Baldé e Umarau Baldé (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12).

Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local. Os da CCAÇ 12 eram fulas, oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca > Umaru Baldé (c. 1953-2004), soldado do recrutamento local,  nº 82115869, tirou a recruta e a especialidade no CIM de Contuboel. Foi apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo infantaria da CCAÇ 12 (1969-1972). Foi depois colocado, em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, até ao fim da guerra. Conheceu, em mais de metade da vida, a amargura  e a solidão do exílio. Veio morrer a Portugal onde teve grandes camaradas e amigos, solidários, que o ajudaram.

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Reedição de mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70], só publicada quase cinco meses depois, por lapso dos editores (*):

Data: terça, 5/11/2019, 23:22

Assunto: O que será feito dos 'Putos-Soldados' do CIM de Contuboel

O que será feito dos 'Putos-Soldados'?

Passaram 50 anos que muitos 'putos' foram chamados prá tropa e receberam instrução militar em Contuboel.

Alguns apresentaram-se descalços, com as suas roupas usadas habituais e notava-se que eram muito jovens, mas diziam que tinham 18 anos.

Soube-se mais tarde que houve situações de recrutamento forçado, mas na maioria apareceram com vontade ser soldados. 'Manga de ronco' e 'manga de patacão' que lhes iria acontecer.

Não sabemos, eu não sei nem me lembro de contarem, como foram contactados e por quem (régulo/chefe de tabanca), e se lhes foi dito que iriam ser soldados para entrarem directamente na guerra, que eles já tão bem conheciam.

Não sei se vieram assentar praça, como um serviço militar obrigatório se tratasse, com a diferença de serem ainda menores, ou como uma espécie de voluntariado forçado (ideias de Spínola a fazer lembrar o recrutamento de crianças pelos nazis no final da guerra?).

E assim se formaram a CART 11 e a CCAÇ.12.

Também não soubemos se queriam ser soldados para fazerem guerra contra os 'bandidos' ou para ajudar (como já acontecera em séculos anteriores) os portugueses na guerra contra, neste caso, o PAIGC que queria a independência da Guiné.

Mas, a guerra acabou. Felizmente a guerra acabou.

Os 'putos-soldados' deixaram de ser soldados do Exército Português e passaram, automaticamente, à peluda da sua desgraça. 

Muitos houve que fugiram para não serem sumariamente executados, muitos outros não tiveram essa sorte e foram assassinados, os restantes resignaram-se voltando, já homens, às suas tabancas para serem o que já tinham sido. Foi sempre assim quando acabam as guerras.

E passados 50 anos o que será feito daqueles que conseguiram sobreviver?

Os que eram mais jovens devem ter, agora, 66/67 anos de idade. O que será feito deles?

Julgo que eram todos Fulas e maioritariamente eram das regiões de Gabu/Piche, os da CART 11, ou de Bambadinca/Xime, os da CCAÇ.12.

O Alceine Jaló era do meu Pelotão, casou-se muito novo com uma bajuda (Saco ou Taco?) e levou-a com ele para Guiro Iero Bocari. As mulheres e os filhos dos nossos soldados também dormiam connosco nas valas e aí aguentavam quando havia ataques à tabanca.

O que será feito deles?

Gostava muito de saber deles e peço um favor muito especial ao nosso grande amigo Cherno Baldé de tentar saber se eles ainda são vivos.

Como curiosidade com os 'putos', havia quatro soldados arvorados, e frequentavam a escola de cabos, em cada Pelotão sendo a escolha feita entre eles e um da nossa escolha. Dos quatro do meu Pelotão o da nossa escolha recaiu no Saliu Jau por ser impecável, mas deu algum recusa por parte dos restantes por o considerarem 'ser djubi mesmo pra cabo'.

Valdemar Queiroz

PS - Anexo fotos de alguns 'putos-soldados' , falta a do Umaru Baldé, talvez o 'puto mais puto', e que me foi oferecida quando estive com ele na Amadora.

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)


2. Comentário do editor Luís Graça:


Vá temos falado sobre este tema, que nos é caro, tanto ao Valdemar quanto a mim e outros camaradas do blogue, o caso dos "meninos-soldados", que estiveram de um lado e do outro, do PAIGC e nas NT  (**). 

No nosso caso, podemos (e devemos) perguntar se houve "ética" (e respeito pela legalidade) no seu recrutamento...

Eu, o Valdemar e outros gradudados da CART 2479 / CART 11,  e da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 fomos instrutores destes putos, no CIM de Contuboel e eles estiveram sob as nossas ordens na guerra, uns na regiáo de Gabu, setor de Nova Lamego, outros região de Bafatá, setor L1 (Bambadicna). 

Foram extraordinários soldados e grandes camaradas, estes "meninos-soldados" que, no fina,l da guerra, tiveram um destino cruel. O mesmo que tiveram os comandos africanos cujo drama volta agora à ordem do dia,  retratado em reportagem de investigaçáo jornalística (do jornal digital "DivergenTE"), depois publicada em livro e POR FIM em documentário (de longa metragem), que está nas salas de cinema (***).

Em próximo poste serão publicados  comentártios dos nossos leitores sobre este(s) caso(s) (****).
 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  10 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20720: (De)Caras (147): O que é feito destes 'putos-soldados' da CART 11 e da CCAÇ 12 ? (Valdemar Queiroz)

(***)  13 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26149: Agenda cultural (868): Por ti, Portugal, eu juro!: documentário, de Sofia Palma Rodrigues e Diogo Cardoso (Portugfal, 2024, 98 minuto), sobre o drama dos Comandos Africanos da Guiné... Estreia mundial no doclisboa 2024, e agora nos Cinema

(****) Último poste da série > 26 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25777: Casos: a verdade sobre... (47) "Fogo amigo", Xime, 1/12/1973: o obus 14 cm m/43 usava a granada HE (45 kg) com alcance máximo de 14,8 km... (Morais Silva, cor e prof art AM, ref; ex-cap art, instrutor 1ª CCmds Africanos, Fá Mandinga, adjunto COP 6, Mansabá, cmdt CCAÇ 2796, Gadamael, 1970/72)