terça-feira, 10 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20720: (De)Caras (147): O que é feito destes 'putos-soldados' da CART 11 e da CCAÇ 12 ? (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Samba Baldé (Cimba), nº mec 82110969... Futuro Ap Metr Lig HK 21, 3º Gr Com 3º Gr Comb [Comandante: alf mil inf 01006868 Abel Maria Rodrigues [, bancário reformado, Miranda do Douro], 1ª secção [fur mil at inf Luciano Severo de Almeida, já falecido]...  De origem fula.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 > Salu Camara, nº mec 82103469. Provavelmente de origem futa.fula. Integrou a CART 11.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Narço de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 >  Sori Baldé, nº mec 82111069,  De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold at inf. Pertenceu O 4 º Gr Comb [, comandante: alf mil  at cav  10548668 José António G. Rodrigues, já falecido, vivia em Lisboa], 3º secção [1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação, vive em Barcarena]... [O Valdemar Queiroz identifica-o, erradamente, como sendo o Tijana Jaló, esse sim, devia pertencer à CART 11, mas com outro nº mecanográfico... Estou bem recordado do Sori Baldé, um dos meus soldados, quando estive no 4º Gr Comb.]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Mamadu Jaló, nº mec 821179669, De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold arvorado. . Pertenceu ao 1 º Gr Comb 3ª secção [, fur mil at inf 19904168 António Manuel Martins Branquinho, reformado da Segurança Social, Évora, já falecido]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > 1º trimestre de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Alceine Jaló, nº mec 82114669, De origem futa ou futa-fula. Pertenceu à CART 11.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar  > c. março / abril de 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé, Sori Baldé e Umarau Baldé (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12).

Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local. Os da CCAÇ 12 eram fulas, oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]


Data: terça, 5/11/2019, 23:22

Assunto: O que será feito dos 'Putos-Soldados' do CIM de Contuboel

O que será feito dos 'Putos-Soldados'?

Passaram 50 anos que muitos 'putos' foram chamados prá tropa e receberam instrução militar em Contuboel-

Alguns apresentaram-se descalços, com as suas roupas usadas habituais e notava-se que eram muito jovens, mas diziam que tinham 18 anos.

Soube-se mais tarde que houve situações de recrutamento forçado, mas na maioria apareceram com vontade ser soldados. 'Manga de ronco' e 'manga de patacão' que lhes iria acontecer.

Não sabemos, eu não sei nem me lembro de contarem, como foram contactados e por quem (régulo/chefe de tabanca), e se lhes foi dito que iriam ser soldados para entrarem directamente na guerra, que eles já tão bem conheciam.

Não sei se vieram assentar praça, como um serviço militar obrigatório se tratasse, com a diferença de serem ainda menores, ou como uma espécie de voluntariado forçado (ideias de Spínola a fazer lembrar o recrutamento de crianças pelos nazis no final da guerra?).

E assim se formaram a CART.11 e a CCAÇ.12.

Também não soubemos se queriam ser soldados para fazerem guerra contra os 'bandidos' ou para ajudar (como já acontecera em séculos anteriores) os portugueses na guerra contra, neste caso, o PAIGC que queria a independência da Guiné.

Mas, a guerra acabou. Felizmente a guerra acabou.

Os 'putos-soldados' deixaram de ser soldados do Exército Português e passaram, automaticamente, à peluda da sua desgraça. Muitos houve que fugiram para não serem sumariamente executados, muitos outros não tiveram essa sorte e foram assassinados, os restantes resignaram-se voltando, já homens, às suas tabancas para serem o que já tinham sido. Foi sempre assim quando acabam as guerras.

E passados 50 anos o que será feito daqueles que conseguiram sobreviver?

Os que eram mais jovens devem ter, agora, 66/67 anos de idade. O que será feito deles?

Julgo que eram todos Fulas e maioritariamente eram das regiões de Gabu/Piche, os da CART.11, ou de Bambadinca/Xime, os da CCAÇ.12.

O Alceine Jaló era do meu Pelotão, casou-se muito novo com uma bajuda (Saco ou Taco?) e levou-a com ele para Guiro Iero Bocari. As mulheres e os filhos dos nossos soldados também dormiam connosco nas valas e aí aguentavam quando havia ataques à tabanca.

O que será feito deles?

Gostava muito de saber deles e peço um favor muito especial ao nosso grande amigo Cherno Baldé de tentar saber se eles ainda são vivos.

Como curiosidade com os 'putos', havia quatro soldados arvorados, e frequentavam a escola de cabos, em cada Pelotão sendo a escolha feita entre eles e um da nossa escolha. Dos quatro do meu Pelotão o da nossa escolha recaiu no Saliu Jau por ser impecável, mas deu algum recusa por parte dos restantes por o considerarem 'ser djubi mesmo pra cabo'.

Valdemar Queiroz

PS - Anexo fotos de alguns 'putos-soldados' , falta a do Umaru Baldé, talvez o 'puto mais puto', e que me foi oferecida quando estive com ele na Amadora.


2. Resposta do editor Luís Graça:

Valdemar, folgo em saber de ti... E obrigado pela tua "lembrança"... Reconheço estes putos ou pelo menos três, os que pertenceram à CCAÇ 12, e que fizeram a guerra comigo (*)...

Quanto ao Umaru Baldé [c. 1953-2004), o "menino de sua mãe", tens aqui uma foto dele, à direita... Ele tem mais de vinte referências no nosso blogue. 

Soldado do recrutamento local, nº 82115869, tirou a recruta e a especialidade no CIM de Contuboel. Foi exímio apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo at inf  da CCAÇ 12 (1969-1972), no 4º Gr Comb,  3ª secção [, comandada pelo fur mil 11941567 António Fernando R. Marques: DFA, vive em Cascais, empresário reformado, membro da nossa Tabanca Grande].

O Umaru Baldé [, que era de Dembatacpo ou Taibatá, tendo sido  recrutado em 12/3/1969], foi depois colocado,em 1972,  em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, onde ficou até ao fim da guerra. Conheceu, em mais de metade da vida, a amargura e a solidão do exílio. Veio morrer a Portugal, no Hospital do Barro, Torres Vedras. Contou apenas com o apoio e a ajuda de alguns dos seus antigos camaradas de armas.

Valdemar: se me mandaste,  em tempos, este material que agora se publica , ficou para aí na "picada"... Vá temos falado sobre este tema, que nos é caro, a nós os dois (**).

Afinal, fomos instrutores destes putos, no CIM de Contuboel e eles estiveram sob as nossas ordens na guerra, tu na região de Gabu, setor de Nova Lamego, eu na  região de Bafatá, setor L1 (Bambadicna) Foram extraordinários soldados e grandes camaradas, estes "meninos-soldados" (***).

Vamos ver se alguém mais se recorda destes nossos putos, "meninos de sua mãe", parafraseando o título de um extraordinário, pungente, poema de Fernando Pessoa.

3. Aproveito para reproduzir aqui um comentário meu que já tem 14 anos, sobre  "a lista dos Baldés" da CCAÇ 12, e que volto a subscrever: eram 100 os "baldés", que foram integrados na CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, muitíssimos poucos estarão vivos hoje, talvez menos de 5%  (****):

(...) É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau (...), outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... 


Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo de da especialidade de armas pesadas, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.

Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Basora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em junho e julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a insustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas. (...)

___________



(***) Último poste da série > 12 de fevereiro de  2020 > Guiné 63/74 – P20644: (De) Caras (119): Um pequeno texto, cuja essência teve o BLOGUE na sua concepção (António Matos)

10 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O menino de sua mãe


No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado-
Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe.

Fernando Pessoa (1926)

https://sites.google.com/site/apontamentoslimareis/o-menino-de-sua-me

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Não sei se a "O Menino de sua Mãe" se aplicará neste caso.
Os mortos são sempre meninos de sua mãe...
A "Guerra a Petróleo na Guiné" não era como a de França/Flandres e não terminou da mesma maneira. Era uma guerra entre pessoas e não uma guerra entre países.´
E isso deve ter sido mau para os que ficaram, mas é a regra que se aplica aos "colaboracionistas"...

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar e Tó Zé:

O Valdemar levanta aqui uma questão que já não é nova no blogue: a do eventual "recrutamento forçado" destes "putos", de idade indefinida...

Quando chegou a Contuboel, no dia 2 de junho de 1969, surpreendi-me com os "homens" que iam ser integrados na minha CCAÇ 2590: nós, quando chegámos, éramos apenas 60 e picos, o cpaitão, 4 alferes milianos, 3 sargentos do quadro, furriéis, 1ºs cabos, e praças especialistas (condutores, mecânicos, operadores de transmissoes, pessoal de enfermagem, e pouco mais).

Uma centena de praças, do recrutamento local, iam completar a companhia (que há de mudar a designação para CCAÇ 12, já em 1970)...

O meu espanto quando descubro: (i) não falam, não leem, não escrevem português; (ii) por essa razão são soldados de 2ª classe (e como tal pagos); (iii) são muçulmanos, não comem carne de porco, não bebem álcool, são "desarrachados"; (iv) não têm "camuflado", fazem a IAO em farda nº 3; (v) têm a primeira saída (e batismo de fogo) em farda nº 3; (vi) em Bambadinca não ficam no quartel, de resto não há instalações para eles, alojan-se na tabanca, trazem as suas mulheres e filhos, os "casados"...

Constato depois que estes "putos" (, também havias homens grandes, de idade indefinida, aquilo era uma "manta de retalhos"...) não tinham alternativa, mas também não tinha, qualquer autonomia para tomar decisões livres... Quem é que se opunha à vontade de um poderoso régulo como o de Badora ?... Toda a "nação fula" foi mobilizada para combater e derrotar o PAIGC de Amílcar Cabral... Nesse sentido, a guerra colonial também foi uma guerra civil...

"Recrutamento forçado" foi praticado, de um lado e do outro, tanto pelas NT como pelo PAIGC...Não havia "homens válidos" nas tabancas fulas, só crianças, mulheres e velhos... Os jovens e os menos jovens estavam na "nova força africana" de Spínila, nos Pel Caç Nat e nas milícias... Os fulas foram completamente militarizados (e instrumentalizados)... O PAIGC fez o mesmo com outros étnicos: caso dos balantas, por exemplo... Os balantas é que fizeram as "despesas" da guerra, do lado do PAIGC... Do nosso lado, não teríamos aguentado tantos anos sem os nossos aliados fulas, que foram extraordinários guias, picadores, soldados, milícias, polícias administrativos... Só com as nossas cartas (, de resto, excecionais), sem o conhecimento do terreno, tínhamos levado muito mais porrada, tínhamos tido muito mais baixas...

No final da guerra, quem´é que está a combater o PAIGC ? As companhias de caçadores africanos, os destacamentos de fuzileiros africanos, o batalhão de comandos africanos... (Abre-se uma exceção paras as "tropas especiais", metropolitanas...). O resto do pessoal está na "quadrícula"... Posso estar a ser parcial, injusto, enviesado, etc... É minha perceção pelo que tenho lido, aqui no blogue, ao longo destes anos todos...

Anónimo disse...

Caro Valdemar,

Escreves um texto cheio de sentimentos de saudade e também de compaixão para com os vossos recrutas tão jovens, quase crianças, todavia, olhando bem para vossa foto conjunta, tu apareces com uma maior quantidade de pêlos no corpo, mas também eras quase tão puto quanto eles.

Não deverão ter morrido de velhice, porque eram todos um pouco mais velhos que eu que neste momento estou na casa dos sessenta e não me sinto um velho, provávelmente o stress traumático, durante e depois da guerra, terá contribuido para o desaparecimento precoce desses jovens soldados.

Como é que se fazia o recrutamento nas aldeias e regulados fulas???...Era simples e ninguém podia recusar. O régulo ou seu representante convocava os chefes das diferentes localidades sob a sua jurisdição e dizia que precisavam de um numero X a pedido do Governo e o resto ficava a cargo dos chefes das aldeias e um agente da administração onde cada morança listava uma ou duas pessoas da familia para o efeito. Todavia, os critérios das escolhas nunca eram claros de um lado e d'outro. Se os chefes e o agente podiam ser tentados a fazer negociatas, os pais e chefes das moranças, pensando na utilidade no seio do núcleo familiar, procuravam listar os menos úteis nos trabalhos do sustento e reprodução familiar.

Luis, não concordo quando dizes que os fulas "estavam condenados a fazer a guerra....". Na minha opinião, longe de ser uma condenação, era uma opção clara e sem equivocos por diferentes razões de caracter politico/ideológico, de natureza religiosa, do fundamento, motivações e da necessidade da própria luta. Não se fala muito disso, mas na verdade o Cabral desde o inicio e até ao fim, fez tudo para mobilizar os dignitários fulas para a causa da luta, sem qualquer sucesso. E isto não era uma mera coincidência. Os mesmos dignitários, imbuidos de realismo e pragmatismo diziam ao A. Cabral: Deixem os brancos porque eles são o garante da paz na provincia e, no dia em que forem embora nós vamos recomeçar as nossas guerras do passado recente. E 46 anos depois da indepedencia ainda continuamos entre as guerras e uma paz podre que impede o país de avançar pra frente.

Valdemar, gostaria de poder ajudar, mas preciso de referências certas sobre tabancas e regiões de origem. No entanto, receio que seja tempo perdido, pois já se passou muito tempo e nem todos ficaram com boas recordações do seu passado militar, um pouco como acontecia entre vós, até há poucos anos.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Valdemar Silva disse...

Luis
As fotos que apresentei foram as 'sobras' das utilizadas para o Cartão de Identificação, dos novos soldados.
Com a excepção do Alseine, que era do meu Pelotão, localizei os outros nomes pelo número escrito na ardósia, na listagem de todos os incorporados transcrita na minha 'História da Unidade'. Por isso verifiquei que o nº. 82111069 é do Tijane Jaló que, depois, foi para a CCAÇ. 12. Mas, é interessante verificar que na listagem, que aparece aqui no blogue, dos soldados da 2ª. Secção, do 2º. Grupo de Combate, da CCAÇ.12. o nº. 82111069 é do Adulai Baldé.
É extraordinário, mesmo com o coronavírus à solta por aí, ainda nos lembrarmos destes pormenores passados há 50 anos.
Agora, é esperar por mais notícias sobre estes 'putos-soldados'

Ab. e cuidado com o bicho.
Valdemar Queiroz

P.S. Ah!! manter a 'distância social' evitando na posição do missionário.

Antº Rosinha disse...

É fácil dizer que os paises têm direito à sua independência.

Era fácil para os grandes da guerra fria, para os "anti-europeus colonialistas", que era o mundo inteiro nas nações unidas, e, principalmente para os nossos estudantes, meninos bonitos do império.

Estes até tinham a mania das grandezas, que iam fazer da Guiné a Suiça africana, e de Luanda iam fazer uma Nova York.

Esses inteligentes estudantes até ensinam ao povo martir (tribal) que o facto de estarem sempre em guerras entre si, não é mal nenhum, porque os europeus até tiveram a guerra dos 100 anos e hoje são "muito civilizados" e vivem bem.

Eu vi sanzalas a pedir aos militares metropolitanos que os ajudassem a livrar-se de "estranhos" (que seriam unita, ou mpla), e os turras tinham retirado para sul e a tropa "perseguiu-os"...para norte.

Não foram esses "meninos" que perderam a guerra na Guiné, até ver foi todo o povo que foi iludido que ganhou a guerra.

O povo da Guiné, é que tem muita paciência!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Nunca é de mais ler e reler a carta, datilografada, sem data nem local, que tem a foto do remetente, o Umaru Baldé, ao canto superior esquerdo,e foi dirigia ao José Valdemar Queiroz, a viver na altura no Cacém.

Como já comentei, é um relato pungente de um miúdo, de etnia fula, que deveria ter 15/16 anos, "filho único de sua mãe", quando foi recrutado, na sua aldeia (Dembataco, do regulado de Badora, no subsetor do Xime, setor de Bambadinca), em 12 de março de 1969.

No Centro de Instrução Militar de Contuboel, o Umaru Baldé (c. 1953-2004) fez a recruta e a especialidade, sendo integrado na CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, como soldado arvorado, apontador de morteiro 60.

Era um exímio apontador de morteiro 60, como o demonstrou em exercícios de fogo real, no CIM de Contuboel, ma presença do gen Spínola e seus acompanhantes, em inúneras situações em que esteve debaixo de fogo, durante cerca de dois anos e meio. Na CCAÇ 12 ele era o nosso menino, às vezes mimado demais...

Depois da independência da Guiné-Bissau, e com justificado receio de represálias por ter servido o exército português, atravessou quase metade de África para chegar a Portugal, em 15 de abril de 1999, tendo entretanto vivido ou sobrevivido no Senegal (11 anos), Mali (1 ano), Costa do Marfim (2 anos), Gana (2 meses), Burkina Faso (7 meses). etc, e passando por ainda Benin, Guiné-Conacri, de novo Guiné-Bissau, etc. e, por fim, Portugal.

É membro, a título póstumo, da nossa Tabanca Grande), Esta carta terá sido escrita em meados ou finais de 1999 / princípios de 2000. Morreu de tuberculose e SIDA em 2004. Nunca escondeu o seu grande amor à Pátria Portuguesa que lhe foi madrasta.

Este documento humano lancinante precisa de melhor conhecido, divulgado e comentado.

Ùltima revisão e fixação do texto por LG:


O AMOR NUNCA ACABA

O Amor nunca acaba,
ninguém se esquece do passado, do bem e do mal.
Eu lembro-me desse dia 12 de março de [19]69,
quando fui chamado para a tropa, pelos Portugueses.

Na verdade eu tinha poucos anos de idade
e era o único filho do meu pai
A minha Mamã revoltou-se,
disse que eu não tinha idade para ir para a guerra,
mas infelizmente o alferes que tinha vindo para nos levar,
não podia entender esta revolta.

O Alferes disse-nos:
"Todos somos Portugueses,
saímos de muito longe
para defender a Pátria Portuguesa.
Então para povo de Dembataco saber
que em Portugal não há raças nem cores,
todo o cidadão tem que ir cumprir
o serviço militar português.

A minha mamã chorou, disse
Ai, meu Deus, o meu filho único vai me deixar
para ir morrer na guerra.

Esta data foi um dia de tristeza e de lágrimas
para o povo de Dembataco e Taibatá,
na verdade ficámos ali até às 4 horas da tarde
até entramos nas viaturas militares para Bambadinca.

Eu, com a pouca idade que eu tinha,
o que é que podia fazer ?
Fiz-me homem,
tirei a recruta em Contuboel,
fui o melhor apontador de morteiro 60.

Depois, na especialidade,
fiquei no mesmo lugar,
sendo a minha primeira companhia a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12
onde nunca esquecerei o sofrimento
que sofri pela Minha Pátria Portuguesa,
na Guiné Portuguesa.

Na verdade, em dois anos e alguns meses
em que estive como operacional,
fiz 78 operações no mato do Xime,
na zona do Xitole e até no Boé,
para os lados Canjadude.

Na minha companhia, durante dois anos
só tivemos 5 soldados morytos, 4 pretos e um brnaco.
Depois fui transferido para Bissau como primeiro cabo,
onde fui colocado no comando das transmissões
no quartel de Santa Luzia,
até ao fim de[da] guerra em 1974.

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2018/10/guine-6174-p19111-entao-e-depois-os.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, o Amílcar Cabral tinha uma formação marxista, e segundo o marxismo o conceito de "classe social" sobrepõe-se ao de "etnia"... Os tais dignitários fulas (concentrando o poder político e religioso) foram "maltratados" pelo PAIGC e por CabraL. não passavam de uns "senhores feudais" ou feudalizantes exploradores dos "camponeses" fulas, tendo aceite as "sobras" do colonalismo europeu... Não era por acaso que os pobres dos meus soldados eram tratados como "cães dos colonialistas"...

Quando que os fulas foram condenados a fazer a guerra, ao lado dos "tugas", devia usar aspas, "condenados"... Tão condenados como eu, que tinha 14 anos em 1961, e que tive então, faxe aos acontecimentos de Angola, que aquela guerra, a "guerra do ultramar", ia também sobrar para mim... E se sobrou!... No meu diário, eu escrevia, com raiva entre os dentes, que tinha sido "apanhado como um cão".. Acredito que o Umaru Baldé e outros meninos-sodlados da CCAÇ 12 tivesse mais razões e motivações do que eu para matar e morrer naquela maldiat guerra...

Cherno, andámos todos, há séculos, a mexer na "caixinha de Pandora", a brincar com o fogo... E mais recentmento, Salazar, Amílcar Cabral, Spínola, Caetano, 'Nino' Veira...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... Que diria hoje o "Pai da Pátria" se pudesse regressar à Guiné, cada vez mais "capturada" pelo narcotráfico e pelo crime organizado transcional ?...

Fernando Ribeiro disse...

Eu estou banzado e profundamente chocado com esta questão dos "putos-soldados" na Guiné. Nunca me passou pela cabeça que eles tivessem sequer existido. Isto é ignóbil. Não posso aceitar que crianças tenham sofrido e morrido nas fileiras do Exército Português, que eu imaginava que fosse, apesar de tudo, um exército civilizado. Ainda há poucos dias elogiei a ação do general Spínola na Guiné. Agora tenho que engolir as minhas palavras. Não há justificação possível para o uso de crianças-soldados como "carne para canhão" num conflito. Era atirando putos como estes para a morte que Spínola esperava ganhar a guerra?!!!

Vocês desculpem a minha referência a Angola, mas foi em Angola que eu fiz a minha comissão militar. Pois em Angola nada disto existia, isto é, não existiam crianças-soldados de um lado ou do outro do conflito. Nem sequer a UPA/FNLA, que foi o mais violento, desumano e implacável dos três movimentos independentistas angolanos (responsável pelos horrendos massacres cometidos no norte de Angola em 1961), usou crianças-soldados nas suas fileiras. Daí a minha surpresa e indignação.

De resto, na terminologia oficial das Forças Armadas Portuguesas em Angola, eram totalmente inexistentes palavras tais como "nativos", "africanos", "indígenas" ou equivalentes. Estas palavras não faziam parte do vocabulário militar em Angola. Não havia "Pelotões Nativos", nem "Companhias Indígenas", nem "Comandos Africanos", nem nada que pudesse, direta ou indiretamente, referenciar uma determinada força militar a uma raça, etnia ou origem geográfica determinada. Havia, apenas e só, militares. Por exemplo, em Quipedro, no norte de Angola, esteve aquartelada uma companhia de angolanos, que era a "Companhia de Caçadores 104/73". Como é que se podia saber que esta companhia era de angolanos e não de metropolitanos? Apenas e só pela sua numeração. Era a 4.ª Companhia de Caçadores formada no ano de 1973 no Regimento de Infantaria 20, de Luanda, porque o seu número tinha três algarismos e começava por 1. Se começasse por 2, seria do RI 21, de Nova Lisboa, e se começasse por 3, seria do RI 22, de Sá da Bandeira.

Em Angola, o serviço militar era obrigatório e o processo de seleção e incorporação dos mancebos era em tudo idêntico ao da Metrópole. A minha própria companhia, a C.Caç. 3535, quando chegou a Luanda recebeu cerca de 40 magníficos militares angolanos, oriundos de diversas regiões do território e pertencentes a diversas etnias, que se misturaram com os militares idos da Metrópole. Todos tinham mais ou menos a mesma idade. Ao grupo de militares angolanos incorporados numa companhia metropolitana, como a minha, não era dado o nome de "grupo nativo", nem "grupo africano", nem nada parecido. Era dado o nome de "Grupo de Mesclagem". A palavra mesclagem significa mistura, mas não sugere qual é o tipo de mistura.

Um abraço


Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano, C.Caç. 3535, B.Caç. 3880, Angola 1972-74