Arafan Mané (1945-2004), com uma "costureirinha", s/d. Morreu num hospital em Madrid. Foto do Arquivo Amílcar Cabral / Casa Counm. Com a devida vénia...... |
Malan Sanhá (1945-c.1978), s/d. Com uma Kalash. Terá sido executado no tempo do Luís Cabral. Foto do Arquivo Amílcar Canral / Casa Comum Com a devida vénia... |
Não sei o que os "hagiógrafos" de Amílcar Cabral (cujo centenário passou em 2024) dizem sobre usto: de qualquer modo, à revelia dos órgãos do "poder político" do PAIGC (e portanto do próprio Amílcar Cabral), dois "putos", biafadas, Arafan Mané, de 17 anos, e Malan Sanhá, de 15 anos, lançaram um ataque aventureiro e suicida ao quartel de Tite... Nesta ação, em que arrastaram também elementos civis das imediações (estamos em pleno "chão biafada", pelo que eles jogavam em casa...), terão morrido 8 dos atacantes e 1 militar das NT. Acrescente-se que foi um precedente gravíssimo num partido que sempre fez questão, durante a "guerra de libertação", de dizer aos quatro ventos, nos areópagos internacionais, que subordinava o "poder militar" ao "poder político"... Mas uma coisa é a teoria (e a propaganda), outra a "praxis" (e a dura realidade dos factos)... A partir daqui estavam lançados os dados: Amílcar Cabral acabou, infelizmente para ele, e para os nossos dois povos, o português e o guineense, por escolher o caminho das armas (logo da violência e do terror, "revolucionários") e traçar o seu próprio trágico destino... Ele justificava-se, argumentado que Salazar não lhe deixou outra alternativa. 2. Já aqui falámos, "ad nauseam", desta data. Inclusive há as versões de um lado (o PAIGC) (*) e do outro (as NT) (**), sobre os acontecimentos em Tite, em 23 de janeiro de 1963. É justo lembrar hoje e aqui o magnífico trabalho que teve, há 8 anos atrás, o nosso amigo e camarada José Teixeira (foto à direita), cofundador e régul0 da Tabanca de Matosinhos (e testemunha do absurdo da guerra na região de Forrerá, em 1968/70...), ao disponibilizar em quatro postes, publicados em finais de 2016, um documento raro, que na altura estava "on line" (e que infelizmente já não está), contendo a "entrevista histórica", de 2001, do homem (aliás, um miúdo de 17 anos) que deu "o primeiro tiro" na guerra...justamente em 23 de janeiro de 1963, às 01h45 (*). Tiro simbólico... Já se tinham dado outros, que não ficam na História... E uns meses antes, em meados de 1962, o Amílcar Cabral iria perder o primeiro dos seus comandantes, formados na China, o Vitorino Costa, cuja cabeça será levada como troféu e instrumento de terror para Tite, pelo cap inf José Curto, cmdt da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63). Vale a pena reproduzir um excerto do preâmbulo que o Zé Teixeira escreveu na altura (Poste P16794), sobre "o texto e o contexto" desta entrevista de 2001, dada ao jornal "O Defensor – Orgão de Informação Geral do Estado Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau", e reproduzida em 2015 no sítio das "FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo", por iniciativa do major Ussumane Conaté, diretor da publicação. (...) Neste caso concreto, estamos a tomar conhecimento de um testemunho de alguém que vivenciou o ataque a Tite. Foi o seu comandante, mas do outro lado da barricada, logo, o relato dos acontecimentos que viveu e a visão global do ataque são à partida diferentes (e tão "respeitáveis", como os nossos relatos). São estes conjuntos de pontos de vista, diferentes entre si, e muitas vezes contraditórios, dos acontecimentos que vão permitir escrever a História. É comum afirmar-se que a guerra colonial na ex-província da Guiné teve o seu início com um ataque a Tite na célebre noite de 22 para 23 de janeiro de 1963, Aliás, o próprio Amílcar Cabral afirmou-o uns dias depois. Na realidade, este ataque, pela sua dimensão e resultados, com mortos e feridos de ambas as partes em contenda, assinala simbolicamente a abertura das hostilidades. E, no entanto, foi um acontecimento fortuito, desorganizado, sem comando definido e sobretudo à revelia dos órgãos do PAICG. Assim o afirmou, em 2001, o coordenador do ataque, o então coronel Arafan Mané. Segundo ele, a guerrilha, à data, já era um facto no Norte, no Centro Sul e Sul desde 1961. Tite já terá sido atacada em 1962. As regiões do Tombali e Quínara estavam a fervilhar numa luta surda entre as forças portuguesas e o PAIGC, com muitas mortes (assassínios) na população, da responsabilidade de ambos os intervenientes. Esses primeiros tempos foram de terror e contraterror, subversão e contraversão... Uma época muito mal conhecida (e pior estudada)... Revivo com saudade o meu amigo Samba, de Mampatá Foreá, infelizmente já falecido há muitos anos. Sargento da milícia, imã da comunidade muçulmana local (Fula). Homem culto, excelente cozinheiro, que deixou Bissau para regressar à sua terra, o Regulado Foreá, e defender o seu povo. Muitos serões passámos em amena conversa, onde a religião e o drama da Guiné eram assunto. Recordo, apesar da poeira do tempo, uma conversa sobre a forma como o inimigo procurava conquistar aderentes à força, no início da luta. Eles, dizia-me, o PAIGCV, entravam, armados, pelas tabancas dentro, e tentavam convencer o chefe da tabanca a entregar os jovens para as forças da guerrilha. Se não o fizesse, era morto ali mesmo, e os homens válidos eram convidados a segui-los ou em caso de resistência eram forçados, com muitas mortes pelo meio. Não foi por acaso que o Amílcar Cabral convocou o Congresso em Cassacá, em 1964. Um dos objetivos deste Congresso, foi acabar com as barbaridades, as arbitrariedades e os abusos de poder, praticadas por alguns chefes de guerrilha, sem qualquer preparação política, de modo a que o povo voltasse a ganhar a confiança no Partido, nos seus dirigentes e no destino da luta de libertação nacional. Muitos anos mais tarde, em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje, tive oportunidade de conhecer e conversar com um ex-combatente das FARP da Guiné-Bissau que me tinha atacado várias vezes em Mampatá e na estrada de Gandembel, em 1968. É dele esta frase, que recordo com emoção: “Guerra é guerra, meu 'ermon', quando passa não deixa saudades, mas, muitas amizades, neste mundo perdido. Os antigos inimigos se procuram, para saldar as contas com um abraço sentido.” Dizia-me ele: "Desculpa. Eu fui apanhado na minha tabanca, tinha quinze anos." Mas não pensemos que as autoridades portuguesas ofereciam mel e pão aos guineenses para os conquistar para a sua causa. Os factos narrados nesse Simpósip, por vítimas guineenses, que fugiram para o mato, creio que por medo (alguns) e posteriormente integraram a guerrilha, são de fazer arrepiar o mais “durão”. Era o tempo do “chapa ou fogo” na versão mais agressiva do temido e odiado capitão José Curto por parte dos guineenses afetos ao PAIGC (*). E, nas minhas idas à Guiné-Bissau, tenho conversado com ex-combatentes do PAIGC, onde relembram os tempos de terror imposto pelos "tugas" nas tabancas do interior, que os levou a fugirem para o mato e entrarem na luta. Mas voltemos ao ataque a Tite para rever os acontecimentos através de relatos insuspeitos de terceiros e presenciais: "...Em Janeiro de 1963, foi a sede do Batalhão atacada com armas automáticas e de repetição e granadas de mão. Deste ataque resultou 1 morto e 1 ferido das NT e 8 mortos confirmados e vários feridos graves IN. Depois deste ataque foram intensificados os patrulhamentos de que resultou a morte do Papa Leite, elemento IN que actuava na área e que facultou a recolha de valiosíssimos elementos da Ordem de Batalha IN..." In, Carta de 7-07-1981 do ten cor Manuel José Morgado, enviada ao director do Arquivo Histórico Militar, em resposta ao assunto " História das Unidades ". Resumo da Actividade do BCac nº 237/BCaç nº 599 - Maio de 1963 a Maio de 1965, Caixa nº 123 - 2ª Div/4ª Sec., do AHM O historiador José de Matos fala em quinze a vinte elementos do PAIGC, que mantêm o quartel sob fogo intenso, durante cerca de meia hora, provocando um morto e dois feridos às nossas tropas e deixando três mortos no terreno.(vd. poste P15795). O nosso investigador de serviço ao blogue, o incansável José Martins, convidado pelo Luís Graça a investigar o ataque a Tite, concluiu: “Arafan Mané (nome de guerra, 'Ndjamba'), militante do PAIGC, destacado Combatente da Liberdade da Pátria, é considerado o 'responsável' pelo inicio das hostilidades na Guiné, ao ter disparado a primeira rajada de metralhadora e comandado a ofensiva. Teria menos de 20 anos. Veio a falecer em 2004, em Espanha, de doença". (P10990) Estranhamente pouco ou nada se escreveu oficialmente sobre este acontecimento tão marcante (seria?) para o desenvolvimento da guerra na Guiné. Há o testemunho do Gabriel Moura, (vide P3294; P3298 e P3308 de 11/11/2008; 12/10/2008 e 13/10/2008 respetivamente) (**). Foi este soldado português de Gondomar que estava de sentinela ao quartel de Tite, naquela fatídica noite, que entrou no Blogue pela mão do Carlos Silva, (seu conterrâneo e amigo) já depois do seu falecimento para contar a história que vivenciou. Foi o primeiro militar português, quando se encontrava de guarda ao aquartelamento, a responder ao fogo da força que atacou as instalações de Tite. Na reação ao fogo de que foi alvo, consumiu todas as munições de que dispunha, provavelmente três carregadores, assim como utilizou as duas granadas que lhe estavam distribuídas para o serviço. Faleceu em 2004, dois anos após ter editado as suas impressões sobre o acontecimento, e por coincidência no mesmo ano da morte de Arafan Mané. Temos agora a oportunidade de tomar conhecimento do testemunho do Arafan Mané, ou seja, a versão de quem comandava o outro lado da barricada, numa entrevista publicada em 2001 no jornal O Defensor – Orgão de Informação Geral do Estado Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau. Reproduzida em 2015 no sítio das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo, por iniciativa do major Ussumane Conaté, diretor da publicação. (...) |
(Revisão / fixação de texto: LG)
_______________Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
(*) Vd. postes de:
3 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16794: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte I (José Teixeira)
8 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16812: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte II (José Teixeira)
11 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16823: O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte III (José Teixeira)
19 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16851: O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) – Parte Final (José Teixeira): os frutos (amargos) da aventura...
8 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16812: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte II (José Teixeira)
11 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16823: O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte III (José Teixeira)
19 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16851: O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) – Parte Final (José Teixeira): os frutos (amargos) da aventura...
(**) Vd. postes de;
11 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3294: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte I) (Carlos Silva / Gabriel Moura )
12 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3298: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte II) (Carlos Silva / Gabriel Moura)
13 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3308: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte III) (Carlos Silva / Gabriel Moura)
12 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3298: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte II) (Carlos Silva / Gabriel Moura)
13 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3308: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte III) (Carlos Silva / Gabriel Moura)
(***) Últiimo poste da série > 14 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26389: Efemérides (448): Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar da União de Freguesias de Freigil e Miomães do Concelho de Resende (Fátima's)