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sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20588: Manuscrito(s) (Luís Graça) (177): Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, o último africanista - Parte II


Guiné > Algures > s/d > Manel Djoquin, com o seu icónico velho Ford, de matrícula G-804, a sua caçadeira e um dos seus ajudantes locais... (Dizem que um deles terá sido o Kumba Yalá, quando jovem... Nasceu em Bula, em 1953 e morreu em Bissau, em 2014, aos 61 anos; foi presidente da república, entre 2000 e 2003).

Foto (e legenda: © Lucinda Aranha (2014) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A vovó Nené


A Julinha


Cabo Verde > Santiago > Praia > s/d > c. 1930 > Manuel Joaquim dos Prazeres éra um apaixonado por carros e corridas de carros.. E tinha, em sociedade, uma oficina de reparação de automóveis, a Auto Colonial, na Rua Sá da Bandeira (vd. pág. 29)


Guiné > s/l > s/ d (c. 1950 > O Manuel Djqoquim, numa das suas poses "cinematográficas" (v. pág. 80)

Fotos e legendas (2016): página do Facebook, Lucinda Aranha Antunes - Andanças na Escrita (Com a devida vénia...).


1. Notas de leitura:

Lucinda Aranha - O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim. Alcochete: Alfarroba, 2018, 165 pp.

A autora chama "romance" ao seu livro de memórias da família (*)...Na realidade, é um conjunto de histórias de vida, à volta da figura do "africanista" Manel Djoquim, e das "matriarcas" da família, a Julinha, sua segunda esposa, e a "vovó Nené", a ama das filhas e depois cozinheira, vinda da Praia, Santiago, para a casa de Lisboa, onde viveu mais de 60 anos, perfeitamente adotada e integrada na família (cap 1, pp. 9 e ss.; e cap 5, pp. 58 e ss.).

Esclareceu-nos a autora, Lucinda Aranha, a mais nova das filhas do Nequinhas e da Julinha, já nascida em Lisboa: "Efetivamente nunca fui à Guiné ou a Cabo Verde. Para mim,  embora o livro gire à volta do Manel Djoquim, é um livro de mulheres onde dominam as 2 matriarcas. Este trio constitui as 3 personagens mais importantes." (*)

Na contracapa pode ler-se:

"A busca de uma vida melhor. O encontro com a aventura e o desconhecido. A liberdade de uma nova terra. Os encontros e os desencontros de uma vida amorosa"...

Na Guiné andava sempre armado...
Era uma inveterado caçador (pág. 71)
Esta nossa amiga, que nunca viajou, fisicando falando, até Cabo Verde e à Guiné-Bissau, acabou por
escrever um livro que é também uma "hino de amor" àquelas duas terras por onde andou, viveu, amou, trabalhou o seu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres (1901-1977). E um "hino de amor" aos seus pais, aos amigos dos seus pais, às suas manas, à sua ama, escrito de resto com delicadeza e inteligência emocional para não ferir suscetibilidades, até porque há muitas pessoas vivas: as irmãs, os amigos, os seus descendentes... Daí a autora chamar "romance" a este livro.

O livro tem 13 capítulos e 169 pp, onde o crioulo se mistura, saborosamente, com o português. Mas todas as falas ou expressões em crioulo têm tradução, em nota de rodapé, como a fala da vovó Nené (Maria Mendes, no romance): "C'uzas di vida, sima Deus crê. Mim nasci lá lundji, badia di pé ratchado e vem vivi e ve morri cum sinhóra e sus filhu fèmia em Lisboa" ["Coisas da vida, como Deus quer. Nasci longe, vadia de pé rachado e vim viver e morrer com a senhora e as filhas em Lisboa".] (p. 58).

Falando do feitiço de África, tudo começou, por Cabo Verde, onde Manel Djoquim, chega, em 1922, instalando-se na Praia onde começa por trabalhar, como mecânico, na Central Elétrica. Em 1930, casa-se com Tonha, "filha da terra" (pág. 33)., de quem tem duas filhas e um rapaz. 

A alfacinha Julinha, 11 anos mais nova, , aparecerá mais tarde, na viragem dos anos 30 (pp. 45 e ss.). Desta relação,  nascem, na Praia, duas irmãs da Lucinda... Em 1944, a família ruma até Bolama, onde nasceu uma terceira filha... Em 46, a Julinha e as filhas, mais a ama cabo-verdiana,  regressam a Lisboa, onde nasceu  a Lucinda.

Nascido em Lisboa, em 1901, em plena "belle époque" (, que só o era para uma minoria privilegiada da alta nobreza e da burguesia em ascensão...), Manuel Joaquim terá visto em África uma tripla oportunidade para a sua vida... Na época, África estava longe de ser um "destino comum" para os portugueses que procuravam uma "vida melhor", longe da  metrópole, e dos tempos difícdeis do pós-guerra, mas também a "aventura" e o "desconhecido", a par da "liberdade" e dos "amores".. O Brasil era então,  de longe, o grande destino da emigração portuguesa.

Território português durante séculos, povoado por escravos e por europeus,  Cabo Verde não foi, mesmo assim, objeto de grandes memórias escritas por parte das gentes metropolitanas que naquelas ilhas se fixaram ou lá viveram durante uns largos tempos. Daí também o interesse adicional deste livro, com apontamentos e fotos interessantes sobre o quotidiano da vida na Praia, onde o Manel Djoquim viveu, mais de duas décadas,  entre 1922 e 1944. (1922 é uma data aproxiamda, em rigor a autora não sabe o ano exato em que o pai se ficou na Praia.)

Mais sorte terá tido, nesse aspeto,  o Mindelo, na ilha de São Vicente, cidade aberta,  cosmopolita, e que teve sobretudo o privilégio de ter, durante décadas, o Foto Melo, um estúdio fotográfico que atravessou um século (1890-1992), tendo documentado praticamente toda a vida (política, militar, económica, social, cultural...), a demografia e  a geografia  da ilha...

"O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", dado à estampa em 2018, parece-nos ser, de algum modo, um desenvolvimento do livro anterior da autora, "No reino das orelhas de burro" (Lisboa, Colibri, 2012, 106 pp.), baseado também nas estórias  de homens e bichos que povoaram a sua infância (***)...

Na obra, agora em apreço, a autora baseou-se numa exaustiva pesquisa documental (escrita e fotográfica), recorrendo ao arquivo da família mas também e sobretudo às suas recordações de infância, adolescência e juventude  (o pai morreu quando ela estaria já  à beira dos 30), bem como a entrevistas a familiares e amigos do pai e da família, do tempo de Cabo Verde e da Guiné. Pai que é uma personalidade complexa e contraditória, conservador, puritano, moralista, mas também anticlerical, aventureiro, inimigo das corridas de touros e do fado,  e em termos político-ideológicos um admirador de Salazar tanto quanto de Amílcar Cabral...

A autora consultou igualmente a escasssa imprensa local, dessa época, "O Eco de Cabo Verde" (, com início em 1933) e o "Arauto", primeiro semanário e depois diário, que se publicou em Bissau, de 1943 a 1968. Teve, também, verdade se diga, uma boa ajuda dos nosso blogue e dos nossos camaradas e amigos que ainda conheceram o Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, durante a guerra... pelo menos até 1970/71... (A PIDE/DGS e as autoridades militares acabaram por impedi-lo de deambular livremente pelo  mato, com a sua carriplana, alegando razões de segurança; e isso foi "o princípio do fim": em 1973 tem um AVC,  já em Lisboa, e morre quatro anos depois, precisamenre em 25 de dezembro de 1977.)

A "morabeza" cabo-verdiana  está muito bem retratada no capítulo II ("Na cidade da Praia" (pp. 28-44).  Há ali personagens (amigos da tertúlia do Manuel Djoquim) que mereceriam um outro deenvolvimento num romance de maior fôlego: são homens (, não entram aqui mulheres...) das relações de amizade e convívio do futuro homem do cinema...(que, de resto, coneça aqui,  na Praia, a sua carreira de empresário de cinema, prosseguida depois , em 1944, em  Bolama,  onde se fixa, a convite da Associação dos Bombeiros locais, para dar sessões de cinema ao livre, com documentários sobre a II Guerra Mundial). (**).

"Além de mecânico da Central [Elétrica], de dar uma mãozinha na Marconi, fizera-se sócio da oficina-garagem do Pires [, a Auto Colonial,], abrira uma casa de comércio, dessas que vendem um pouco de tudo, dedicara-se à projecção de filmes.

"Ademais lucrava com a comodidade de a Central ficar  perto do cinema, o Teatro Africano, rebatizado  Cineteatro Virgínio Vitorino pelo Estado Novo, que desconfiara do nome primitivo, censurando as veleidades autonomistas africanas.

"A sala  era-lhe subalugada pela Cãmara, que administrava também a luz. Morava então na rua  Serpa Pinto, mesmo junto ao cinema e à Central, numa casa com quintal, árvores e fruta-pão e bananeiras e muito espaço para a criançada que ia nascendo e para os cães e os gatos de que gostava de se rodear.  A casa comercial e a oficina ficavam na rua Sá da Bandeira, a rua mais larga da cidade"  (pág. 23).

Numa terra assolada por secas cíclicas, a fuga à fome, à morte e à pobreza fazia-se muitas vezes emigrando para a Guiné e também para São Tomé e Príncipe. Para os cabo-verdianos,  a vida na Guiné era-lhes mais fácil, "ou não fossem mais estudados,o que lhes garantia bons cargos, posições de chefia" (p.33).

Este e outros temas eram pretexto para a cavaqueira, tal como a chegada á ilha de  exilados políticos, quer ainda no tempo da República como depois durante a Ditadura Militar e o Estado Novo: o coronel  Fernando Freiria ou o médico militar Carlos Almeida, são dois exemplos citados.

Também teve eco, naquela tertúlia,  a "grande escandaleira [que] foi o ataque ao crioulo e aos mulatos no 1º Congresso de Antropologia Colonial realizado no Porto, em setembro de 34. O dr. Luís Chaves, conservador do Museu Etnológico, cheio de zelo ariano, defendendeu que os mestiços eram seres inferiores, degenerados, incapazes de produzir obras literárias" (p. 37)... Com isso, amesquinhavam-se grandes escritores crioulos como o Fausto Duarte, autor do romance "Auá", que ganhara justamente o 1º prémio do 1º Concurso de Literatura Colonial, e em defesa do qual veio a terreiro o Juvenal Cabral, pai do Amílcar Cabral, nas páginas de "O Eco de Cabo Verde".

Depois de 1936, há outro motivo de conversa,  a abertura  da "colónia penal" do Tarrafal, na ilha de Santiago  (p. 41). E, e ainda antes de (e durante)  a guerra, as histórias dos alemães que, apesar da neutralidade do governo de Salazar, não se coibiam de ir a terra, desembarcados dos submarinos que patrulhavam o Atlântico, quer ´para se reabastecerem quer para fazerem jogatanas de futebol com a miudagem... (pp. 41/42).

Mas o acontecimento mais marcante desta época, pelo insólito, foi a passagem do zepelim, em 1934...

No livro "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim" (Alcochete: Alfarroba, 2018),
Lucinda Aranha faz referência a este memorável evento nos termos seguintes termos:

" (...) mas nada os fez [ao Manel Djoquim e amigos de tertúlia]  dar tanto à língua como o espetácul nunca visto do zepelim que, na manhã de 12 de junho de 34, pairou sonre o céu  da Praia, em espera de um passageiro alemão que resolveu ìr às comprars de sedas e outros artigos japoneses na casa Serbam. Foi um embascamento que os fez abandonar casa e trabalho " (...) (pág. 34)

Recorde-se que o zepelim era um grande dirigível, rígido,com carcaça metálica, de tecnologia e fábrico alemães, usado para travessias do Atlântico na década de 1930.


Cabo Verde> Ilha de São Vicente > Mindelo >  S/ d > A foto ilustra a passagem dum zepelim mas não tem datas.  Foto do álbum de Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, natural de Vale da Pinta, Cartaxo, ex-1º Cabo n.º 816/42/5 da 4ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria do  R.I. 5,  despois integrado no RI 23... A foto tem a data de 18 de Outubro de 1943 e na legenda refere ser 'recordação de S. Vicente'. O original é "foto Melo". (****)

Foto (e legenda): © Hélder Sousa (2009). Todo os direitos reservados. [Edição e Legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

É uma raridade esta foto: ao que parece, dataria de 1937, ano e que o Mindelo foi sobrevoado por um dirigível que pretendia abrir uma carreira entre a Europa e o Novo Mundo, o LZ 129 Hindenburg, de fabrico alemão, origulho do regime hitleriano:

(...) Reza a História, que o dito aparelho, uma das grandes apostas à época para o transporte de passageiros, adoptando os mesmos tipos de luxos dos grandes 'Paquetes Transatlânticos' que estabeleciam as ligações entre os três continentes, Europa, África e Américas, fez só uma viagem ligando os dois continentes. Partiu da Velha Europa para o Novo Mundo - o continente Americano, tendo passado sobre Cabo Verde.

"Mindelo ficou na sua rota e Tuta [Guilherme Melo] registou esse momento, único! O aparelho passou sobre a Ilha de São Vicente, tendo largado três sacos de 'Mala Postal' - a forma complicada como se dizia correio - e teve um fim trágico ao aterrar em Lakehurst nos USA [, em 6 de Maio de 1937].

"Para os arquivos, fica mais esta imagem, só possível em Mindelo, pelo manancial de informação que corria na ilha, por causa dos cruzamentos dos cabos submarinos do Telégrafo Inglês e da Italcable (Italianos) e do seu movimentado Porto, também à época local de passagem obrigatória para os barcos que cruzavam o Atlântico Sul" (...)". 
Fonte: sítio Mindel Na Coraçon

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 14 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20558: Manuscrito(s) (Luís Graça) (176): Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, o último africanista - Parte I

(**) Vd. postes de 10 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14238: Fotos à procura de ... uma legenda (51): Manuel Joaquim dos Prazeres, empresário de cinema e caçador, Cabo Verde (1929/1943) e depois Guiné (1943/73)... Fotos da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, com amigos (Lucinda Aranha)

(***) Vd. poste de 15 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12991: Tabanca Grande (433): Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim dos Prazeres que viveu em Cabo Verde e na Guiné entre os anos 30 e 1972, e que era empresário de cinema ambulante

(****) Vd. poste de 9 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18905: Historiografia da presença portuguesa em África (127): Exposição Colonial do Porto, 1934: imagens inéditas para o nosso blogue (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
A comitiva guineense impressionará as populações nortenhas, outras comitivas se seguirão, sempre abrilhantadas, com régulos, moranças, reprodução de ambientes, assim será no Parque Eduardo VII, na Exposição Industrial de 1937, na Exposição do Mundo Português, passarão a ser uma atração permanente, darão também brado na efeméride do VIII Centenário da Tomada de Lisboa, em 1947. Há, felizmente, um excelente repertório destas participações, impunha-se no nosso blogue este material esteja convenientemente inventariado. Aqui fica mais uma peça para o inventário.

Um abraço do
Mário


Exposição Colonial do Porto, 1934: imagens inéditas para o nosso blogue

Beja Santos

Publicação encontrada na Biblioteca do Arquivo Histórico do BNU, o guia da mais importante exposição colonial que precede a Exposição do Mundo Português. Realizou-se no Porto, em 1934, o seu coordenador foi Henrique Galvão, contou com uma plêiade de colaboradores de primeira água, logo o fotógrafo Domingos Alvão, de que podemos ver abaixo algumas imagens.

Para Francisco Vieira Machado, Subsecretário de Estado das Colónias, era uma manifestação inequívoca da vitalidade do Terceiro Império, tratava-se do chamamento africano, ia a par da regeneração nacional que se dotara de uma missão civilizadora sem precedentes, transportar os ideais pátrios, a Cruz de Cristo e os valores culturais para abraçar os indígenas com os padrões das quinas, a mítica miscigenação que será tão propalada pelo luso-tropicalismo, sem qualquer ressonância, aliás, em território guineense, a presença branca era bem minguada.

O que para o caso interessa é que a Guiné deu brado, e no blogue já juntámos algumas peças elucidativas. O Augusto irá aparecer em publicidade ao tabaco; a Rosinha foi a beleza eleita, as meninas Bijagós, de peito ao léu e a bambolear-se nas suas saias de ráfia, causaram uma onda de protestos das senhoras que percorriam todo aquele certame e se sentiram vexadas com o público atentado ao decoro e bons costumes. Ainda não tínhamos publicado esta fotografia do régulo Mamadu Sissé, Tenente de 2.ª linha e companheiro de jornada do Capitão Teixeira Pinto que no livro aparece como régulo de Susana, coisa estranha de um Mandinga de quatro costados aparecer implantado em chão Felupe, vemos igualmente a imagem da frontaria da exposição, bem bonita por sinal e arrojada para aqueles anos 1930 em que a Arte-Déco não era vista com bons olhos pelos adeptos da casa portuguesa, com beirais imaginados por Raul Lino.

O BNU fora oportunamente interpelado para enviar elementos sobre as indústrias, a agricultura e os serviços, de Bolama e de Bissau informaram o governo em Lisboa de que havia pouca coisa capaz de ser prantada no certame, fizeram-se uns gráficos e mandaram-se imagens do que havia de melhorzinho, como sinais de progresso.

Foi, indiscutivelmente, uma mostra singularíssima, junto do Palácio de Cristal acorreu muita gente, era hora de ver o que se fazia no tal Império Português, lá tão longínquo, prestaram-se informações sobre negócios, era uma comunicação não só destinada às empresas como procurava seduzir gente disposta a partir para África. A apresentação artística da exposição foi muito cuidada, já aqui falámos do trabalho de Eduardo Malta e de outros na decoração dos diferentes pavilhões[1].
Sem dúvida alguma, foi um grande ensaio para a exposição de 1940.







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Notas do editor:

[1] - Vid postes: P8253; P13511 e P17775

1 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18887: Historiografia da presença portuguesa em África (125): 1917: O BNU na Guiné e as convulsões republicanas (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18594: Antropologia (27): Uma preciosidade: arte indígena portuguesa, 1934 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Já aqui se referiu detalhadamente a I Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto em 1934. Henrique Galvão comissariou e trouxe gentes de várias proveniências. Da Guiné vieram principalmente Mandingas e Bijagós.
Artistas como Eduardo Malta ficaram embevecidos com o porte das gentes, ficaram desenhos para a posteridade; as meninas Bijagós saracoteavam-se de peito ao léu, para escândalo das senhoras respeitáveis, que foram apresentar queixa de tal desmando, faziam-se aliás excursões para ver aquelas "aves raras".
A Agência Geral das Colónias investiu a fundo num alvo em que os fotógrafos eram todos de primeira linha, disputadíssimos: Mário Novais, San Payo e Alvão. A capa foi entregue a Almada Negreiros e o texto principal era da responsabilidade de Diogo de Macedo.
Uma preciosidade e um enaltecimento da arte Bijagó, como aqui se mostra. Uma gema que não podia ficar mais tempo no esquecimento.

Um abraço do
Mário


Uma preciosidade: arte indígena portuguesa, 1934

Beja Santos

No âmbito da I Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto, em 1934, a Agência Geral das Colónias promoveu uma publicação cuja capa pertence a Almada Negreiros e o repositório fotográfico foi entregue a três artistas conceituados: Mário Novais, San Payo e Alvão. O texto introdutório é da responsabilidade de Luiz de Montalvor e o texto sobre a arte indígena é assinado por Diogo Macedo. Escreve Luiz de Montalvor que reabilitar a arte gentílica no seu injusto e obscuro isolamento é o propósito da publicação. Esta arte vive ainda a idade pura da alma humana e por isso há gente que a apelida de primitiva e de bárbara. Ele corrige: pode ser primitiva mas não é bárbara. Espraia-se em considerações, chega mesmo a introduzir uma interrogação totalmente peripatética: “Conceberá ela, um dia, nos refolhos do tempo, na indústria dos seus sonhos – atingida uma idade de ouro, radicada no domínio pleno dos seus recursos – a gestação de um Cellini, de um Ângelo, de um Botticelli indígenas, operários futuros de uma nova Beleza?”. Atenda-se que estamos a falar do mesmo Luiz de Montalvor modernista, ligado à publicação do Orpheu, poderá ser por aí que se justificará o descabimento desta diatribe.

Diogo de Macedo revela outra preparação e conhecimentos. Retoma a tónica do que é primitivo e bárbaro, dizendo que temos hoje na Oceânia e em África inúmeros tribos e povos a quem os europeus chamam raças primitivas, talvez por guardarem ainda todo o caráter inculto e rítmico dos costumes e das crenças que outros povos abandonaram em prol de um outro tipo de civilização. Só por isso é que poderá ser aceitável a designação de primitiva. Estamos a falar de povos em que a arte é principalmente escultórica, composta de feitiços, manipansos, divindades, ídolos e simples figurações animais. E desce a observações de quem refletiu cuidadosamente sobre o que viu e está a escrever: “Existe o mistério da origem da arte africana e da sua migração. Com as depreciações do estilo, da expressão e até da religião, o enigma, por enquanto, não foi resolvido. No Congo, há humildade e certa morbidez decadente; no Benim, espírito guerreiro e virilidade epopeica; na Costa Oriental, exuberância de fantasia e de grotesco; nos Camarões, tragédia e violência; a arte de Ioruba é religiosa, de mitos e de lendas; e só a da Guiné é natural e anedótica. Ali é escultura é lírica e racionalista, embora amaneirada”. Considera que o povo Bijagó é uma raça de artistas plásticos e com tendências fáceis à assimilação ocasional de ritos.

E não deixa de fazer justiça a um fenómeno sobre o qual, nessa década de 1930, muito pouco se fala ainda em Portugal: “Paris, há alguns anos e pela perceção dos pintores Matisse, Vlaminck, Picasso, Dérain e Lhote, tentou impor a arte negra como irmã da grega, da gótica ou da barroca, no seu estilo de descoberta. Aproveitaram-se da sua estrutura e expressionismo para defesa da pintura chamada “fauve” e para apoio dos ensaios do cubismo. Um grande artista – Modigliani – chegou mesmo a criar uma obra baseada na sua estética, assim como Zadkine e Lipchitz se inspiraram nestes segredos de composição para talharem a sua escultura”.

Mulher com o filho às cavalitas

Dois coloniais portugueses

Ídolo do sonho, figura de homem sentado e com a cabeça deitada sobre os braços

Gazela em madeira branca

É um álbum que honra e enaltece a genialidade da escultura guineense. A fatia de leão vai para os Bijagós, 17 gravuras num total de 107, onde se incluem obras vindas do Moxico, Macondes, Lunda, florestas de Cassinga, Congo, Cabo Delgado, Gaza e Benim.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18560: Antropologia (26): “Produtos, Técnicas e Saberes da Tradição Bijagó”, por Fanceni Baldé, Cleunismar Silva e Mary Fidélis, editado por Tiniguena, 2012 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17782: Historiografia da presença portuguesa em África (91): 1ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934: parte do seu sucesso foi devido à Rosinha Balanta, 'exposta ao vivo', e ao seu fotógrafo, o portuense Domingos Alvão (1872-1946)


Capa da "Civilização: grande magazine mensal", Porto, 1934. 
Coleção de Mário Beja Santos (2017) . 
[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Texto baseado em alguns comentários ao poste P17775 (*), da autoria do nosso editor Luís Graça e do nosso amigo Cherno Baldé (que vive em Bissau):

1. O nosso amigo, camarada e colaborador permanente do blogue, Mário Beja Santos, refere-se ao 'escândalo' da balanta Rosinha, de peito generoso à mostra na capa das revistas da época por ocasião da 1.ª Exposição Colonial Portugal, no Porto, em 1934... 

Estamos a falar de há mais de 70 anos, num época cheia de contradições e ameaças à paz mundial, com o triunfo do nazifascismo na Europa e da ideologia da superioridade da "raça ariana"... mas também do triunfo político e ideológico, entre nós, do Estado Novo que vai encetar um processo de 'recolonização' tardia dos nossos territórios de "além-mar" em África e na Ásia...

Curioso que há leitores nossos, na Guiné-Bissau, que ainda hoje se indignam de verem, no nosso blogue, as "suas mães" de peito ao léu... E não são leitores quaisquer, alguns são filhos de "pai tuga" e mãe guineense, vulgo "filhos do vento"... Já nos chegaram ecos, ao nosso blogue, dessas reações que não são só de pudor... E depois temos os/as cientistas sociais com o seu discurso do "cientificamente correto"...

A verdade é que não usávamos, nas paredes das nossas casernas ou abrigos, pósteres de mulheres africanas, nuas... As mulheres nuas, ou semi-vestidas, em poses eróticas, eram da "playboy", louras, de olhos azuis... Eram elas que nos ajudavam a climatizar os nossos pesadelos... E continuam a ser elas (e eles), mais louras ou morenas, mas sempre "sexies", que ajudam o capitalismo a vender as merdas que produzimos e consumimos, dos carros às "férias de sonhos" em "ilhas paradisíacas"... Será que alguma coisa mudou desde o "pecado original"?

Pode-se perguntar qual a fronteira entre o "nu etnográfico" e o "nu pornográfico"?... Também é verdade que fotos como a da Rosinha Balantas eram usadas, com alguma "ousadia", nas nossas revistas e sobretudo nas coleções de fotografia colonial...

Eram muito populares, entre os machos lusitanos, as fotos da coleção com raparigas guineenses em poses bastante ousadas para a época: nuas ou semi-nuas... Quem não comprou e não mandou, pelo correio, para a família e amigos alguns destes postais "ousados" dos anos 60?...

O "nu feminino" (mas não o "nu masculino"!)  era visto como um dos traços "exóticos" e "apetecíveis" da... Guiné Portuguesa... Ora,  eu nunca vi nenhum "nu minhoto” para ilustrar a grandeza e a diversidade do Portugal plurirracial e pluricontinental... Hoje esses "postais ilustrados" (muitos deles já aqui reproduzidos, dado o seu interesse, digamos, documental) seriam, no mínimo, "politicamente incorretos"...

Hoje reproduzir um capa como a de 1934, da revista "Civilização" (dirigida pelo escritor Ferreira de Castro, o autor de "A Selva", que chegou a ser nobilizável...) começa a ser objeto de desconforto e até de censura social... A fronteira entre o racismo, a xenofobia, a misoginia, a homofobia, o machismo começa a ser estreita... correndo o risco da nossa geração, a que fez a guerra colonial,  de ser acusada por outros "ismos" de... racista, xenófoba, misógina, homofóbica, machista...

2. Contrapõe o Cherno Baldé, o nosso perito em Bissau (em questões étnico-linguísticas, mas também éticas, religiosas, históricas, antropológicas...):

“Porque é que o ‘nu feminino era visto como um dos tracços exóticos ... da Guiné Portuguesa e não das outras colónias, Angola e Moçambique, por exemplo? Ou as "Bajudas" da Guiné teriam peitos mais salientes/atraentes que todos os outros países, incluindo Portugal, como tu bem observas?”

E acrescenta o dr. Cherno Baldé, nosso amigo e irmãozinho:

“Eu sou daquela época e confirmo que, na altura e para as comunidades da época, não constituía escândalo deixar as meninas andarem de peito livre sem qualquer preconceito. Os preconceitos vieram depois com a invenção do conceito de ´civilização’, ou seja a mania de querer mostrar ‘civilização’ da parte de quem pretendia deter alguma superioridade racial e social, como se andar vestido, já de per si, significava fazer parte da classe dos ‘civilizados’.

Hoje, porém, sabemos que o conceito é completamente falso, pois senão as mulheres talibãs e outras fundamentalistas da mesma religião, com as suas burcas, seriam as mais civilizadas de todas”.

3. Eu respondi nestes termos, ao sabor das teclas:

Querido amigo e irmãozinho Cherno Baldé (que eu não cheguei a conhecer em Contuboel, ainda “djubi’, em junho/julho de 1961):

Não podemos estar mais de acordo!... O que é a ‘civilização’? Não é (ou não devia ser) pelas diferenças ‘acidentais’ (minissaia ou burca, por exemplo, no que diz respeito ao vestuário feminino...) que os povos se distinguem, diferenciam, se separam, e até se combatem até à morte... Muito menos, pelo ‘fenótipo’...

A ‘Rosinha Balanta’ devia ser, espero, um jóia de miúda, que terá casado e terá sido mãe e avó, como muitas outras mulheres, as nossas mães e avós, em Portugal, na Guiné, em todo o mundo... Não era fácil para uma rapariga, balanta, animista (ou cristã, a avaliar pelo fio com crucifico que usa ao peito, a viver num país colonizado, nos anos 30 do século passado, sobreviver e sobretudo viver com um mínimo de dignidade, saúde, paz... Quero imaginar que teria sido feliz... Espero que tenha sido feliz... Para já "conheceu mundo": teve a sorte de conhecer Portugal e o Porto, em 1934!... E de fazer parte do "jardim zoológico humano" do palácio de Cristal, como alguém lhe chamou, com crueldade (***)...

A Rosinha teria hoje 100 anos e seria um pouco mais velha do que a minha saudosa mãe, Maria da Graça (1922-2014)!...  Sabemos quem foi o seu famoso fotógrafo, o Domingos Alvão... Pode discutir-se é um exemplo de nu 'etnográfico', 'artístico', 'colonialista', 'pornográfico' ...

É verdade que  em Portugal, na época, nem as camponesas do Minho nem as ceifeiras do Alentejo andavam de peito ao léu... Hoje também não andam, porque já não existem nem camponesas do Minho nem ceifeiras do Alentejo, a não ser nos museus do traje e nos ranchos folclóricos...

Em contrapartida, já vemos hoje as jovens mães, nos transportes públicos,  nas esplanadas, na rua... a puxar pela mama, discretamente, naturalmente, para amamentar os seus bebés... Mas a mama ao léu não dá jeito (e não é "socialmente tolerada"), a não ser em certas épocas do ano, em certos sítios (como a praia...). O uso da "mama ao léu" tem regras: por exemplo, na arte, no cinema, na indústria da noite, no lazer, e até nas manifestações políticas... contra o poder falocrático.

Cherno, tu, que és um observador de grande argúcia, pões uma questão, deveras desafiante, provocatoriamente desafiante, aos nossos leitores: por que é que o ‘nu feminino’ não era também (e tão bem...) ‘explorado’ pelos antropólogos, artistas, fotógrafos caçadores de ‘exotismo’, agências de viagens, administradores coloniais, angariadores de mão de obra para as colónias, militares, comerciantes e até ‘missionários católicos’ (que eram os melhores clientes das fábricas de ‘soutiens’)... das outras colónias, Angola, Moçambique, São Tomé e até Cabo Verde?...

Cabo Verde (mas também São Tomé e Príncipe) era um caso à parte dada a tradicional influência da igreja católica românica, e sobretudo a sua origem, como sociedade ‘escravocrata’...

De Moçambique sei pouco, nunca lá fui... De Angola, só lá comecei a lá ir a partir de 2003 e confesso que sou ignorante do seu passado, marcado pela liderança de mulheres fortes como a rainha Ana de Sousa, ou rainha Ginga (c. 1582-1663).

Da Guiné, teu país, meu irmãozinho e amigo, só posso dizer que tinha (e tem) mulheres lindas!... A beleza (feminina e masculina) não é monopólio de ninguém... Mas há ‘estereótipos de beleza’ de base racista... e a que o colonialismo (europeu) e o nazifascismo não são alheios.

Descobri (não sabia…) que a ‘Civilização: grande magazine mensal’ foi uma publicação periódica, editada no Porto entre 1928 e 1937. Foi fundada pelos escritores Ferreira de Castro (1898-1974) e Campos Monteiro (1876-1933). O editor era a Livraria Civilização. A Rosinha Balanta vem numa das capas da revista, em 1934, a propósito da 1.ª Exposição Colonial Portuguesa…

4. Há um artigo, interessante, escrito em português do Brasil sobre o ‘papel’ da Rosinha, a bajuda balanta, em carne e osso, que esteve ‘exposta’, na 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, no Porto, em 1934... e que, sem querer, terá sido uma das causas do grande sucesso da exposição, ganhando claramente os favores do público, a par do menino Augusto... (A exposição terá sido vista por um milhão de pessoas; mais de 3 centenas de 'nativos', homens, mulheres e crianças,  vieram expressamente das colónias, a pedido do ministro Armindo Monteiro (1895-1955), para dar "corpo e alma" à exposição que, mais do que um mero divertimento popular, tinha um claro propósito propagandístico.)

(Vd, Mateus Silva Skolaude - Exotismo e Sensualidade Africana: Raça, Nação e Império na 1.ª Exposição Colonial Portuguesa de 1934. in: Nossa África: ensino e pesquisa / Organizadores Simoni Mendes de Paula e Sílvio Marcus de Souza Correa. São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil: Oikos, 2016, 228 p.; E-book, pp. 131/145. ISBN 978-85-7843-614-8. Disponível aqui em formato pdf.)

Eis aqui alguns excertos, com a devida vénia:

(...) Para tanto, foi no jardim do Palácio de Cristal [, no Porto,] a grande atração do evento, tendo em vista o objetivo de recriar os territórios ultramarinos em sua mais completa diversidade. Era indispensável traduzir o cotidiano dos povos o mais próximo da realidade, desde a floresta tropical, o deserto, a alimentação e as aldeias típicas, ou seja, o objetivo consistia em oferecer ao público, a sensação de viajar por todo o império português.

Neste passeio, as representações etnográficas acabaram por ser as mais populares, num total de 324 nativos expostos, entre mulheres, homens e também crianças. (...)

Diferentemente de um museu, a exposição incorporava um universo à parte, considerando as particularidades de cheiros, sons e imagens em movimento. Neste sentido, os 324 nativos, desde a chegada ao Porto, foram cuidadosamente observados por professores e estudantes universitários, sob a responsabilidade dos antropólogos da Universidade do Porto. A partir das experiências com os indígenas, os cientistas chegariam a conclusões com respeito a usos e costumes, a maior ou menor aptidão em trabalhos manuais, assim como, às suas capacidades intelectuais. (...)

Estes nativos eram evocados como sendo todos portugueses (...).

E continua o autor, Mateus Silva Skolaude:

(…) Não por acaso, a 1.ª ECP teve um fotografo oficial, o Sr. Domingos Alvão (1872-1946), proprietário da Casa Alvão na cidade do Porto e que publicou um “Álbum fotográfico da 1.ª Exposição Colonial Portuguesa” com 101 clichés fotográficos, editado no Porto pela Litografia Nacional. (…) 


 Os grupos étnicos da Guiné foram os que mais receberam atenção por parte da imprensa e do público de forma geral. Também foram os mais fotografados pela câmara oficial de Domingos Alvão que procurou realçar o caráter físico destas populações indígenas. (...)

(...) Para além da exotização imposta pelos organizadores e propagandistas da exposição, era necessário também criar laços de afetividade na população metropolitana com os povos oriundos das colônias. Para que isto efectivamente tivesse algum resultado prático, utilizou-se a estratégia de individualizar alguns nativos, como forma de torná-los verdadeiros ícones da exposição.

(...) Esse foi o caso do menino Augusto [, bijagó,] (***) e da jovem Rosinha, da etnia balanta, que foi exposta pelos organizadores da exposição, tendo em vista os anseios da política estado-novista que buscava despertar, na subjectividade masculina, o desafio de sujeitos dispostos a migrarem para os territórios ultramarinos do império. A estratégia foi bem-sucedida. Rosinha e as mulheres balantas não só atraíram um grande público, como também constituíam uma “sensualidade” capaz de mobilizar, na memória do passado, o futuro da política imperial.

Concluindo: parte do sucesso da exposição é mérito da Rosinha e do seu fotógrafo (**):

(...) Naquela altura, circulou um cartão postal cuja fotografia original se encontra no álbum fotográfico de Alvão. Sua legenda afirmava o papel atribuído a Rosinha: “O Sucesso da Exposição de 1934”. Este sentimento foi amplamente partilhado pelos visitantes. Rosinha tornou-se o “objeto” mais fotografado, analisado e discutido da exposição. (...) (****)
______________

(**) Último poste da série > 19 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17780: Historiografia da presença portuguesa em África (90): a nossa conhecida NOSOCO - Nouvelle Société Commerciale Africaine, uma das patrocinadoras da Exposição Colonial Internacional de Paris, em 1931

(***)   Vd. poste de 9 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10916: Postais ilustrados (19): O menino, Augusto,  que fumava cigarros "White Horse" (Beja Santos)

(...) Em 1934, o regime consagrado pela Constituição de 1933 queria dar provas de que o Império era muito mais do que o imaginário, era obra de missionação, havia para ali recursos a explorar para o engrandecimento da Nação. O capitão Henrique Galvão recebeu instruções para que a encenação ultrapassasse tudo o que até agora fora mostrando dos diferentes povos no vasto Império. E ele não se poupou a esforços. 

O problema foi a moral pública, a reclamar daquelas bajudas com maminhas ao léu, aqueles Bijagós despudorados com saias de ráfia, praticamente nus, e de olhar tão inocente. Faziam-se excursões, rezam as notícias publicadas nos jornais da época, para ver aqueles povos bárbaros, as crianças atiravam pedradas, a polícia tinha que agir, o ministro das Colónias, Armindo Monteiro, não gostou das críticas, ordenou ao capitão Henrique Galvão que acabasse com os desmandos, quem desrespeitasse os guinéus ia para a choça. 

O Augusto devia ser uma criança muito dócil, os pais até devem ter achado graça ver o menino a fumar, reproduzido em bilhete-postal. Não vale a pena fazer comentários, fica o registo de um tratamento primitivo. Em muitos domínios, a História não dorme. (...)


(****) Vd. também o artigo da investigadora do ICS-UL [Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa}, Filipa Lowndes Vicente: "Rosita" e o império como objecto de desejo. Público,. 25/8/2013

(...) "No contexto das discriminações raciais da Europa da década de 1930, como já no século XIX, o corpo da mulher negra podia ser exposto, legitimamente, de muitas formas, num claro contraste com o corpo nu da mulher branca, remetido para as fotografias transgressivas de uma pornografia para consumo privado masculino. O corpo nu da mulher negra estava disponível visualmente, porque imperava uma ideologia legitimada por um racismo científico que o inferiorizava, e que lhe retirava voz e poder. Os lugares desta exposição legítima do corpo eram inúmeros: nas exposições universais e coloniais, nos postais fotográficos que jogavam com a ambiguidade entre a legitimidade científica da antropologia e o erotismo; ou em imagens de jornal a ilustrar os costumes de povos "estranhos e distantes". (...)

domingo, 17 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17775: Historiografia da presença portuguesa em África (89): Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
Para bom entendimento do que foi o incontestável sucesso da Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto em 1934, há que atender ao ressurgimento dos valores imperiais do Estado Novo, às expetativas de industriais e agricultores que pretendiam a complementaridade de mercados, cientes das tremendas dificuldades da economia mundial e até com a vizinha Espanha a entrar em roda livre, não esquecendo o apetite alemão por colónias.
Tudo somado, investiu-se a sério, organizou-se muito bem, e não faltou o escândalo da Balanta Rosinha de peito ao léu na capa das revistas.
Pretendia-se uma lição de colonialismo e de envaidecimento por um Portugal que não era um país pequeno.

Um abraço do
Mário


Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934 (2)

Beja Santos

Capitão Henrique Galvão, Diretor Técnico da Exposição
Desenho de Eduardo Malta

A exposição do Porto foi inegavelmente um grande evento na lógica imperial do Estado Novo, veiculando uma importante mensagem para dentro do país e uma outra para novos concorrentes imperiais que até pretendiam ter acesso às colónias portuguesas em África, como Hitler. Internamente, toda a encenação exaltava a dimensão civilizador do projeto colonia; externamente, dava-se como demonstrado que tínhamos um projeto colonial antigo e que o Império Colonial Português era inquestionável. Num artigo alusivo a esta exposição, a investigadora Luísa Marroni escreveu um curioso artigo na revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto que iremos acompanhar de perto. A direção técnica da exposição esteve a cargo de Henrique Galvão, contou-se com o empenho e apoio financeiro do Grupo Pró-Colónia do Porto. Na divulgação o evento contou com o apoio do bispo do Porto e de grande parte do clero do Norte e muitos outros intervenientes, todos apostavam e se empenharam na política colonial ressurgida com o Estado Novo.


A exposição estava estabelecida no Palácio de Cristal e jardim envolvente, durou três meses e meio e culminou com a realização de um cortejo alegórico que percorreu as ruas da cidade do Porto, desde a foz do rio Douro até aos jardins do Palácio de Cristal. Era constituída por secção oficial e secção particular. A secção oficial organizava-se por 15 temas (história da obra colonial portuguesa, representação etnográfica, representação militar, monumentos, parque zoológico, teatro oficial, cinema oficial, informações, correios e telégrafos, livraria colonial, socorro e assistência aos indígenas, sala de exposição de arte, conferências e congressos, posto de provas de produtos coloniais e cantina) e diferenciados produtos e produtores completavam a secção particular. Almada Negreiros desenhou selos, Eduardo Malta pintou e desenhou, a Vista Alegre produziu peças para a exposição, o príncipe de Gales, o futuro rei Eduardo VIII, foi talvez o seu visitante estrangeiro mais ilustre. No Porto dava-se visibilidade ao projeto imperial em marcha.

Registe-se que não era a primeira vez que se trazia a Portugal réplicas de aldeias indígenas. Recorde-se que na Grande Exposição Industrial Portuguesa, realizada em Lisboa, em 1932, veio uma tabanca Fula e foram mesmo exibidos Fulas na exposição, houve mesmo uma descrição de um escritor guineense, Fausto Duarte, que no ano anterior ganhara o primeiro prémio de literatura colonial.


Havia a ambição política e económica, os industriais portugueses insistiam na complementaridade dos mercados, havia um verdadeiro interesse pelas questões e mercados coloniais. A economia europeia estava em profunda crise que se irá agravar com o crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, acrescia o agravamento da situação política em Espanha, industriais e financeiros insistiam nos novos mercados, por isso a aposta no evento do Porto foi esforçada e sincera.

O regime apostava na lição do colonialismo, respirava-se o sucesso na questão do equilíbrio financeiro e na ideia da estabilidade social conseguida pelo Estado Novo. Falava-se abertamente numa ofensiva patriótica e pacificadora nas colónias, isto a despeito de se manterem graves tensões, por exemplo na Guiné, envolvendo Felupes e Bijagós.

 A exposição era encarada como uma lição viva, era para sentir o pitoresco, o exótico, a ingenuidade dos colonizados, pretendia-se substituir preconceitos com esta catequese sentimental de que Portugal não era um país pequeno, estendia-se entre o Minho e Timor. Lição viva porque se recriou a ambiência das colónias envolvida por modernismos da metrópole, encenaram-se povoados, modos de vida e de organização familiar, usos e costumes, trajes e rotinas, engendraram-se representações estereotipadas.

Como escreve a investigadora Luísa Marroni na conclusão do seu artigo, “O estudo da Exposição Colonial realizada no Porto, em 1934, admite sinais da transformação pretendida na sociedade portuguesa: de rutura com os valores o passado próximo para adoção de outros conformes com a ordem estabelecida.

A mudança é conseguida com recurso a um conjunto de instrumentos eminentemente sensoriais nos aspetos socioculturais e ao nível político, a representação unificada da nação. A simbologia empregue fundamenta a nova ordem sociopolítica, reforço da ideia e políticas imperiais, compreendida pela associação feita aos princípios do domínio e da ressurreição capaz de influir na sociedade, individual e coletivamente. A monopolização do espaço público com um conjunto de símbolos visuais remetem para outros tempos, encenando, reinterpretando, ou substituindo figuras, regras e valores anteriores ao golpe militar de 28 de Maio de 1926”.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de Setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17772: Historiografia da presença portuguesa em África (88): Exposição Colonial Internacional de Paris, 1931 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14013: Notas de leitura (656): “Tributo de Sangue”, escrito pelo Tenente António da Silva Loureiro, Edição a propósito da I Exposição Colonial Portuguesa, 1934 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
É vasta a bibliografia sobre as campanhas militares da ocupação da Guiné.
Este trabalho do Tenente Silva Loureiro, que apareceu na primeira Exposição Colonial Portuguesa, que decorreu no Porto em 1934, é seguramente o primeiro dessa longa fila.
Recorde-se que só depois é que a Agência Geral das Colónias publicou os documentos então inéditos de João Teixeira Pinto sobre as suas campanhas.
Este “Tributo de Sangue” é minucioso, temos que reconhecer que o autor o terá elaborado com acesso a poucas fontes de informação. A linha dominante é a exaltação por esse mesmo derrame de sangue, e há uma compostura e uma dignidade no tratamento dos revoltosos que só é possível nos combatentes que deram o peito nas batalhas.

Um abraço do
Mário


Tributo de sangue: Registo das campanhas para a ocupação da Guiné

Beja Santosexposiç

Isto de andar a surfar nos sites onde se vendem livros leva muitas vezes a descobertas auspiciosas. Por puro acaso, descobri que havia um “Tributo de Sangue”, escrito pelo Tenente António da Silva Loureiro, Edição a propósito da I Exposição Colonial Portuguesa, 1934. Não há para ali novidades retumbantes, René Pélissier já fizera um levantamento exaustivo que dava para perceber que até 1936 a paz e a ordem na Guiné eram pura ficção.

O Tenente Silva Loureiro age como um cronista, aqui e acolá releva o que julga relevante, nunca omite que não esmiuça mais por falta de documentação. Aliás, diz logo à cabeça: “O que foi a Guiné até 1842 não o sabemos por falta de elementos”. E desencadeia assim as hostilidades: “Principia a história militar da Guiné por um vulto que desempenhou um papel preponderante na defesa da colónia: foi Honório Pereira Barreto, oficial de artilharia. Este oficial celebrou em 21 de dezembro de 1843, como governador de distrito, um contrato com o rei de Banhune, Saugo-Dogu, residente em Bissary, na margem direita do rio Casamansa, para a cedência ao Governo português de todo este território. Em 29 do mesmo mês e ano, o referido governador celebra com o gentio de Boro e Cabono, aldeia de Banhunes, na margem esquerda do rio Casamansa, um outro contrato para a cedência dos seus terrenos pela quantia de 50 mil reis. E até 1855 a vida da colónia decorreu pacatamente, parecendo que, no entretanto, se preparava para o período agitado em que bem brevemente a vamos encontrar”.

Enumera caudalosamente insurreições, sublevações, tratados de paz, negociações espúrias. Logo em 1871 regista a sublevação de Cacheu que originou uma expedição composta por Forças de Caçadores n.º 1 (um batalhão) e marinheiros da armada real, que efetuou um ataque à povoação destruindo-a totalmente. Em 1879, foi celebrado um tratado de cessão do território ocupado pelos Felupes de Jafunco à Nação Portuguesa. Em 1880, foi celebrado um tratado de paz na povoação de Buba, entre os régulos Beafadas e o Governo. No ano seguinte, foi ampliando o tratado feito em 1856 entre o Governo e os chefes Beafadas de Guinala e Beduk, na margem direito do rio Grande. Em fevereiro desse ano, Fulas atacam a praça de Buba, ataque repelido. Em julho, é celebrado um novo tratado de paz entre o Governo e os régulos Fula-Forros e Futa-Fulas do Forreá. Em julho e agosto de 1882, as tabancas de Mamadi Paté sublevam-se em Buba, e no ano seguinte os Fulas Pretos capitaneados por Dansá, aprisionaram em São Belchior do Geba todos os indígenas cristãos e reduziram a cinzas todas as suas casas. Segue-se o comportamento extraordinário do Alferes Francisco Marque Geraldes que praticamente sozinho se meteu a caminho e foi recuperar os indígenas cristãos.

Entrou-se numa época de tumultos ininterruptos, convém não esquecer que se caminha para a conferência de Berlim e que comerciantes franceses, com a anuência das suas autoridades, tudo fazem para subverter as regras de entendimento entre as autoridades indígenas e as portuguesas. Mussá Molo é uma das principais figuras da agitação, procura pôr a região Leste a ferro e fogo. O Tenente Marques Geraldes, chefe do presidio de Geba, ataca as tabancas do régulo Mussá Molo e arrasa-as. Por atos de bravura, Marques Geraldes é promovido a capitão. Enfim, não há um só ano sem sinais de desobediências, insurreições, rebeliões.

Em 1891, a ilha de Bissau começou a dar sinais de revolta, em breve chegarão os motins, assassinatos, viver-se-á numa atmosfera completamente descontrolada, e o Tenente Silva Loureiro escreve: “Foram terríveis os dias 3 e 19 de março, e 19 de abril, houve que suportar combates com um gentio bem armado e em número cem vezes maior”.

O pior estava para vir. Em 1907, o régulo do Cuor, supondo que tinha fortalecido alianças com régulos vizinhos, impede a navegabilidade do Geba, o comércio fica paralisado, será necessário encontrar uma resposta dispendiosa, virão tropas da metrópole e de Moçambique, a campanha contra o rebelde Infali Soncó é o grande acontecimento de 1908, nunca o Leste da Guiné vira tantos soldados brancos. O acontecimento relevante posterior foram as campanhas do Capitão João Teixeira Pinto, aqui já largamente documentadas, há que reconhecer que o Tenente Silva Loureiro não esconde a faceta de heroísmo e bravura do pacificador.

Em 1925, os indígenas da ilha Canhabaque davam sinais manifestos de rebelião. Há descrições elucidativas: “Ao aproximar-se a coluna da tabanca de Juliana desencadeou-se forte peleja. Depois de renhida fuzilaria, foi a tabanca assaltada, mas quando caiu nas nossas mãos não era mais que um enorme braseiro. Neste ataque estiveram empenhadas 800 espingardas, 3 metralhadoras e 3 peças de 7 milímetros. Impossível era, pois, a resistência por parte do inimigo, apesar da sua provada valentia, que não fica mal confessar, antes nos honra, por mais valorizar ação das nossas tropas. E foi nestas operações, tão simples na aparência, que tivemos 96 baixas!”.

Mais adiante, o autor deplora a situação existente: “E depois de todo este sacrifício de vidas e de tantas canseiras passadas, causa pena saber que os indígenas Bijagós continuam ainda meio selvagens, prontos a insurgiram-se na primeira ocasião, tal é o espírito inquieto e aguerrido dos habitantes da ilha de Canhabaque”. Mas não foi só nos Bijagós que a pacificação se revelou um processo demorado, em 1921 ainda havia guerra entre os Papéis de Bissau.

O tenente Silva Loureiro relatara as circunstâncias dramáticas em que o nome Teixeira Pinto fora alvo de críticas injustíssimas e acusações infames. Em dado passo, ele exulta: “Em 1929, a Província saldou a dívida com Teixeira Pinto erguendo-lhe um monumento no centro de Bissau, inaugurado em 30 de novembro". E finaliza a sua monografia das campanhas militares para a ocupação da Guiné com as seguintes considerações: “Sem a sua quota-parte de sangue – talvez a maior que se pode dar – a Guiné não chegaria a gozar os benefícios que os nossos colonos lhe ministraram”.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13988: Notas de leitura (655): Apresentação do livro "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial (1961-1974)", dia 12 de Dezembro de 2014, pelas 21h30, na Sala Manoel de Olivera, em Fafe (Beja Santos)

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13511: Notas de leitura (624): De uma exposição com Eduardo Malta a outra exposição com Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2014:

Querido amigos,
Assim se matam dois coelhos com uma só cajadada.
A Feira da Ladra continua a desvelar os seus tesouros, aqui fica o registo de outros belos desenhos de Eduardo Malta com motivos guineenses. O catálogo da exposição promovida pela Fundação Mário Soares, em 2000, e dedicada a Amílcar Cabral, após a operação de salvaguarda de documentos que corriam risco de se perderem ou ficarem irreversivelmente afectados, depois da guerra civil de 1998-1999, é um documento de incontestável valor, o meu propósito é repertoriar a documentação mais interessante para o curioso ou para quem se quer iniciar nos estudos guineenses.

Um abraço do
Mário


De uma exposição com Eduardo Malta a outra exposição com Amílcar Cabral

Beja Santos

Eduardo Malta no Porto e em Paris

Não é a primeira vez que falamos de Eduardo Malta e da Guiné.
Eduardo Malta é um dos artistas convidados para a Exposição Colonial do Porro, em 1934. É durante a exposição que Malta esboça belíssimos desenhos de gente da Guiné, Angola, Índia, Macau e Timor. Já que se reproduziram os desenhos que ele dedicou ao régulo Mamadu Sissé, que acompanhou Teixeira Pinto durante as campanhas de pacificação, da Rosinha, uma esplendorosa imagem em que captou a pose digna de uma elegante bajuda e em traje à europeia, o principesco Abdulai Sissé, num contido perfil de elegância e majestade. Por isso o reproduzimos aqui. Produto das incursões aos alfobres da Feira da Ladra, desta vez o encontro foi com o álbum de desenhos apresentado na Exposição Internacional de Paris, de 1937, um acontecimento do maior relevo para as artes plásticas europeias e onde Portugal participou com pavilhão próprio e mostra colonial. Vale a pena procurar no Google o Pavilhão Português na Exposição de 1937.
É desse álbum que reproduzimos agora o desenho de Inês, dançarina Bijagó, e de Chadi dançarino Bijagó. Confesso que o desenho da Inês aparece inultrapassável, o claro-escuro é sublime, o modo como o pano se prende no ventre só é possível a um grande artista, e a inclinação dos ombros é irrepreensível. Não direi o mesmo de Chadi, há ali qualquer coisa de esboço apressado, de uma simplificação redutora, fica-se com uma sensação de obra incompleta.

Capa do álbum de Eduardo Malta apresentado na Exposição Internacional de Paris, 1937

Desenho de Abdulai Sissé

Desenho de Inês, dançarina Bijagó

Chadi, dançarino Bijagó

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Sou um simples Africano…

No âmbito do Projeto de Salvaguarda dos Documentos de Amílcar Cabral, a Fundação Mário Soares apresentou uma exposição de documentos recuperados, tratados, digitalizados e fotografados pelo seu arquivo, tendo também utilizado documentos do acervo de Mário Pinto de Andrade e outros cedidos por Iva Cabral, filha de Amílcar. Decorrente do conflito de 1998/1999, muitos documentos de incontentável valor histórico estavam em sério risco, em adiantado estado de degradação, havia que encontrar meios técnicos, humanos e financeiros para obviar ao desaparecimento de tão significativo património.

A exposição mostra como foram tratadas mais de 7500 páginas de documentos, devidamente classificados e indexados antes da sua transferência para suporte digital. A exposição prossegue mostrando os familiares do líder do PAIGC. A sua adolescência, os seus estudos em Lisboa, os seus documentos científicos, depoimentos de colegas que avaliam os seus dotes profissionais.

Mostram-se depois alguns documentos elaborados em Conacri em 1960, Cabral assina Abel Djassi e escreve aos seus camaradas do PAI (antecessor do PAIGC): “Tomai atenção: Eu sou o vosso irmão, o vosso camarada de sempre, aquele que criou o PAI, o nosso Partido autónomo. Eu sou aquele que ama a agricultura. É preciso dizer aos nossos camaradas que estou aqui e que a nossa luta continua”. Seguem documentos e fotografias dos primórdios da luta anticolonial, reproduz-se a cópia do memorando enviado ao governo Português apelando à independência da Guiné, o manifesto aos cabo-verdianos residentes no Senegal, 1961, em que procura demonstrar que os cabo-verdianos são africanos e que devem lutar ao lado dos guineenses.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13509: Notas de leitura (623): Os "Capitães Generais" e os "Capitães Políticos", por Tenente Coronel Luís Ataíde Banazol (José Manuel Matos Dinis)

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13407: (In)citações (67): A Exposição Colonial Portuguesa de 1934 versus A literatura sobre os "impérios europeus" (Mário Beja Santos / Carlos Nery / José Brás)

O belo Palácio de Cristal do Porto (1865-1951) derrubado para dar lugar ao Pavilhão dos Desportos, rebaptizado mais tarde como Pavilhão Rosa Mota

Foto: Com a devida vénia a Skyscrapercity

A propósito da mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos, que encaminhei para a tertúlia, onde se incluía uma ligação ao sítio da Hemeroteca da Câmara Municipal de Lisboa, mais propriamente dito à Exposição Colonial Portuguesa de 1934, levada a efeito no Palácio de Cristal do Porto, salientamos estas duas reacções:



1. Do nosso camarada Carlos Nery, via facebook:

A propósito da chamada de atenção do camarada Beja Santos informo-te de que estive nessa exposição como se pode ver no Album junto...



Sou eu com um ano de idade... Quanto à moça africana ponho a hipótese de ser uma Bijagós. Os Bijagós são uma das mais antigas etnias da Guiné. Vivem ainda numa sociedade matriarcal, como outrora acontecia um pouco generalizadamente em África.

Para se ter uma ideia do que foi esta Exposição e avaliar a capacidade organizativa de Henrique Galvão (mais tarde opositor do regime e protagonista do assalto ao paquete Santa Maria) tem sentido "navegar" no blogue do porto e não só

Carlos Nery


2. Noutro sentido, talvez como contraponto, esta reacção do nosso camarada José Brás de quem não tínhamos notícias há algum tempo:

Carlos, meu amigo
É sempre de grande utilidade ter um documento destes ao nosso dispor como "Memoria" da História Oficia.
Entretanto, porque sabemos que a História Oficial é sempre um produto de homens, escrita pelos vencedores em cada contexto, coisa que a aproxima, no mínimo de verdadeira ficção, ainda que muito duvidoso de que camaradas em número significativo se venham a interessar por isto, aconselharia a dar nota também de pubicações como "Exterminem Todas as Bestas" de Sven Lindqvist, ou o próximo "Racisms: from the crusades to the twentieth century" (Princeton University Press), do português Francisco Bethencourt, radicado em Inglaterra como professor de história, a sair brevemente no Brasil e ainda sem editora em Portugal. A publicação da sua entrevista a Isabel Salema, acho que seria também um bom serviço ao Blogue no alargamento da visão sobre o nosso passado como povo.

Um abraço camarada
José Brás



3. Comentários de Carlos Vinhal

i) Ao camarada Carlos Nery o nosso obrigado por ter "representado", em 1934, no Porto, o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné no evento tão importante, para a época, que foi a Exposição Colonial Portuguesa.

ii) Ao nosso camarada José Brás o nosso obrigado por estar sempre atento ao nosso Blogue e pelas suas intervenções sempre oportunas e construtivas.
Seguindo a sua sugestão, e uma vez que se tinha em carteira, para reenvio à tertúlia, a entrevista que Francisco Bethencourt deu à jornalista Isabel Salema, chegada ao Blogue via Mário Beja Santos, a mesma foi de imediato difundida.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13275: (In)citações (66): Sobre o 10 de Junho, Dia da Raça (José Manuel Matos Dinis)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10916: Postais ilustrados (19): O menino, Augusto, que fumava cigarros "White Horse" (Beja Santos)



1ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, Palácio de Cristal, 16/6/1934 - 30/9/1934.

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2013:



Queridos amigos,

Eis o resultado de andar a vasculhar caixas com bilhetes-postais, uma atração irresistível em lojas de ferro-velho ou velharias de toda a espécie.

O Augusto a fumar não é para ficarmos indignados, à luz das mentalidades dos anos 1930. Ajuda a refletir sobre o tratamento de uma criança-objeto, uma imagem irrecusável que até talvez causasse simpatia, naqueles tempos em que havia crianças contorcionistas em trupes de ciganos, crianças trapezistas no circo ou a chicotear cavalos.

A exposição do Porto, em 1934, teve como uma das principais atrações os guinéus. Eduardo Malta, convém não esquecer, sentiu-se fascinado pelo régulo Mamadu Sissé, um dos incondicionais do capitão Teixeira Pinto, desenhou-o com imensa beleza. Fazia-se filas para ver os Bijagós desnudados, era um desregramento autorizado.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


O menino da Guiné que fumava cigarros White Horse

por Beja Santos



Há, por ora, um embaraçante enigma que alguém, mais avisado, poderá contribuir para esclarecer. O postal que se exibe mostra o Augusto da Guiné, estamos em crer que ele veio na comitiva guineense que se apresentou na 1ª Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto, em 1934. Na verdade, o Augusto aparece noutras fotografias, até tem honras de aparecer estampado no livro “O Império de Papel”. E a Tabacaria Trindade fez nome publicando imensos bilhetes-postais, basta ir ao Google. Como os tabacos White Horse também existiram, basta ir ao Google.

E vamos agora à exposição em que participou o Augusto. Diga-se desde logo que foi um invento com estadão e alto significado político. Uma coisa foi a Exposição Industrial de 1932, no que é hoje o Pavilhão Carlos Lopes, por lá acamparam uns régulos Fulas e respetivas famílias em pleno Parque Eduardo VII, foram tratados com uma atração de feira, era uma chamada de atenção para aquela terra de onde vinha amendoim, coconote, algumas madeiras exóticas, ceras e curtumes, convinha sensibilizar os investimentos para a orizicultura e outras potencialidades agrícolas, o Império não era só Angola e Moçambique, espaços largos, de se perderem à vista.

Em 1934, o regime consagrado pela Constituição de 1933 queria dar provas de que o Império era muito mais do que o imaginário, era obra de missionação, havia para ali recursos a explorar para o engrandecimento da Nação. O capitão Henrique Galvão recebeu instruções para que a encenação ultrapassasse tudo o que até agora fora mostrando dos diferentes povos no vasto Império. E ele não se poupou a esforços. 

O problema foi a moral pública, a reclamar daquelas bajudas com maminhas ao léu, aqueles Bijagós despudorados com saias de ráfia, praticamente nus, e de olhar tão inocente. Faziam-se excursões, rezam as notícias publicadas nos jornais da época, para ver aqueles povos bárbaros, as crianças atiravam pedradas, a polícia tinha que agir, o ministro das Colónias, Armindo Monteiro, não gostou das críticas, ordenou ao capitão Henrique Galvão que acabasse com os desmandos, quem desrespeitasse os guinéus ia para a choça.

O Augusto devia ser uma criança muito dócil, os pais até devem ter achado graça ver o menino a fumar, reproduzido em bilhete-postal. Não vale a pena fazer comentários, fica o registo de um tratamento primitivo. Em muitos domínios, a História não dorme.
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Nota de CV: