quarta-feira, 2 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18594: Antropologia (27): Uma preciosidade: arte indígena portuguesa, 1934 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Já aqui se referiu detalhadamente a I Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto em 1934. Henrique Galvão comissariou e trouxe gentes de várias proveniências. Da Guiné vieram principalmente Mandingas e Bijagós.
Artistas como Eduardo Malta ficaram embevecidos com o porte das gentes, ficaram desenhos para a posteridade; as meninas Bijagós saracoteavam-se de peito ao léu, para escândalo das senhoras respeitáveis, que foram apresentar queixa de tal desmando, faziam-se aliás excursões para ver aquelas "aves raras".
A Agência Geral das Colónias investiu a fundo num alvo em que os fotógrafos eram todos de primeira linha, disputadíssimos: Mário Novais, San Payo e Alvão. A capa foi entregue a Almada Negreiros e o texto principal era da responsabilidade de Diogo de Macedo.
Uma preciosidade e um enaltecimento da arte Bijagó, como aqui se mostra. Uma gema que não podia ficar mais tempo no esquecimento.

Um abraço do
Mário


Uma preciosidade: arte indígena portuguesa, 1934

Beja Santos

No âmbito da I Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto, em 1934, a Agência Geral das Colónias promoveu uma publicação cuja capa pertence a Almada Negreiros e o repositório fotográfico foi entregue a três artistas conceituados: Mário Novais, San Payo e Alvão. O texto introdutório é da responsabilidade de Luiz de Montalvor e o texto sobre a arte indígena é assinado por Diogo Macedo. Escreve Luiz de Montalvor que reabilitar a arte gentílica no seu injusto e obscuro isolamento é o propósito da publicação. Esta arte vive ainda a idade pura da alma humana e por isso há gente que a apelida de primitiva e de bárbara. Ele corrige: pode ser primitiva mas não é bárbara. Espraia-se em considerações, chega mesmo a introduzir uma interrogação totalmente peripatética: “Conceberá ela, um dia, nos refolhos do tempo, na indústria dos seus sonhos – atingida uma idade de ouro, radicada no domínio pleno dos seus recursos – a gestação de um Cellini, de um Ângelo, de um Botticelli indígenas, operários futuros de uma nova Beleza?”. Atenda-se que estamos a falar do mesmo Luiz de Montalvor modernista, ligado à publicação do Orpheu, poderá ser por aí que se justificará o descabimento desta diatribe.

Diogo de Macedo revela outra preparação e conhecimentos. Retoma a tónica do que é primitivo e bárbaro, dizendo que temos hoje na Oceânia e em África inúmeros tribos e povos a quem os europeus chamam raças primitivas, talvez por guardarem ainda todo o caráter inculto e rítmico dos costumes e das crenças que outros povos abandonaram em prol de um outro tipo de civilização. Só por isso é que poderá ser aceitável a designação de primitiva. Estamos a falar de povos em que a arte é principalmente escultórica, composta de feitiços, manipansos, divindades, ídolos e simples figurações animais. E desce a observações de quem refletiu cuidadosamente sobre o que viu e está a escrever: “Existe o mistério da origem da arte africana e da sua migração. Com as depreciações do estilo, da expressão e até da religião, o enigma, por enquanto, não foi resolvido. No Congo, há humildade e certa morbidez decadente; no Benim, espírito guerreiro e virilidade epopeica; na Costa Oriental, exuberância de fantasia e de grotesco; nos Camarões, tragédia e violência; a arte de Ioruba é religiosa, de mitos e de lendas; e só a da Guiné é natural e anedótica. Ali é escultura é lírica e racionalista, embora amaneirada”. Considera que o povo Bijagó é uma raça de artistas plásticos e com tendências fáceis à assimilação ocasional de ritos.

E não deixa de fazer justiça a um fenómeno sobre o qual, nessa década de 1930, muito pouco se fala ainda em Portugal: “Paris, há alguns anos e pela perceção dos pintores Matisse, Vlaminck, Picasso, Dérain e Lhote, tentou impor a arte negra como irmã da grega, da gótica ou da barroca, no seu estilo de descoberta. Aproveitaram-se da sua estrutura e expressionismo para defesa da pintura chamada “fauve” e para apoio dos ensaios do cubismo. Um grande artista – Modigliani – chegou mesmo a criar uma obra baseada na sua estética, assim como Zadkine e Lipchitz se inspiraram nestes segredos de composição para talharem a sua escultura”.

Mulher com o filho às cavalitas

Dois coloniais portugueses

Ídolo do sonho, figura de homem sentado e com a cabeça deitada sobre os braços

Gazela em madeira branca

É um álbum que honra e enaltece a genialidade da escultura guineense. A fatia de leão vai para os Bijagós, 17 gravuras num total de 107, onde se incluem obras vindas do Moxico, Macondes, Lunda, florestas de Cassinga, Congo, Cabo Delgado, Gaza e Benim.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18560: Antropologia (26): “Produtos, Técnicas e Saberes da Tradição Bijagó”, por Fanceni Baldé, Cleunismar Silva e Mary Fidélis, editado por Tiniguena, 2012 (Mário Beja Santos)

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