sábado, 5 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18606: Os nossos seres, saberes e lazeres (265): De Estremoz para as Termas de S. Pedro do Sul (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 27 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Foi folgar e bailar neste rincão quase tão antigo como a nossa nacionalidade. Parece ser uma amostra estrondosa de cultura ciclópica, e impõe-se pelo tamanhão e pela rudeza. Mas há um contraste que é contemplação de dentro para fora, são lonjuras impressionantes, sente-se que daquele castelo se fazia atalaia da movimentação castelhana, cobiçosa de vencer estes pedregulhos e dominar as planícies. É tudo tão colossal e simultaneamente tão íntimo que se percebe como o lugar é uma poderosa atenção turística nas quatro estações do ano. Longe vai o tempo que caracterizou os requisitos com que se atribuiu o Galo de Prata, em 1938. Mudou a habitação, mudaram os trajes, os meios de transporte, ficaram a poesia, os contos, as superstições, a coreografia para os acontecimentos lúdicos dos dias de festa. O que resta e espera-se que se mantenha inalterável é a fisionomia topográfica e aquela panorâmica sem rival.

Um abraço do
Mário


De Estremoz para as termas de S. Pedro do Sul (3)

Beja Santos

Viandante e companha dedicam integralmente um dia a Monsanto, aquela aldeia que em 1938 recebeu o Galo de Prata, iniciativa do Secretariado da Propaganda Nacional para A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal. Terá sido uma escolha difícil para o júri, Monsanto ombreou-se com Aljubarrota, Azinhaga, Alturas do Barroso, Manhouce, Peroguarda, Alte e Odeceixe, entre outras, do júri faziam parte Fernanda de Castro, Armando Leça, Gustavo de Matos Sequeira, Luís Chaves e Cardoso Martha.
O anoitecer estava de feição, foram todos para um miradouro, depois outro e mais outro, tal o espetáculo daquele fogo ígneo, visto daquelas alturas e a movimentar-se pelas planuras, já se tinha passado pelo Largo do Cruzeiro, visto de fora a Igreja de S. Salvador, deambulado sem azimute pelas ruas, casas com muitas flores à porta. A esse pôr-do-sol se rende impressiva homenagem.



O viandante sobraça a publicação do SNI com data de 1947 dedicada a Monsanto. Oiçamos o que aqui se escreveu sobre os monsantinos:  

“A maioria dos monsantinos (que, pelo último censo, passavam de 3000) é de tipo moreno e olhos castanhos-claros. Aparecem, todavia, ainda que raramente, alguns de cabelo loiro e olhos verdes, bem como o tipo cigano, outrora muito espalhado.
O nativo de Monsanto é patriota, bairrista convicto, altivo, por vezes, até ao exagero e perseverante na conservação de velhos hábitos”.
E dedica-se uma palavra à indumentária do passado, o velho trajar monsantinos: 
“O traje feminino: mantéu de gorgorão e sobre ele uma capucha azul-escura, debruada a claro. Nos homens, era corrente a camisa bordada, véstia curta, cinta preta e chapeirão de Alcains. Hoje o vestuário do povo humilde não se diferencia do comum às povoações da Beira Baixa. Usam as mulheres camisa de linho ou estopa, saia muito rodada e capucha de burel, pendente da cabeça sobre os ombros. Também são frequentes os chales curtos de Alcobaça e lenço atado à cabeça por vários modos”.
Segue-se uma descrição para a casa, pois foi este casario imponente e rústico que deve ter fascinado o júri do Galo de Prata:
“A casa humilde, popular, de acentuada rusticidade, com paredes de pequenos blocos de granito mal esquadriados e quase sempre sem aparelho, tem uma ou duas divisões estreitas, quando muito, de feição quadrangular (…). Uma porta sem batentes dá acesso a outra quadra – a cozinha, alumiada por frestas, que não raro servem de portas. A lareira é rente ao solo; não há chaminé e o fumo escoa-se pela telha vã, dando-se, desta forma, um maior aquecimento à casa”.
Vejam-se agora as imagens para entender que oitenta anos depois se continua a viver nas alturas mas com muitíssimo mais conforto.




Viandante e companha encaminham-se para o castelo, não é escalada mas é quase, vão todos ávidos para tomar nota de um castelo de que reza a lenda de ter sido inexpugnável até 1704, um exército de Filipe V atacou Monsanto, a desproporção das forças era extraordinária, dias depois o castelo foi retomado. O que resta são vestígios, no princípio do século XIX o castelo ficou quase totalmente destruído por uma explosão no paiol da pólvora. A cada passo os ciclopes de pedra assombram o passante, diferentes são as formas e volumes. E olha-se para fora, para as planuras, o contraste é fenomenal.



Aqui se chega atraído pela imensidão, sabe-se que existe a torre sineira, chamada do Relógio, a velha Igreja de S. Miguel, a cisterna, algumas muralhas bem conservadas, a porta da traição, por onde se saía à sorrelfa para fazer o mal e a caramunha junto dos sitiantes. D. Thomaz de Mello (Tom) e Carlos Botelho tiraram fotografias que hoje possuem um inegável valor histórico, um pouco por toda a parte em Monsanto, fixaram aspetos do castelo, a entrada, a torre da prisão, ruínas da Igreja de S. Miguel e as sepulturas cavadas na rocha. Impressiona ver o antes e o depois, até porque alguém observou que a intervenção arqueológica não foi das melhores. Mas a contemplação de tudo deixa o coração contrito, são imagens da história antiga, este castelo começou por ser árabe, o portal e a fachada da igreja são uma imensidão de caráter, sente-se não só que aqui se forjou a nacionalidade, aqui se deu luta ao castelhano e se afirmou este auto como ponto da fronteira inviolável.





Aqui jazeram nossos antepassados, está a findar o passeio em Monsanto e lembra-se o que escreveu Leite de Vasconcelos:  

“O local deve ter sido sagrado e, para a santidade do lugar, contribuiu, sem dúvida, a própria forma do monte que, a grande distância, avulta solitário e chama a atenção entre os que o circunvizinham”.
Monsanto igual a Monsanto, quase tantos séculos quantos tem Portugal.



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de28 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18574: Os nossos seres, saberes e lazeres (264): De Estremoz para as Termas de S. Pedro do Sul (2) (Mário Beja Santos)

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