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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P13971: Inquérito online: as primeiras respostas: Máquinas fotográficas e fotografia; prova de vida; votos de boas festas 2014/15




Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) >  CCAÇ 18  > c. 1973/74 > Uma saída para o mato.. Foto de Antero Santos , que têm lá mais 300, (que já mandou digitalizar, para partilhar com a Tabanca Grande... Eis uma bela prenda de Natal!).


Foto: © Antero Santos  (2014).Todos os direitos reservados [Edição: LG]


As primeiras respostas à nossa sondagem, envaidas ontem, e também provas de vinda e votos de bopas festas 2014/15 (*)...


(i) Rui Santos [ex-alf mil, 4.ª CCAÇ, Bedanda e Bolama, 1963/65]

 Luis, meu amigo

Máquina fotografica ?? Que é isso ?? Nunca usei ... granadas defensivas, ofensivas, incendiárias, de morteiro,  de bazuca ... isso sim mas nunca atirei com essa ... máquina, apenas fui "atingido" por máquinas de outrèm.

Mas acho piada a quem foi para o mato ... fotografar.

Bom Natal, mas antes encontramo-nos na "Gala dos galos" [, dia 18 de dezembro, na ADFA].

Abraço, Rui Santos (o verborreico)


(ii) João Lourenço [, vive em Matosinhos; ex-alf mil, PINT 9288, Cufar, 1973/74]

Meu caro Luís,

Foi na Guiné que comecei a fotografar, por causa do comércio de máquinas de boa qualidade a preços razoáveis. A minha foi comprada,  salvo erro,  no TAUFIK SAAD,  em Bissau;   era uma Canon FTb, se não erro.

Tenho algumas fotos a preto e branco, mas poucas,  porque vinham revelar a Lisboa, e nem sempre havia portador do mato para a metrópole.

São memórias que guardo com carinho, dos bons e maus momentos

Um alfabravo, João Lourenço



(iii) Rui Vieira Coelho

[médico reformado, ex-alf mil médico BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518 (Galomaro, 1973/74, e subdelegado de saúde da zona de Galomaro-Cossé [, foto à esquerda, em 1973, em Galomaro, da autoria de Juvenal Amado]

Tinha máquina fotográfica comprada nos Açores onde estive a fazer inspecções militares,  e era uma Aza Pentax Spontamatic II,  semi- profissional

Tenho fotografias a preto e branco. Tenho a cores. Tenho slides a cores

Um abraço do
Rui Vieira Coelho





(iv) Armando Fonseca 


[, ex-Soldado Condutor, Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64]



Levei da metrópole uma máquina tipo caixote que era minha e de mais dois camaradas, e que no final foi sorteada e não me calhou a mim, mas na altura , como hoje, o dinheiro era pouco e não dava para investir em muitas fotografias, mas hoje tenho pena de não ter feito mais

Armando Fonseca

(v)  José Manuel [de Melo Alves] Lopes [Josema]

[vitivinicultor, duriense, poeta, ex-fur mil, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74]


Sim, tinha uma Kodak, prenda de meu pai no natal de 1971. A Kodak, um lápis e um caderno me acompanhavam para todo o lado. Os rolos eram revelados em Aldeia Formosa, eté o batalhão ser rendido em 73. Havia lá um "habilidoso" que percebia da poda. Depois, passaram a ser revelados em Bissau, quando havia portador.


josema


(vi) Ricardo Almeida 

[, ex-1.ºcabo, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]

Respondi:

1. Nunca tive máquina no CTIG

4.  Às vezes emprestavam-me uma máquina ou tiravam-me fotos

7.  Tenho bastantes “slides”

(vii) Guilherme Ganança


 [ex-Alf Mil da CCAÇ 1788/BCAÇ 1932,
 CabedúCatió eFarim
1967/69]

Olá, Luís Graça

Em relação à sondagem sobre fotografias: eis as minhas respostas:

1 - Nunca tive máquina fotográfica no TO da Guiné.
5 - Havia um «fotógrafo de serviço».
8 - Tenho algumas fotos a preto e branco.

Desejo-te, desde já, um Bom Natal, bem como a todos os camaradas da Tabanca Grande.

Eu estou recuperado e sinto-me bem. Só tenho de cumprir as «ordens de serviço» emenadas do IPO, atarvés da médica que me acompanha.

Alfa-bravo. Guilherme Costa Ganança


(viii) João [José de Lima Alves] Martins

[ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, 
Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69 ]


Respostas:


3. Comprei uma máquina na Guiné


7. Tenho bastantes “slides” [, que partilhei no Facebook e no blogue].


(ix) Antero Santos [ex-Fur Mil Atirador/Minas e Armadilhas da CCAÇ 3566 e da CCAÇ 18 - Empada e Aldeia Formosa -, 1972/74]


 Caros Amigos Luís Graça e demais editores

Relativamente a máquinas fotográficas informo que:

2 - quando parti para a Guiné levei uma máquina da marca Kodak, das mais baratas, toda em plástico.
3 - Comprei depois a um gila, em Empada, uma melhor, da marca Halina, ainda em 72. Em 73, já em Aldeia Formosa, vendi a Halina e comprei ao 1º sargento Pires (da CCAÇ 18, a minha unidade) uma Canon QL 17 (ou 19); esta Canon "foi-se" no Aeroporto Sá Carneiro por volta de 1994; deixei-a numa cabine telefónica e desapareceu. Em 73, numa das idas a Bissau, comprei um projector de slides (que ainda tenho);

6 - tenho algumas fotoa a preto e branco (40 a 50);

7 - tenho slides (cerca de 300) que já mandei digitalizar.

Em 73 comprei em Bissau um projector de slides (que ainda tenho).

Junto uma foto (transferida de um slide) do meu grupo de combate; como sempre saíamos do quartel mais ou menos a granel e quando chegávamos ao posto avançado antes do arame há que agrupar e sair - "vamos a eles antes que eles venham a nós" - frase que eu dizia sempre imediatamente antes de passar o arame farpado. Nos 18 meses que estive em Aldeia Formosa, comandei o grupo de combate por não ter Alferes,

Um abraço

(x) Martins Julião [, empresário, Oliveira de Azxemeis; ex-alf mil inf, CCAÇ 2701, Saltimnho, 1970/72]

Camarada,

Comprei uma no Saltinho, sob encomenda aos gilas, uma Canon,  formidável; no meio da confusão cheguei a Portugal sem ela.

Um furriel da CCaç 2701 era o fotografo de serviço: Furriel Mil Alves.

Uma saudação cheia de tempos idos.

Martins Julião


(xi) Fernando Chapouto 

[ex-fur mil op esp, CCAÇ 1426, Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, 1965/67]


Quando entrei no Niassa,  a primeira coisa a comprar foi uma garrafa de whisky só para saber como era, não me dei mal com ele, só um bocadinho mais forte do que a minha aguardente de bagaço.

No mesmo dia comprei a máquina fotográfica e foi tirar fotografias sem fim até chegar a Bissau.
Como era fracota quando cheguei ao sector de Bafatá,  comprei uma melhor por dois contos no meu amigo e conterrâneo Eduardo Teixeira, que era o dono da drogaria ao, lado onde se comiam uns bons petiscos e em frente à porta de entrada  do quartel, que passou a revelar-me os rolos, por isso ainda ganhei algum patacon com as fotografias.

È esta a história da máquina fotográfica.

Ficaste elucidado quanto à BOR?

Um forte abraço
Fernando Chapouto

sábado, 25 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12632: O segredo de... (16): Ricardo Almeida (ex-1.º cabo, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71): Como arranjei uma madrinha de guerra, como lhe ganhei afeição e amor, e como por causa da minha terrível doença fui obrigado a tomar uma dramática de decisão de ruptura... A carta de amor pungente que ela me escreveu, em resposta...

1. Mensagem, com data de 12 do corrente, do nosso camarada Ricardo Almeida [, ex-1.ºcabo, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]


Boa tarde,   Luís,   com um abraço.

Dando seguimento à solicitação de segredos guardados enquanto combatentes... Com alguma relutância, amargura e muita tristeza que me vai consumindo a alma, divulgo como o destino se encarregou de torturar-me, enquanto tiver vida para recordar.

Esta recordação que nunca apago da mente nem do coração, reporta-se a uma madrinha de guerra à qual devo gratidão eterna pelo apoio moral e psicológico que me deu enquanto combatente, doente com uma moléstia terrível, redundando isto num amor fraterno, solidário e muito apego à vida que ela me transmitia tanto nas cartas que me escrevia, como depois pessoalmente, como quando trocámos promessas de vida em comum e casamento, testemunhado no interior duma capela pelo santo que lá existia e que parecia concordar com a nossa decisão. 

Hoje vou-lhe pedindo perdão no silêncio dos meus silêncios, pela atitude que tomei, enquanto ela espera por mim,  cumprindo a promessa de nunca ter a seu lado outro amor na sua vida. Hoje, ao refletir na minha atitude, só encontro uma explicação: a moléstia de que eu padecia e os médicos dizerem-me que era muito grave, levaram-me assim a proceder. O meu raciocínio parava no tempo,  os pensamentos atropelavam-se,  levando-me muitas vezes a devaneios e loucuras.

Como poderia eu cumprir a promessa se não tinha a certeza se ficaria bom e capaz de constituir família, submeter-me a internamentos e não ter meios para angariar subsistência familiar? Por isso tomei aquela atitude da qual ainda não saí nem voltarei a sair enquanto respirar. Então surge no meu cérebro o clique do rompimento,  dando-lhe a primeira sapatada tão violenta e demolidora que até eu chorei ao reler o que lhe escrevi. 

Toda a história tem um princípio e um fim e a minha não é diferente: sou do [BCAÇ] 2879 e da [CCAÇ] 2548 sediado em Farim,  sendo que a dita companhia subdividia-se em pelotões que, por sua vez,  eram colocados em vários sectores,  sendo o meu, o  terceiro [pelotão],  colocado no K3. Certo dia ao regressar duma patrulha tive a ideia de escrever vários aerogramas, com os seguintes dizeres: 

( Ao carteiro da terra tal:) À  primeira moça que encontrar o desconhecido; levando como remetente, um coração triste no mato o desiludido. 

Dos ditos [aerogramas] só um foi respondido. Vejamos o que dizia:

(...) Foi-me entregue no dia 22/10 de 69 um aerograma que li com atenção e regozijo-me ser sua madrinha de guerra apesar de saber que não me era dirigido. Mas, no entanto,  se deseja uma madrinha e não se importa em ser eu, responda-me de novo. (...)

Então a esse aerograma sucederam-se mais, dando origem a que ganhasse afeição e  amor a essa jovem. Já no HMDIC [ Hospital Militar de Doenças Infecto Contagiosas, ou Hospital Militar de Belém] ]e com as hemoptises [, expectorações de sangue,]  por companhia,  tentei escrever-lhe para dar-lhe a notícia que me encontrava em Lisboa mas fui aconselhado a não fazê-lo,  devido ao meu estado debilitado e agora alguns aerogramas eram-me remetidos pelo SPM 6118. 

Até que, debaixo do meu estado febril, consegui articular algumas palavras ao soldado ali de serviço, o que ele acedeu de bom grado. A partir daí desenrolam-se as viagens e consequentemente as visitas quase diárias. Perdura na minha mente, na primeira ou segunda visita, ter uma hemoptise tão violenta que o sangue espirrou sem o poder conter e ela, com a mão na minha cabeça, dando-me alento e coragem para não desanimar,  que tudo se comporia.

Foi debaixo deste sentimento que tomei a decisão de tudo acabar ali,   deixando-a livre para governar a sua vida,  uma vez que era jovem e poderia arranjar um companheiro que lhe desse alguma segurança pela vida fora. Tal não veio a acontecer, conforme o acima relatado. Então,  já me podendo soerguer na cama,  escrevo-lhe a célebre carta:

(...) Hoje desprezo-me a mim próprio por tê-la conhecido e deixar que as coisas tomassem o nefasto rumo.  (...) 

só peço que ao receberes
esta carta afinal
tenhas o que mereceres
pois não te desejo mal.
Peço-te unicamente
que me dês o que é meu
por eu não ser coerente,
sofres tu e sofro eu.
Não sei se isso para ti
ainda tem significado,
creio que já sugeri
que tudo isso é passado.
Da minha parte acabei,
não voltes a pedir-me amor
pois de ti já nada sei,
já não alimento essa dor.
Eu não queria conhecer-te
na menina que amei.
pois já não quero rever-te,
reconheço que me enganei.
Peço desculpa se ofendo
mas não é minha intenção
porque eu isto revendo
só torturo o coração.
Já sofri muito, o bastante,
quando deixei de te amar.
hoje sou homem constante,
já nem quero recordar.
De certo vais estranhar
esta carta assim escrita,
pois não é para admirar,
meu coração já não grita.
Jurei à vida indiscreta
por ti, por mim e por mais
que esta coisa é certa,
de nos vermos nunca mais!
Se hoje estás arrependida,
tu mesma foste a culpada
por não saberes que a vida
só por si é já amada.
Agora para terminar
peço-te um grande favor,
esquece que está a acabar
o nosso sedento amor.
Vou terminando a final,
esperando que me escrevas,
pois não te levo a mal
o que digas ou o que pensas.

Interpretando a carta à sua maneira, a resposta [dela]  era a seguinte:

(...) Meu amor,  desejo em primeiro a tua saúde. Rik, recebi onde vi tudo quanto me dizias. Então estás assim tão desanimado! Nem tens mais confiança em minhas orações, porquê,  Rik? Se eu te amava agora mais do que nunca te amo,  com mais fervor, visto que sofres tanto. Não me interessa; não me importo esperar por ti dois ou três anos , quero casar contigo mesmo assim; nada me importa do que digam ou do que possam dizer; mais uma vez te digo que não quero perder-te por nada, não te quero trocar por ninguém. Quando comecei a namorar-te,  portanto quando te aceitei namoro, já te encontravas no hospital, já te encontravas também doente; por isso, tentei sempre dar-te coragem, calma e continuo a fazê-lo,  meu amor. Fizeste-me chorar amargamente como nunca tinha chorado em toda a minha vida e continuo a fazê-lo. Cada vez que penso no que me dizias na tua carta e quereres dar fim a tudo...

Mas eu ainda não o fiz, ainda não pus fim nem vou fazê-lo a tudo isto, ao nosso amor. Deixares-me assim sem quê nem para quê, que tristeza; nunca supus isso de ti.

Rik se me abandonas assim desta maneira, eu dou cabo de mim! Porei fim á minha vida ou adoecerei, quem sabe? Não quero mais homem nenhum; amo-te e amar-te-ei até ao fim da minha vida; até à hora da minha morte que talvez seja mais rápido do que todos pensam.

Eu que só quero a felicidade de todos e ela, para mim,  não vêm; ela não quer nada comigo. Não me queres amar mais ou então nunca me amaste; terás outro alguém que tirou o meu lugar no teu coração? Preferia que me dissesses se é isso que aconteceu! Mas se não aconteceu e se é por estares doente, acredita em mim esperarei por ti o tempo que for necessário. Quero-te tal qual como és; sabes que o amor não escolha a saúde ou a doença; o amor é uma coisa tão forte que não olha a nada disso; amo-te e é tudo.

Ricardo,  amar-te-ei sempre...

Se eu era incansável a pedir a Deus por ti, hoje mais do que nunca o faço porque sei como te encontras. Mas hás-de curar-te felizmente. Há tantos assim! Ou não é verdade? Muitos ainda em pior estado que tu! Não desanimes e pede a Deus por ti e por mim. Ele nos há-de ajudar, Ele te há-de curar, Ele é bom e nunca nos abandona,  pelo contrário, nós é que o abandonámos,  nos. esquecemos Dele. Vamos então orar-Lhe por ti, não queiras sofrer mais nem fazeres-me sofrer assim. O amor,  a Paz,  é tudo tão lindo! Mas eu quero sofrer também contigo.

Oh se eu pudesse dar a vida pela tua saúde, acredita que o faria; porque sabia que iria dar saúde àquele que tanto amo e que só ele para mim existe. Disse-te mais que uma vez que se algum dia me deixasses que não queria mais homem algum e continuo a dizê-lo constantemente até quando Deus quiser.
Quero sofrer neste mundo e alcançar a vida eterna; ir para junto dos seus anjos.

Teus pais, teus irmãos e o resto da tua família sabem de tudo isto? Da tua doença e da tua conduta para comigo? E que me queres deixar assim tão repentinamente? Diz-me; escreve-me sempre nem que sejam só como amigos.

Mas tu para mim és o meu primeiro amor e continuarás a sê-lo,  o meu único amor,  quero saber sempre noticias tuas. Agora uma coisa que te peço,  que te suplico-te, Rricardo: nunca me amaste, pois não? Eu não era a mulher que tu supunhas encontrar? uma moça simples,  simples de mais. Se não me amavas porque não me disseste logo? Então porque me beijaste? Preferia que isso nunca tivesse acontecido. Mas eu pressentia o que me poderia acontecer; lembras-te quando te disse que não devias beijar-me! Então porque quiseste saber tudo à cerca de mim e da minha família? Agora sei que quiseste fazê-lo para saberes como eram!

Disse-te tantas vezes que o amor está acima de tudo isto. Achas que procedes bem com essa tua atitude? E porque não me achas mais a mulher escolhida por Deus e por o destino? Só eu estou no mundo para receber tudo isto mas, apesar de tudo,  continuo a amar-te e amar-te-ei sempre. Quem sabe se até com isto tudo e de tanto pensar, eu irei também para junto de ti? Doente, sim; não achas que é caso para isso? Tu, se continuasses a amar-me,  pensas que me interessava se as tuas melhoras fossem a pior? Que me importava que dissessem que eu amava um homem morto,  como tu lhe chamas? Não, Ricardo, nunca teria boca para renunciar ao amor dum homem que lutou por mim, pela Pátria, por nós todos. Quero ver-te curado, quero ver-te feliz porque tu merece-lo ser. Se é que não me enganaste,  claro! Mas nunca supus isso de ti. Dizias que nunca esquecerias a minha amizade mas esqueceste o meu amor,  a coisa mais valiosa que te dei. Esqueceste tudo isso; mas pronto, faz o que quiseres.

Mas fica sabendo que nunca deixarei de te amar. Cada vez que penso nisto nem sei para o que me dá... Tirar-me já do mundo mas isso era um pecado que Deus não me perdoaria, por isso estarei aí chorando horas esquecidas, e prostrada de joelhos toda a noite, velando pela tua saúde e pelo teu bem estar nesse hospital. Não sou assim tão má e dura como pensas porque, como sabes, Deus perdoou a quem o matou,  Ricardo. Porque não fazemos o mesmo?

Perguntas-me se quero as minhas fotografias, então é porque já estás cansado de vê-las. Ou não as podes ter contigo? Oferecidas com o pensamento em ti,  ao homem que veio despertar meu coração para o amor e, agora, o deixa ou deixou tão triste, tão escuro e tão magoado. Mas, enfim, vocês,  homens, não pensam, não sabem, o quanto isto custa sofrer por amor e morrer.

Jesus morreu pelo amor dos homens, pelos nossos pecados e eu morrerei de amor por aquele que ia considerar meu marido.

Por hoje está tudo e peço-te, chorando,  que me dês sempre noticias, quer onde te encontres e como te encontres. Envio um beijo ao homem da minha vida. Mais uma vez te peço que me dês sempre notícias, sejam elas quais forem,  e estás perdoado por tudo. Chorando loucamente por quem não me ama mais ou nunca me amou,  te digo,  por último, que sempre detestei a mentira,  disse-to tantas vezes! Perdoa,  se estou a ofender-te.

Com o coração destroçado termino.
Para a eternidade. (...)
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 23 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12627: O segredo de... (15): Processo concluído (Augusto Silva Santos)

terça-feira, 30 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11886: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548 (Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (9): Em louvor dos deficientes das forças armadas (DFA) (Ricardo Almeida)

1. Texto enviado em 26 de janeiro último pelo Ricardo Almeida [, ex-1.ºcabo, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]

Tem este texro o fim de alertar consciêcias esquecidas neste nosso Portugal: refiro-me ao ostracismo e desprezo que os nossos governantes têm votado as Forças Armadas de Portugal e,  mais concretamente, aos deficientes militares que depois de 40 anos do término da guerra colonial, continuam a clamar que lhe seja aplicado o Decreto Lei nº 43/76.

Refiro ainda que este texto foi publicado no jornal ELO, orgão da ADFA [,publicação que tem já 39 anos de existência].

Nunca o conceito de soldado esteve tão actualizado a meu ver e, nesse sentido, lembro aos nossos governantes uma lição que aprendi nos bancos da escola primária.

Então: o soldado é o homem a quem a pátria confia a sagrada missão de velar pela sua honra, de garantir a sua independência.  Ao dar-lhe a farda e a arma ela diz-lhe:

"Aqui tens esta farda, pega nesta arma, de agora em diante és o meu defensor e conto contigo! Enquanto te exercitas no manejo das armas, te afazes ao frio, ao calor e á fadiga e te submetes à obdiência, o país,  graças a ti, que velas por ele, pode entregar-se tranquilamente aos trabalhos da paz. Orgulha-te da tua missão; esta farda, respeita-a,  livra-te de a desonrar. Desde o dia que pela primeira vez a vestires não deixes que o teu coração perca os sentimentos de dignidade e de coragem que convêm aos homens a quem Portugal, comete a nobre missão de velar pela sua honra e pela sua indepedência. Lembra-te que a nossa história nos dá belos exemplos do brio dos nossos soldados! Segue estes exemplos e a pátria ser-te à eternamente grata."

Ora seguindo estes exemplos, a ADFA é sua herdeira
 e fiel depositária desse espirito. Então:  à ADFA, a
todos os que partiram e aqueles que já têm a viagem marcada, aqui deixo o meu grito de revolta, clamando por justiça que não se acalma sem ver o Dec Lei nº 43/76 posto em prática e na íntegra, em tudo o que diz respeito aos deficientes das forças armadas,  sem subtarfugios e invenção, de mais um [Dec Lei nº] 134/97,  de tão má memória para todos nós.

Não podemos permitir que alguém, sem conhecer o nosso passado, se arrogue o direito de nos negar sem que primeiro, nos consultar sobre as nossas necessidades e mazelas que ao serviço da pátria, não regateamos esforços pela nossa condição; e que por via disso, se criou o Decreto Lei nº 43/76, para que a pátria reconheça todos os sacrificios passados!

Vêm agora uns senhores esbarrar connosco sobre um direito que é dos mais elementares; a saúde gratuita e extensiva ás nossas companheiras que,  pelo o seu carinho,esforço mental e psicológico e também fisico, merecem estar em lugar cimeiro nesta nação Portugal.

Junto especifico a razão do texto.

2. Poema > Em louvor dos Deficientes das Forças Armadas (DFA) e demais combatentes


Mas como pode Portugal
Desprezar tantas familias,
Não cumprindo o seu dever
E os corpos devolver,
P'ra se fazer o funeral.

E deste mundo cruel,
Quando amanhã eu morrer,
Não levo saudade, mas levo a paz,
De tanto na vida sofrer.

Fui fazer guerra a um povo
Que. de tão martirizado.
Pegou em armas de fogo
P'ra banir tanto diabo.

E, como se não bastasse,
Muitos de nós lá ficaram,
Cegos, amblíopes e estropiados.
E, se a vida que eu carrego,
Fosse minha por um segundo,
Não me importava ser cego
P'ra depois ver este mundo!

Uma criança corria
Com seu arco na bagagem,
Era o brinquedo que tinha
P'ra ser mais breve a viagem.

Sua mãe fora doçura,
Mas seu pai o pôs andar,
De casa com amargura,
Por não haver que lhe dar.

Disse adeus à sua terra
E às coisas belas que tinha,
Feito homem foi p'ra guerra,
Com saudades da mãezinha.

Com vinte anos de vida
O ensinaram a manejar
Uma arma assassina,
P'ra em terra estranha matar!

Uma criança corria
Com seu arco na bagem,
Era o brinquedo que tinha
Naquela mata que ardia!

E fugia, fugia.
De Coimbra para Coimbra,
Um comboio circulava
E outro que de lá vinha,
Em Coimbra ele parava.

Gente, muita gente,
E eu estava no meio,
Coimbra e mais gente apressada!
Para onde irão com tanta pressa?

E eu, sem pressa, aqui estou,
À espera, embebedando-me
Com a paisagem
De água
E comboios
E gente.

Estou a viver um sonho
Do qual não posso fugir,
É um processo medonho
Que tenho que concluir.

Não faço parte da terra,
Não faço parte do todo,
Mas fiz parte duma guerra
Em terras de outro povo.

Fiz um poema à lua
E não é que ela gostou?
Mas disse-me que era só tua
Porque por mim já passou!

Vê lá bem essa malvada...
Que luar não mais me deu!
E disse que era só tua,
P' não me preocupar com nada
Porque está a chegar ao fim,

A minha noite de breu
Por onde tenho caminhado.
E sair fora de mim,
Deixando-te o meu legado.

Marques de Almeida


PS - Aquele abraço a toda a Tabanca Grande. Luis,  eu não tenho por hábito dar titulo ao que escrevo por isso se lhe quiseres dár-lhe,  estás á vontade. Um grande abraço,  meu amigo.

_________________

Nota do editor:

Último psote da série > 10 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11548: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (8): K3, Madrinha de guerra

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11548: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (8): K3, Madrinha de guerra

1. Mais um poema enviado em 9 de março último pelo Ricardo Almeida [, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]


Madrinha de guerra, K3

Epalhas amor a granel,
Minha amiga Isabel, 
Sem nada pedires em troca...
Porque a mim também me toca
Por ser um dos bafejados 
Desse amor tão verdadeiro
Que enaltece teus predicados,
E, por mim, sempre lembrados!

Desse ser tão altaneiro,
E estares em lugar cimeiro
No coração de quem tocas, 
Não de palavras, mas de carinho,
Terás sempre o teu cantinho
Na outra parte de mim!


Como a flor de jasmim
Que cativa pelo seu cheiro,
Minha amiga Isabel, 
Espalhas amor a granel,
Sem nada pedires em troca.
 

Ricardo Almeida

CCAÇ 2548/ BCAÇ 2879
Farim, K3 / Saliquinhedim, 

Cuntima e Jumbembem, 1969/71

[Fixação de texto: L.G.]

______________


Nota do editor:

Último poste da série > 15 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11394: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (7): Hotel Santa Maria, servindo de Hospital militar, no Caramulo

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11543: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (43): Respostas (nº 87/88/89): Armando Pires (CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70); Alberto Antunes (CCAÇ 2402, Olossato, e CCAÇ 5, Canjadude,1970/72); Ricardo Almeida (CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, K3/Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)

Resposta nº 87 > Armando Pires [, ex-fur mil enf,  CCS/BCAÇ 2861,Bula e Bissorã, 1969/70, ]

(1) Encontrei-te, Blogue Amigo, estávamos em meados de 2009.

(2) Eu e o meu camarada jornalista Joaquim Furtado, falávamos sobre a sua série “A Guerra”, em fase de finalização, quando lhe perguntei como tinha ele localizado um determinado personagem que ali era entrevistado. Esclareceu-me que tinha sido através “do blogue do Luís Graça”. Fui ver do que se tratava e fiquei arrebatado pelo fantástico acervo histórico que sobre a guerra na Guiné ali se reunia.

(3) Após algum tempo de “namoro”, apresentei-me às tropas no dia 4 de Agosto de 2009, apresentação que ficou consagrada no P4778.

(4) Desde então, ver, ler, consultar o Blogue, é uma tarefa diária. Para mim, as manhãs começam com as notícias da rádio, depois os jornais, seguem-se os “e-mail’s”, e aí vou eu ao blogue. Posso não ler de imediato, mas selecciono o que fica para mais tarde.

(5) Tenho escrito para o Blogue na medida do possível, sempre que é possível. Claro que gostava de ser mais participativo. Claro que o Blogue merece que o seja. Mas faço os impossíveis para tornar cada vez mais possível a minha participação.

(6/7/8) Conheço a página no Facebook mas só muito raramente por lá passo. É no Blogue que concentro a minha atenção.


(9) Desculpa que não possa fazer uma apreciação tipo gostar mais “disto ou daquilo”. O Blogue e o Facebook são duas realidades diferentes, com objectivos diferentes, e que, na minha opinião, não exercem interacção.

(10) Não tenho notado qualquer dificuldade em aceder ao Blogue. Por vezes um pouco lento a abrir mas é preciso ter em conta a enorme quantidade de informação a carregar.

(11) Para mim, o Blogue é um ajuste de contas com a memória. Um ombro amigo pronto para nos ouvir, para nos atender, para nos entendermos. E desentendermo-nos, também. E tantas têm sido as vezes, de umas e de outras. Mas sempre com uma enorme disponibilidade para nos unir, porque é essa união a que nem sabemos dar o justo nome, que nos tem mantido juntos, pela vida fora, tenha sido qual fosse o tempo e o lugar que cada um nós palmilhou. E depois, está cumprida uma das principais tarefas a que o Blogue se dispôs. Não deixar que a história seja contada sem ser pelos seus protagonistas. Tem-no feito em versões contraditórias? Antagónicas, até? Seja. É na diversidade que se encontra a justa medida das coisas.

Finalmente. Quero agradecer ao Blogue cada reencontro que me proporcionou, sobretudo, ter permitido que me reencontrasse com um passado de que me honro e orgulho.

(12/13) Infelizmente, por razões várias, a mais das vezes profissionais, não me foi possível, ainda, estar presente no Encontro Nacional, e, lamentavelmente, não sei se conseguirei fazê-lo este ano.

(14) Não é o Blogue que tem fôlego para continuar. É ele que nos dá força anímica e garra para prosseguirmos.

(15) Nem criticas, nem sugestões, nem comentários. Tudo tem seu tempo. Este é o tempo de te dizer, Blogue Amigo, simplesmente OBRIGADO!

Resposta nº 88> Alberto [José dos Santos] Antunes (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 2402 (Olossato) e CCAÇ 5 (Canjadude), 1970/72

(1) Descobri o blogue em 2011.

(2) Através de um camarada (Jose Corceiro).

(3) Sou membro da Tabanca Grande, desde 2012. [... 5 de outubro de 2010]

(4) De temos a tempos.

(5) Já enviei material para publicação.

(6) Não conhecia a existência da página do facebook.

(7/8/9)[Vou] mais vezes ao facebook

(10) Não.

(11) Representa o modo de recordar momentos passados na Guiné.

(12) Não, [nunca fui.]

(13) Não estou a pensar ir ao encontro.

(14) Penso que ainda tem pernas para andar.

(15) Considero o blogue muito bem elaborado, tenho pena que não haja mais camaradas motivados a colaborar, pois sei que há muito mais para contar desses tempos passados

Resposta nº 89 >  Ricardo Almeida  [, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim,Cuntima e Jumbembem, 1969/71]

(1/3) Não recordo a data mas pelo menos p'rá aí a uns quatro cinco anos.

(3) Diariamente.

(5) Tenho mandado muito trabalho.

(6) Também conheço e visito diariamente; sou um leitor interessado

(7) Vou mais vezes ao nosso blog

(8/9) A divulgação do nosso infortúnio quando criança adulta em guerra; tocam-me muito fundo as histórias e relatos e comentários, para que as gerações vindouras se apercebam o que foi e o que fez a nossa geração. Mediante desconhecimento do nosso blog por uma grande parte da população portuguesa,  ou até por algum comodismo o facbook é mais acessivel . Cabe-nos esclarecer,  através desta função enquanto rede social, que todo o povo português não pode esquecer aquele flagelo.

(10) Sim, realmente tem havido um pouco de lentidão mas temos que compreender que os editores também têm dificuldades e rapidamente de satisfazer todas as vontades e opiniões.  Resta-me pois congratular por haver tão grande dignidade e ombridade dos nossos editores que sem outro beneficio põem ao nosso dispor tão grandiosa obra. . Abraço-vos,  meus queridos amigos.

(11) O blogue  representa,  não só para mim mas também para todos quantos dele fazem parte,  a nossa segunda família porque é com todos os camaradas que sofreram juntos as agruras daquele flagelo,  e só de tu lá e tu cá sabemos do que falamos.

(12/13) Não,  nunca participei mas hei-de no próximo,  não já este ano,  mas em outros que irão acontecer,  lá estarei.

(14) Eu penso que sim; mas tudo depende da vontade e do crer dos editores que até agora têm desenvolvido sem mácula este trabalho digno,  que é nem mais nem menos por-nos de novo a falar esta linguagem que é só nossa.

(15) Não se me oferece tecer críticas ao blogue pois compreendo que os camaradas não só não têm qualquer recompensa remunatória, resta-nos a sua paciência a sua ombridade e o seu crer para que todos sejam testemunho ainda vivo para levantarem tão grandiosa obra. O meu muiito  bem  haja e não esmoreçam! Fica o meu abraço de tão alto reconhecimento.
_____________________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11536: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (42): Respostas (nº 84/85/86): Mário Serra de Oliveira (ex-1º cabo escrit, BA 12, Bissalanca, 1967/68), Luís Borrega (ex-fur mil cav, CCAV 2749, Piche, 1970/72), Adriano Moreira (ex-fur mil enf, CART 2412, Bigene, Guidaje e Barro, 1968/70)


(...) Questionário ao leitor do blogue:

(1) Quando é que descobriste o blogue ?

(2) Como ou através de quem (por ex., pesquisa no Google, informação de um camarada) ?

(3) És membro da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia) ? Se sim, desde quando ?

(4) Com que regularidade visitas o blogue  (Diariamente, semanalmente, de tempos a tempos...) ?

(5) Tens mandado (ou gostarias de mandar mais) material para o Blogue (fotos, textos, comentários, etc.) ?

(6) Conheces também a nossa página no Facebook [Tabanca Grande Luís Graça] ?

(7) Vais mais vezes ao Facebook do que ao Blogue ?

(8) O que gostas mais do Blogue ? E do Facebook ?

(9) O que gostas menos do Blogue ? E do Facebook ?

(10) Tens dificuldade, ultimamente, em aceder ao Blogue ? (Tem havido queixas de lentidão no acesso...)

(11) O que é que o Blogue representou (ou representa ainda hoje) para ti ? E a nossa página no Facebook ?

(12) Já alguma vez participaste num dos nossos anteriores encontros nacionais ?

(13) Este ano, estás a pensar ir ao VIII Encontro Nacional, no dia 8 de junho, em Monte Real ?

(14) E, por fim, achas que o blogue ainda tem fôlego, força anímica, garra... para continuar ?

(15) Outras críticas, sugestões, comentários que queiras fazer.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11394: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/7) (7): Hotel Santa Maria, servindo de Hospital militar, no Caramulo



1. Textos enviados em 9 e março último, pelo nosso camarada Ricardo Almeida (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim,Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (*).


Recorde-se que a sua guerra também foi travada contra a tuberculose pulmonar (no HM 241, em Bissau, e depois no sanatório do Caramulo). É hoje DFA. Estes dois poemas são dessa época em que esteve em tratamento no Caramulo.


Quem me leva o agasalho
Que me deixa a tiritar,
Será a morte com seu orvalho
Que comigo vem brincar?

E meu coração arrefece,
Já não tem amor p'ra dar.
Porque já não sei quem sou!
E, para o lugar que vou,
Haverá lugar para amar?


Sinto-me fugir da terra
E já não sei quem eu era;
Estou numa onda diferente,
Minha vida está acabar
E do meu corpo voar
Para longe, firmemente.

E, para o lugar que vou,
Porque já não sei quem sou,
Haverá lugar para amar?
Meu coração arrefece
Já não tem amor para dar.
 
Hotel Santa Maria,
servindo de Hospital militar no Caramulo
s/d

Hoje foi mais uma festa, meu amor!

Foi a festa do reencontro:
Que alegria foi ver as lágrimas nos olhos,
Nos meus olhos.

Nos olhos dos vivos,
Que, pelos outros que tombaram, 
As lágrimas vertidas,
Não são suficientes para apagar
Da memória,
A sua imagem.

E, meu amor, estou feliz por me sentires vivo,
Por encontrares no meu ombro,
O aconchego
Que apesar de frio
Me sussurras ao ouvido.

Que abençoados fomos nesta eternidade...
Mesmo que eu não tivesse tempo,
De te dar amor inteiro.
Porque o meu coração
Pula de emoção em emoção,
Sabendo que se aproxima de novo
O dia do reencontro...


Hotel Santa Maria,
servindo de Hospital militar, no Caramulo
s/d

Marques de Almeida
CCAÇ 2548 


[Revisão /fixação de texto: LG]

______________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 4 de ab ril de 2013 > Guiné 63/74 - P11344: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (6): Em Farim... Dei-lhe o título de sonho

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11344: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (6): Em Farim... Dei-lhe o título de sonho

1. Texto enviado em 10 de março último, pelo nosso camarada Ricardo Almeida (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (*):


Em Farim... Dei-lhe o título de sonho.

Quem de tão longe me conversa,
encontrará ao pé das dunas,
pendurado nas palavras,
o mar inteiro.
Neste sentido
encontrarão,
das coisas do tempo
e dos seres,
o poeta irreconhecível.

Cantar-te-ei de mansinho e doce como tu és, ao deitar do sol. 

Quando o tempo chegar,
e o mistério que te suporta, 
e a mistura harmoniosa que nos une.
Destes tempos não sei que fazer 
e descrevê-los é tão difícil como pensá-los. 
Direi, imperturbável,  como tu és serena,
mais que todos os pacíficos. 
E voltarás ainda a animar o dia previsto! 
A água não sobe mais além, o meu corpo,
de quem é o canto que me beija as mãos a esta hora...
Eu e ainda eu...
Todos lá chegaram.
Direcção (como dizer) esta (língua a ler como quiserem),  
não encontrareis,
só o que me escape.
E esta acalmia,
aqui estou seguro,
as questões são as minhas e ninguém virá procurar-me.
De resto onde encontrar-me? 
A escrever,
amaldiçoando o dia.
Finalmente dia,
nem noite pisando a garganta, 
num momento de coragem agora como habitualmente, 
o sol levanta-se: 
Escrito em todos os livros,
o meu emprego do tempo,
sabeis...

O constante barulho nauseabundo dos últimos dias 
subiu-me à garganta 
como se ele tivesse chegado a este lugar, 
todavia tão pacato e simples.
Assim não serei nunca eu, 
o rio tranquilo,
nem o nome daquele que eu me dei, por algum tempo!Das palavras a criar...
Ainda há sol e letras nos campos verdes ao amanhecer.
Direi:
Enquanto o tempo for o mesmo 
e manifestar a insignifícancia do estar aqui... 
Estarei por cá!
 Não é uma questão de tempo;
 e continuamente, enquanto houver verão,
direi a nostalgia de outros meandros e outros corações. 
Então, por cá...assim é,
escreverei por caminhos entre giestas na serra.Por caminhos tortuosos a noite não tem estrelas. 
Sinto um odor forte: manhã! 
O navio volta guiado pelo vento. 
Terra! 
O vento bate forte, acentuando o ar doentio (do poeta). 
Não é ter muita força. 
E o vento faz novamente inchar as velas.O sol tinha desaparecido e passeava-me ainda contigo,
como se nada tivesse acontecido.
Guine retém ainda a frescura dos primeiros dias, recordas-te? 
Tão longe, direi eu... 
 E o meu íntimo tão alegre. 
No porto a velha casa está cansada. 
Os garotos brincam nas ruínas, um instante; 
silêncio entre a chegada e a partida dos dois navios. 
Faz-se tarde como habitualmente à mesma hora. 
Não, nada pode segurar-me. 
Nem o sol nem a velha casa nem a ponte.O poente já não serve. 
É isso: armadura, a velha casa,  
do lado de fora puxam-me com força. 
A palavra pode difícilmente significá-la.
O barulho acabou agora: os garotos desaparecem; 
no velho porto, fico eu sozinho. 
Poder talvez alcançar a miragem de um repouso infinito. 
No sitio onde as árvores fossem verdadeiras árvores. Sem mais! 
Chegou a manhã. 
Acordo,  percorro praças, ruas, lugares do sonho.
Espraio-me inteiro no olhar desconhecido que passa. 
As confidências tomam cada vez mais a proporção da paixão.
Avanço no futuro, como a paisagem dum país ao sul, 
com o sol ao meio dia:Guiné, junto-me a vós, amigos.

Em forma de carta estas linhas. 
O monólogo: por detrás da escrita, a moral.
A vós todos. O diálogo.
A TI.

De oiro e púrpura se vestiam os bosques. 
O sol resplandecente brincava com a copa das árvores.
Esperava: e os dias perdiam-se com o acabar dos meses.Dias agonizantes, milhares de dias. 
Sei portanto algumas palavras.
Interessa que as esgote, 
antes que empregá-las não tenha cabimento.Ainda o sol não chegado ao fim:
Grito pelo silêncio que estas palavras criam.

Marques de Almeida
CCÇ 2548 /  BCAÇ 2879

[Fixação de texto: L.G.]
_________


terça-feira, 19 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11274: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (5): Farim (Poema de saudade e nostalgia), K3 (Homenagem às mulheres que tratam da seara da mancarra), Bissau (À janela do HM 241)



Bajuda no Cais de Bambadinca. Quadro a óleo pintado, em 2007, por Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70, e membro da nossa Tabanca Grande. Edição e reprodução, com a devida vénia.


Foto: © Jaime Machado (2008). Todos os direitos reservados.


1. Três poemas  Ricardo Almeida (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)... Três poemas de amor e guerra... Para celebrar a primavera que chega e o Dia Mundial da Poesia (21 de março de 2013).


Poema de saudade e nostalgia,
escrito em Farim,

no regresso duma operação arriscada


Como barco naufragado,
Encalhado,
Rolando ao sabor das ondas,
Vou procurar-te ao passado,
Fracassado,
Onde quer que tu te escondas.

Voo  nas asas do vento
Porque o amor neste momento
Clama por ti.
Quero-te:
Quero beijar tua boca
E, por saber-te aqui,
Quero beijar teu corpo,
Teus cabelos e teu rosto;
E deixando-te louca,
Inundando-te de amor.
Quero beijar teus seios.
O teu ventre,
E sentir no ar o teu odor a canela!

Quero beijar o teu ninho de langor
E, sem pudor
Provar-te inteira.


Homenagem às mulheres que tratam da seara da mancarra,
no K3


Uma rosa vem beijar-me
Ao peitoril da janela,
E diz que vem beijar-me
Porque eu não vou com ela.

Neste queixume sentido,
E seu perfume diluído
Em nuvens de solidão,
Vai entrando devagarinho,
Até com certo jeitinho,
P'ra não acordar meu coração.

Diz que ele pode ser de outra
Mas que isso não importa,
Que foi quem me viu primeiro,
E estar em lugar cimeiro
Na ordem da sedução;
E, até se eu quiser,
Para mais vezes me ver
Muda-se para outro canteiro...

À janela do Hospital Militar 241,
Bissau

Vi-te passar apressada,
Nem chegámos a falar
Mas ias muito calada,
P'ra quem gosta de cantar!

E teu coração abrasado
De tanto amor desperdiçado,
Sendo por mim tão amado,
Que ás vezes chego a pensar
Ser castigo lá do alto!
Por de ti tanto gostar,
E viver em sobressalto
Porque não sei se é reciproco...
Este amor tão verdadeiro,
Deste ser tão altaneiro,
Que não gosta de te ver
tão apressada passares
E, por um momento olhares,
Mesmo sem gostares,
Não passes tão apressada!!!
___________


Nota do editor:


Último poste da série > 17 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11265: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (4): Já não sei quem sou

domingo, 17 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11265: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (4): Já não sei quem sou

1. Mais um poema enviado pelo Ricardo Almeida (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)


Hospital Militar 241, Bissau

Porque já não sei quem sou
Já não sei p'ra onde vou
Mas também, não sei de onde venho!
Porque, aqui, já nada tenho
E não me venham com desdenho,
Dizendo que aqui é que é bom;
Só sei que tudo é efémero.
E nada muda de tom,
Aquilo que apalpo e vejo,
Tudo morre e tudo nasce
Que nada é o que parece;
Aqui me sinto enganado,
De tanta beleza enojado,
Que, como vem, desaparece;
E, ao passar para o outro lado,
Nada me acompanhará,
Deixarei tudo por cá
Para outro que virá!?
E assim parto sem saber
O que andei aqui a fazer!
E nada me fazer crer
Porque andei sempre enganado!?
marques de almeida

CCAÇ 2548
BCAÇ 2879

______________________


Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11232: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (3): Homenagem à minha lavadeira em Farim

domingo, 10 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11232: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (3): Homenagem à minha lavadeira em Farim


Guiné > Zona leste > Setor L1 < Bambadinca < CCAÇ 12 (1969/71) > Lavadeiras... no rio Sindangola, um afluente do Rio Geba em Bambadinca...  Foto do álbum do Arlindo T. Roda ex-fur mil at inf, 3º Gr Comb da CCAÇ 12.

Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados.

1. Poema enviado ontem pelo Ricardo Almeida (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)



Homenagem à minha lavadeira, em Farim


Vou p'ro baile, vou bailar.
Para acalmar meu coração,
Contigo quero dançar
E tua mão apertar,
Perdoa se é sedução.

Quero sentir o suor da tua delicada mão
E tua face rosada beijar,
Do calor que me transmites!
E espero que nada omitas,
Que sejas franca comigo,
Que eu sou franco contigo;
E viver mais não consigo
Se não te tiver a meu lado,
E dizer ao vento que passa
O teu nome soletrado;
Para ele levar recado
A outros ventos e sois,
Que fico com saudades
De afagar teus caracóis.

De afagar teus caracóis,
Que fico com saudades,
A outros ventos e sois
Para ele levar recado
O teu nome soletrado
E dizer ao vento que passa.

Marques de Almeida
CCAÇ 2548
BCAÇ 2879


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terça-feira, 13 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10665: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (2): Ainda a morte do Lajeosa, o nosso quarteleiro, vítima de tuberculose pulmonar

1. Mensagem, de 5 do corrente, do Ricardo Almeida (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) , na sequência de diversos comentários  ao seu 1º poste da série (*):

Meus amigos e camaradas tabanqueiros:

Boa noite para todos com o meu abraço solidário e bem assim os meus agradecimentos por aquilo que comentaram a meu respeito, os quais me deixaram muito sensibilizado.

Peço desculpa por ter cometido o lapso de não concretizar os locais por onde andei, no que respeita à minha estadia na Guiné. Infelizmente para mim,  com muita tristeza e mágoa por não ter acompanhado a companhia na totalidade do tempo de serviço na Guiné, devido a uma doença terrível que contraí, uma tuberculose pulmonar, que me ia levando para o outro lado.

Para atestar o acima exposto, relato um poste do camarada Carlos Silva na sua página A Guerra da Guiné, elemento da minha companhia, a CCAÇ 2548, e que versa o seguinte:

O Ricardo, homem da bazuca do terceiro pelotão, teve o azar de contrar uma doença terrível, "tuberculose pulmonar", e por isso foi evacudado por doença, em 13/11/1969, de Farim para o Hopsital Militar de Bissau, em janeiro de 1970, e dali para a Metróplo, para o Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas da Boa Hora, em Lisboa, onde permaneceu algum tempo, sendo internado posteriormente no sanatório do Caramulo.

Durante este seu percurso da sua vida, o Ricardo, com dotes de poeta, quer na caserna quer nas suas saídas para o 'mato', ia escrevendo nos papeis que embrukhavam as rações de combnate e quando nºãio tinha papel escrevia no ponche da proteção das chuvas. Quando tinha vagar, em horas de descanso, passava os seus escritos a limpo, continuando posteriormente a escrever, não permitindo que a morte, que o espreitava a todo o momento, o agarrasse.

Travou uma luta tenaz entre a vida e a morte. Foi sempre escrevendo. Felizmente recuperou da sua doença e, embora com as sequelas que o marcam, está vivo, está entre nós para nos legar o seu testemunho.

Depois da sua recuperação, começou a trabalhar na CUF [, Companhia União Fabrilo,], no departamento de segurança, no controlo de entrada e saída de matérias e produtos.

É deficiente das forças armadas [, DFA,] e actualmente está na situação de refornado pelo regime da segurança social, sem deixar de escrever. Sempre na luta, até que a morte me leve (o leve).
Um alfa bravo, camarada Ricardo, e continua por muitos anos.

Sobre a morte do camarada Lajeosa [, o quarteleiro,] (*) foi evacuado também com a mesma doença que eu. E por condão meu, foi com muito afecto e também muita tristeza que o vi partir, como descrevo em outros locais.

Atesto que se encontra sepultado no cemitério de Lajeosa do Dão [, concelho de Tondela,] ao qual me desloquei um para lhe prestar a minha homenagem e gratidão, fazendo por ele o meu luto. Por todos os que por lá ficaram para sempre, [aqui ficam] estas lágrimas que derramo. Ainda o meu coração não descansa sem que lhe seja prestada homenagem, e também gratidão da República Portuguesa pelos  sacrifícios que nós, miúdos com 20 anos,  por lá passamos.

Com um abraço sentido de solidariedade para todos vós.

Ricardo Marques de Almeida

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10619: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (1): A morte do quarteleiro

domingo, 4 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10619: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (1): A morte do quarteleiro

O Ricardo Almeida (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) pediu-nos para juntar os seus textos (prosa e verso) numa só série... Vamos fazer-lhe a vontade, até por que é um direito que lhe assiste, como membro da Tabanca Grande que nos honra com a sua colaboração ativa e continuada... 

Chamámos à série Prosas & versos do Ricardo Almeida". E aqui vai o primeiro poste, "Heranças de guerra"... O editor, contudo, achou por bem arranjar um título mais concreto e sugestivo: "a morte do quarteleiro". (LG)

1. Prosas & versos > Heranças de guerra (1)
por Ricardo Almeida



Dia inesquecível aquele em que um batalhão de caçadores [, o BCAÇ 2879,]  deixa Portugal a caminho da Guiné (ex- ultramar), já tão calcada e espezinhada por milhares de jovens que,  deixando outrora sua família e seu lar, vão enfrentar o caminho da guerra, que lhes foi predestinado, e que deixa nos rostos de cada um expressões de mágoa, de dor e até de ressentimentos, que transportavam nos seus corações. 

Neste monótono turbilhão de coisas que me deixam atordoado, eis que exprimo toda a minha amargura e desagrado por tudo o que vivi com camaradas excepcionais, com outros mais desonestos, mais desumanos, mas, enfim… é tropa e a nada disto se pode fugir quando se cumpre uma missão.

Perante estes factos, destaco um jovem militar que, pelo seu comportamento, não chegou a conquistar a amizade dos seus companheiros, dada a sua personalidade baixa, modos insuportáveis, desordeiros e irrequietos, mas que cumpria a sua missão como tantos outros.

Dispenso-me de citar o seu nome.  
Com a especialidade de condutor auto, foi destacado para a arrecadação, municiando-nos de material quando saíamos para a mata. 

Valeu-lhe aquela colocação a alcunha de Hipócrita.  
Certo dia tive problemas com ele, mas a crise passou e tudo esqueci. Mais tarde de regresso de uma operação no capim, senti como que uma fraqueza infindável e baixei à enfermaria. Ai estive dez dias, até que fui transferido para o hospital de Bissau e seguidamente evacuado para a metrópole. 

Esperava-me o HMDIC [, Hospital Militar de Doenças Infeto-Contagiosas, em Lisboa, Belém,]  e o Caramulo. Resultado:  
“Tuberculose pulmonar”. Moral: desfeita! 

Já em período de restabelecimento e em data que de momento não recordo, após o jantar, entretia-me a ler um pouco para tentar afogar pensamentos horrorosos que tentavam afluir-me à memória.
Um colega, uma triste noticia, um abraço. 
- Almeida, sabes quem está aqui com a morte quase no goto? 
- Não, quem é? Morre-se todos os dias, na frente, na retaguarda e até no Hospital. -  conclui. 

O colega foi directo e espontâneo e com voz rouca, disse:
- “O Hipócrita”da arrecadação de material! 

Apesar de tudo, considerava-o humano, tal como eu, e desloquei-me à enfermaria onde ele se encontrava. A enfermaria 2 era uma espécie de cubículo, onde os “esqueletos vivos” se amontoavam, jogando-se forte na vida.

Espiei-os e encontrei o que procurava. Estava a oxigénio afim de lhe facilitar a respiração. Pronunciei o seu nome mas ele não me ouviu. Tinha os olhos fechados, a boca um pouco  a
berta e a resposta saiu-lhe dos lábios, como que arrancada lá do fundo: 
- Morro...Água! 

Eu não podia suportar aquele drama doloroso. Um homem a debater-se com a morte apesar de tantas ter visto, mas aquele era diferente. Aproximei-me e perguntei-lhe:
- Queres água? Não me conheces? 

O som das minhas palavras abriu desmesuradamente os olhos e num esgar de dor, respondeu:
- Não! 

Não era para admirar, pois que nem eu, às primeiras impressões, o reconheci. Estendi a mão e disse-lhe quem era. Apesar do choque, já refeito, as lágrimas afloraram-me aos olhos, não podia já olhar aquele corpo já inerte, só com a pele a segurar-lhe os ossos e a recordar como mo conheci: Forte, esbelto e saudável. 

– Água, Almeida. Tem dó de mim! 

Ensopei um bocado de algodão em água e coloquei-lho nos lábios, que já me parecia moribundos. 
Consegui mexê-los e, de repente, tentou suprimir todas as dores naquele bocado de algodão introduzido agora na boca.  Retirei-lho e tentei acalmá-lo, mas inutilmente. As lágrimas apareceram-lhe nos olhos e pediu-me perdão. 
–  Estás perdoado,  amigo. –  respondi. 

Fui-me deitar não consegui conciliar o sono nessa noite.  Os dias iam passando e a minha companhia era inseparável da sua cabeceira. Até que chegou o momento mais doloroso para mim, apesar de viver a guerra e estar habituado a ver coisas que os meus olhos nunca sonharam ver, mas que forçosamente eram obrigados a aceitá-las. 

Dia 21 de Outubro daquele ano de 1970.  
Encarando a realidade e sem coragem de me despedir dele, soube que tinha falecido.  Poucas horas decorridas e inesperadamente, vi-o, pela última vez, envolto num lençol, aquele farrapo humano, transportado em maca, pelo corredor de acesso à casa mortuária, onde deveria entrar naquela maldita “urna”, oferta exclusiva do Exército Português! Envolto nos meus pensamentos e alheio até ao lugar que ocupava, dei uma palmada no caixão, como que a implorar-lhe vida: 
 Acabaram-se as tuas forças, as tuas reguilices, a tua fraca reputação. Apesar de tudo eras humano, por isso te rendo homenagem com o coração destroçado e como teu amigo que era, me despeço até um dia…  – Balbuciei!!! 

Ricardo Marques de Almeida
1.º Cabo 089225/68