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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14245: Memórias de Copá (6): Fevereiro de 1974 (António Rodrigues)

1.     O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto Da 1ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda,  Copá e Buruntuma, (a minha 1.ª CCAV/Bcav8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


COPÁ – FEVEREIRO DE 1974 



Como por esta altura do ano passa mais um aniversário dos dolorosos dias que vivi em Copá, aqui vos deixo mais algumas histórias do que lá se passou há 41 anos.
Entretanto, nesses dias chegava ao comando do meu batalhão em Pirada, uma ordem emanada das autoridades de Bissau para desactivar e abandonarmos Copá, pelo que, no dia 12 de Fevereiro de 1974 logo ao romper do dia chegava a Copá uma forte coluna militar para nos evacuar.

Esta coluna para ludibriar o PAIGC, teve que mudar o percurso entre Bajocunda e Copá, pelo que em vez de ir como de costume pela zona perigosa de Massacunda e que era o caminho mais curto, foi por uma picada raramente utilizada mais longe 10 km e que passava pela localidade das Dingas, chegando a Copá ao amanhecer do dia 12 de Fevereiro de 1974, foi para nós uma grande alegria, vermos chegar os camaradas que nos vinham libertar daquele lugar infernal que era Copá.

Chegada a coluna a Copá, começamos a carregar nas viaturas as nossas principais coisas e os sapadores de minas e armadilhas trataram de armadilhar os principais abrigos com minas anti-pessoais, depois de carregarmos o que tínhamos a carregar, saímos para fora de Copá e entretanto, tínhamos reunido todas as camas amontoadas no abrigo das transmissões que era o mais forte, depois de estarmos todos cá fora, esse abrigo e o seu conteúdo foi destruído por uma carga explosiva de comando à distância e além disso, o vagomestre tinha incendiado um bidão de azeite de 200 litros. Este é um ponto a lamentar, pois durante muito tempo esse bidão lá permaneceu cheio, o esparguete e o arroz, em vez de azeite eram feitos com manteiga, o azeite devido às circunstâncias, teve que ser queimado.

Mas por falar em cargas explosivas, veio-me à ideia um outro caso passado ainda em Copá: em determinada altura, chegamos a montar fora do arame farpado alguns fornilhos (cargas explosivas artesanais à base de gasolina, vidros e outros objectos que fizessem o efeito de estilhaços) que seriam accionados à distância do interior de Copá mas, a verdade é que, quando tivemos necessidade de accionar esses fornilhos durante um ataque, os mecanismos não funcionaram e qual não é o nosso espanto, quando no dia seguinte fomos ver qual a anomalia que não deixou funcionar os fornilhos e, verificámos que os fios de ligação que passavam despercebidos debaixo de terra, estavam todos cortados, impedindo assim os fornilhos de explodir, isto tinha sido obra do IN, possivelmente numa das noites em que nos destruiu a instalação eléctrica e ficamos às escuras.

Partimos então todos de novo na direcção das Dingas, caminhando a pé e fazendo segurança às poucas viaturas que seguiam connosco, cerca do meia dia estávamos nas Dingas, onde todos nos abastecemos de água num poço que praticamente esgotamos, quando chegou a minha vez de encher o cantil, já só consegui metade lama e metade água, mas a sede era imensa e tudo servia para a matar, ao ponto de ao beber, sentir passar areia pela garganta. Felizmente não tínhamos ainda tido qualquer problema, recomeçámos a andar, mas muito lentamente, devido a que os sapadores iam na frente muito devagar com os detectores electrónicos de minas e armadilhas, levámos assim quase toda a tarde para atingirmos a próxima povoação que era Amedalai, onde chegamos à tardinha e aí esperavam-nos mais viaturas, para nos transportar os últimos 5 km até Bajocunda, onde chegámos mesmo ao anoitecer.

Aí chegados, graças a Deus sem qualquer problema, foi para nós pelotão de Copá uma alegria enorme, reencontrarmos de novo os nossos camaradas, foi uma alegria tal que, eu depois de chegar a Bajocunda, nem me lembrei sequer mais da minha bagagem, depois de encontrar os meus amigos dirigi-me com eles ao Café Silva existente em Bajocunda e para aí fui matar a fome e a sede, depois já noite escura o meu amigo Albino da Silva Vasques levou-me com ele salvo erro para o abrigo 9, onde dormi nessa noite e só de manhã quando acordei me lembrei das minhas malas, das minhas coisas, que tinham sido descarregadas da Berliet que as trouxe de Copá.

Levantei-me e fui procurá-las ao local onde a Berliet tinha descarregado, encontrei realmente o meu saco e a minha mala, mas a mala estava aberta e metade das coisas que me pertenciam tinham desaparecido, nomeadamente, o estojo da barba quase completo, possivelmente foi algum Africano que lá passou antes de eu lá chegar e encontrei ainda uma série de coisas espalhadas pelo chão, recolhi tudo o que pude e levei o que encontrei, mas não fiquei triste, porque a alegria de ter chegado de novo a Bajocunda, suprimiu tudo isso.

Nesse mesmo dia 13 de Fevereiro de manhã, foi-me destinada uma cama no abrigo 2, onde passei a pertencer até ao fim, onde travei novas amizades, com novos camaradas, nomeadamente, com os mecânicos Francisco e Campos.

Mas nesse mesmo dia, todo o pessoal que tinha regressado de Copá, seguiu para Pirada, inclusive eu, a fim de aí todos sermos vistos pelo médico do Batalhão, em virtude do mau bocado porque tínhamos passado em Copá. Dessas consultas resultou que o Banharia fosse mandado para Bissau, para uma consulta externa, a qual lhe viria a facilitar o regresso quase imediato à metrópole, por necessitar de tratamento psiquiátrico. O restante pessoal, tratava-se apenas dumas diarreias ou umas dores de cabeça, que foram tratadas com umas injecções ou uns comprimidos. Embora eu tenha de reconhecer que, todos nós saímos de Copá traumatizados com toda aquela violência.

Neste dia em que chegamos a Pirada, quando à hora do almoço entramos no refeitório, apareceu-nos lá o nosso Comandante de Batalhão, o Coronel Jorge Matias, que fez questão de abraçar os homens de Copá um por um e quando chegou a vez de abraçar o Alferes Manuel Joaquim Brás, eu que estava a seu lado, tive a oportunidade de ouvir as palavras emocionadas que ele lhe dirigiu, que foram as seguintes: “Ó Brás tu trazes os teus homens todos vivos?” Eu tenho que te pedir desculpa porque em Bolama te chamei básico e afinal és o oficial mais operacional que tenho no Batalhão. (Por este motivo eu dizia, quando estive em Bolama que mais tarde voltaria a falar deste 4.º Pelotão)

Neste dia 13 pelas 05.00 horas da manhã, um grupo de guerrilheiros do PAIGC (provavelmente os mesmos que estariam emboscados no dia anterior em MANSACUNDA  MAUNDE à espera de nos atacar quando regressávamos de Copá) talvez sentindo-se enganados, porque lhe trocamos as voltas optando pelo percurso um pouco mais longo e que passava pelas DINGAS, dirigiu-se à DINGA BANTANGUEL e penso que, como represália por a população não nos ter denunciado, queimou cerca de 50 Tabancas, grande quantidade de milho e alguma mancarra, tendo retirado depois novamente na direcção de MANSACUNDA MAUNDE, deixando ainda o gado todo tresmalhado nas matas, mas a população não foi molestada.

Logo no dia seguinte, 14 de Fevereiro de 1974, depois do almoço, o comandante de Batalhão Coronel Jorge Matias mandou formar na Parada do quartel de Pirada a 3.ª Companhia, bem como o pelotão de Copá em frente uma do outro e a seguir fez um discurso emocionado de homenagem aos homens de Copá, durante o qual nos explicou os esforços que tinha feito durante as horas dramáticas de Copá para nos socorrer com reforços e outros auxílios, nomeadamente, na noite de 7 para 8 de Janeiro de 1974, que culminou com a chegada a Copá no fim da tarde do dia 8 de um pelotão de Pára-quedistas. Dizia-nos isto ao mesmo tempo que dizia que, nesses momentos rezava a Deus por nós, dizia-o com tal emoção que as lágrimas lhe chegaram a correr pela cara, findo o discurso fez desfilar em continência para nós a 3.ª Companhia, o que também nos emocionou um pouco. Foi-nos ainda dado conhecimento de nova mensagem de S. Exa. o Comandante-Chefe que, citando a guarnição de Copá, enalteceu o relevante comportamento da mesma. A culminar esta cerimónia foi-nos dado um louvor colectivo que saiu à ordem com o nome de cada um de nós, falava-se ainda que teríamos um mês de férias na metrópole, o que não veio a concretizar-se, porque passados cerca de dois meses e pouco veio a dar-se a revolução de 25 de Abril. 


Foto 1 - Com guerrilheiros do PAIGC junto ao pontão de Tabassai, Pirada

Foto 2 - No regresso de Copá a Pirada, reencontro com um amigo

Foto 3 - Pirada, 14 de Fevereiro de 1974, 4.º Grupo de Combate

 Foto 4 - Pirada, 14 de Fevereiro de 1974, Homenagem aos Homens da Companhia

Foto 5 - Pirada, 14 de Fevereiro de 1974, Coronel Jorge Matias 

Foto 6 - Passeando em Copá, Dezembro de 1973

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323

Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 DE FEVEREIRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14214: Memórias de Copá (5): Janeiro e Fevereiro de 1974. (António Rodrigues)


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14214: Memórias de Copá (5): Janeiro e Fevereiro de 1974. (António Rodrigues)


1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Boruntuma (a minha 1.ª CCAV/BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 


Memórias de Copá 
Janeiro e Fevereiro de 1974 

Camaradas, 

Como por esta altura do ano passa mais um aniversário dos dolorosos dias que vivi em Copá, aqui vos deixo mais algumas histórias do que lá se passou há 41 anos. 

Retomando o fio à meada do que atrás vinha a contar, o dia 1 de Fevereiro de 1974 passou-se na expectativa de encontrar o piloto aviador, que como disse veio a aparecer ao fim da tarde desse dia e quanto a acções de guerra nada houve a assinalar. 

Porém, no dia seguinte (2 de Fevereiro de 1974), estávamos sentados a almoçar e ao bater a 1 hora da tarde, rebentava novo e severo flagelo a Copá, com Morteiros 120 mm e canhões sem recuo, que duraria até cerca das 4 horas da tarde. Esta flagelação provocou diversos estragos nas Tabancas, Escola, valas e abrigos, mas graças a Deus mais uma vez saíamos dessa flagelação todos ilesos. 

A artilharia de Canquelifá (com obuses de 10,5) tentou apoiar-nos mas com pouca eficácia, porque os 10,5 naquele caso tinham um alcance insuficiente. 

No dia 3 entre as 16 e as 18 horas sofremos nova e intensa flagelação a Copá com morteiros 120. Quase todas as granadas caíram dentro do arame farpado, mas felizmente não houve danos pessoais. Arderam algumas Tabancas e mancarra armazenada. 

No dia 4, Copá volta a ser flagelado entre as 17h30 e as 18h30 com morteiros 120. Canquelifá, com boa vontade, tentou ajudar-nos de novo com os obuses 10,5, mas infelizmente com poucos resultados, limitavam-se a fazer algum barulho com as suas explosões. Esta flagelação não causou danos pessoais nem materiais. 

No dia 5 de Fevereiro, ao romper do dia, dá-se início ao desenrolar da operação “GATO ZANGADO” que decorreu entre o dia 5 e o dia 12 de Fevereiro, com as nossas tropas apoiadas pelo grupo de Comandos Africanos comandado pelo Sargento Comando Marcelino da Mata a tentarem chegar a Copá, com a tão ansiada coluna de reabastecimento. Pelo caminho levantaram 3 minas anticarro e destruíram outras 6. Pelas 10h30 da manhã, no local do costume, MASSACUNDA MAUNDE, sofrem forte emboscada com RPG e armas automáticas, que causaram às nossas tropas 1 morto e um ferido. 

A coluna acabou por mais uma vez não chegar a Copá, que era o seu destino. 

Durante esta acção, foi referenciada uma viatura do PAIGC tipo Ambulância de origem Russa. 

Na parte da tarde desse dia, as nossas tropas deslocaram-se para o local, onde recolheram a referida viatura, 63 granadas RPG7, 44 granadas RPG2, 5 minas anti-pessoais, 21 minas anti-carro, 4 granadas de morteiro 82, 17 granadas de morteiro 60, 2 granadas de mão ofensivas, 12 granadas de mão defensivas, 5 dilagramas, 2 cunhetes de munições 7.62 mm (de origem Soviética), 2 caixas de disparadores, 8,3 Kg de TNT, artigos de fardamento e equipamento, 15 caixotes de munições diversas, diversas caixas de ração de combate, refrigerantes, tabaco, 300 Kg de açúcar e 50 Kg de sal. 

Ainda no dia 5, Copá volta mais uma vez a ser flagelado entre as 14h45 e as 16h15, com morteiros 120 e canhões sem recuo, caíram cerca de 100 granadas, não houve danos pessoais, mas arderam 2 Tabancas. 

Entretanto, no dia 6 em Copá, continuavamos ansiosamente à espera que uma coluna pudesse efectivamente chegar até nós para nos trazer reforços de pessoal, correio, armamento e algum alento moral, visto que nós estávamos completamente desmoralizados e isso nos viria trazer um pouco de alento. Nesse dia, ao romper da manhã forças da 1.ª BCAV de Bajocunda apoiadas novamente pelo Grupo de Combate do Marcelino da Mata tentam de novo a progressão de uma coluna de Bajocunda com destino a Copá, mas ao chegar ao local já fatídico de nome Massacunda a coluna seria mais uma vez fortemente emboscada por cerca de 100 elementos do PAIGC com RPG7 e armas automáticas que causaram às nossas tropas 10 feridos, 5 da 1.ª BCAV e 5 do Grupo do Marcelino. Um dos feridos da 1.ª BCAV veio a falecer, tratava-se do meu camarada Soldado Silvano Farinha Alves (1) do 2.º Grupo de Combate da 1.ª BCAV 8323. A situação mais uma vez se complicou e nem a presença do Marcelino da Mata (que chegou a lutar corpo a corpo com os guerrilheiros) e do seu grupo evitou que a coluna novamente regressasse a Bajocunda sem atingir o seu destino após terem sido pedidas directivas ao CAOP face à situação muito difícil de ultrapassar. As forças que compunham a coluna, para poderem regressar à origem, tiveram que ser remuniciadas via helicóptero. 

Entretanto nós em Copá, sem sabermos o que se passava, alimentávamos a esperança de ver chegar a tão desejada coluna, e como de novo havia livre circulação em Copá, era cerca do meio dia quando montado numa bicicleta a pedal entrou em Copá um homem Africano tipicamente vestido, que nos disse que tinha acompanhado a coluna até determinado local e que tudo vinha a correr bem e em breve ela estaria por aí a chegar, entretanto o homem, depois de deitar os olhos aos estragos no interior de Copá, pegou na bicicleta e partiu a todo o vapor em direcção ao Senegal, ali muito próximo e em cuja direcção se encontrava uma base do PAIGC, entretanto através das transmissões quase nessa mesma altura sabíamos que a coluna tinha sido emboscada e regressava a Bajocunda com mais um camarada nosso morto, o que para nós foi um duro golpe em todos os sentidos, pois para nós essa coluna representava muito, devido a que estávamos no isolamento e quase sem mantimentos. 

O referido Africano partiu de bicicleta de Copá às 12h15, pelas 12h30, Copá começava a ser flagelado mais uma vez com morteiros 120 e canhões sem recuo, bombardeamento que teve a duração de hora e meia. A maior parte das granadas caiu dentro do aquartelamento, provocaram mais alguns incêndios, destruíram mais alguns mangueiros, mas felizmente não houve consequências pessoais. Rapidamente concluímos que o homem que tinha atravessado Copá em bicicleta, era com certeza um dos homens do PAIGC que tinha beneficiado da nossa benevolência e assim pôde espiar tudo à vontade. 

Toda esta situação provocava em nós um sentimento de impotência, desespero e grande ansiedade, ao ponto de alguns camaradas nossos, principalmente os que se abrigavam no abrigo 6 que estavam com o seu moral abaixo de zero, a ponto de até terem receio de saírem da vala para irem à cozinha buscar comida. No abrigo 7 onde eu me encontrava, refiro mais uma vez o 1.º Cabo João Ribeiro, que tinha sempre uma palavra encorajadora para os seus camaradas, o que levantava o nosso moral naquelas difíceis situações. 

Entretanto, com a não chegada a Copá da coluna atrás citada, ficamos ainda mais desorientados e sem qualquer alento, onde nos sentíamos cada vez mais abandonados, no meio dum completo isolamento, onde apenas tentávamos conviver uns com os outros e, para além disso, no meio daquelas aflições todas, estávamos sem bebidas e quase sem géneros alimentícios, pelo que pedimos que por meios aéreos nos enviassem água capaz de se beber. De Bissau mandaram-nos helicópteros com alguns bidões de água, só que os bidões que transportavam a água, eram bidões que tinham transportado gasolina, pelo que a água que eles traziam nem para nos lavarmos servia, pelo que preferimos continuar a servir-nos da água dos poços ali existentes, apesar de, de vez em quando na lata com que a tirávamos, aparecer uma ratazana ou quaisquer outros animais mortos, quando isso acontecia, o remédio, que não era remédio nenhum, era deitar fora aquela água e voltar a encher a lata do mesmo sitio. A água que consumíamos naquelas situações e na Guiné em geral, era de uma qualidade inqualificável e no nosso caso em Copá, não nos era fornecido qualquer tipo de tratamento para lhe adicionarmos. 

Eu que creio em Deus e sou católico, sempre que éramos atacados, no meio daquela grande aflição diária, sem termos mais a que nos agarrar, tomava a iniciativa de organizar uma oração geral e o Ribeiro era dos primeiros a acompanhar-me, só um camarada ironicamente chamado Jesus, que era da Beira Baixa, não rezava, a razão sabia-a ele. 

Alguns dos nossos camaradas do abrigo 6, durante as flagelações, por vezes abandonavam o seu posto e vinham refugiar-se no nosso que era o 7, mas o Ribeiro repelia-os, dizendo-lhes que no posto 7 não havia lugar para cagões. 

Entretanto no dia 7 de Fevereiro de 1974 estivemos de folga, pois Copá nesse dia não sofreu qualquer flagelação, embora nós ficássemos todo o dia alerta. 

No dia 8 de Fevereiro, pelas 10h30 da manhã, uma força da Companhia de Caçadores Pára-Quedistas 121 em patrulhamento naquela área, entrou em contacto com um grupo guerrilheiro de cerca de 50 elementos, causando-lhe 2 mortos confirmados e vários feridos e apreendeu-lhes 1 RPG7 e 4 granadas do mesmo. 

Os Pára-Quedistas, sofreram 1 ferido grave e 2 feridos ligeiros. 

No mesmo dia 8 de Fevereiro de 1974, fomos visitados de novo pelas bombas IN, tínhamos acabado de almoçar e o meu camarada Lobo, que era quem dava aulas em Copá, que era um pouco surdo, convidou-me a ir com ele até junto de um poço (que embora dentro do arame farpado ficava do lado da fronteira do Senegal) para tirarmos água com uma lata e lavarmos as nossas roupas, eu aceitei, lá fomos com a lata numa mão e a roupa na outra a caminho do dito poço e ao passarmos junto do Posto 6, lá estavam os nossos camaradas, os mais medrosos estavam mesmo metidos nas valas, a aguardar o que pudesse acontecer nesse dia e perguntaram-nos então para onde íamos? Nós dissemos-lhes que íamos para o poço tirar água e lavar a roupa, uma vez que em Copá as lavadeiras tinham fugido, eles então disseram-nos: tenham cuidado, pois eles podem estar por aí perto e pode ser perigoso, é que nós nem água para nos lavarmos cá temos, porque não temos coragem para a ir buscar; nós dissemos-lhes: vamos com Deus que não há-de acontecer nada! Lá fomos eu e o Lobo, tirámos do poço a água necessária e começamos a lavar a roupa, mas o Lobo como era um pouco surdo disse-me: Rodrigues, se ouvires alguma coisa avisa-me que eu não ouço bem; continuamos a lavar a roupa, entretanto os nossos camaradas do abrigo 6 ganharam coragem, pegaram nas latas e foram ter connosco ao poço para levarem água para as suas necessidades, nós os dois nesse momento tínhamos a roupa quase lavada. 

No preciso momento em que um dos nossos camaradas metia a lata no poço e ao mesmo tempo nos dizia: antes de ontem, ao metermos a lata no poço começou o ataque a Copá; rebentava mais um flagelo a Copá eram 15h00 da tarde, eu ouvi o primeiro rebentamento que era a saída do disparo do morteiro, larguei o par de peúgas que estava a torcer e disse: foge Lobo, desatei a correr para o meu posto, o Lobo viu-me correr e fugiu também, os outros dois camaradas do abrigo 6 não se aperceberam do rebentamento, ficaram junto ao poço, só fugiram quando caiu a primeira bomba dentro de Copá, já eu estava no primeiro abrigo que encontrei que foi o 6, o mais próximo do meu, eles não me seguiram logo, porque pensaram que, como o primeiro rebentamento coincidiu com as palavras deles acerca do anterior ataque, pensaram então que eu estaria a brincar com eles, mas felizmente mais uma vez aguentámos essa flagelação que durou cerca de 2 horas, Deus continuou ao nosso lado. 

No dia 9 de Fevereiro de 1974, da parte da tarde, voltámos de novo a ser flagelados durante várias horas, entre as 14h00 e as 17h40, com morteiros de 120 de granada de espoleta retardada e canhão sem recuo. 

Nesse dia fomos bombardeados com uma violência inusitada em Copá, pois apercebemo-nos que estávamos a ser bombardeados pela artilharia do PAIGC a partir de duas bases IN distintas e a determinada altura a confusão foi ainda maior porque ficamos cercados de fogo de artilharia a partir de mais dois pontos diferentes. O que se passou foi que, a guarnição de Canquelifá começou a disparar os seus obuses de 10,5 na tentativa de nos socorrer, mas o alcance destas armas ficava-se pelas imediações de Copá, por outro lado em Bajocunda, estavam em fase de instalação 3 obuses 14 chegados ali há poucos dias, cujos artilheiros na tentativa desesperada de nos ajudar, fizeram alguns disparos na direcção de Copá, cujas bombas sobrevoaram o aquartelamento e caíram ali mesmo juntinho do arame farpado, rebentando na pequena pista de aviação e quase nos atingiam, causando em nós um ainda maior susto e confusão, porque naquele momento não sabíamos a origem de todo aquele fogo. 

Valiam-nos quase sempre os nossos anjos da guarda, os aviões FIAT G91, às vezes depois de estarmos duas ou três horas debaixo de fogo, mas valia sempre a pena, porque era a forma de o fogo inimigo parar e podermos levantar um pouco a cabeça. 

Neste dia tivemos apoio aéreo pelas 15h20 mas sem grandes resultados. 

Após um curto intervalo, continuou o bombardeamento a Copá ainda com mais violência, eu e os meus camaradas contamos em poucos segundos 48 disparos de morteiro seguidos, antes que a primeira dessas bombas caísse dentro de Copá, poucos segundos depois, apanhamos de uma só vez com toda aquela chuva de bombas quase ao mesmo tempo em cima de nós, porque praticamente todas caíram dentro do aquartelamento e nós contávamo-las uma a uma até cair a última. 

Eu suponho que nesse dia o PAIGC tinha uma série de morteiros a disparar ao mesmo tempo. 

Pelas 17h40, voltamos a ter apoio aéreo dos FIAT G91 e aquele violentíssimo bombardeamento a Copá naquele dia terminou. 

Foi durante este bombardeamento que estive mais perto de ter morrido, eu e os meus camaradas de abrigo, porque uma das bombas caiu 2 metros atrás da vala onde nos encontrávamos, passou sobre a minha cabeça a tão pouca distância que senti o cabelo deslocar-se à sua passagem, eu pensei: desta não escapo, a explosão levantou uma nuvem de terra que quase nos cobriu a todos e todos demos um grande grito de aflição, passada a confusão sacudimos toda aquela terra e felizmente para além de alguns estilhaços quentes que nos caíram nas costas provocando-nos pequenas queimaduras, estávamos todos bem. 

Mas a explosão fez os seus estragos: no local onde explodiu, tínhamos uma barraca feita de chapas de bidões, onde tínhamos duas camas, protegidas com um espaldão de bidões cheios de terra, a explosão abriu um buraco onde cabia um automóvel, destruiu o espaldão e a barraca, uma das camas de ferro que estava no seu interior ficou dobrada como uma sanduíche com o colchão no meio. 

Durante este bombardeamento, dois camaradas nossos de um outro abrigo, sofreram ferimentos ligeiros, não provocados por balas ou estilhaços, mas por uma granada que explodiu bem junto à trincheira onde se abrigavam que a fez desmoronar, deixando-os semi-soterrados. 

Ainda durante este bombardeamento, caiu uma granada precisamente em cima do banco do condutor do Unimog, que estava estacionado no centro do aquartelamento, que quase lhe separou a cabine do resto. Aquele Unimog acabou ali e lá ficou para sempre. As tabancas, que no caso de Copá, se encontravam todas dentro do arame farpado, no final deste ataque estavam praticamente todas queimadas e tínhamos também um abrigo destruído. 

O PAIGC tinha apostado forte naquele aquartelamento e não nos largava, mas mais uma vez nada conseguiu, pois nós respondíamos-lhes quase sempre com o nosso silêncio, mas firmes no nosso posto, pois não possuíamos armas em Copá capazes de os atingir. No entanto nesse dia 9 de Fevereiro de 1974, o nosso moral estava cada vez mais em derrocada, talvez devido a isso, 5 camaradas nossos do abrigo 3, durante a flagelação desse dia fugiram de Copá debaixo de fogo do inimigo e foram em direcção ao quartel de Canquelifá, que ficava dali a 12 km de distância, onde chegaram felizmente sem qualquer problema, quatro deles regressaram a Copá às 06h30 da manhã do dia seguinte, acompanhados de uns guias que os nossos camaradas de Canquelifá lhes arranjaram, o quinto recusou-se a regressar, seguindo sob prisão para Nova Lamego, regressando mais tarde à Companhia já em Bajocunda. Os abrigos ou postos a que me tenho referido, eram na realidade as nossas casernas, que não eram mais que um buraco ou cave aberto no chão, mais ou menos com 2 metros de profundidade de formato quase sempre quadrado, cuja cobertura era feita de troncos de árvores, pedras, terra e algum cimento. 

E a nossa vida em Copá era assim diariamente um autêntico inferno, sem um momento de sossego e a toda a hora à espera do pior, os bombardeamentos de artilharia do PAIGC eram em Copá o pão nosso de cada dia, a situação era cada vez mais insuportável, pois éramos apenas 30 a 40 homens, para aguentar aquele aquartelamento, além disso não tínhamos armas capazes de responder às do inimigo, até que depois de tantos bombardeamentos a Copá sem resposta da nossa parte, talvez o PAIGC se tenha convencido de que nós tivéssemos fugido de Copá ou que estaríamos todos mortos, pelo que no dia 11 de Fevereiro de 1974, mandou os seus homens junto de Copá, portanto perto do arame farpado, disparar uns tiros e atirar umas granadas, provavelmente para verificar se ainda lá haveria alguém com vida, o que graças a Deus ainda acontecia com todos nós. 

A história deste ataque do dia 11 é a seguinte: passámos a noite de 10 para 11 sobressaltados como sempre, mas sem acontecer nada de especial até à hora em que ouvimos os primeiros tiros. Eu estive nessa noite de reforço das 4 às 5 horas da manhã, fui rendido e deitei-me na cama, mas durante muito tempo não conseguia adormecer, porque o Banharia, nosso camarada de abrigo, tinha medo de estar de noite acordado sozinho e por isso quando me sentiu entrar no abrigo para me deitar, começou a querer conversar comigo e nunca mais me deixava adormecer, até que a certa altura eu o ameacei, que ou me deixava dormir ou eu me chateava com ele. Eram 6 horas da manhã desse dia 11, eu acabei de dizer estas palavras ao Banharia, cobri a cara e preparava-me para adormecer quando nesse momento rebentou um forte tiroteio e algumas granadas RPG 7, saímos imediatamente todos da cama o mais rápido possível (tão rápido que o meu camarada Lobo até trouxe para a vala um cobertor da sua cama preso nos pés) e como constatámos que o inimigo estava frente a nós, reagimos e disparámos fortemente, que o fogo inimigo durou apenas cinco minutos, pelo que concluímos que eles vinham apenas ver se nós ainda lá nos encontrávamos. 

Entretanto em Pirada, o nosso Comandante de Batalhão, Coronel Jorge Matias e o Capitão Oficial de Operações, ao ouvir tal tiroteio, sabendo da nossa forte reacção a este, que foi felizmente o último ataque a Copá, ficaram admiradíssimos, por depois de tanto sermos massacrados em Copá, ainda termos moral para reagirmos daquela maneira. 

Tínhamos passado já cerca de dois meses terríveis de plena guerra em Copá, assistíamos às consequências trágicas e situações humanas verdadeiramente horrorosas que a guerra provocava, principalmente na população civil, que se via forçada a fugir das suas pobres casas e ficavam sem os seus poucos haveres, metia dó ver a miséria e a desgraça daqueles pobres Africanos a gritar e a fugir com as suas crianças, quando não tinham feito mal a ninguém para que tal lhes acontecesse, eles apenas queriam em paz, semear e colher o seu milho, mancarra, arroz, etc. 

Se em todas as guerras, que infelizmente grassam pelo mundo, ou se chega a um acordo ou tem de haver um derrotado, eu que em 1973, parti para a Guiné convencido que ia lutar por uma causa justa, depois de lá estar e ver a realidade daquela guerra, que tanto fazia sofrer e chorar os nossos soldados e as suas famílias e as populações locais, essas as mais atingidas sempre, eu perguntava muitas vezes a mim mesmo, se não éramos nós exército Português que estávamos ali a provocar todo aquele sofrimento, uma vez que mantínhamos uma situação de guerra há cerca de 13 anos e não vislumbrávamos qualquer saída para ela. 

Foi assim que vi aquela maldita guerra, é este o meu ponto de vista mas, respeito o de todos os outros que como eu a viveram. 

Nota: 

(1) O Soldado Silvano Farinha Alves era natural de Cava – Madeirã, Concelho de Oleiros. 






Um forte abraço deste vosso amigo 
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323

Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 
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Nota de M.R.:

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sábado, 31 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14208: Memórias de Copá (4) : Janeiro e Fevereiro de 1974. Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné. (António Rodrigues)


1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Boruntuma (a minha 1.ª CCAV/BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem:

Caros Camarigos, 


Na sequência do texto publicado neste Blog no passado dia 7 (P 14128) aqui vos deixo mais um pouco das minhas memórias da guerra, como testemunho do que se passou em Copá em Janeiro e Fevereiro de 1974. 


Copá. Janeiro e Fevereiro de 1974.
Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné.

Entretanto Copá continuava calmo desde o dia 7 de Janeiro de 1974 e assim se manteve durante praticamente todo o resto do mês, mas o infernal dia 7 tinha deixado vários estragos, entre os quais os pneus e o depósito de combustível da viatura (única) furados, o que fez com que durante cerca de três semanas não tivéssemos viatura para irmos à água e à lenha, remediávamos com a lenha que se ia arranjando à volta do quartel e a água, ia o pessoal de cada abrigo buscar a sua com latas. 

Mas, um belo dia eu acordei bem disposto e resolvi consertar os furos nos pneus e no depósito, neste último com um taco de madeira certo à feição e a meio da tarde desse dia 31 de Janeiro de 1974 eu tinha o carro pronto a andar e continuava com a mesma boa disposição com que me tinha levantado de manhã. 

Fui para o abrigo e até fiz o serviço do puto, lavei a mesa e os bancos e no fim sentei-me na cama sozinho a pensar numa notícia que dias antes tinha ouvido na rádio do PAIGC e que dizia que, até ao fim do mês Copá seria arrasado, ora aquele era o último dia do mês e pensando nisto de súbito comecei a sentir uma grande tristeza, não sei por que razão, mas o meu coração adivinhava algo de mal. 

Despi a roupa, peguei numa toalha e preparava-me para ir tomar um banho. 

Quando já com a toalha à volta da cintura ia a sair a porta do abrigo, ouço ao longe uma saída de morteiro, que só me deu tempo a atirar-me de barriga para o chão e já estava a rebentar na minha frente. 

Eram cerca das 17h30 e, começava assim mais uma violenta flagelação a Copá com morteiros 120, confirmava-se a tristeza que eu tinha sentido antes, porque durante esse ataque iria acontecer uma coisa trágica e quase inédita na guerra colonial ou pelo menos rara. 

Esta era mais uma flagelação da artilharia do PAIGC a Copá, quebrando a relativa paz de quase um mês, flagelação essa que iria ter a duração de cerca de hora e meia a duas horas, tendo caído dentro do arame farpado perto de 20 granadas felizmente sem consequências. Esta flagelação a Copá, foi desferida a partir de duas bases distintas: a artilharia do PAIGC estava instalada na região da fronteira frente a PANANG R e na região nordeste de Copá, SINCHA JADI. 

Visto que, como prevíamos um ataque em força, pedimos auxílio ao Comandante de Batalhão e este por sua vez pediu-o a Bissau ao Governador-Geral Bettencourt Rodrigues, que imediatamente mandou dois aviões Fiat G-91 em auxílio de Copá. 

Esses aviões tinham naquela altura o nome de código de «Miquel», enquanto Copá se chamava por sua vez «Ex-Rei-Victor» e era por estes nomes que se comunicavam os pilotos dos aviões e o homem das transmissões. 

Logo que os aviões Fiat começaram a sobrevoar a área de Copá, como de costume, o inimigo calou-se, os Pilotos pediram ao homem das transmissões as referências necessárias e prepararam-se com as manobras que entenderam para bombardear o local indicado, um de cada vez, o primeiro sobrevoou o local, depois baixou de altitude e largou a primeira bomba sobre SINCHA JADI, enquanto o segundo se mantinha à distância, mas quando o primeiro descarregou a bomba, começou a ganhar novamente altitude, embora estivesse a acontecer uma coisa estranha, ouviu-se um segundo rebentamento e o avião levava lume na cauda, a determinada altura, quando ele já ia bastante alto, vimos perto dele uma pequenina sombra que nos parecia um pássaro a voar, mas logo de seguida o avião guinou para o lado esquerdo, neste caso para o lado do Senegal e começou de novo a baixar, e nessa altura pensávamos nós em Copá que ele iria largar a segunda bomba numa outra base inimiga, que nos estava a flagelar a partir daquela direcção, (PANANG R) mas era puro engano, o avião ia acabar por se despenhar, talvez próximo ou dentro do território Senegalês a cerca de 3 a 4 Kms de Copá, enquanto o piloto que era a pequena sombra que antes tínhamos visto junto ao avião se tinha ejectado ao aperceber-se que fora atingido por um Míssil Russo (Strela Terra-Ar) e desceu de pára-quedas sem qualquer problema, só que, a área onde ele desceu era perigosa, porque era aquela onde se encontrava o inimigo e distante de Copá cerca de 5 Km. 

Quanto ao avião, ao despenhar-se no solo, provocou uma estrondosa explosão e chamas com uma altura enorme, o que foi com certeza motivo de grande alegria para os homens do PAIGC que acorreram todos para o local da queda e que com aquela acção se deram por satisfeitos naquele dia, tendo terminado por isso aquela flagelação a Copá. 

A queda do avião deu-se por volta das 7 horas da tarde, quase ao anoitecer e o inimigo dirigiu-se imediatamente para o local, pelo que passado pouco tempo era já noite, eles lançaram do local da queda um very-light vermelho, sinal luminoso que nos indicava a presença deles naquele local. O segundo avião Fiat ao aperceber-se do que tinha acontecido ao primeiro abandonou o local a todo o gás na direcção de Bissau e ninguém mais o viu. 

O piloto do avião abatido, veio a descer precisamente no local onde minutos antes tinha largado a bomba e a sorte dele, foi o inimigo ter saído dali para ir ver os destroços do avião, senão talvez tivesse sido feito prisioneiro, mas ele ao ver-se em terra, largou o pára-quedas e talvez desorientado desatou a fugir, mas não se dirigiu a Copá e, no outro dia de manhã ainda ninguém sabia dele, pelo que, nesse mesmo dia de manhã, começaram a chegar a Copá uma série de helicópteros, 2 avionetas e 2 aviões Fiat para fazerem uma busca e tentarem localizar o piloto desaparecido. Nesse conjunto de helicópteros era transportado o famoso Sargento dos Comandos Africanos, de seu nome, Marcelino da Mata e o seu categorizado e célebre grupo de homens por ele treinado e conhecido em toda a Guiné durante a guerra colonial, pela forma corajosa e eficaz como combatiam ao lado das tropas Portuguesas. 

Mas as buscas durante toda a manhã com todo aquele aparato aéreo, tornaram-se infrutíferas e o piloto não apareceu, apenas encontraram o pára-quedas e algumas granadas do PAIGC e, como o homem não aparecia, ao fim da manhã regressaram a Bissau. 

Mas por volta das 5 horas da tarde desse mesmo dia, chegou a Copá uma mensagem que dizia, que o Piloto Tenente Gil (8), tinha aparecido num aquartelamento prós lados de Nova Lamego (soube mais tarde que esse aquartelamento era Piche) e que tinha já contado a história da sua aventura, que era a seguinte: mal chegou a terra começou a andar praticamente sem destino e andou quase toda a noite e no dia seguinte, com a sorte de não ter sido apanhado por ninguém, até que chegou a uma certa povoação e pediu a um homem Africano que o guiasse até ao quartel mais próximo, o que realmente aconteceu e só nesse momento é que ele pode comunicar que estava vivo e livre de perigo e tinha terminado também aquela sua com certeza muito marcante aventura. 

(8) Piloto Tenente, Victor Manuel Castro Gil 




Link do episódio Nº. 17 da Série "A GUERRA" da RTP:
www.rtp.pt/programa/tv/p28097/e17

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323



Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 
___________

Nota de M.R.:

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7 DE JANEIRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Efemérides (181): Copá – Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14128: Memórias de Copá (3): Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

1. O nosso camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1ª CCAV do BCAV 8323 (Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 1973/74) enviou-nos o seguinte texto. 

COPÁ – JANEIRO DE 1974

A minha 1ª CCAV / BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá. 

Este texto sobre os acontecimentos em Copá no início de Janeiro de 1974 foi retirado das minhas memórias da Guerra na Guiné. 
 
Chegámos ao dia 3 de Janeiro de 1974 e foi um dia mais ou menos calmo como de costume, embora durante a tarde enquanto jogávamos futebol na pista de aviação em Copá, se ouvissem fortes rebentamentos na direcção de Canquelifá, que soubemos depois estava a ser violentamente flagelado com armas pesadas, mas tal era ainda nessa altura o nosso àvontade, que, apesar de ouvirmos tantos rebentamentos e tão próximo de nós mantivemo-nos a jogar à bola no exterior do arame farpado e realmente até ao fim do dia nada de anormal nos aconteceu. Deitamo-nos como de costume cerca das 20h30 ou 21h00, embora ficasse como era normal um homem de sentinela em cada abrigo.

O nosso baptimo de fogo

Eram 23h30 em ponto do dia 3 de Janeiro de 1974, quando o Manuel Vicente Antunes que àquela hora fazia reforço no meu abrigo, gritou, ao mesmo tempo que ouviamos um rebentamento, que saíssemos da cama porque havia perigo, mas não foi necessário o grito do sentinela, pelo menos para mim que ao ouvir o rebentamento saltei imediatamente da cama e vim para ao pé da vala ver o que se passava.

Quase no mesmo momento todos os meus camaradas de abrigo estavam fora da cama e a nossa primeira reacção àquele rebentamento e aos outros que se lhe seguiram, é que seriam rebentamentos do obús 10,5, arma da nossa artilharia instalada em Canquelifá e que estavam a bater a zona depois de terem sido atacados durante a tarde. 



Entretanto, um dos meus camaradas de abrigo foi ao posto de transmissões saber o que na realidade se passava e na verdade de Canquelifá não havia notícias, mas o Alferes que comandava o pelotão de Africanos que já tinha mais experiência do que nós disse-lhe: "Vai avisar os teus camaradas que se previnam que este fogo é de armas inimigas"; e assim estávamos realmente pela primeira vez a ser atacados por armas inimigas e a enfrentar a realidade daquela guerra. Era este o nosso baptismo de fogo. 



As primeiras granadas passavam por cima de Copá e iam rebentar aí a uns 2 Km de distância, entre Copá e Bajocunda, elas vinham bastante alternadas, atiravam 3 morteiradas, deixavam passar dez minutos e voltavam a atirar outras três e assim sucessivamente. Entretanto perante o que estava a acontecer, lembrei-me dum conselho que me tinha dado o Amândio Noversa com a experiência que ele já tinha e que era o seguinte: “Sempre que oiças um rebentamento seja ele de que arma for, atira-te para o chão e tenta abrigar-te porque isso pode valer-te a vida”.



E eu ao lembrar-me disso, fiz precisamente o que devia, meti-me dentro da vala a aguardar o que viria a acontecer, entretanto os rebentamentos continuavam de 10 em 10 minutos e cada vez a aproximarem-se mais do nosso aquartelamento o que nos dava a impressão de o fogo estar a ser comandado por rádio. Enquanto isto acontecia, os restantes meus camaradas que se mantinham fora da vala diziam: "O Rodrigues é um cagão, tem medo a isto só está bem no buraco", palavras não eram ditas e eis que ali junto a nós cai a primeira granada, (pois que elas se tinham vindo a aproximar lentamente) e, ao rebentar, os estilhaços bateram com violência no telhado de chapa do nosso abrigo, foi então que os meus camaradas se abrigaram também na vala convencidos do perigo em que estávamos, e diziam uns: "Ai N.ª Srª de Fátima"; outros, "Ai minha Mãezinha"; e depois diziam todos, o "O Rodrigues sempre tinha razão em se ter protegido porque isto está feio".



Entretanto as bombas continuavam a cair, é curioso que a dada altura duas em cada três granadas caiam ali próximas, mas não rebentavam, entravam na terra a uma profundidade cerca de 5 metros e então dizíamos nós uns para os outros, "Amanhã não vão faltar aí granadas inteiras", dizíamos isto porque era de noite e apenas as ouvíamos cair, mas elas perfuravam a terra e desapareciam pelo chão dentro. 


A dada altura, ainda deste primeiro ataque, as granadas começaram a cair com maior intensidade sobre o abrigo ou posto onde eu me encontrava, a nossa falta de experiência disse-nos naquele momento que devíamos abandonar o posto e irmos para outro menos apoquentado, porque na verdade o abrigo 7 era naquela noite o que estava a ser mais atingido e por isso não hesitamos em nos mudarmos todos para o abrigo 1 que ficava ali mesmo ao lado e ali ficamos à espera do que iria acontecer, uma vez que não dispunhamos de armas com que pudéssemos responder, a arma mais forte que tinhamos era um morteiro 81 cujo alcance máximo, segundo me recordo,  era cerca de 5 Km e a distância a que estava o inimigo era superior, por isso a nossa resposta limitou-se a um ou dois disparos de morteiros. 

O PAIGC continuava entretanto a disparar de 10 em 10 minutos sobre Copá, pelo que só se resolveram a parar eram duas horas da madrugada do dia seguinte, precisamente no momento em que o luar desapareceu, foi aí que o primeiro ataque a Copá desde que lá chegamos terminou. Viemos a saber mais tarde que o destacamento de Copá sempre foi um dos que ao longo da guerra sofreu regularmente fortes flagelações, aliás não era difícil qualquer um de nós encontrar provas mais do que evidentes do que tinha lá acontecido muitas vezes. 

Os Guerrilheiros dispararam nessa noite, sobre Copá, 58 granadas,  mais de metade das quais caíram fora do aquartelamento. 

Felizmente naquela noite não houve problemas de maior, nem sequer o mais leve ferimento, mas a ideia que nos ficou foi que o barulho que fizemos durante a noite da passagem de ano serviu ao inimigo para ponto de referência, que aproveitou para apontar as armas a Copá e depois acabou de acertar, através de rádio, próximo do local. 

Mas o ataque desse dia foi apenas um pequeno aviso, passaram-se os dias 4, 5 e 6 com relativa calma, para o dia 7 marcou-se novamente a coluna que dias antes tinha sido interrompida, mas nesse dia veio mesmo a realizar-se, só que, chegada a meio do percurso (Massacunda Maunde) foi atacada por uma forte emboscada feita nesse local pelo PAIGC. 

Eram cerca das 9.30h da manhã, estava eu e os homens que nesse dia estavam de serviço à água junto ao poço onde tirávamos a água em Copá, a dado momento ouvimos um forte rebentamento na direcção de Massacunda, logo seguido de um enorme tiroteio, lembramo-nos logo que seria a nossa coluna que estava a ser emboscada, ficamos um pouco suspensos e logo um furriel nos chamou e disse que largássemos a água porque tinhamos que ir em socorro dos nossos camaradas. Nós assim fizemos, eu peguei no carro imediatamente e regressamos para dentro do arame farpado, formou-se o pelotão que arrancou imediatamente para o local, em Copá ficamos apenas 5 ou 6 homens mais ou menos,  um por cada abrigo, pois ainda tínhamos connosco mais alguns soldados Africanos.


7 de Janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei

Na mesma altura em que saiu o pelotão, partiu também para outra zona do mato, nos arredores de Copá na direcção da fronteira com o Senegal, um Africano civil que era nosso informador, que passadas algumas horas chegava com más notícias, disse-nos ele que ali próximo o PAIGC estava estacionado com várias viaturas carregadas de munições para atacar Copá, o que na verdade se veio a concretizar nesse mesmo dia.

Na verdade esse dia 7 de Janeiro de 1974 foi para a minha companhia e particularmente para o pelotão destacado em Copá, o dia mais infernal que lá passamos e que, eu já mais esquecerei. 

Entretanto do local da emboscada chegava-nos via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido, dois mortos – o Soldado Rui Silveira Patrício e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro [1], os primeiros mortos do meu Batalhão.

Os dois faziam parte do 3.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323, que eu recordo com muita saudade, havia também quase todo o pelotão que fazia segurança à coluna bastante ferido, nomeadamente, o Alferes Santos que o comandava e outro homem com uma perna partida, um outro que acabou por perder uma vista e ainda hoje tem o corpo cravado de estilhaços, para além de duas viaturas Berliet destruídas: a primeira porque accionou a mina anti-carro e o condutor Sousa foi cuspido pelo ar e caiu ao chão, ficou com as partes superiores das pernas pisadas, porque bateu com elas no volante ao ser cuspido e arranhou uma perna ao cair, a sua carga era parte do pessoal que fazia segurança;  a segunda ia carregada de munições de G3 e granadas de morteiro 81 e 60, na cabine desta viatura seguia o Soldado Condutor Abílio Correia Sabino Magalhães e o Rui Patrício mais o Aguiar Ribeiro.

O Correia saltou abaixo sem problemas, mas nesse mesmo momento os outros dois camaradas já tinham sido atingidos com um tiro, o Rui Patrício ainda desceu da viatura e disse ao Correia que ia morrer, o que aconteceu naquele preciso momento, o Aguiar Ribeiro já ferido abrigou-se debaixo da Berliet que entretanto começou a explodir as munições que trazia tendo ficado reduzida a um monte de ferros espalhados pela picada, o que deu origem a que o Aguiar Ribeiro morresse completamente calcinado pelo fogo, pois que para além das munições começarem a explodir, o PAIGC ainda continuou a atacar durante bastante tempo, tendo usado Minas Anti-Carro e Anti-Pessoais, RPG2, RPG7 Morteiros e armas automáticas. 

Para além dos mortos e feridos e das referidas viaturas, destruíram o dinheiro que seguia nessa coluna para pagamento do anterior mês de Dezembro a todos os militares Europeus e Africanos que se encontravam em Copá, foi ainda destruído todo o correio destinado a Copá, que incluía os postais de Boas Festas e lembranças dos nossos Familiares que, dadas as circunstâncias não chegaram a tempo do Natal e tendo sido ali destruídas não pudemos recebê-las. 

Para socorro dos camaradas que sofreram a emboscada, para além do Grupo de Combate de Copá, partiu de Bajocunda mais um Grupo de Combate da 1.ª CCAV / BCAV 8323 e de Pirada,  comandados pelo próprio Comandante de Batalhão, partiram mais 2 Grupos de Combate da 3.ª CCAV / BCAV. 


Estas forças de socorro levantaram 6 minas antipessoais e destruíram 1, levantaram uma Anti-carro, tendo recolhido a Bajocunda e a Copá respectivamente pelas 20h00.


Guiné > Zona leste > Pirada > Copá > 1.ª CCAV/ BCAV 8323 (1973/74) > Berliet destruída pro mina A/C na emboscada de 7 de janeiro de 1974 na picada Copá-Bajocunda. Foto de António Rodrigues. Cortesia do blogue da Associação dos Combatentes do Concelho de Arganil.
Foto: © António Rodrigues. (2013). Todos os direitos reservados.


Ataque a Copá no mesmo dia durante várias horas (das 17h00 às 22h20), ficando a guarnição reduzida a 29 homens

Mas nesse dia as coisas más não tinham terminado, aí, às cinco horas da tarde desse mesmo dia, com apenas pouco mais de um homem em cada posto (porque o restante do pelotão ainda se encontrava no local da emboscada) concretizavam-se as informações que tinhamos recebido de manhã e Copá às dezassete horas em ponto começava a ser atacado de novo pela artilharia do PAIGC.

Os poucos que ali nos encontravamos metemo-nos nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tinhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiros 120 e 82 que carregava sobre nós persistentemente, só cerca das 20H00 é que entrou o restante pelotão em Copá debaixo de fogo, quando a maioria da população aos gritos se punha em fuga das suas tabancas que ardiam infernalmente e fugiam em direcção à Republica do Senegal cuja fronteira ficava dali a 3 Kms. 



Juntamente com a população fugiram (desertaram) praticamente todos os militares Africanos que ali se encontravam em reforço da Guarnição, ficando apenas em Copá naquela noite, um Alferes e um furriel Europeus que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323 num total de 29 homens. 



Devo dizer que nessa noite vivemos um autêntico ambiente infernal e de terror com tantas chamas à nossa volta, das tabancas e do milho, que ardiam como gasolina, para além do perigo que representava o calor das chamas próximas das nossas munições que podiam explodir em qualquer momento e nós debaixo de tanto fogo, chamas e bombas não sabia-mos onde protegê-las. 

Mas o ataque do PAIGC continuava, agora já noite e com as chamas a servirem-lhe de alvo, mas nós continuavamos sem capacidade de resposta, porque eles estavam a grande distância e as nossas munições eram muito poucas para se gastarem inutilmente, dispunhamos apenas de umas 18 a 20 granadas de morteiro 81, algumas de morteiro 60 e talvez pouco mais de uma dúzia de granadas de mão, que viriam a ser lançadas de dilagramas [2], mas a artilharia do PAIGC não parava o seu ataque e vimo-nos forçados a pedir auxílio a Bissau, que nos mandou um avião Dakota que começou a sobrevoar Copá eram 22h20 da noite, altura em que a artilharia do PAIGC parou com o fogo, tinham decorrido 5 horas e 20 minutos seguidos, que nós aguentamos debaixo de fogo intenso e violento. 

Entretanto os estilhaços das bombas tinham rebentado os fios da iluminação eléctrica, visto que tinhamos um gerador próprio e como era de noite o avião não tinha qualquer sinal para nos localizar, então através do rádio o piloto falou para o nosso posto de transmissão e perguntou qual a localização do inimigo, no que foi mais ou menos informado, depois o piloto pediu para lhe fazermos um sinal que consistia no seguinte: como junto das cantinas existiam sempre uns bidões com garrafas de cerveja vazias, utilizamos essas garrafas para fazer uma grande cruz no centro de Copá e enchemo-las com gasóleo, pusemos-lhes uma torcida de pano e acendemo-las de seguida e assim o piloto já nos podia detectar facilmente além de que, esse mesmo sinal lhe servia também de ponto de referência para a partir dali localizar o inimigo. 

Feito isto e já sem se ouvir o mais pequeno ruído do inimigo, (porque este, mal ouviu o ruído do avião calou-se imediatamente),  o piloto do Dakota tentou localizar o melhor possível a base do PAIGC naquela noite e quando entendeu que estava sobre ela começou a despejar bombas e manteve-se por ali durante cerca de mais de meia hora, espaço de tempo em que nos mantivemos relativamente calmos porque o fogo tinha parado. O avião regressou à base cerca das 23h00. O resultado do bombardeamento do avião deixou-me as maiores dúvidas, porque de noite todos os gatos são pardos. 

Mas o PAIGC, ao emboscar nesse mesmo dia de manhã a coluna que nos vinha abastecer de munições e ao atacar em massa Copá nesse dia à tarde apanhando-nos quase desarmados, tinha feito uma acção muito bem planeada e em grande escala, jogava forte na conquista de Copá nesse dia. 

Mas mais uma surpresa estava para acontecer, nessa mesma noite aconteceu uma coisa bastante curiosa para nós, o inimigo não satisfeito com o resultado do ataque que tinha terminado minutos antes, ou talvez pensando que estaríamos quase todos mortos, ao aperceber-se que ia ser bombardeado pelo nosso avião, em vez de se retirar para o interior do Senegal, que ficava ali muito próximo e donde provavelmente eles se tinham deslocado, usou uma táctica inesperada, como era noite escura e se podiam deslocar à vontade sem serem vistos pelo avião, saíram do local onde se encontravam e deslocaram-se para junto do nosso aquartelamento, pois sabiam que assim estavam em melhor segurança em relação ao avião, e mal o avião partiu e se foi embora, eram cerca das 23 horas, começamos a ouvir fortes ruídos de motores a trabalhar, dava-nos ideia de serem viaturas que se dirigiam a Copá e a sê-lo àquela hora, eram com certeza do inimigo. 

Entretanto quase todos os meus camaradas do Abrigo 7 se foram deitar, pois todos estávamos bastante cansados, mas eu ao ouvir todo aquele estranho ruído tinha um pressentimento de que as coisas ainda não tinham terminado nesse dia e então decidi ficar a pé e fazer companhia ao sentinela, até ver o que ia acontecer. 

Devo dizer que debaixo do bombardeamento que sofremos nessa tarde não sofremos o mais pequeno ferimento em ninguém, por isso tenho que acreditar que tínhamos Deus do nosso lado, até porque quando estávamos debaixo de fogo quase todos nós rezávamos uma oração, principalmente o terço a Nossa Senhora, eu sentia bem essa protecção a cada momento. São situações tão aflitivas e angustiantes, em que esperamos a morte a cada segundo que passa que, mesmo os não crentes se juntavam a quem rezava. 

Enquanto nessa noite de 7 de Janeiro de 1974, eu esperava pelo resto dos acontecimentos, o que fiz foi rezar mais uma oração a Deus Nosso Senhor, que nos protegesse a todos do que poderia ainda acontecer naquela noite, ainda por cima éramos tão poucos, com a deserção dos Africanos durante aquela tarde estavamos reduzidos a 29 no total. 

Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado,  com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!

E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo. 

Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo. 

Mas agora a coisa mudava de figura, ainda estavamos todos vivos e de saúde e por isso, como estavamos frente ao inimigo, apesar das armas de que dispunhamos continuarem a ser de capacidade inferior às deles e um número reduzido de munições, iríamos aplicar o melhor das nossas forças para lhe darmos resposta adequada e tentar defender a nossa posição e principalmente a nossa integridade física.





Esquisso de Copá, comas posições das NT e do PAIGC. Autor: António Rodrigues

Uma das primeiras coisas que fizemos a mando de um Furriel, foi lançar uma granada de bazuca do tipo iluminante, que na realidade por uns momentos ilumina tudo por onde passa, o que nos permitiu ver claramente a posição do inimigo e nos ajudou a cumprir a nossa missão com a maior objectividade possível.

Começamos então a disparar na direcção adequada dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além das metralhadoras Breda, HK-21 e G3, a luta era quase corpo a corpo e muito renhida e a secção que estava do lado norte, apoiada pelo blindado, este estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento, onde progrediu cerca de dez metros para dentro do arame e é aqui que o meu camarada Antunes, acompanhado do 1.º Cabo João Ribeiro, se enchem de coragem, pegam em meia dúzia de granadas de morteiro 60, saltam para fora da vala debaixo de fogo e atiram-nas todas, sobre-o blindado que tentava entrar e que o terá feito recuar, não sei se por acção dessas granadas que não teriam grande efeito sobre tal arma, mas o certo é que quem o comandava resolveu iniciar a retirada naquele momento, mas a confusão era enorme e não sabíamos bem o que se passava com o restante do nosso pessoal, a dado momento aproximou-se do nosso abrigo o Demba, (um soldado Africano do nosso exército que ia em fuga para o Senegal, era o ultimo deles a abandonar-nos) que nos disse que o Alferes Brás já estava preso e nós ficamos ainda mais baralhados e confusos e dissemos até uns para os outros, se calhar esta noite vamos ser feitos prisioneiros do PAIGC, mas felizmente o Alferes Brás ainda não estava preso (e nunca chegou a estar) confirmamos isso quando pouco depois ele gritou em voz alta como costumava fazer, perguntando lá do seu posto, “EI PESSOAL ESTÁ TUDO VIVO ?”

Era verdade, estavamos todos vivos e ninguém com a ajuda de Deus estava ferido, aguentamos o resto daquela hora infernal de tiros e granadas sobre as nossas cabeças, continuamos a defender-nos principalmente através de dilagramas e morteiro 81, este último teve papel importante nessa noite, cujo artilheiro o tirou do tripé (e cujo prato se partiu ao fim dos primeiros disparos) para o poder manobrar da melhor maneira (o próprio Alferes Manuel Brás ajudou a segurar no tubo já quente do morteiro com ajuda de uns panos para não queimar as mãos) e foi esse morteiro 81 que veio a causar os maiores problemas ao inimigo, que ao fim de 1 hora e 5 minutos, teve que retirar, possivelmente com alguns mortos. [3]

Em Copá ficavam enormes incêndios com tudo a arder em grandes chamas e nós os militares e população tinhamos vivido horas amargas e terríveis nesse dia e noite de 7 de Janeiro de 1974 que jamais eu poderei esquecer. 

O PAIGC, esse, não conseguiu os objectivos a que se tinha proposto, ao cortar-nos de manhã o abastecimento a Copá e ao atacar-nos à tarde em massa, o seu plano em parte tinha falhado. 

Era 1 hora e 15 minutos do dia 8 de Janeiro de 1974 quando o tiroteio acabou e pudemos então descansar um pouco. No dia seguinte de manhã, fomos passar reconhecimento fora do arame farpado e verificamos melhor o que na realidade tínhamos provocado ao inimigo, vimos a entrada que realmente o blindado abriu no arame farpado e numa das secções, junto ao poço de água da pista de aviação, teriam tombado pelo menos dois homens, visto que aí haviam duas postas de sangue separadas por um metro de distância e tinham colados alguns dos muitos invólucros das muitas munições que já tinham disparado (tinham o aspecto de uma Pisa).

A meio da distância entre os dois e cerca de um metro atrás, rebentou uma granada do nosso morteiro 81, o que com certeza terá ferido os homens daquela secção e eles tombaram sobre os invólucros que tinham à sua volta, mas encontramos ainda um carregador e caixas de munições da KALASHNIKOV, maços de tabaco e bonés, mas haviam mais sinais, o blindado que apoiava a artilharia lá mais atrás, tinha vindo socorrer os feridos de que atrás falei, mas como nós insistimos a fazer fogo com as nossas armas, mesmo sabendo que eles estavam em retirada, esse blindado não conseguiu chegar perto dos feridos, pelo que estes foram levados de rastos até ao carro, mas vendo-se atrapalhados não conseguiram meter os feridos logo no carro, pelo que este começou a retirar de marcha atrás sobre o mesmo rodado, enquanto o carreiro que os corpos de rastos marcavam continuava a par do rodado, até que conseguiram carregá-los. 

Entretanto durante todo esse fogo nenhum dos nossos homens ficou ferido,  graças a Deus. 

A todos os possíveis leitores do relato deste episódio da Guerra na Guiné, abraço com amizade e peço desculpa pela pobreza da minha escrita porque, de facto este não é o meu mister mas penso que me faço entender. 
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[1] O Soldado Rui Silveira Patrício era natural de Stª. Margarida – Conceição do Concelho da Covilhã (encontra-se sepultado no Cemitério Concelhio no talhão dos Combatentes) … O 1º. Cabo António Aguiar Ribeiro era natural de Orca, Concelho do Fundão (encontra-se sepultado no Cemitério de Martianas na freguesia natal) 

[2] Granadas de mão lançadas pela Espingarda Automática G3 com munição própria.

[3] Em 2009 soube por um jornalista que se deslocou em 2007 a Copá na Guiné e falou com ex-guerrilheiros, que lhes disseram que, nessa noite entre outros, lhes matamos o comandante da operação.

Foto 1 - Junto ao poço de Copá 

Foto 2 - Junto ao poço de Copá 

Foto 3 - Junto ao poço de Copá

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto da 1ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74)

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: