1. O
nosso Camarada António
Rodrigues, ex-Soldado
Condutor Auto Da 1ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda,
Bajocunda, Copá e Buruntuma, (a
minha 1.ª CCAV/Bcav8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá),
1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
COPÁ – FEVEREIRO
DE 1974
Como por esta altura do ano
passa mais um aniversário dos dolorosos dias que vivi em Copá, aqui vos deixo
mais algumas histórias do que lá se passou há 41 anos.
Entretanto,
nesses dias chegava ao comando do meu batalhão em Pirada, uma ordem emanada das
autoridades de Bissau para desactivar e abandonarmos Copá, pelo que, no dia 12
de Fevereiro de 1974 logo ao romper do dia chegava a Copá uma forte coluna
militar para nos evacuar.
Esta
coluna para ludibriar o PAIGC, teve que mudar o percurso entre Bajocunda e
Copá, pelo que em vez de ir como de costume pela zona perigosa de Massacunda e
que era o caminho mais curto, foi por uma picada raramente utilizada mais longe
10 km e
que passava pela localidade das Dingas, chegando a Copá ao amanhecer do dia 12
de Fevereiro de 1974, foi para nós uma grande alegria, vermos chegar os
camaradas que nos vinham libertar daquele lugar infernal que era Copá.
Chegada a
coluna a Copá, começamos a carregar nas viaturas as nossas principais coisas e
os sapadores de minas e armadilhas trataram de armadilhar os principais abrigos
com minas anti-pessoais, depois de carregarmos o que tínhamos a carregar,
saímos para fora de Copá e entretanto, tínhamos reunido todas as camas
amontoadas no abrigo das transmissões que era o mais forte, depois de estarmos
todos cá fora, esse abrigo e o seu conteúdo foi destruído por uma carga
explosiva de comando à distância e além disso, o vagomestre tinha incendiado
um bidão de azeite de 200
litros . Este é um ponto a lamentar, pois durante muito
tempo esse bidão lá permaneceu cheio, o esparguete e o arroz, em vez de azeite
eram feitos com manteiga, o azeite devido às circunstâncias, teve que ser
queimado.
Mas por
falar em cargas explosivas, veio-me à ideia um outro caso passado ainda em
Copá: em determinada altura, chegamos a montar fora do arame farpado alguns
fornilhos (cargas explosivas artesanais à base de gasolina, vidros e outros
objectos que fizessem o efeito de estilhaços) que seriam accionados à distância
do interior de Copá mas, a verdade é que, quando tivemos necessidade de
accionar esses fornilhos durante um ataque, os mecanismos não funcionaram e
qual não é o nosso espanto, quando no dia seguinte fomos ver qual a anomalia
que não deixou funcionar os fornilhos e, verificámos que os fios de ligação que
passavam despercebidos debaixo de terra, estavam todos cortados, impedindo
assim os fornilhos de explodir, isto tinha sido obra do IN, possivelmente
numa das noites em que nos destruiu a instalação eléctrica e ficamos às
escuras.
Partimos
então todos de novo na direcção das Dingas, caminhando a pé e fazendo segurança
às poucas viaturas que seguiam connosco, cerca do meia dia estávamos nas Dingas,
onde todos nos abastecemos de água num poço que praticamente esgotamos, quando
chegou a minha vez de encher o cantil, já só consegui metade lama e metade
água, mas a sede era imensa e tudo servia para a matar, ao ponto de ao beber,
sentir passar areia pela garganta. Felizmente não tínhamos ainda tido qualquer
problema, recomeçámos a andar, mas muito lentamente, devido a que os sapadores
iam na frente muito devagar com os detectores electrónicos de minas e
armadilhas, levámos assim quase toda a tarde para atingirmos a próxima povoação
que era Amedalai, onde chegamos à tardinha e aí esperavam-nos mais viaturas,
para nos transportar os últimos 5
km até Bajocunda, onde chegámos mesmo ao anoitecer.
Aí
chegados, graças a Deus sem qualquer problema, foi para nós pelotão de Copá uma
alegria enorme, reencontrarmos de novo os nossos camaradas, foi uma alegria tal
que, eu depois de chegar a Bajocunda, nem me lembrei sequer mais da minha
bagagem, depois de encontrar os meus amigos dirigi-me com eles ao Café Silva
existente em Bajocunda e para aí fui matar a fome e a sede, depois já noite
escura o meu amigo Albino da Silva Vasques levou-me com ele salvo erro para o
abrigo 9, onde dormi nessa noite e só de manhã quando acordei me lembrei
das minhas malas, das minhas coisas, que tinham sido descarregadas da Berliet
que as trouxe de Copá.
Levantei-me
e fui procurá-las ao local onde a Berliet tinha descarregado, encontrei
realmente o meu saco e a minha mala, mas a mala estava aberta e metade das
coisas que me pertenciam tinham desaparecido, nomeadamente, o estojo da barba
quase completo, possivelmente foi algum Africano que lá passou antes de eu lá
chegar e encontrei ainda uma série de coisas espalhadas pelo chão, recolhi tudo
o que pude e levei o que encontrei, mas não fiquei triste, porque a alegria de
ter chegado de novo a Bajocunda, suprimiu tudo isso.
Nesse
mesmo dia 13 de Fevereiro de manhã, foi-me destinada uma cama no abrigo 2,
onde passei a pertencer até ao fim, onde travei novas amizades, com novos
camaradas, nomeadamente, com os mecânicos Francisco e Campos.
Mas nesse
mesmo dia, todo o pessoal que tinha regressado de Copá, seguiu para Pirada,
inclusive eu, a fim de aí todos sermos vistos pelo médico do Batalhão, em
virtude do mau bocado porque tínhamos passado em Copá. Dessas
consultas resultou que o Banharia fosse mandado para Bissau, para uma consulta
externa, a qual lhe viria a facilitar o regresso quase imediato à metrópole,
por necessitar de tratamento psiquiátrico. O restante pessoal, tratava-se apenas
dumas diarreias ou umas dores de cabeça, que foram tratadas com umas injecções
ou uns comprimidos. Embora eu tenha de reconhecer que, todos nós saímos de Copá
traumatizados com toda aquela violência.
Neste dia
em que chegamos a Pirada, quando à hora do almoço entramos no refeitório,
apareceu-nos lá o nosso Comandante de Batalhão, o Coronel Jorge Matias, que
fez questão de abraçar os homens de Copá um por um e quando chegou a vez de
abraçar o Alferes Manuel Joaquim Brás, eu que estava a seu lado, tive a
oportunidade de ouvir as palavras emocionadas que ele lhe dirigiu, que foram as
seguintes: “Ó Brás tu trazes os teus homens todos vivos?” Eu tenho que te pedir
desculpa porque em Bolama te chamei básico e afinal és o oficial mais
operacional que tenho no Batalhão. (Por este motivo eu dizia, quando estive em
Bolama que mais tarde voltaria a falar deste 4.º Pelotão)
Neste dia
13 pelas 05.00 horas da manhã, um grupo de guerrilheiros do PAIGC (provavelmente
os mesmos que estariam emboscados no dia anterior em MANSACUNDA MAUNDE à espera de nos
atacar quando regressávamos de Copá) talvez sentindo-se enganados, porque lhe
trocamos as voltas optando pelo percurso um pouco mais longo e que passava
pelas DINGAS, dirigiu-se à DINGA BANTANGUEL e penso que, como represália por a
população não nos ter denunciado, queimou cerca de 50 Tabancas, grande
quantidade de milho e alguma mancarra, tendo retirado depois novamente na
direcção de MANSACUNDA MAUNDE, deixando ainda o gado todo tresmalhado nas
matas, mas a população não foi molestada.
Logo no
dia seguinte, 14 de Fevereiro de 1974, depois do almoço, o comandante de
Batalhão Coronel Jorge Matias mandou formar na Parada do quartel de Pirada a
3.ª Companhia, bem como o pelotão de Copá em frente uma do outro e a seguir fez
um discurso emocionado de homenagem aos homens de Copá, durante o qual nos
explicou os esforços que tinha feito durante as horas dramáticas de Copá para
nos socorrer com reforços e outros auxílios, nomeadamente, na noite de 7 para 8
de Janeiro de 1974, que culminou com a chegada a Copá no fim da tarde do dia 8
de um pelotão de Pára-quedistas. Dizia-nos isto ao mesmo tempo que dizia que,
nesses momentos rezava a Deus por nós, dizia-o com tal emoção que as lágrimas
lhe chegaram a correr pela cara, findo o discurso fez desfilar em continência
para nós a 3.ª Companhia, o que também nos emocionou um pouco. Foi-nos ainda
dado conhecimento de nova mensagem de S. Exa. o Comandante-Chefe que, citando a
guarnição de Copá, enalteceu o relevante comportamento da mesma. A culminar
esta cerimónia foi-nos dado um louvor colectivo que saiu à ordem com o nome de
cada um de nós, falava-se ainda que teríamos um mês de férias na metrópole, o
que não veio a concretizar-se, porque passados cerca de dois meses e pouco veio
a dar-se a revolução de 25 de Abril.
Foto 1 - Com
guerrilheiros do PAIGC junto ao pontão de Tabassai, Pirada
Foto 2 - No
regresso de Copá a Pirada, reencontro com um amigo
Foto 3 - Pirada,
14 de Fevereiro de 1974, 4.º Grupo de Combate
Foto 4 - Pirada,
14 de Fevereiro de 1974, Homenagem aos Homens da Companhia
Foto 5 - Pirada,
14 de Fevereiro de 1974, Coronel Jorge Matias
Foto 6 - Passeando
em Copá, Dezembro de 1973
Um abraço,
António
Rodrigues
Sold Cond Auto do
BCAV 8323
Mini-guião: © Colecção de
Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último
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6 comentários:
Caro António Rodrigues:
Gosto e poucos ou nenhuns deixarão de gostar. Não é um texto doutrinário ou panfletário. Não se vislumbra nele o mais pequeno sinal na defesa de qualquer tese - apenas a narração dos factos.
Mesmo assim podemos (posso, quero)fazer uma leitura: não eram só os 3 Gs e a emergência dos Strella em 1973, era Canquelifá e Copá e os episódios que viriam a seguir, não fosse a tomada de juízo por parte de alguns militares que nos trouxeram o 25 de Abril.
Um abração.
Carvalho de Mampatá
Por muitos erros que possam ter sido cometidos com o 25 de Abril, digo muitas vezes que, a mim e a quantos nos encontrava-mos na Guiné naquela altura, nos tirou a todos do inferno.
António Rodrigues
Caro camarada António Rodrigues, caros camaradas e amigos
Não foi sem alguma emoção que li mais esta narrativa dos fatos ocorridos em Copá em 1974. Para além de testemunharem a capacidade de resistência e bravura dos militares que aí estiveram desterrados, evidenciam também as enormes dificuldades que as NT aí encontravam para controlarem a zona e defrontarem o IN.
Se o PAIGC na sua ação de propaganda mentia quando evocava as suas vastas áreas libertadas, temos que reconhecer que aquela região de nordeste, estava muito longe de estar sob o control das NT.
Uma coluna militar entre Bajocunda e Copá, de cerca de 12Km, tornava-se impraticável. Uma curva a 5Km de Copá (Massacuda) tornava-se passagem proibida.
O que estávamos a fazer dentro dos aquartelamentos? à espera que chovessem morteiradas? Claro, esperávamos que o tempo passasse e que não acontecesse nada.
Eramos 40.000 com essa atitude, esperar que o tempo passasse e saíssemos sãos e salvos daquele inferno. Os nossos oponentes lutavam por uma causa que sentiam. Isto explica o que aconteceu depois, para o bem e para o mal.
E fico-me por aqui.
Um forte abraço para todos.
JLFernandes
A título de informação: na foto Nº. 5 em primeiro plano à civil de calção branco está o famoso MÁRIO SOARES de Pirada.
António Rodrigues
Camarada:
Lamento que na tua crónica,atrás referida, omitisses o papel, menos importante, do Pel.Caç.Nat.65.Só hoje, dia 11 de Julho, resolvi reviver momentos passados na Guiné, uns bons
outros menos bons. COPÁ. Ora bem. Se te lembras quando o Fiat foi atingido,eu estava presente, ex.fur.rocha., e em contacto com o AVP 1, com os caças. O que foi atingido falou com o outro piloto para não picar. mas ele picou e foi atingido. Vi a explosão e vi o piloto com o para quedas aberto. A exemplo de vocês, tanbem o meu pelotão foi passar uns dias de férias a PIRADA.
Já Agora, o churrasco que vocês comeram em COPA, com o grupo do Marcelino e Para quedistas, devem-no a mim, pois fui eu que matei a vaca, que por sinal estava prenha. E, lembro que quando viemos embora de Copa fomos jogar matraquilhos ao Silva.Um abraço. Rocha
Caro camarada Rocha!
Lembro-me perfeitamente de ti que, eras Furriel do Pel. Caç. Nat. 65 e do teu Alferes "salvo erro Louro".
Tanto quanto me recordo, na tarde e noite de 7-01-74, os elementos Africanos desse Pel. caç. Nat.65, desertaram ou fugiram todos, ( Já depois do 25 de Abril numa das barragens feitas pelo PAIGC a uma das nossas colunas, na Zona de Tabassai entre Bajocunda e Pirada, um dos elementos que me fez paragem era exactamente um desses desertores) embora muitos deles reaparecessem mais tarde em Bajocunda, a verdade é que, a partir de 7-01-74 até 12-02-74 data em que saímos de Copá, nunca mais vi nenhum elemento Africano do vosso Pelotão:, só ficaste tu e o Alferes.
Na foto que tiramos em Pirada, durante a homenagem que nos foi prestada pelo Comandante do BCAV/8323, creio que estás tu e o Alferes Louro mas, não está lá nenhum elemento africano nem constam os seus nomes na lista do louvor precisamente porque, julgo eu terem fugido, daí eu não os ter referenciado nestas minhas memórias.
Caro Camarada Rocha, foi para mim um prazer encontrar-te por aqui e segundo me recordo na altura vivias aqui na zona do Porto, eu também vivo à muitos anos aqui na zona das antas, se um dia quiseres aparecer teria muito gosto em conversar contigo e dar-te um abraço.
Votos de boa saúde para ti e um forte abraço deste camarada que não esquece os difíceis dias que ambos vivemos em Copá.
António Rodrigues Ex Condutor Auto da 1ª. CCAV/ BCAV 8323 destacado em Copá.
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