segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14235: Notas de leitura (680): "Os Princípios do Pan-africanismo", por Charles Olapido Akinde e “Os Condenados da Terra”, por Frantz Fanon (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
Os movimentos de libertação tiveram subjacente ideologias bem mais variadas do que o comunismo, ao contrário do que se escrevia nas cartilhas que tivemos na instrução militar. Primeiro, o pan-africanismo já era conhecido em Lisboa nos anos 1940 e 1950, os futuros chefes de guerrilha leram-nos em edições clandestinas. O pan-africanismo está praticamente extinto, é uma recordação para estudos académicos. O mesmo não se diz de Frantz Fanon, cujos “Os Condenados da Terra” continuam a inspirar quem estuda as guerras de libertação, o colonialismo e o neocolonialismo a partir do seu olhar na guerra da Argélia. Amílcar Cabral concordava e discordava de Fanon.
Mais adiante dir-se-á porquê.

Um abraço do
Mário


Os princípios do pan-africanismo e Frantz Fanon (1)

Beja Santos

A ideologia de Charles Olapido Akinde

Os libelos anticoloniais tiveram um itinerário diferente da defesa do pan-africanismo, os primeiros surgiram nos EUA e expandiram-se pela Europa e pela África, no pós-guerra. Em “Malhas que os Impérios Tecem”, de Manuela Ribeiro Sanches, de que aqui já se fez recensão, descreve-se todo este historial que irá desaguar nos tempos da descolonização da Ásia e da África. O pan-africanismo teve, de um modo geral, defensores radicais, ideários utópicos de uma unidade africana irrestrita, sempre a demolir o imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo.

“Os Princípios do Pan-Africanismo”, do escritor e advogado nigeriano Charles Olapido Akinde é uma dessas manifestações de radicalismo, é um texto altamente panfletário cujo conteúdo, para quem estuda África, não se pode ignorar. Olapido Akinde revela uma preocupação centralizada no neocolonialismo e procura abrir caminho a uma unidade africana de caráter incendiário. É demolidor na apreciação que faz à generalidade das classes políticas africanas: “Muitos dos intelectuais africanos foram instruídos e treinados no âmbito de um contexto onde os valores básicos foram herdados dos sistemas coloniais e que se encontram atualmente adaptados aos princípios do neocolonialismo (…) Muitos africanos encontram-se incapacitados de poderem analisar a relação e o jogo existentes entre a teoria prática. Não admira por isso que seja impossível agrupar todos os africanos de uma só filosofia. Muitas teorias reacionárias procuram modelar o modo de pensar dos africanos, tentando que se acredite que os agentes do imperialismo também são oprimidos pelo neocolonialismo”.

O escritor nigeriano sublinha que a maior parte da população africana é oprimida pelas minorias que possuem o poder económico e político nos diferentes países africanos. Impõe-se analisar as classes em que se movem esses detentores do poder, é o único modo de levar por diante o espírito pan-africanista, que é contra o paternalismo e essas lideranças políticas monitoradas pelos agentes do imperialismo. Olapido Akinde fala no pan-africanismo revolucionário, a única forma de denunciar e rejeitar os líderes burgueses acorrentados aos centros do imperialismo. O pan-africanismo precisa de uma ideologia bem definida e diz perentoriamente que devem ser recusadas todas as tentativas destinadas a perpetuar a dominação da economia africana pelos monopólios e os seus agentes fantoches em África.

As independências políticas africanas revelavam uma quebra no velho ardor revolucionário, deixando as massas na ignorância e no conformismo. Lembra os revolucionários que foram assassinados ou morreram na luta, caso de Ben Barka, Frantz Fanon e Malcom X. Considera que desde 1960 não foi dado nenhum passo efetivo para incluir o proletariado no combate à opressão neocolonial, pelo contrário os novos dirigentes sentem-se conformados com as divisões entre nações, aparecem comprometidos com pactos militares com as potências imperialistas. É também severo sobre a exigência de se encontrar uma língua franca (idioma comum) para África, é incompatível com a filologia e a variedade culturas das línguas nativas.

A seguir, resume os princípios do pan-africanismo, teria começado com o comércio da escravatura transatlântica e toda a opressão subsequente a ideia pan-africana desabrochou no início do século XX quando os negros norte-americanos e das Caraíbas se interrogaram sobre as suas origens e apelaram à solidariedade com os outros escravos, do outro lado do Atlântico. Analisa metodicamente a nova era do pan-africanismo, considerando-a a expressão mais alta do nacionalismo africano, nega que haja subjacente ao fenómeno uma ideologia racista, é simplesmente contra o racismo dos exploradores, brancos e pretos.

De uma forma rudimentar, faz a apologia do movimento pan-africanista no contexto de todo o mundo socialista, para ele é inquestionável que este movimento é uma parte integrante do movimento anti-imperialista à escala mundial. E volta a zurzir na burguesia das cliques africanas que considera reacionárias e oportunistas. E só dentro destes valores é que poderá vir a realizar-se uma descolonização efetiva e tratar com respeito as diferentes etnias que foram retalhadas pelos Estados colonialistas. Dirá mesmo: “Qualquer Estado e de qualquer tamanho compõe-se, pelo menos, de 4 nacionalidades. Para dar um exemplo, os Mandingas, cuja população se eleva a vários milhões, encontram-se atualmente no Senegal, Mali, Costa do Marfim, Gâmbia, Guiné-Conacri, Serra Leoa, Guiné-Bissau e Libéria. O povo Hausa encontra-se espalhado pela Nigéria, Camarões, Níger e Tchade. Os Yorubas no Níger e Daomé”. E lança a seguinte palavra de ordem: “Todos os pan-africanistas devem reconhecer o direito das nações à autodeterminação, para nos dar as bases para a união livre dos nossos povos”. A ideologia e o apostolado do pan-africanismo praticamente que desapareceu.


“Os Condenados da Terra”, por Frantz Fanon

Médico e escritor natural da Martinica, Fanon publica em 1961, na conceituada editora Maspero “Os Condenados da Terra”, houve tradução em português, apreendida. Jean-Paul Sartre prefaciou e elogiou o poderoso libelo: “Europeus, abram este livro, penetrem nele. Depois de alguns passos na noite, encontrarão alguns seres estranhos em redor do fogo, aproximem-se e escutem: discutem o destino que reservam às vossas feitorias, aos mercenários que as defendem. Eles darão conta da vossa presença, mas continuarão a falar entre si, sem sequer baixar o tom de voz. Essa indiferença fere muito fundo: os vossos pais, sombras escuras, vossas sombras, eram almas mortas, ofereciam-lhe a vida, não falavam senão a vocês e ninguém se ocupava em responder a esses zombies”.

Para Sartre, o europeu já está derrotado, as propostas de Fanon serão alcançadas. A opressão do colono foi milenária, os opressores sabem tudo sobre nós: “Sabem que somos exploradores. Sabem que nos apoderámos do ouro, dos metais e do petróleo para os conduzir às velhas metrópoles. Não sem excelentes resultados: palácios, catedrais, capitais industriais; e quando a crise ameaçava, aí estavam os mercados coloniais para a abrandar ou desviar”.

Fanon explica a violência inerente à descolonização, que se propõe mudar a ordem do mundo, trás consigo a exigência de uma entrega completa da situação colonial. E disseca a relação entre colonizador e colonizado e as respetivas geografias: mundo colonial é um mundo compartimentado entre indígenas e europeus, o porta-voz do colono é o polícia e o soldado (…) A zona habitada pelos colonizados não é complementar pela zona habitada pelos colonos. Essas duas zonas opõem-se. A cidade do colono é uma cidade sólida, toda de pedra e ferro. A cidade do colono é uma cidade farta. A cidade indígena, a cidade negra, o bairro árabe, é um lugar de má fama. Ali, nasce-se em qualquer lado, morre-se em qualquer parte, é um mundo sem intervalos. A cidade do colonizado é uma cidade esfomeada, agachada, de joelhos, a chafurdar.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14224: Notas de leitura (679): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (6): A Terceira Geração d'Os Coelhos (2)

8 comentários:

antonio graça de abreu disse...


Tudo datado e fora do tempo. Ingénuas almas revolucionárias. Franz Fanon, Jean Paul Sartre que até foi maoista (como eu!)e recusou um Prémio Nobel. Sartre casado com
a excelente Simone de Beauvoir que escreveu um livro (hoje) ridículo, cómico, depois de uma viagem à China com o marido, paga, com todas as mordomias, pelos comunistas chineses, em 1955. Chama-se "La Longue Marche,
essai sur la Chine", Paris, Gallimard, dezanove edições até 1957. Recomendo a leitura para comprovarmos como esta ilustre gente de esquerda caucionava então, sem nenhum pudor, uma avassaladora ditadura comunista de direita.
O que é que isto tem a ver com a Guiné? Tudo.

Não é a Guiné, ou as justas lutas de libertação(?) dos povos africanos que estão em causa, é toda uma construção de ideologias e entendimentos dos homens e do mundo. Brilhantes, mas foscas, desmentidas pelas realidades e pelo avançar dos anos.
África, o mundo, o bicho homem, tudo é bem mais complexo.
Uma lágrima pelo nosso passado e pelos dias que agora vivemos, o presente da humanidade.

Abraço,

António Graça de Abreu

Antº Rosinha disse...

A cultura anti-colonialista internacional, que a Guiné-Bissau sofreu com a influência das centenas (ou milhares) de ONG´s e OG´s desde 1963 até 2015=55 anos, equivale aos 500 anos em que Portugal "tropeçou" como os ingleses ridicularizam os descobrimentos portugueses, naquela antiga colónia.

Essa cultura anti-colonialista, anti-lusa, "um país tão atrazado como Portugal", deixou a actual geração de guineenses muito divididos quanto aos "afectos".

No Brasil, após todos estes anos de independência, constantemente discutem na TV o azar da colonização portuga.

(Se fosse espanhola...se fosse francesa...se fosse holandesa and so on)

Não esquecer que as influências mundiais, principalmente norte-americanas naquele país baralharam a cabecinha daquela gente.

Pessoalmente, penso que desde que digam tudo em português, está tudo numa boa!

Hélder Valério disse...

"Tudo datado e fora de tempo".... António Graça de Abreu dixit.
E pronto, sentenciou e 'arrumou' a questão.
Não vale a pena ler "Os Lusíadas"... 'estão datados e fora de tempo'.

E a questão de se saber se as raízes dos problemas para os quais essas soluções foram equacionadas (bem? mal?, hoje pode-se ter opinião mais abalizada, na medida em que, como no futebol, estes prognósticos' depois dos jogos são sempre mais acertados e às vezes, nem isso!) foram resolvidos?
E não deviam ter evolução?
E não deviam tentar mudar as suas realidades?
Deviam estar sempre agradecidos aos 'protectores'?
Quanto às lágrimas pelo passado, dispenso. Se tiver lágrimas para verter é pelo nosso futuro!

Hélder S.

Hélder Valério disse...

Caro A. Rosinha

Não tenho ideia de nos anos 60 haver assim tantas ONG's e OG's a 'colaborarem' por aí, incluindo a Guiné. E até me atrevia a dizer 'principalmente a Guiné', na medida em que até 74 o 'clima' era muito adverso e até hostil a solidariedades dessas...

Por outro lado, reconheço que é já proverbial a tentação brasileira, principalmente de algumas das suas elites 'norte-americanizadas' de 'repudiarem' a origem portuguesa e suspirarem por 'outros colonizadores'. Na verdade, pouco secretamente, o que esses biltres querem mesmo é ser 'colonizados' e para um bom lacaio nada melhor que um 'patrão rico'.

Essa 'choradeira' é reveladora da incapacidade de assumirem protagonismo. Faz-me lembrar alguns 'choramingas caseiros' que passam a vida a lamentar o 'centralismo de Lisboa' em vez de fazerem coisas e valorizarem o que têm.

Também como referes, desde que vão utilizando e desenvolvendo o português "está tudo numa boa".

Hélder S.

antonio graça de abreu disse...

Meu caro Hélder

Essa de colocar no mesmo pé os escritos do Franz Fanon, do Jean Paul Sartre e o nosso Camões, com "Os Lusíadas", é de mestre!
E lágrimas pelo futuro também não entendo, só sei (pouco e mal) alguma coisa sobre o passado, vivo
o presente, ao alinhar este comentário, o futuro, o dia de amanhã nunca ninguém o viu.
Mas se calhar tu ainda acreditas nos "amanhãs que cantam". Como demoram a chegar, vai uma lagriminha ao canto do olho.

Desculpa a leve ironia, tenho por ti, admiração e imenso respeito.

Abração,

António Graça de Abreu

Antº Rosinha disse...

Ó amigo Helder, não havia ONGs e OGs a colaborar com os Movimentos nos anos 60?

Desde Lisboa até ao Estreito de Bering, e desde o Alasca até Sidney, não havia lugar em que não houvesse um partido das chamadas esquerdas até aos não alinhados e as igrejas diversas que não tivessem um organismo para dar uma ajudinha para armas, logística para os dirigentes deambularem pela ONU, Londres, Moscovo etc. e que a partir de 1974 desembocaram todos de armas e bagagens em Bissau.

E todos em uníssono, ao lado de muitos idos aqui da Portela de Sacavem, a ensinar "estes coitados" aquilo que em 500 anos ninguém lhe ensinou.

Eu também fui daqui da Portela para Bissau, e, Helder, como as pessoas gostam de "ajudar" a quem está por baixo!

Helder, a troica não é uma ONG?

JD disse...

"...desmentidas pelas realidades e pelo avançar dos anos".
De facto podemos entender hoje quanta perversão continham as ideologias que entusiasmaram as juventudes, tanto no sentido contestatário dos regimes onde se integravam, como nos entusiasmos manifestados sobre palavras de ordem que impulsionavam hordas incultas sem capacidade para gerir nações, prontas a ficar à mercê dos grandes interesses, e a substituir um colonizador por outro, quiçá mais brutal, mas invisível, porque ausente.
O que me parece é que todas essas estórias, são pedaços da história, da qual fazem parte indissociavel. Para se fazer uma interpretação histórica, não a devemos amputar de trechos de que perdemos a simpatia (entusiasmo), ou nos deixam a sensação do engano.
JD

Anónimo disse...

> a AGA, e a JD: concordo.

(JCAS)