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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26211: S(C)em Comentários (53): O drama dos felupes, que estão a perder o seu chão e a sua identidade, afetados pelas alterações climáticas (Cherno Baldé)... E que agora perderam uma grande amiga, a antropólogia Lúcia Bayan , falecida no passado dia 26

1. A propósito do drama dos felupes, os primeiros refugiados ecológicos da Guiné-Bissau, vítimas das alterações climáticas, e da morte,  inesperada, da sua amiga portuguesa, a antropóloga Lúcia Bayan (*), vamos repescar este comentário do nosso Cherno Baldé (**):

A minha primeira visita ao Chão Felupe foi em maio de 1997, por ocasião do dia internacional dos trabalhadores, tendo feito o percurso de Bissau - Varela, passando por S. Domingos. 

Nessa ocasião constatei que, contrariamente ao que acontece no Chão Fula (Zona Leste), os Felupes e seus irmãos Baiotes, não tinham aldeias plantadas junto da estrada principal que atravessava o seu Chão,  indo de S. Domingos para Varela, preferindo ficar afastados, em zonas escondidas e de difícil acesso,  facto que, também, tinha verificado no Chão Balanta,  logo após o fim da guerra colonial e em Biombo nos anos 80 quando trabalhei como professor nesta região do litoral guineense.

A conclusão lógica a que cheguei, na altura,  é que, sendo povos indígenas de longa data,tendo sofrido várias invasões e agressões de povos conquistadores vindos do interior do continente, como nos explica o Amílcar  Cabral no livro sobre a história da Guiné e as Ilhas de Cabo-Verde (PAIGC 1974), estes povos foram obrigados, cada vez mais, a se refugiar e adaptar-se em zonas muito inóspitas e de difícil acesso como foi o caso dos Nalus que foram habitar as ilhas e zonas baixas de Cubucaré e Quitáfine, ou o caso extremo dos Bijagós que vivem no arquipélado de mesmo nome. 

No caso dos Felupes e Baiotes esta localização geográfica teria sido muito importante durante o periodo da ocupação colonial, já que lhes permitia oferecer uma notável resistência e prática da guerrilha num espaço reduzido mas semeado de obstáculos naturais.

Mas, vivendo o pais hoje num contexto de completa liberdade, onde se desenvolve pouco a pouco uma interação e concorrência apertada com as outras regiões e grupos étnicos em diferentes domínios da vida social e económica, estes povos fazem a constatação lógica e normal das dificuldades e desvantagens da sua inadequada situação habitacional, para a qual procuram encontrar uma saída razoável para viver e expandir-se como os outros povos,  seus vizinhos. 

As mudanças climáticas vêm juntar-se e complicar ainda mais esta situação que já em si era insustentável há muito tempo, pelo menos desde que a monocultura de caju se tornou no principal produto de renda e de subsistência social e económica. 

De resto, os conflitos sobre a posse da terra são extensivos ao resto do país e nos diferentes Chãos tradicionais sem deixar de lado outros problemas transversais como o género e os direitos humanos, hoje muito em voga nos países do terceiro mundo.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

2020 jan 16 12:17 (***)

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(***) Último poste da série > 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26127: S(C)em Comentários (52): General António Spínola 'versus' general Bettencourt Rodrigues (Morais da Silva, cor art ref, e 'capitão de Abril')

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23929: Fotos à procura de uma legenda (167): "Apanhado" na Guiné, "apanhado" no PREC, "apanhado" por viver 287 km dentro (!) do Círculo Polar Ártico!... (J. Belo, Suécia)

Um aquário decorado com corais e cornos de rena... e temperatura amena, (24,9º)... Coisas do nosso J. Belo (que está vivo e recomenda-se, embora irremediavelmente "apanhado do clima")




1. Mensagem de Joseph Belo:

Data - quinta, 29/12/2022, 17:46

Assunto - Os "apanhados" do blogue com votos de Bom Ano Novo

“Apanhado” na Guiné,” Apanhado” no PREC,” Apanhado” por viver há 44 anos a 287 quilómetros dentro (!) do Círculo Polar Árctico!

(Obviamente que o aquário é decorado com… cornos de rena!!!!.)

Um abraço, 
J. Belo


2. Comentário do editor LG:

Dizia-se dos gajos, no meu tempo, chegavam da Guiné, que vinham "apanhados do clima"... Eu, que ainda estava do lado de cá do cais de embarque, em vésperas de partir no "Niassa" (em 24/5/1969) só depois é que me dei conta que os portugueses, em matéria linguística, são um povo criativo...

Mas os lexicógrafos, os dicionaristas, os especialistas de língua (e dedo),  vêm-se em papos de aranha para acompanhar o ritmo de produção das "frases feitas"... Esta é uma delas, "Apanhado do clima"... Mas já em 20/2/1998, o especialista do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, José Neves Henriques, lá tentava em vão satisfazer a curiosidade de uma consulente sobre a origem da expressão "anda tudo apanhado do clima".

(...) "Estamos em presença duma frase feita que anda por aí. É muito difícil saber a origem de frases e de diversas expressões desta natureza. Às vezes têm origem na representação de tal ou tal obra de teatro, fita cinematográfica, etc., como é o caso desta, que já pouco se ouve: Não tens planta nenhuma. Dos dicionários que tratam especificamente destas coisas, nenhum regista a frase apresentada pela nossa consulente. E mesmo que registasse, como saber a origem?

Orlando Neves publicou um «Dicionário das Origens das Frases Feitas». Elas são tantas, tantas!... São milhares. Pois o autor só conseguiu dar a origem dumas trezentas e tal. É muito difícil. Não conheço quem informe do que deseja saber.

José Neves Henriques  20 fev. 1998" (...)

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/anda-tudo-apanhado-do-clima/1878 [consultado em 30-12-2022]

Já o termo "apanhado" consta do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:

a·pa·nha·do
(particípio de apanhar)

adjectivo

1. Que se apanhou.

2. Tacanho, mesquinho, estreito.

3. [Portugal, Informal] Que não é bom da cabeça ou age de modo insensato (ex.: é um casal simpático mas um bocado apanhado). = PIRADO

4. [Portugal, Informal] Que está dominado por sentimento de grande paixão (ex.: ficou logo apanhada pelo amigo do irmão; o tipo é completamente apanhado por futebol). = APAIXONADO
nome masculino

5. Resumo.

6. Refego, prega.

7. [Cinema, Televisão] Filmagem, geralmente feita com câmara escondida, onde os participantes são surpreendidos com situações cómicas, constrangedoras, provocatórias ou insólitas.

"apanhado", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/apanhado [consultado em 30-12-2022].

Cá no blogue, em mais de 5 mil descritores, "tags" ou marcadores", também temos a frase feita" "apanhados do clima"... Vinte e cinco referências pelo menos, embora ainda não tenha arriscado uma definição. 

... Apesar de tudo, ninguém nos ligou nada. Tanto gritámos estes anos todos que estávamos "apanhados do clima", que aconteceu o que aconteceu com a história do rapaz e do lobo... Os gajos da aldeia cansaram-se, preferiram tratar da vidinha de cada um e que se lixe as ovelhas do rapaz!... E pior: o presidente da junta, que é do partido dos animais, até deu uma medalha de mérito ao lobo... que zela pela biodiversidade e pela liberdade de presas e predadores lá nos baldios.... O sacana do rapaz é que era "apanhado do clima", coitado... Pode ser que melhore com as alterações climáticas que toda a gente, há anos, grita que aí vêm... Mas o presidente da junta não ouve, usa aparelho...
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Nota do editor:

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23883: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (32): Viagem a Bolama, 25-27 de novembro de 2022


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau > 25 de novembro de 2022 > 09:52 > Canoa nhominca
que faz a viagem até Bolama


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau > 25 de novembro de 2022 > 09:52 > 
Cais de Pindjiguiti


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bolama > 26 de novembro de 2022 >07:17 > 
Nascer do sol


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bolama > 26 de novembro de 2022 >07:17 > Prodepa, ONG (Projecto de Desenvolvimento da Pesca Artesanal)


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bolama > 26 de novembro de 2022 >07:33> Casa de sobrado... Aqui viveu o comandante Alpoim Calvão, enquanto empresário.


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Bolama > 26 de novembro de 2022 >09:33> 
Igreja católica


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Bolama > 26 de novembro de 2022 >09:36> 
Largo e coreto


Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Bolama > 27 de novembro de 2022 >18:17> 
Porto


Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Bolama > 27 de novembro de 2022 >18:22 > 
Cais

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem 130 referências no blogue: autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau" (*):

Data - 1/12/2022, 12:30

Assunto - Bom dia desde Bissau: fotos de Bolama (**)

Luís,

Envio umas fotos tiradas em finais de dezembro nos meus passeios, desta vez passeio de uma semana em Bolama.

E como quando se visita Bolama, fica-nos a vontade tirar fotografias (ao museu de arquitetura Colonial Portuguesa).  Aqui vão mais umas fotos depois da época das chuvas.

Bolama é bonita. Estas fotos, foram tiradas desde o porto cais Pindijiguiti em Bissau, até ao cais de Bolama e ao transporte público marítimo existente, que são as canoas nhominca.

A viagem correu dentro do normal, os motores só avariaram uma vez meia hora, no meio do marão …

Como este ano, choveu até novembro, está tudo ainda muito verde e bonito, nesta época já devia estar frio (+- 18º de madrugada no litoral e interior pode chegar aos 12º=, não está a acontecer, as alterações climáticas não deixam, e os grilos não aparecem.

Junto fotos: porto de canoas em Bissau, porto de Bolama, nascer do sol em Bolama, igreja católica de Bolama, pelourinho no jardim, casa de sobrado (onde viveu os últimos anos o comandante Alpoim Calvão, ainda não caiu). Todas as fotos têm legenda.

Bolama, tem neste momento algumas centenas de alunos a estudar na Escola Superior de Educação de formação para professores. Como na sua maioria não são de Bolama, toda esta juventude dá muita vida à cidade.

Abraço,
Patricio Ribeiro 
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Notas do editor;

(*) Vd. poste de 12 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5099: História de vida (24): Patrício Ribeiro, 62 anos, "filho da escola", ex-grumete fuzileiro, empresário, a trabalhar e a viver na Guiné-Bissau desde 1984. apanhado do clima...

(...) (i) Nasci nas margens do Rio Vouga, centro do mundo, sou vizinho do D. Duarte Lemos, frequentei a Escola Industrial de Águeda;

(ii) fui Fuzileiro (Gr FZ) [, portanto "filho da escola"];

(iii) passei por Bissalanca em 1969, estava muito calor... omo não tinha roupa apropriada (tinha deixado o camuflado em Vale do Zebro, na escola de Fuzileiros), mandaram-me seguir para Luanda…

(iv) ao fim de uns anos, deixaram-me ir para casa, em Luanda, em 1972...

(v) por lá fiquei até ao último avião, da ponte aérea para Lisboa… enfim, outras guerras.

(v) a minha família viveu dezenas de anos no Huambo (antiga Nova Lisboa): pai, mãe e irmãos, etc.

(vi) minha mulher é natural do Huambo;

(vi) por questões profissionais, em 1984 fui para Bissau, gostei, fiquei…+agam-me para fazer coisas que gosto, em locais de difícil acesso, e porque é uma aventura permanente… já não sei viver sem ela! (...)

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23807: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (30): Ilhotas no rio Cacheu, entre a tabanca de Elia e Susana, vistas pelo drone da doutoranda em agronomia Sofia Conde, da Universidade de Lisboa

 



Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Rio Cacheu > Fotos tiradas com um drone, pela doutoranda em agronomia Sofia Conde, engenheira agrónoma, Universidade de Lisboa, Forest Research Centre (CEF)

Fotos (e legendas): © Sofia Conde / Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. M
ensagem do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem cerca de 130 referências no blogue: autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau"


Data - 20/11/2022, 16:33

Assunto - Fotos do Cacheu

Luís, bom dia desde Bissau.

Junto umas fotos, tiradas pela Sofia Conde no seu drone... nos seus trabalhos de doutoramento em  agronomia, e que lhe solicitei para partilhar.

São de lugares muito bonitos que existem no Norte da Guiné, entre a tabanca de Elia e Susana (vd. carta de Susana, 1955, escala 1/50 mil) (**)

Pequenas ilhas cercadas por água salgada do rio Cacheu, onde existem casas. Na tabanca de Elia, há poucos anos foram contruídas habitações para ecoturismo. Algumas ainda existem, como documentam as fotos.

Abraço

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau, Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
URL; www.imparbissau.com
Email: impar_bissau@hotmail.com



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Susana (1955) > Escala: 1/50 mil > Posição relativa de Susana, Arame, Elia e Jobel (**).

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)

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Notas do editor:

(**) 15 de janeiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20560: Antropologia (35): Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)

Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas

Por Lúcia Bayan

[Omitem-se as fotos,  numeradas de 1 a 6]


Djobel (...) é uma pequena tabanca baiote situada no noroeste da Guiné-Bissau, no sector de São Domingos, região de Cacheu. Os Baiote são, como os Felupe, um subgrupo Joola. Em tempos idos, os Baiote desceram do Senegal e conquistaram aos Felupe o seu chão actual, entre Suzana e São Domingos. A última batalha foi travada entre Arame, tabanca baiote, e Suzana, a principal tabanca felupe. Arame venceu e ficou com as bolanhas de Suzana, situadas entre as duas tabancas. Uma pequena ponte à entrada de Suzana marca a fronteira entre os dois grupos: Felupes a oeste e Baiotes a leste.

Djobel, a quem os Felupe chamam Nhabane, está situada a sul de Arame e de Elia, muito próxima desta, e é uma tabanca muito diferente das tabancas baiote e felupe. Instalada no meio dos mangais e da água (Foto 1), na maré alta, as casas parecem palafitas e só na maré baixa se percebe que estão situadas em pequenos montículos rodeados de lama.

O acesso a Djobel só é possível de barco e na maré alta. Para quem chega a tabanca é lindíssima, mas a sua beleza esconde um tipo de vida muito duro. Não há água potável, apenas a captada em depósitos na época da chuva (Foto 2) e a que as mulheres vão buscar de canoa a Elia (Foto 3). Sair ou entrar em casa, ir ao mercado, trabalhar, à escola, buscar água, visitar o vizinho ou obter ajuda, tudo depende das marés.

Em condições tão adversas a vida em Djobel só é possível devido à enorme mestria dos Joola na construção de diques. E é também em Djobel que melhor se pode observar esta técnica, pois os habitantes desta tabanca, além de construírem diques para os arrozais, as bolanhas, também utilizam diques para defender os pequenos montículos ou ilhas da subida da água (Foto 4), impedindo assim que chegue às casas, e para a comunicação entre as ilhas, como pode ser visto na imagem retirada do Google (Foto 1).

A construção destes diques envolve toda a população da tabanca. Todos os adultos contribuem para a compra dos materiais necessários, como kirintis, placas de entrelaçado de tiras de bambu ou palmeira utilizado para fazer vedações, e para o seu transporte. Os homens cortam os paus e tecem as cordas e, depois de reunidos todos os materiais necessários, é marcada a data da construção. Nesse dia, todos participam e a tabanca fica vazia (Fotos 5 e 6).

No entanto, a subida acentuada do nível do mar, provocada pelas alterações climáticas, traz consigo a morte de Djobel. A água já chega às casas e, apesar das suas técnicas e esforços, os habitantes de Djobel terão de abandonar a tabanca.

A Guiné-Bissau faz parte dos 10 países do mundo mais vulneráveis às mudanças climáticas, especialmente à subida do nível do mar. Em Varela o mar sobe cerca de 7 metros por ano. A mudança de populações será uma necessidade cada vez mais recorrente.

As negociações para a mudança da população de Djobel iniciou-se há algum tempo. Este é um processo muito complexo que, nos últimos meses, tem originado uma série de conflitos. A escolha do novo espaço foi feita recorrendo à história: Djobel foi fundada por um filho de Arame e, por isso, esta tabanca aceitou receber os habitantes da primeira. Mas não os seus santuários!

O local escolhido, e certificado pelas entidades oficiais, situado entre Arame e Elia, começou a ser desmatado para a construção das casas. Contudo, as queimadas para preparação do terreno abrangeram uma horta de caju de uma família de Elia que, além da perda da horta, alega o terreno ser da sua família. Claro está, que os direitos à terra desta horta de caju originaram um conflito entre Arame e Elia. Cada tabanca defende uma localização diferente da fronteira que as divide. O conflito agravou-se e despoletou alianças e rivalidades tradicionais entre tabancas, alastrando-se às tabancas vizinhas Kassu e Colage. Em 24/05/2019, houve tiros e morreram duas pessoas.

O ministro do interior Edmundo Mendes deslocou-se a Elia, foram estabelecidos percursos seguros para os habitantes de cada tabanca e a situação acalmou. No final do ano passado, em 10/12/2019, a Associação Onenoral dos Filhos e Amigos da Secção de Suzana (AOFASS), uma instituição de jovens, muito activa e muito influente, com sede em Bissau, e outras instituições realizaram, em Suzana, um encontro com os líderes tradicionais da secção de Suzana, «com o intuito de sensibilizá-los a serem patrocinadores da promoção do diálogo entre as tabancas de ELIA, ARAME, DJOBEL, KASSU E COLAGE» 

(https://www.facebook.com/aofass.suzana/).

 As fotos desta reunião, publicadas pela AOFASS, mostram que compareceram muitos líderes tradicionais: todos os que têm gorro vermelho, sendo os principais os também vestidos de vermelho. Um sinal de esperança para os habitantes de Djobel?

Lúcia Bayan, 11/01/2020

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quinta-feira, 9 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23339: Recortes de imprensa (123): Bubaque: alterações climáticas e educação ambiental (Excertos de reportagem de Carla Tomás, Expresso, 18 de abril de 2019, com a devida vénia...)




Guiné-Bissau > Região de Bolama-Bijagós > Ilhas de Bubaque e Rubane > 11-13 de dezembro de 2009 > Recantos, encantos e... armadilhas. Fotos do álbum de João Graça, médico e músico.

Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cartaz do V Congresso Internacional de ed Educação Ambiental. Cortesia da página da ASPEA - Associação Portuguesa de Educação Ambiental.


1. Com a devida vénia à autora, a jornalista Carla Tomás, e ao editor, o semanário Expresso, tomamos a liberdade de reproduzir aqui alguns excertos de uma extensa e interessante reportagem sobre Bubaque, no coração do arquipélapo dos Bijagós, realizada aquando do V Congresso Internacional de Educação Ambiental.Crise Ecológica e Migrações: Leituras e Respostas da Educação Ambiental (Bijagós, 14.18 deabril de 2019).

A reportagem completa (incluindo as fotos da jornalista) pode ser vista, na íntegra aqui:

https://expresso.pt/sociedade/2019-04-18-Em-Bubaque-nos-Bijagos-pensa-se-como-a-educacao-ambiental-pode-ajudar-a-enfrentar-as-alteracoes-climaticas


Em Bubaque, nos Bijagós, pensa-se como a educação ambiental
 pode ajudar a enfrentar as alterações climáticas

Expresso > 18 de abril de 2019 20:04
Carla Tomás, jornalista


Num dos locais do planeta mais ameaçados pela subida do nível do mar e por fenómenos extremos, debate-se “ a crise climática e as migrações”. Mais de quatrocentas pessoas de quatro continentes trocaram experiências e saberes.

Manhã cedo ainda se sente o cheiro das fogueiras onde o lixo foi queimado ou ainda arde. Restos de plástico, pilhas e outros resíduos que não tenham sido limpos pelos abutres que pousam nos telhados, ou pelos cães, porcos ou cabras que andam pelas ruas, acabam incinerados ao lado das casas de adobe e telhado de zinco. Em redor das fogueiras veem-se crianças de roupas gastas e sujas a brincar sem a mínima noção das dioxinas que respiram.
 
Riem-se entusiasmadas com a enchente de gente de fora que inundou a ilha, Bubaque, capital do arquipélago das Bijagós, localizado a hora e meia de Bissau em lancha rápida ou a quatro horas numa espécie de ferry.

Entre 14 e 18 de abril, a pequena cidade de pouco mais de quatro mil habitantes recebeu o maior evento da CPLP organizado pela sociedade civil. Durante quatro dias, cerca de 416 pessoas — originárias de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e da Galiza — debateram “a crise ecológica e as migrações”, no quinto Congresso Internacional de Educação Ambiental, co-organizado, este ano, pela delegação guineense da Rede Lusófona e pela Associação Portuguesa de Educação Ambiental (Aspea).

(...) O arquipélago dos Bijagós e a costa ocidental da Guiné correm sérios riscos de ficar submersos com a acelerada subida do nível do mar. Esta “é uma ameaça muito relevante para a Guiné-Bissau”, confirma Meio Dia Có, técnico do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) perante uma plateia oriunda de quatro continentes que quer saber mais sobre estas ilhas. Sentados nas velhas secretárias de madeira do liceu de Bubaque trocam saberes e experiências.

(...) A memória recente do ciclone Idai, que devastou a Beira em Moçambique, serve de alerta face à urgência de agir na proteção do ambiente e de preparar ou adaptar os países mais vulneráveis face às ameaças que sobre eles pairam, lembram vários dos intervenientes. (...)

(...) A Guiné é um dos 10 países mais vulneráveis às alterações climáticas. Em Bubaque, uma das 21 ilhas povoadas deste arquipélago que resultou da subida de um delta, a erosão costeira já se faz sentir. Com a maré alta a areia quase desaparece das praias e os mangais (ecossistemas que servem de berçário a muitas espécies, de proteção costeira e também de sumidouros de CO2) já refletem a pressão.

Como se as divindades animista por que se regem já os tivessem advertido dos perigos que espreitam, nas ilhas mais isoladas, como Canhabaque ou Orango, as tabancas (aldeias) ficam distantes das praias, algumas a uma hora de distância a pé.

(...) A intrusão salina já começa a afetar os recursos aquíferos e os arrozais. As chuvas tendem a chegar cada vez mais tarde e em menor quantidade e a seca faz-se sentir afetando as hortas comunitárias. O que ainda melhor resiste são as palmeiras de cujo fruto, o chabéu, fazem vinho ou óleo de palma ou de cujas folhas, casca ou ramos fazem materiais para construção.

(...) “A gestão do espaço e dos recursos do arquipélago sempre foi feita pelo povo bijagó seguindo as regras transmitidas oralmente pelos anciães”, conta Meio Dia perante a plateia atenta. “Ser bijagó significa passar pela escola do mato e a comunidade participa na gestão do território e os régulos de cada tabanca transmitem as regras aos que nelas vivem”. Em algumas ilhas estabelecem-se “tabus”, ou regras mais restritas, para impedir a construção de novos resorts turísticos, o crescimento da agricultura intensiva ou a sobrepesca.

“Estes países africanos estão entre os mais vulneráveis. E se não se adaptarem rapidamente, muitas mais pessoas vão morrer”, alerta Luísa Schmidt, Investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e membro do conselho científico do congresso, reforçando que “a educação ambiental na escola pode ajudar na transformação”. (...)

(...) Mas aqui não se fala só de alterações climáticas. Investigadores, professores ou membros de organizações não governamentais assim como técnicos de entidades públicas ou até de empresas privadas apresentam os projetos que estão a desenvolver nos seus países ou em cooperação. Brígida Brito, investigadora na Universidade Autónoma,  explica como um projeto desenvolvido junto de uma comunidade de tartarugueiros de São Tomé e Príncipe conseguiu converter o seu modo de sustento. levando-os a parar de matar tartarugas e a passar a utilizar corno de cabra para fazer os objetos de artesanato que vendem a turistas.(...)

(...) Nesta ilha, onde não há água potável, nem saneamento básico, nem tratamento e recolha adequada de lixo, um guineense fica incrédulo quando Sofia Quaresma e Paula Sobral, da Associação Portuguesa de Lixo Marinho, explicam que o flagelo da poluição de plástico não se fica pelo que é visível, mas que é muito maior se pensarmos nos microplásticos ou nanoplásticos que resultam da degradação dos plásticos no mar ou das microfibras das roupas sintéticas que lavamos.

Durante os dias do congresso não se vê muito lixo pelo chão, nem nas praias dos hotéis. Em alguns pontos surgem amontoados, prontos para a fogueira. Um jovem da associação ambiental local Andorinha explica que recolhem alguns dos resíduos para diferentes fins: muitas garrafas de plástico e de vidro são reutilizadas por quem vai buscar água aos poços espalhados pelas ilhas ou por quem faz vinho ou óleo de palma, outras acabam compactadas e transformadas em blocos para construção. (...)

(...) Nesta troca de aprendizagens e de projetos novas ideias surgem. Janó Face Te, da associação de Jovens pela Produção do Ambiente, com sede em Bissau,  fica entusiasmado com a possibilidade de replicação do projeto da ONG portuguesa Educafrica, que promete levar luz elétrica a muitas aldeias que não a têm. Dirigido por Inês Rodrigues, uma professora em constante nomadismo profissional, o projeto iniciado em 2011 permite transformar uma simples garrafa de plástico numa lâmpada solar. (...)

Carla Tomás

[ Seleção / revisão e fixação de textos  para efeitos de publicação deste poste: LG ]

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23336: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVII: O "meu" regresso à Guiné (3): Os Bijagós que muitos de nós nunca vimos - II (e última) Parte


Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > Um guia, e, em vez de um grupo de combate, um grupo de excursionistas...


Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > “E o que vês tu, marinheiro, lá desse mastro real”?..." Vejo paisagens de sonho e um país surreal"...


Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 >  Mariscador... Não, não é uma pintura, é mesmo uma fotografia


Foto nº 13 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > Um pequeno e frágil paraíso... Com menos 48 m2 (e 4 mil habitantes), mais de um terço fica inundado na maré-cheia..



Foto nº 14 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > Um paraíso (ainda) para a vida selvagem... e com uma grande mancha florestal... 


Foto nº 15 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > Ave marinha...


Foto nº 16 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > Os bijagós têm sido apontados com uma das escalas do tráfico de droga internacionao... Bubaque é a ilha mais afetada, desde há mais de um século, pela presença dos europeus.. Chegou a ser colónia alemã! (*)


Foto nº 17 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > O turismo é das poucas atividades económicas da região de Bolama / Bijagós... Uma oportunidade e uma ameaça: a ilha não tem água potável, saneamento básico, recolha de lixo...  E os Bijagós são um dos dos 10 sítios mais vulneráveis do planeta...


Foto nº 18 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > Ainda havia gado à solta... Mais recentemente tem havido denúncias de roubos... Os ladrões também gostam do paraíso..


Foto nº 19 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 > "Para onde vamos?"... " Só sei que vamos... Para onde não sei!"...


Foto nº 20 > Guiné-Bissau > Arquipélago de Bijagós > Bubaque > 2008 >-Bissau > Bijagós > Adeus… Até ao meu Regresso

Fotos (e legendas) © Tiago Costa / Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondamar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor do ensino secundário
(os últimos 20 anos em Gondomar.

Já saiu o seu livro de memórias (a sua história de vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua.
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça. Setá apresnetado dia 11 de junho, sábado, na Tabanca dos Melros, em Fânzeres, Gomdomar (**).


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (***)

Parte XXVII - O "meu" regresso à Guiné (2): Os Bijagós, que muitos de nós nunca vimos - II (e última) Parte  (**)

A visita ao Arquipélago dos Bijagós (por interposta pessoa, o meu filho, Tiago Costa)  > Ano de 2008 > Num fim de semana de descanso na construção da ponte de S. Vicente (Ponte Europa)  (Vd. acima fotos, numeradas  de 10 a 20)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13132: Notas de leitura (590): Bubaque foi uma colónia alemã... antes da I Guerra Mundial (Luís Vaz)

(...) A ilha de Bubaque, com uma área de 48 km2, dezoito dos quais são pântanos alagados pelo oceano durante a maré alta, está situada no canto sudeste do arquipélago (...).

É a ilha mais afectada pela presença dos europeus, escolhida pelos colonizadores alemães antes da I Guerra Mundial e pelo Governo Português depois de 1920, como o centro principal das suas actividades no arquipélago. Os alemães construíram aqui uma fábrica para a extracção do óleo de palma (Elaeis guineensis); um porto para navios de pequena e média tonelagem na parte setentrional e uma quinta experimental em Etimbato.

Durante a ocupação colonial, que terminou em Agosto de 1974, Bubaque era o centro dos serviços administrativos de todo o arquipélago, com um administrador português residente e outros funcionários. Em 1952, a igreja católica, através de presença permanente de um missionário, e a missão protestante, começaram a sua acção na ilha. A construção de um pequeno hotel para turistas aumentou a presença dos europeus. A enorme praia de Bruce, situada na parte meridional, constitui uma atracção especial para os turistas e está ligada ao centro administrativo de Bubaque por uma estrada asfaltada desde 1976.

As comunicações com Bissau são possíveis através de pequenos aviões e barco. Todos os sábados à tarde chega um navio com capacidade para 200 passageiros e regressa a Bissau no dia seguinte. Mais hotéis e um grande aeroporto estão agora a ser construídos para desenvolver a capacidade turística da ilha.

O clima é do tipo subtropical, com chuvas abundantes, cuja precipitação média anual é de 1500 a 2000 mm, durante a estação das chuvas, de meados de Maio até meados de Novembro. A temperatura média é cerca de 33°C durante a estação seca e de 25°C durante a estação das chuvas, e a sua variação diária é muito ampla. À noite, sobretudo entre Dezembro e Fevereiro, a temperatura desce para 10°C ou mesmo 8°C e as pessoas têm de abrigar-se nas suas cabanas para se aquecerem.

A maior parte da ilha é coberta de palmeiras de óleo, cuja cultura foi desenvolvida pelos colonizadores alemães no princípio do século. A outra vegetação, do tipo floresta, inclui uma variedade de plantas da Região subtropical. As árvores de grande porte mais importantes, muitas vezes centros sagrados para as cerimónias religiosas, são os chamados poilões (Eriodendrum anfractuosum) e os embondeiros (Andansonia digitata). 

Nos arredores das tabancas, as árvores de fruto mais comuns são as mangueiras, os cajueiros, as laranjeiras, os limoeiros e as papaeiras. A caça, que se encontra nas outras ilhas (gazela, cabra-do-mato, hipopótamo, crocodilo), desapareceu da ilha de Bubaque. No entanto os macacos e os tecelões (Proceus cucullatus), tão perigosos para a agricultura, são ainda bastante numerosos.

Em Novembro de 1976, e ilha contava com 2172 habitantes (1054 dos quais eram homens e 1118 mulheres), cerca de 757, metade dos quais não bijagós, habitavam no centro de Bubaque e 1415 viviam nas doze tabancas da ilha (...)


Excerto do livro de Luigi Scantamburlo, trad. de Maria Fernanda, "Etnologia dos Bijagós da Ilha de Bubaque", Lisboa : Instituto de Investigação Científica Tropical ; Bissau : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 1991, 109 pp. Disponível, em texto integral, aqui.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22983: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé): Parte IV: A morte da ave-real mensageira, que já não canta, no triângulo de vida de Canhánima, Kru-ghaak! Kru-ghaak! Banenguél wilti! (... "A árvore da vida floriu!")



Guiné > Guoleghal, a ave peralta do conto de Canhánima ... Grou-Coroado (Balearica Pavonina),  
conhecido na Guiné como ganga...Em inglês, "Black Crowned-Crane".

Ganga (crioulo)
Balearica pavonina
Grou-coroado (português), N’ghanghu (balanta), Eghatai (fula)
Comp 100 cm | Env 190 cm

Ao contrário das aves apresentadas neste guia, a ganga é rara e localizada. Ocorre nos vales dos principais rios do país, de forma isolada ou em pequenos bandos, frequentando zonas de água doce pouco profunda, incluindo bolanhas. Devido à sua beleza e comportamento é frequentemente capturada e mantida em cativeiro. Está ameaçada de extinção.

Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 19).


Foto (e legenda): © Armando Pires (2010).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 



Cherno Baldé > Com cerca de 19/20 anos, em 1989, em Kiev,  na Ucrânia, que então integrava a antiga URSS. Recorde-se que, ainda criança, a família deslocou-se de Canhámina para Fajonquito, em 1968, onde o pai era empregado da Casa Ultramarina.  Até à independênxia, passava os dias enfiado no quartel de Fajonquito. Aqui  aprendeu as primeiras letras.  Sairá depois para Bafatá, onde fez o ensino secundário. Entre 1986 e 1989, foi estudante universitário, na antiga União Soviética, primeiro na Moldávia e depois na Ucrânia (1986-1989). Na sequência da guerra civil que estlou na Guiné, em 7 de junho de 1998, opondo Ansumane Mané e 'Nino' Vieira (e seus aliados senegaleses), o Cherno Balde e a família refugiarm-se em Fajinquito. Uma parte dos textos que temos vindo a republicar foram escritos "durante o periodo que passei em Fajonquito a quando do conflito politico militar de Junho 98. O regresso forçado a minha terra fez revivar a memória do passado."


Comentário do editor LG: 

Cherno, à medida que vou lendo e relendo as tuas memórias deste período de 1974/75,  elaboradas numa escrita tão elegante quanto, ao mesmo tempo,   dramático (pelas sombras negras que evocas e que atravessam a história da tua Pátria, durante muito tempo - para ti, menino e moço - Sancorlã e o seu coração vital, Fajonquito / Canhámina), vou-me dando conta que o deserto do Sahará, física e simbolicamente,  vai progressivamente tomando conta da África negra outrora subsahariana (e, a norte, claro, o sul do mediterrâneo, Espanha, Portugal)... E a tua Canhámina,  r0deada de sagrados poilões, e embora protegida durante a guerra colonial por "forças" que tu chamas misteriosas, acaba por sucumbir, em 1974/75 pela maléfica conjugação da acção dos homens e da natureza... É o luto da tua infância perdida, que fizeste, ou que ainda estás a fazer ou, se calhar, que nunca chegarás a fazer...

Há algo de profundamente pungente (, e que nos amarfanha o coração),  nestes teus textos quando falas desse mundo perdido da tua infância, e que bem pode ser sintetizado  pela expressão "Adeus, Fajonquito"...



1. Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte IV (*)


(ix) Gueloghal ou a ave real mas também mensageira

Ainda hoje, a primeira coisa que nos chama a atenção quando visitamos a localidade de Canhámina é a sua mata de poilões bem no centro da aldeia. Ė impressionante.

Contam que, em tempos idos, quando a relação dos homens com a natureza ainda era muito próxima e viva, aqui habitava uma miríade de aves de diferentes espécies e a sua vozearia era audível a quilómetros de distância. A mais importante, dentro do imaginário colectivo era, sem dúvida, a Gueloghal ou ave real, cuja presença testemunhava a sacralidade e proeminência do lugar no contexto do mundo espiritual dos homens da época, onde tudo era importante e tudo fazia sentido.

- Kru-ghaak! Kru-ghaak! Banenguél wilti ! Maudhô yannô to dourôh, banenguél wilti ! Si bhô uri men ganda, banenguél wilti ! Si bo may men ganda, banenguél wilti … (1)

A Gueloghal, para além de se distinguir pela sua beleza e graciosidade que lhe valeram o epíteto de ave real, também, era conhecida como ave mensageira, dotada de capacidades de transportar mensagens de partes incertas e/ou de revelar aos homens, acontecimentos vindouros. A sua presença nesse lugar misterioso se revestia de uma auréola simbólica e ancestral de confiança na probabilidade de uma vida de paz e tranquilidade. Não se deve admirar muito pois, todos os povos que chegaram até aqui, vindos do interior do continente, sem excepção, vieram na vã esperança de encontrar a paz e a tranquilidade a que ansiavam.


(x) Canhánima. capital do regulado de Sancorlã, parte do reino de Firdu, fundado por Alfa Moló


Quem terá sido o primeiro habitante de Canhámina? Uma pergunta difícil de responder porquanto, os actuais habitantes de Sancorlã seriam capazes de jurar, a pés juntos, que foram os seus antepassados e com provas provadas dentro do esquema mitológico habitual do tipo: “Era uma vez, a família de caçadores do grupo dos nossos antepassados que, após um longo percurso, em perseguição de um animal de caça, acabaram por desembocar neste local milagroso…”

O que, porém, não deverá suscitar muita controvérsia, é o facto de que estas paragens já eram habitadas quando os Fulbhé (fulas) chegaram com as suas manadas de gado, vindos de Macina (Mali), de Tekrur (Senegal) ou Futa-Djalon (Guiné-Conacri).

Conta-se que, no seu périplo pela região na primeira metade do século XIX, El-Adj Omar, imperador do Sudão, teria passado por aqui a caminho de Futa-Djalon acompanhado do seu djatigui (2) e futuro rei de Firdu, Alfa Moló a quem ele teria dado todas as terras situadas entre as bacias dos rios Gâmbia e Geba, mais concretamente até ao local designado Dandum (Dandum Cossará?), à condição que as pudesse retirar aos “infiéis” reis Soninquês, claro. Despediram-se após ter recebido das mãos do grande homem de letras a promessa de que a sua aventura seria coroada de êxito.

De regresso a casa, Alfa Moló convocou os grandes de entre os Fulbhé [, fulas,] e disse-lhes:

- Como todos sabem, desde que vivemos entre os Soninquês [ou Saracolés], não somos mais os donos das nossas vacas, das nossas ovelhas nem das nossas próprias mulheres, por isso, vamos combatê-los e acabar com os seus abusos de poder.

Os grandes de entre os Fulbhé após terem escutado e, cheios de medo, responderam:

- Nós não vamos combater os Soninquês e tão pouco iremos ajudar aquele que o irá fazer.

Então o Alfa Moló levantou-se em toda a sua altura e, sacudindo o fundilho das calças, disse a frase que ficaria para sempre gravada nos anais da história épica do reino de Firdu:

- Se não me ajudarem a combatê-los, então ajudar-me-ão a fugir.

E foi assim que tudo começou, Alfa Moló e os seus apoiantes atacaram os Soninquês e, com o apoio decisivo dos Almamis de Futa-Djalon, acabariam por conquistar a região e instalar o reino de Firdu (Fuladu), repartido em pequenos regulados entre os quais o de Sancorlã que ele confiou aos seus aliados locais (Samba Shábu?) e que escolheram para capital a localidade de Canhámina. (3).


(xi) O sagrado triângulo da vida de Sancorlã / Canhánima


Na lógica e submundo do homem e da consciência tradicional africana, nada acontece por acaso, tudo se justifica e se fundamenta em fórmulas simples e ao mesmo tempo complexas, e neste caso concreto de Canhámina / Sancorlã, conta-se que a origem da força e do poder local se devia à conjunção de determinados factores de ordem mística e que, por conseguinte, a perda daquela força e do poder, verificada mais tarde (1974), se deveu a violação do princípio regulador do equilíbrio ou pacto inicial estabelecido, que começou com a penetração de elementos estranhos ao meio, entrando nesse leque tudo o que veio a ligar-se com o processo da dominação colonial, da submissão e da penetração do sistema mercantilista da produção e comercialização (borracha, coconote, amendoim etc.); de elementos novos de sujeição, de opressão e alienação cultural e espiritual que se lhe seguiram os passos, onde os impostos de capitação e a balança dos comerciantes eram os elementos mais nocivos dentro do sistema de exploração e empobrecimento das populações, terminando com a entrada silenciosa e criminosa dos guerrilheiros do PAIGC que transformaram o recinto dos poilões num campo de tortura e de exterminação dos próprios filhos de Sancorlã.

Conta-se que, antigamente, da mata de poilões situada no centro de Canhámina, descia uma linha de força para sul até a floresta de palmeiras (surumael), situada nos limites do regulado e no meio da qual se encontrava uma nascente cujas águas abasteciam a população da aldeia, estando ligada, por sua vez, à bolanha, (prolongamento da bacia hidrográfica do rio Farim-Canjambari).

Surumael (matagal) representava o ângulo feminino do triângulo de Canhámina onde se praticavam não só a produção do arroz nas terras baixas mas também todos os rituais femininos ligados a educação e/ou reprodução social (cerimónias de casamento, fanados etc.).

De Surumael, seguindo sempre o percurso da bolanha para poente até à distância de três km, estava situado o terceiro ângulo ou o complexo masculino, Djunkoré, formado, por uma extensa área alagada durante a estação das chuvas e no meio da qual se encontrava um grande lago bem no centro da bolanha.

As populações das aldeias mais próximas e as aves pescadoras vinham aqui encontrar os peixes que subiam com as águas do rio Farim. Também aqui davam de beber as grandes manadas de gado (vacas, ovelhas, cavalos) que faziam a fama da região, acompanhadas de crianças nuas e barulhentas, com a flauta numa mão e a varra noutra.

Na margem esquerda do lago Djunkoré encontrava-se um poilão bem alto e que, durante o período nocturno, irradiava uma luz florescente provocando o efeito bômina (claridade), que era visível a uma grande distância. Djunkoré funcionava como o refúgio dos homens e das aves, onde se praticavam as cerimónias e rituais masculinos. Todas as gerações passadas fizeram-se homens neste espaço mítico e verdejante.

Deste ângulo subia outra linha de retorno à aldeia, formando assim uma espécie de triângulo, o triângulo de vida de Canhámina. O conjunto formava um ambiente natural propício para a vida animal, em particular das aves selvagens. Mas, também constituía o centro da vida económica, social e cultural da aldeia e seus arredores.



Guiné > Região de Bafatá > Sector de Contuboel> Carta de Colina do Norte (1956) > Posição relativa do regulado de Sancorlã, e povoações de Fajonquito (com Canhámima, a leste, na carta de Tendinto, não disponível "on line") e, junto à fronteira com o Senegal, Cambaju e Lenquemembé.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)

E, numa escala maior, reproduzindo fielmente o triângulo de Canhámina, a organização social e política do regulado, também, se apoiava em três pilares ou áreas geográficas (diwal): 

  • a área de Canhámina (ângulo sudoeste) (carta de Tendinto, não disponível "on line");
  • a área de Lenquebembé / Cambaju (ângulo noroeste)  (carta de Colina do Norte);
  • e a área de Panambo / Kerwane (ângulo nordeste) [ já no Senegal ou fronteira (?), carta de Tendinto, não disponível "on line" ];

e, cada uma das quais gozando de uma certa autonomia.

Esta divisão administrativa fomentava muitas rivalidades, algumas das quais ainda hoje subsistentes, mas também era factor de concorrência e de dinâmica criativa que permitia manter a necessária coesão social e política assim como a chama guerreira do regulado.

Todavia, a sucessão de Alfa Moló na segunda metade do Séc. XIX, não viria a ser nem bem sucedida e muito menos pacífica, obrigando ao seu sucessor, o intrépido Mussá Moló, a disputar não somente o trono com outros pretendentes dentro da família, como fazer face a pretensões autonomistas dos pequenos regulados em que estava dividido o reino de Fuladu, (com particular incidência naqueles cuja liderança era chefiada por Fulas-Forros, antigos suseranos e pouco inclinados a aceitar a vassalagem vis-a-vis dos Fulas-pretos cujo poder representava Mussá Molo), sob o olhar atento dos Almamis de Futa e ainda a presença cautelosa mas insidiosa das potências europeias (os Portugueses a partir de Farim e Geba, e os Franceses a partir do Senegal) que cobiçavam a região meridional do Firdu. (4).


(xii) Os portugueses e os seus aliados fulas

Nestas circunstâncias, os pequenos regulados Fulbhé do nordeste e leste Guineense tinham que escolher entre submeter-se à tirania de Mussá Molo, apoiado subrepticiamente pelos Franceses, ou aliar-se aos Portugueses. Assim nasceu a aliança de interesses entre os Fulas e Portugueses que, tudo somado, pareciam distantes e sem quaisquer interesses em comum.

Porém, esta aliança fortuita não estava isenta de algumas contradições. Os Fulas, de um lado, precisavam dos Portugueses para se proteger das ameaças e razias constantes dos homens de Mussá Molo mas, sendo muçulmanos, eram portadores de um inevitável “proselitismo religioso” que estava na base da sua libertação e do seu poder conquistado perante os Soninquês.

Os portugueses, por seu turno, precisavam de aliados no interior onde não conseguiam chegar para fazer valer as suas pretensões para lá do Geba mas, também, tinham na bagagem a Bíblia e o compromisso da salvação de almas perdidas para justificar as suas conquistas de além-mar.

Mas tarde e, sempre que se sentiriam aflitos, os portugueses não hesitariam em recorrer aos seus aliados muçulmanos do interior (Fulas e Mandingas) para reprimir os povos guerreiros “animistas” do litoral Guineense mas, logo que se sentiam minimamente aliviados da pressão, se apressavam a afastá-los destas zonas para não espalhar a sua indesejada influência religiosa.

Com Teixeira Pinto e seus auxiliares muçulmanos, os portugueses fecharam o capítulo da conquista e pacificação (?) do território da Guiné no início do século XX, impondo de seguida, a todos os habitantes da Guiné, a obrigação do pagamento de impostos. Com estes, veio a necessidade de produzir excedentes comerciais abrindo, desta forma, uma porta de entrada a produção do amendoim que, juntando-se a colecta da borracha, se transformariam, durante muito tempo, nas actividades obrigatórias de toda a região do interior.

Com o florescimento do comércio nos anos 40 e 50, houve a necessidade de abrir vias de acesso e de ligação com as zonas portuárias de Farim e Bafatá. As medições feitas determinaram que a estrada tinha que passar no meio da mata de poilões de Canhámina, que seria o ponto de convergência das três estradas (Cambaju ao norte, Bafata ao sul e Farim a Oeste,). 

Esta foi a primeira abertura (ferida) no triângulo de Canhámina, o primeiro sinal inquietante da mudança dos tempos, que abriu as portas para a penetração de elementos estranhos no círculo de vida de Sancorlã.


(xiii) Fajonquito, "guarda-costas" de Canhánima


Com o intuito de preservar Canhámina da invasão do novo mundo e das suas consequências inevitáveis, Fajonquito serviu de escoadouro e aldeia satélite para canalizar todos os elementos que não se enquadravam no pacto de equilíbrio do mundo antigo. Foi assim que as casas comerciais que queriam instalar-se em Canhámina, foram empurradas para lá, a três quilómetros a oeste a fim de preservar o triângulo.

Foi assim que, pelas mesmas razões, tanto a escola portuguesa (1964) assim como a primeira companhia de tropas metropolitanas (1965) enviada para reforçar o regulado com o início da luta para a independência, ficaram pouco tempo na aldeia, tendo sido, de seguida, transferidas para Fajonquito. 

Era preciso manter o equilíbrio do pacto, tanto assim que, pese a vontade de o fazer, os guerrilheiros do PAIGC nunca conseguiriam penetrar no triângulo e atacar Canhámina, o coração de Sancorlã, mesmo desguarnecida de tropas. Eram desviados para longe por uma força misteriosa.


Mas, nem tudo correu tão bem como se pensava, e o mal já estava feito e pouco a pouco assistir-se-ia ao desmoronar da vitalidade do sistema que vigorara até ali. 

O primeiro sinal de alarme foi a diminuição drástica do barulho das aves e das chuvas, também. As espécies mais inteligentes simplesmente tinham desaparecido dos poilões de Canhámina, entre as quais a famosa Gueloghal. 

Em seguida, veio um outro alarme do sudoeste com a extinção da luz de Djunkoré e do seu lago que parecia inesgotável. O velho poilão florescente, completado o seu ciclo de vida, tinha cessado as suas actividades de faroleiro para as aves viajantes.

Por fim, as mulheres, alarmadas, vieram informar que os olhos da fonte de Surumael tinham secado e já não corria água da nascente. Também, os macacos (babuínos, pára-quedistas, etc.) que espantavam as crianças no seu interior, já não viviam no matagal. 

Era o fim do pacto de equilíbrio? Parecia incrível, e os olhos virados para Canhámina não encontravam nenhuma resposta. Decididamente, os ventos da história tinham mudado de direcção e com esta viragem, acontecia o fim de um ciclo histórico e, por coincidência, também climático.

(xiv) O fim da aliança dos portugueses com os fulas


Tudo parecia combinar para acelerar as mudanças. Em 1974, aconteceria o improvável. Os portugueses, cansados de ver seus filhos morrer longe da sua terra natal, por uma causa cada vez mais difícil de defender, tinham descoberto uma nova pátria, mais pequena desta vez mas, assim mesmo, a pátria mãe, abandonando a guerra nos territórios do ultramar com o seu calor infernal e seus insuportáveis mosquitos. E numa coluna como nunca dantes visto, levaram consigo todo o equipamento de guerra. Canquelifá… Gabu…Canjufa…Pirada…Canjadude… Piche…Bafatá…Bambadinca…Farim…Guidaje, tudo.

As milícias, eternas sacrificadas, voluntárias da sua própria desgraça, num repente incompreensível, se pasmaram na vã gesticulação de mãos vazias. Adeus, camaradas, nada se pode fazer, é o virar de uma época. Os tempos mudam e os homens também.

Com a conquista da independência, os guerrilheiros do PAIGC, qual exército de Gengis Cã, silenciosa e furtivamente instalaram-se nos portões de Canhámina bem no centro dos poilões, tecendo paciente e meticulosamente a sua teia de morte, desafiando insolentemente os deuses de Sancorlã, completando a missão histórica que Amílcar Cabral lhes tinha legado: 

“A sociedade fula é do tipo vertical, em cima estão os régulos, no meio os Djilas ambulantes e, em baixo, os camponeses. Entre os vários segmentos sociais, uma coisa os une fortemente, são contra a luta armada…”

Enfraquecida pela guerra que quase esvaziou as suas aldeias, ferida mortal e traiçoeiramente pela abdicação dos seus aliados, Sancorlã não conseguiu reagir atempadamente ao infortúnio que se abateu sobre ela e, em menos de dois anos completou-se a destruição (decapitação) das suas forças vivas e da sua elite dirigente, encurralada, fragilizada e justamente vitimada. 

O mundo aplaudia a Guiné-Bissau independente, pais onde não havia lugar para aqueles que tinham fraquejado. O acordo de Argel, uma quimera e, não se esqueçam: ”Nem toda a gente é do povo”.

(xv) O martirológio dos valorosos fulas, fuzilados, ou apodrecendo nas masmorras do PAIGC, em Bafatá, Bambadinca, Farim


Todos os valorosos que não quiseram pactuar com o novo regime e eram demasiado orgulhosos para fugir dos seus ex-inimigos, entregaram seus peitos às cordas de nylon dos comissários políticos de PAIGC e mais tarde as suas vidas, fazendo a viagem sem regresso para os cárceres de Bafatá e Bambadinca. As justificações teóricas e práticas não faltaram. As festas também. “Páa-nô-uni! Páa nô mamáa… Páa-nô-uni, Pa-nô-mamáá, Panó terráá…”.

Em Fajonquito, ainda continuamos durante muito tempo, a pescar e a nadar no lodo do que restava do rio Farim/Canjambari e, sem pudor, ao sabor da brisa, mudamos também de camisola e hino. Continuamos a pedir as armas mas já não eram contra os canhões mas contra os colonos e seus aliados. Os heróis de mar não tinham aguentado tão bem em terra firme. 

Os peixes também, assim como os ex-soldados, para se adaptarem ao novo clima, se metamorfosearam em coisas pequenas e escuras escondidas na imundície da lama das bolanhas, escorregadios como o sabão chinês que invadiu os nossos mercados.

Alguns realizaram a proeza de, em tempo recorde, arrastando seus bubus brancos, transformar-se em Marabus de esquinas e mesquitas com salmos e cuspo na testa, pedindo a perdão dos nossos pecados colectivos. Outros passaram as fronteiras. Mas, muitos foram os que morreram sufocados nas prisões de Farim, brigando por escassos graus de cereais crus. Os deuses estavam a ouvir? Aláau…akbaar!

Os tempos, verdadeiramente, tinham mudado e nós vivíamos ou melhor sobrevivíamos sem dar por isso. Aconteceu exactamente como no poema ecológico de Júlio Roberto (5):

- Onde se encontra o matagal?... Destruído!
- Onde está a água, o lago e o poilão?... Desapareceram!
- Onde estão os valorosos de Sancorlã?... Morreram!

Bissau, Junho de 2010. (**)
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Notas do autor

(1) Canto das aves mensageiras “Guelodhé” em língua fula: A árvore da vida floriu! Ao velho que tinha visitado as terras altas, informamos: A árvore de vida floriu! Se estiver em vida que nos informem! Se não estiver em vida, que nos elucidem! A árvore da vida floriu de novo!

(2) Djatigui – Anfitrião, palavra de origem incerta utilizada em quase todas as línguas de África do oeste.

(3) Crónicas guerreiras dos reis de Firdu (Fuladu)

(4) Ver René Pélissier: Historia da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegambia. (1841-1936), vol. I e II, Imprensa Universitaria, Editorial estampa, Lisboa, 1989.

(5) Carta do chefe Seattle (Índio) em 1884 ao grande chefe branco de Washington, inserido no poema ecológico de Júlio Roberto

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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

8 de fevereiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22979: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé): Parte III: O rabo de um macaco pode ser muito comprido mas não é por isso que deixa de sentir a dor quando picado

7 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22976: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte II: A chegada dos guerrilheiros, outrora "bandidos", agora "heróis da libertação da Pátria"...A (mu)dança das bandeiras... Os meus novos amigos, balantas...

6 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22973: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte I: Os sinais de uma mudança anunciada, os recados vindos do Oio e a delegação que voltou de mãos a abanar

(**) Excertos do poste de 30 de Junho de 2010 >Guiné 63/74 - P6661: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (16): Canhámina, 1974: o fim do triângulo da vida e do poder do regulado de Sancorlã