1. A propósito do drama dos felupes, os primeiros refugiados ecológicos da Guiné-Bissau, vítimas das alterações climáticas, e da morte, inesperada, da sua amiga portuguesa, a antropóloga Lúcia Bayan (*), vamos repescar este comentário do nosso Cherno Baldé (**):
A minha primeira visita ao Chão Felupe foi em maio de 1997, por ocasião do dia internacional dos trabalhadores, tendo feito o percurso de Bissau - Varela, passando por S. Domingos.
Nessa ocasião constatei que, contrariamente ao que acontece no Chão Fula (Zona Leste), os Felupes e seus irmãos Baiotes, não tinham aldeias plantadas junto da estrada principal que atravessava o seu Chão, indo de S. Domingos para Varela, preferindo ficar afastados, em zonas escondidas e de difícil acesso, facto que, também, tinha verificado no Chão Balanta, logo após o fim da guerra colonial e em Biombo nos anos 80 quando trabalhei como professor nesta região do litoral guineense.
A conclusão lógica a que cheguei, na altura, é que, sendo povos indígenas de longa data,tendo sofrido várias invasões e agressões de povos conquistadores vindos do interior do continente, como nos explica o Amílcar Cabral no livro sobre a história da Guiné e as Ilhas de Cabo-Verde (PAIGC 1974), estes povos foram obrigados, cada vez mais, a se refugiar e adaptar-se em zonas muito inóspitas e de difícil acesso como foi o caso dos Nalus que foram habitar as ilhas e zonas baixas de Cubucaré e Quitáfine, ou o caso extremo dos Bijagós que vivem no arquipélado de mesmo nome.
No caso dos Felupes e Baiotes esta localização geográfica teria sido muito importante durante o periodo da ocupação colonial, já que lhes permitia oferecer uma notável resistência e prática da guerrilha num espaço reduzido mas semeado de obstáculos naturais.
Mas, vivendo o pais hoje num contexto de completa liberdade, onde se desenvolve pouco a pouco uma interação e concorrência apertada com as outras regiões e grupos étnicos em diferentes domínios da vida social e económica, estes povos fazem a constatação lógica e normal das dificuldades e desvantagens da sua inadequada situação habitacional, para a qual procuram encontrar uma saída razoável para viver e expandir-se como os outros povos, seus vizinhos.
As mudanças climáticas vêm juntar-se e complicar ainda mais esta situação que já em si era insustentável há muito tempo, pelo menos desde que a monocultura de caju se tornou no principal produto de renda e de subsistência social e económica.
De resto, os conflitos sobre a posse da terra são extensivos ao resto do país e nos diferentes Chãos tradicionais sem deixar de lado outros problemas transversais como o género e os direitos humanos, hoje muito em voga nos países do terceiro mundo.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
2020 jan 16 12:17 (***)(**) Vd. poste de 15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20560: Antropologia (35): Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos / Lúcia Bayan)
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