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segunda-feira, 19 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24415: Notas de leitura (1591): "História Global de Portugal", com direção de Carlos Fiolhais, José Eduardo Franco e José Pedro Paiva; Temas e Debates, 2020 - Monopólio da Guiné: Exploração económica pluricontinental, 1468 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
Neste novo olhar da História Global, entendeu-se que este caso de exploração económica pluricontinental que se encetou com o exclusivo do comércio da costa da Guiné a Fernão Gomes, iria marcar um comportamento do poder régio durante séculos. Mesmo desconhecendo-se o teor do contrato, Fernão Gomes ficou com uma enorme responsabilidade, que terá cumprido, explorou cerca de 3 mil quilómetros de costa, chegou até ao atual Gabão. Contrato que enfatiza para além das iniciativas da Coroa a iniciativa privada nunca foi arredada a participar na exploração económica do Império, era tudo uma questão de oportunidade, a monarquia tanto podia explorá-los diretamente por meio de oficiais régios, como cedê-los a privados por meio de contratos de arrendamento. E o de Fernão Gomes foi o primeiro de uma longa série, expediente jurídico que se revelou essencial não só na captação de rendimentos para a monarquia mas também para que esta se alinhasse, ao longo de séculos com os particulares.

Um abraço do
Mário



Monopólio da Guiné: Exploração económica pluricontinental, 1468

Mário Beja Santos

"História Global de Portugal", com direção de Carlos Fiolhais, José Eduardo Franco e José Pedro Paiva, Temas e Debates, 2020, é seguramente um dos acontecimentos editoriais do ano transato, na medida em que rompe com o velho paradigma da escala local e nacional e tece uma abordagem inovadora do que se pode entender por História Global de Portugal, as permanentes interações que conduziram à identidade que temos e à globalização em que nos inserimos. Como os diretores nos explicam:
“Anteriormente, através dos velhos manuais escolares, que refletiam o que se produzia nas academias, aprendia-se a conhecer a história de um país. Adotava-se uma perspetiva iminentemente nacional, centrada no Estado-nação. Cada nação era o umbigo do mundo, sendo o resto uma paisagem necessariamente secundária e ignorada, ou um campo de projeção das vanglórias nacionais. Além da Pátria, existia um conjunto de países com os quais se estabeleciam relações de cooperação, transação, influência, domínio, conflito, separação, negação ou, nalguns casos, acolhimento. A história era conhecida de forma bipolar, dualista: existíamos nós e os outros (…) À luz das tendências da história global, os países, as regiões, as cidades e as aldeias já não são considerados espaços fechados nas suas fronteiras, antes devem ser perspetivados como plataformas territoriais tomadas na extensíssima duração do processo de humanização”.

E ao longo de largas dezenas de textos vários especialistas ocupam-se de longos períodos da Pré-História e História de Portugal tomando conta desse trânsito de trocas bem anteriores à chamada Era dos Descobrimentos, o povoamento das nossas regiões atlânticas, a passagem do Bojador e o que significou em termos de globalização o monopólio da Guiné. Como escreve a autora do referido trabalho, D. Afonso V concedeu, em novembro de 1469, por um período de cinco anos, o exclusivo do comércio da costa da Guiné a Fernão Gomes. O monopólio excluía o comércio da feitoria de Arguim (em território da atual Mauritânia). O monarca terá exigido a Fernão Gomes que explorasse anualmente cem léguas do litoral africano para lá da Serra Leoa, limite meridional das navegações henriquinas. Conhecemos esses aspetos através do historiador João de Barros, cerca de 80 anos depois, o texto do acordo não chegou aos nossos dias. A data atribuída do contrato será junho de 1468. O arrendamento terminou em 1474, depois de ter sido prorrogado por um ano. Enquanto vigorou, caravelas armadas por Fernão Gomes exploraram cerca de 3000 quilómetros da costa, tendo descoberto todo o litoral setentrional do golfo da Guiné, até ao atual Gabão.

Este contrato de arrendamento do comércio da costa da Guiné obviamente que suscitou debates em torno do papel da monarquia nas navegações do Atlântico Sul. Houve quem o visse como expressão do desinteresse do monarca, seria um contrato monopolista que permitiria à Coroa concentrar recursos financeiros na persecução das conquistas em Marrocos, deixando à iniciativa privada as navegações e a atividade mercantil na costa da Guiné. Mas há outras leituras que lembram o facto de a monarquia não ter voltado a doar o exclusivo da navegação do comércio da Guiné que integrara a casa do Infante D. Henrique. D. Afonso V foi o responsável pela constituição da Casa da Guiné, em Lisboa, no ano de 1463. Para uma certa historiografia, Fernão Gomes seria o exemplo paradigmático de interesses mercantis pela costa ocidental africana, por oposição às conquistas militares de Marrocos. Era como se a atenção da nobreza estivesse polarizada em Marrocos e outros setores da sociedade portuguesa se tivesse mobilizado na abertura de novas rotas e na comercialização de novos produtos. Mas há mais dados que contribuem para um novo olhar. Fernão Gomes exerceu o cargo de recebedor dos escravos da Guiné, para o qual fora nomeado em 1455, ofício que não só lhe deu acesso privilegiado à informação sobre o comércio da região como terá permitido a sua inserção em redes de negócio. Como não se conhece o contrato, ignora-se se a iniciativa se deveu à monarquia ou ao próprio Fernão Gomes. Para além do exclusivo, Fernão Gomes recebeu ainda o privilégio de isenção de pagamento de direitos alfandegários de todos os bens que os seus navios trouxessem da Guiné, com exceção da malagueta, monopólio régio, mas que mais tarde acabaria por ser cedido a Fernão Gomes, por 100 mil reis anuais.

Se se pensar que o Papado, através da bula Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1455, excluía toda e qualquer navegação na Guiné sem licença expressa do rei de Portugal, pode compreender-se que a Coroa via este regime como o mar que lhe pertencia exclusivamente, fundado na prioridade da descoberta, na evangelização dos gentios e na Guerra Santa movida contra os infiéis. Só que este privilégio foi contestado por outras potências e rapidamente todo o Litoral desta vasta Senegâmbia de então passou a ser percorrido por uma forte concorrência. A despeito desta, manteve-se formalmente o exclusivo da navegação e do comércio nos senhorios ultramarinos – Índia, Brasil, Guiné, Costa da Malagueta, Mina, Angola, Ilhas de Cabo Verde e de São Tomé, a Coroa cedia aos vassalos este exclusivo consoante as áreas geográficas do Império.

Neste exclusivo imperial, como igualmente observa a autora, a monarquia reservou para si a distribuição de certos bens. Foram os casos da malagueta africana, do ouro da Mina e do pau-brasil no Atlântico. Também o comércio dos escravos foi exclusivo da monarquia até 1659. Mas o que fica também esclarecido é que a iniciativa privada nunca esteve arredada da possibilidade de participar na exploração económica do Império, tanto na navegação e no comércio como na distribuição de bens monopolizados. E a autora conclui que o acordo estabelecido com Fernão Gomes foi tão-só o primeiro de uma longa série de arrendamentos contratados com particulares. No quadro da exploração do Império, este expediente jurídico mostrou-se crucial, não só na captação de rendimentos para a monarquia, mas também no alinhamento de interesses com os particulares.

Carta Corográfica da Guiné Portuguesa, 1862, Biblioteca Nacional, com a devida vénia
Retirado do trabalho Tecnologias geoespaciais na demarcação da fronteira da Guiné-Bissau, por Maria do Carmo Nunes, Fernando Lagos Costa, Ana Raquel Melo e Ana Maria Morgado, publicado nas Atas das I Jornadas Lusófonas de Ciências e Tecnologias de Informação Geográfica, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, com a devida vénia
Pormenor do Monumento ao Esforço da Raça, Praça dos Heróis Nacionais, Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24403: Notas de leitura (1590): "O Cântico das Costureiras - Crónicas D'Uma Vida Adiada - Guiné 1964 - 1965", por Gonçalo Inocentes; Modocromia Edições, 2020 - As Peregrinações de Gonçalo Inocentes, zombeteiras e resilientes (Mário Beja Santos)

sábado, 13 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24311: Homenagem a dois 'guineenses' de adoção e paixão, o algarvio António Camilo e o nortenho Xico Allen (1950-2022): "Diário da Viagem até à Guiné-Bissau por terra e por ela", em 20 dias (Herculano Prado). Parte I: De Portimão a Bambadina, em 7 dias, de 18 a 24 de setembro de 2017


Xico Allen (1950-2022)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Capela > 2010 > O Luís Branquinho Crespo  (advogado, Leiria) e o António Camilo (empresário, Lagoa) colocando a imagem de N. Sra. de Fátima, na sua base. Foi oferecida por ambos,
 
Foto (e legenda):  © António Camilo (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > 1 de Março de 2008 > O António Camilo, empresário, algarvio, natural de Lagoa, na morança que construiu, no Clube de Caça do Saltinho, na margem direita do mítico e sempre deslumbrante Rio Corubal. Ei-lo aqui à porta de casa, e com seu/nosso amigo Carlos Silva (em primeiro plano). O Camilo voltaria, em 2009, à Guiné-Bissu, na sua 8ª expedição. Em 2008 estuvemos aqui com ele por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008). 

Foto: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Tenho, na minha caixa de correio, desde 07/09/2018, 18:21, um texto, longo, com  o diário da viagem à Guiné-Bissau, feita "por terra e por ela" (sic), de 18 de setembro a 6 de outubro de 2017, por 4 portugueses, em dois jipes, o António Camilo, o Xico Allen, o Herculano Prado e a esposa, Luzinha, prima do António Camilo (que foi fur mil da CCAÇ 1565, Bissau, Jumbembém, Canjambari, Bissau, 1966/68).

O diário, da autoria de Herculano Prado, chegou-me, reencaminhado pelo Xico Allen, juntamente com o teor do mail em que ele agradecia ao autor e â esposa, companheiros de viagem:

 (...) 28 de janeiro de 2018 às 14:58
 
Boa tarde,  amigos.

Agora mesmo acabo de ver que me foi transmitida a história de nossa viagem á Guiné. Foi muito gratificante ler o que o dr. Herculano Prado escreveu, me fazendo relembrar em pormenor a deslocação até Bissau.

Muito obrigados por tudo e por vos ter conhecido também. São pessoas que ficam no coração. Espero vos encontrar em breve.

Beijos e abraços, Xico.


2. O Herculano Prado, hoje advogado, foi fur mil, CAÇ 3550 / BCAÇ 3885 (Zambué, Tete, Moçambique,  1972/74). Não é membro da nossa Tabanca Grande, mas fica desde já convidado para a integrar, não só por esta viagem e a publicação deste texto (em duas partes), como pela ligação (profissional e afetiva) à Guiné (desde pelo menos 2010), e a amizade que criou e manteve com dois dos nossos tabanqueiros, o António Camilo e o Xico Allen (1952-2023).  

Agora que o Xico nos deixou (a nós e à Terra da Alegria), julgo que será oportuna  a publicação desde "diário" no nosso blogue, partindo do pressuposto que era vontade do Xico que o texto fosse publicado no nosso blogue, com a anuência (pelo menos tácita) do Herculano Prado.  Por outro lado, esta é a viagem que alguns de nós já fizeram, e que a maioria gostaria de ter feito em vida, e que por uma razão ou outra (a começar pelos problemas de saúde e segurança) nunca fez ou nunca chegará a fazer.

Tinha na altura pedido ao Xico Allen para nos enviar fotos da expedição. Por esta ou aquela razão, as fotos nunca chegaram. Vamos ter que recorrer, por isso, a  fotos de outras expedições.  Deixamos aqui a manifestação da nossa gratidão ao Herculano Prado. E damos-lhe os parabéns pela excelència do texto, que ganha em vivacidade, fluência e objetividade (e que por isso seria uma pena ficar na "gaveta"...). Enviamos, entretanto,  um alfabravo fratermo ao Camilo (de quem não temos tido notícias) desejando-lhe saúde e longa vida para poder continuar a fazer as suas expedições à Guiné-Bissau onde tem casa (em 2017 era a sua 22ª viagem).


DIÁRIO DA VIAGEM À GUINÉ BISSAU 
POR TERRA E POR ELA

  © Herculano Prado (2017)

Preâmbulo

O António Joaquim Sousa Camilo, primo da Luzinha, foi um dos primeiros a fazer uma viagem por terra à Guiné Bissau, se não o primeiro, dado não termos conhecimento de viagens anteriores, depois do 25 de Abril, onde tinha cumprido serviço militar.

Na primeira viagem que fez à Guiné, em 1998, o Camilo conheceu o Xico Allen de quem ficou amigo, começando aqui uma amizade que perdura e que os levou a congeminarem uma viagem por terra. 

Quando regressaram a Portugal começaram a fazer os preparativos para fazerem a viagem, tendo procurado alguns patrocínios para a custear, com publicidade no jeep, e aceitando donativos para apoio à população, em especial às crianças. Esta iniciativa começou a ganhar projeção, tendo aparecido um novo interessado em os acompanhar, que era um repórter fotográfico, chamado Artur. As pessoas ao tomarem conhecimento ofereceram donativos, os meios de comunicação pegaram no assunto e foram transmitindo informações sobre o decorrer da viagem, que começou em Lagoa, em frente à Fatacil. 

À partida estiveram presentes dois canais de televisão, a RDP e as rádios locais, com relevância para Rádio Lagoa, que ia acompanhando a viagem, com uma ligação ao Camilo, por volta das 10 horas, todos os dias. Fizeram-se transportar no jeep do Camilo, que ia a abarrotar, inclusive, levavam malas e sacos no tejadilho. Segundo o Camilo, nem mais uma garrafa de água cabia. A viagem demorou dez dias e foi uma aventura e descoberta constante, como normalmente acontece aquando da primeira vez.

O amor àquela terra e às suas gentes levou-o a, posteriormente, organizar algumas caravanas humanitárias, das quais a Luzinha ia tendo conhecimento, através do Facebook. Entusiasmada com as viagens, referiu-me que, por ela, se eu quisesse, poderíamos um dia acompanhar o Camilo. O Camilo, sabendo o nosso interesse, quando teve uma oportunidade convidou-nos, mas, por impedimentos da nossa parte, só agora podemos aceitar.

A viagem, a nossa primeira, a vigésima segunda do Camilo e a décima segunda do Xico Allen, foi iniciada com dois jeeps, marca Mercedes, sendo um ocupado pelo António Joaquim Sousa Camilo e pelo Francisco Jorge Allen (Xico Allen) e outro por mim, Herculano Afonso Lourenço do Prado e pela Luzinha, Maria da Luz Reis Braz Silva Lourenço do Prado, minha mulher.

O itinerário da viagem seria: Espanha, Marrocos, Sara Ocidental, Mauritânia, Senegal e Guiné Bissau. Na Guiné Bissau ficámos em Bambadinca e não em Saltinho como pensávamos.

O jeep que nos foi destinado ficaria por nossa conta, quer para a condução, quer para todo tipo de despesas com ele relacionadas: combustível, barco, seguros etc.

A ideia do diário surgiu ao fim do primeiro dia de viagem quando, ao estarmos a pernoitar em Marraquexe, enviei um e-mail a alguns amigos, tendo alguns sugerido que fizesse um diário e que lhes fosse dando conhecimento do que se ia passando. Achei a ideia interessante e, por isso, no fim do segundo dia, relatei os factos mais importantes e enviei-os convencido de que teriam chegado aos destinatários. Como não obtive os comentários que seriam expectáveis, enviei o e-mail para o remetente, não tendo chegado, o que me levou a concluir que o mesmo teria acontecido em relação aos outros destinatários e que o mesmo aconteceria com os e-mails seguintes. 

Em face desta situação, continuei a fazer o diário, deixando, contudo, de o tentar enviar para os meus amigos, que estavam à espera de noticias. Assim, os e-mails foram transformados neste diário, que, se outro interesse não tiver, servirá para mais tarde os meus filhos e netos recordarem, que um dia os avós, já no crepúsculo da vida, se abalançaram a uma viagem, que, se já não era perigosa, como aconteceu no passado, era e foi muito emocionante e cansativa.

Aproveitámos a viagem para levarmos os jeeps cheios com donativos para as crianças de Bambadinca, que aguardavam transporte.


Infografia: o percuros habitual das expedições terrestres de antigos combatantes, como o António Camilo, desde o Algarve até à Guiné Bissau, atravessano o sul deEspanha e depois ,a partir de Tanger, fazendo a costa atlântica de Marrocos, Mauritània e Senegal .

Infografia: Visão (3 de fevereiro de 2011) (com a devida vénia...)


1º dia, domingo/segunda-feira, 17/18 de setembro de 2017

A viagem começou em Portimão, às nove e meia de domingo, passando pelo porto de Tarifa, onde apanhámos o barco até Tanger. A passagem, por carro e ocupantes, custou € 200,00. Chegámos ao porto de Tarifa por volta das 5,30 horas, aguardando até entrarmos para o barco às oito horas. As burocracias alfandegárias foram fáceis, porque não precisámos de vistos.

Ao sairmos do Porto, não fomos ao centro da cidade de Tânger, contornando-a em direção ao Sul, mas a vista que dela se tem do barco dá para ver a sua grandiosidade.

Para nós,  portugueses, quando passamos por sítios, que fazem parte da nossa história e olhamos para o passado, não podemos deixar de nos sentir orgulhosos pelos feitos dos nossos antepassados (esquecendo as atrocidades que cometeram e que eram comuns a todos os beligerantes da época). 

A necessidade, porque eramos um pais pobre, com menos de dois milhões de pessoas, o aventureirismo, ambição e visão de alguns, especialmente do Infante D. Henrique e, posteriormente, de D. João II, levaram-nos, inicialmente, para o Norte de Africa, onde ocupámos Tânger, Ceuta e outras praças e, posteriormente, a contornar o continente africano e a chegar à India. O declínio do império começou ali, nos campos de Alcácer-Kibir, quando um rei imaturo e militarmente incompetente não soube comandar um grande exercito, que, com outro comandante, provavelmente, teria vencido.

A viagem até Marraquexe foi feita sempre em autoestrada, não se notando grandes diferenças em relação ao sul de Portugal.

A meio da viagem apanhámos um grande susto, porque entrámos na reserva de combustível e nunca mais aparecia uma bomba para abastecermos. Foi um alívio quando o conseguimos fazer.

Fizemos o nosso primeiro almoço de piquenique, dos abastecimentos de que estávamos providos, até ao fim da viagem e para os dias na Guiné.

No momento em que enviei o primeiro e-mail, estávamos a passar a noite em Marraquexe e na amanhã seguinte continuámos em direção ao Sul, passando por Agadir.

Ao entrarmos em Marrocos perguntaram-nos se trazíamos armas ou drones.


2º dia, terça-feira, 19 de setembro de 2017

No Segundo dia da viagem, saímos de Marraquexe às sete da manha rumo ao Sul, passando por Agadir, Tiznit e outros locais de menor importância.

Atravessámos a cordilheira do Atlas na sua parte mais ocidental e menos elevada, com paisagens agrestes, grandiosas e de grande beleza.

Passámos por Agadir, cidade costeira e moderna, depois de ser reconstruída em consequência do terramoto que a destruiu, em 26 de fevereiro de 1960.

“A intensidade do abalo foi apenas de 5,7 na escala de Richter, mas, por a cidade se situar precisamente sobre a falha geológica e o epicentro do sismo, e por a maioria dos seus edifícios serem velhos e frágeis, a destruição foi quase total. Na Kasbah e nos bairros centrais de Yachech e Founti não ficou nada de pé. Mais de 15 mil pessoas morreram e muitas ficaram feridas e desalojadas. Foi o mais mortífero terramoto da história de Marrocos.”

O porto é muito bonito, como pudemos apreciar de uma das elevações que o rodeiam. Ali, a Luzinha, pela primeira vez, passeou montada num camelo, conjuntamente comigo.

Nesse miradouro, comprámos umas rochas de cristais coloridos.

A viagem até ao meio do dia foi feita por autoestrada, com inúmeras portagens pagas. Porque € 1,00 vale 10,50 dirames, acaba por não ser muito caro. Nestes dois dias já fizemos cerca de 1500 km, sendo mais de mil por autoestrada.

Como fica documentado por fotos, vamos fazendo piqueniques, estando provisionados com o essencial.

Ficámos a pernoitar em Tantan Praia, com a praia ali ao lado, que, tal como em Portugal, já estava em fim da época balnear.

Pernoitamos num hotel baratucho, onde fizemos uma refeição na varanda de um dos nossos quartos. O quarto não tinha água quente, mas estava limpo e nós só pretendíamos dormir, para além de termos acesso à Internet.

A partir de agora as estradas já não são tão boas, mas estão razoáveis, tendo sido mais fácil do que seria expectável. Mais para Sul será mais difícil.

São horas de dormir porque o recomeço da viagem está marcado para as sete e no programa está uma visita ao Bojador.


3º dia, quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Iniciámos o terceiro dia saindo de Tantan, às 6,30, ainda de noite,

Fomos visitar o Bojador, que ficou a fazer parte da nossa história, para as descobertas, a partir do momento em que foi dobrado pelo Gil Eanes, em 1434, acabando com o medo que dominava os marinheiros, que acreditavam que o mundo acabava ali.

Aqui, num restaurante que a ASAE fecharia sem remissão, aproveitámos para comer um pargo frito que estava divinal, acompanhado com pão local e vinho tinto de Pias. Quando entramos ouvimos vozes que nos pareceu serem portuguesas. De facto, eram dois portugueses que estavam a trabalhar para uma firma irlandesa, que está a montar grandes pás eólicas, para a produção de energia elétrica.

A partir daqui, durante muitos quilómetros, fizemos a viagem próximo do mar, já dentro do verdadeiro deserto, não ainda como nos é mostrado nos filmes e postais : grandes dunas de areia fina, mas terra árida, com vegetação dispersa e rasteira

Percorremos cerca de setecentos quilómetros e fomos pernoitar no Barbas, que, no geral, tinha boa aparência para o deserto, mas que considero ter sido o pior quarto de hotel aonde já dormi, que fica a oitenta quilómetros da fronteira da Mauritânia.

Aqui o Hi- Fi não tem capacidade para permitir contactos normais.

Assisti à derrota do Real Madrid com o Bétis, golo marcado na última jogada, e conclui que a maioria dos assistente torcia pelo Barcelona, tendo em atenção o regozijo manifestado com o golo marcado.

Aqui, o Xico deu comprimidos ao empregado da bomba de gasolina, que estava com dores de cabeça.

Como o dia seguinte iria começa cedo, cedo tivemos de ir descansar.


4º dia, quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Saímos, por volta das sete horas, para chegarmos cedo à fronteira, aonde nos esperava o Arturo, um marroquino, que fala português, que nos tratou da burocracia nas duas fronteiras.

Estas ajudas acabam sempre por sair caras e por vezes parecem ainda complicar mais: o seguro por cada viatura, que custou € 40,00, ficou em € 80,00.

Apesar desta ajuda, só nos despachámos depois das duas da tarde.

Aqui deu para sentir o clima do deserto, quente e ventoso. Tínhamos que tapar os olhos porque a areia andava por todo o lado. Na viagem íamos vendo camelos e, infelizmente, vimos alguns esqueletos devido a acidentes. Durante este dia percorremos parte do Sara a que estamos habituados a ver nos filmes e fotografias.

Entre as duas fronteiras existe uma zona de ninguém, aonde vimos um carro das UN, que ainda se encontra nesta zona, tendo em atenção o conflito existente entre Marrocos e a Frente Polisário, que mantem a luta contra a anexação do Sara Ocidental. Nesta zona, encontrámos muitos carros abandonados, em consequência da falta de documentação e por outros motivos.

Ao longo da viagem vimos inúmeros quarteis, havendo vários em Layunne, pequena cidade, que seria a capital oficial do Sara Ocidental, se fosse independente.

Quando estávamos na fronteira para sair da Mauritânia encontramos um vizinho do nosso casal, em Vale da Laranja, o Sr. Jorge, que também ia a caminho da Guiné, aonde tem negócios.

Durante a viagem fomos mandados parar por dezenas de barragens que controlam a passagem. Para evitar demoras levamos dezenas de impressos preenchidos com os nossos elementos identificativos, que entregamos no ato da abordagem. Muitas vezes são levantadas complicações com o objetivo de nos sacarem dinheiro.

Por volta das oito horas chegamos a Nouakchott, capital da Mauritânia, onde ficámos num ótimo hotel, o Royal Suites Hotels, muito melhor do que os anteriores, onde encontrámos tudo o que tem um quatro estrelas da Europa. Antes de jantarmos no nosso quarto, utilizando o que trazíamos, tomámos um grande banho para nos aliviarmos da grande quantidade de areia que se espalhava pelo cabelo e pelo resto do corpo.

Fizemos uma refeição no quarto com os produtos que levávamos.


Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marque Lopes... 9 de abril de 2006...Dia 5, De Roc Chico a  Nouakchott, capital da Mauritânia... Um encontro amigável com sarauis e camelos... Fabulosa foto oesta, de um  grande fotógrafo, o nosso Hugo Costa, filho do Albano Costa que, juntamente com a Inês Allen, integrou esta viagem à Guiné, por terra, pelo deserto do Sara...   
 

Porto-Bissau... 9 de abril de 2016...Dia 5, Roc Chico a 
Nouakchott,
capital da Mauritânia... 

























Fotos (e legendas): © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados.    [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


5º dia, sexta-feira, 22 de setembro

Saímos de Nouakchott, às seis da manha, para chegarmos o mais cedo possível à fronteira com o Senegal, aonde o Camilo, primo da Luzinha, tinha contactos anteriores, para tratar dos seguros das viaturas e das burocracias da passagem entre fronteiras.

Quando estávamos a fazer o controlo na saída da Mauritânia, ao ser necessário entregar os passaportes, passámos por um grande susto, porque o Francisco Allen, não encontrava o seu passaporte. Durante mais de uma hora vimos em todos os sítios possíveis sem sucesso, inclusive, telefonámos para o hotel onde pernoitámos. Depois de uma última busca no jeep, iniciada pelo comandante do posto da Alfandega da Mauritânia, que se mostrou de uma grande simpatia e disponibilidade, muito diferente da maioria dos anteriores, encontrámos o passaporte metido entre uma ranhura do tablier. 

Foi um alívio para todos, o que nos permitiu passar para a fronteira do Senegal, onde surgiram mais complicações e gastos, tendo que pagar gratificações e taxas de viaturas que importaram em cerca de duzentos euros por cada, nos quais se incluiu a comissão do mediador. 

Quando, finalmente, reiniciámos a viagem, continuámos a entregar as fichas identificativas que tínhamos preparadas, até que encontrámos um controlo que nos pediu o passaportes e começou a colocar vários entraves com o objetivo claro de nos extorquir dinheiro, o que me irritou, não sendo muito inteligente da minha parte, porque trazíamos garrafas de vinho escondido, que, se fosse encontrado, nos poderia levar à prisão, atendendo a que os países de religião muçulmana são muito intransigentes, no que diz respeito ao álcool. 

Depois de muita discussão entreguei-lhe três pacotes de leite, tendo sido questionado se aquilo era bom. Em face das dúvidas, pedi-lhos de volta, o que ele não fez. Depois de nos entregar os passaportes arrancámos, quando se preparavam par nos fazerem novas exigências.

Durante o trajeto, o deserto foi-se amenizando até próximo do Senegal, não sendo surpresa encontrarmos a barragem de Diama e um parque protegido, que percorremos por cerca de quarenta quilómetros, por picada, no fim do qual nos foi exigida o pagamento de trinta euros, por viatura, acabando por pagarmos o total de dez euros.

A partir da entrada no Senegal, tendo em atenção o que já acontecia no Sul da Mauritânia, deixamos o deserto e passámos a encontrar a vegetação própria da região subsariana: pequenas árvores e muita vegetação de várias espécies.

Finalmente, já com muitas horas de viagem e de atraso, em relação ao previsto chegámos a Saint Louis, cidade costeira, que, no tempo da colonização francesa chegou a ser a capital do Senegal. Quando atravessamos a cidade para nos dirigirmos ao hotel onde pretendíamos pernoitar, ficámos impressionados com a pobreza e sujidade que encontrávamos, imaginando como seria o Hotel para onde o Camilo e o Francisco nos levavam. Durante o trajeto, ao longo de um grande estaleiro de barcos abandonados coabitavam o lixo, as cabras, os burros e as pessoas.

Depois de o hotel inicialmente escolhido se encontrar fechado para férias, fomos ficar no Diamarek, que lhe fica continuo, acabando por ficarmos num bangaló bastante espaçoso e com dois quartos, ao lado da praia, com um piscina espaçosa e com água morna. Podemos considerar que encontrámos um oásis depois do deserto! Porque gostámos das condições do hotel, porque tinha Hi-Fi de banda larga e porque o preço negociado ficou em 60,00, marcámos mais um dia para disfrutarmos das ótimas condições.


6º dia, sábado, 23 de setembro

Estando em Saint Louis, aproveitámos para visitar a parte antiga da cidade, da época colonial, aonde se encontram dois bons hotéis dessa época e um bom restaurante, bem próximo da sujidade que referenciámos.

Comprámos alguns artigos locais, nomeadamente uma máscara da tradição africana. Depois do almoço disfrutámos da piscina e, eu a Luzinha, demos um passeio pela praia, que é a perder de vista e de areia fina, que se encontrava cheia de lixo

Ao fim do dia, graças à capacidade do sinal Hi-Fi, consegui, através de um site de desporto, o Events Guide, ver o Sporting 1 – Moreirense 1, com pouca atenção, à espera para ver o Benfica 2 – Paços de Ferreira 0. Foram dois bons resultados!

Como eu não abdiquei de ver o jogo do Benfica – Paços de Ferreira, preparámos o jantar com produtos que trazíamos e jantamos à fresca, em frente do Bangaló.

Devo ter um problema no envio de e-mails, porque, apesar da boa capacidade da rede Hi-Fi, não tenho conseguido enviar e-mails, apesar de os receber.

Consegui aceder ao Citius e fiquei aliviado por não ter nenhuma notificação. Uff!!

Deitámo-nos cedo, porque era necessário levantar cedo.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Outubro de 2015 > Restaurante "Ponte de Encontro", do casal Célia e João Dinis (1941-2021).  

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2016) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


7º dia, domingo, 24 de setembro

Quando me levantei, por volta das cinco horas locais, seis horas em Portugal, estava sem equilíbrio, o que me deixou preocupado. Contudo, pouco tempo depois, recuperei permitindo-nos sair por volta das 5,30 horas. 

Depois de atestarmos os depósitos, pela sétima vez, seguimos em direção ao Sul com o objetivo de irmos pernoitar a Bambadinca, já na Guiné, onde o Camilo tem uma casa. 

A estrada ao longo do Senegal não está má, o que nos permitiu avançar dentro do previsto, fazendo alternância na condução em função do cansaço de cada um. Apesar de tanto eu como a Luzinha também conduzirmos, a maior parte da condução tem sido feita pelo Camilo e pelo Francisco.

Para evitar as muitas complicações e controlos levantados na Gâmbia, fizemos um desvio para a contornar. Seguimos o trajeto de Saint Louis, Kebemer, Touba, Kaffrine, Tambacounda, descendo depois para Velingara, KounKané, Wassadou, chegando, por fim, a Pirada,  fronteira da Guiné, onde se passou com facilidade, porque o Camilo, com a sua capacidade de persuasão, conseguiu passar sem pagar a escolta que nos acompanharia a Gabu. Isto é mais uma forma de extorquir dinheiro aos viajantes, já que não existia escolta para nos acompanhar. O Camilo começou logo ali a distribuir pelo chefe do posto algumas das roupas que trazemos, também como forma de agradecimento.

A estrada de Pirada a Gabu, ou melhor a picada, está num estado inimaginável para quem nunca esteve em Africa. São sessenta quilómetros de buracos uns a seguir aos outros e ainda com água porque a época das chuvas só agora terminou. 

Demorámos mais de duas horas para fazer esta distância. Viemos a saber mais tarde, quando encontrámos o Sr. Jorge, que um dos jeeps que um seu empregado trazia, partiu ali o cárter.

Ao chegarmos a Gabu, o Camilo não parou na alfàndega, o que deveria ter feito, vendo-se obrigado a regressar, porque a nossa passagem foi barrada. Aqui perdemos muito tempo e tivemos que pagar o que não tinha sido pago em Pirada. Penso que, mesmo assim, as coisas podem ter sido facilitadas depois de ter falado com o Tenente Coronel Sado, que é um amigo do meu primo Fernando Mota, Eng.º Silvicultor, que esteve com ele na tropa, aqui, na zona de Saltinho. 

Não telefonei para este amigo do Fernando, até porque perdi o telemóvel, mas a oportunidade surgiu quando veio meter conversa comigo um graduado da Guarda Fiscal, que não é daquele posto e que fez formação na Guarda Fiscal, em Lisboa, juntamente com o Tenente Coronel Sado e com o graduado daquele posto. Ao referir-lhe que trazia cumprimentos para o amigo, de imediato ligou para ele com o qual conversei algum tempo. Após a nossa conversa eles voltaram a falar e o telefone foi passado ao comandante da Alfandega. As coisa resolveram-se e no final, o comandante do posto, deu os seus contactos ao Camilo, o que deixa pressupor que as próximas passagens, se as fizer, já serão mais fáceis.

Reiniciámos a viagem com destino a Bambadinca, pretendendo passar por Bafatá para jantarmos no restaurante da D. Célia, aonde chegámos por volta das nove e meia, à mesma hora em que partimos no domingo anterior. Comemos um estufado de vitela, acompanhado de arroz e batatas fritas e de umas Sagres geladas. Recusámos a salada para evitar problemas de saúde. A comida estava ótima e o restaurante é muito frequentado pela qualidade da comida. As instalações, mesmo aquela hora, estavam limpas, mas os anexos e a casa de banho são uns barracões decrépitos. Se lá voltar, porque os achei simpáticos, vou sugerir que façam umas melhorias nas instalações. 

O marido da D. Célia, o Sr. Dinis, é natural de A. dos Cunhados. Fez cá a guerra, uns anos antes do 25 de abril e por cá ficou. Quando comentei a qualidade das instalações com o Camilo ele deu-me uma justificação que se aplica a este caso: “branco quando está muito tempo a viver entre os nativos fica pior do que eles”. Não direi pior, mas igual.

A parte final da viagem até Bambadinca foi aquela em que tive mais medo de um acidente, atendendo a que nos cruzávamos com outras viaturas com os máximo ligados e o Francisco, mesmo podendo fazê-lo não os ligava, o que só fez mais tarde, o que diminuía o nosso campo de visão, agravado por as bermas serem baixas ou inexistentes e por circularem na estrada bicicletas e pessoas sem qualquer sinalização. 

Finalmente acabámos por chegar bem, tendo percorrido 4 250 quilómetros, mais os que gastámos na travessia do Mediterrâneo até Tanger.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Março de 2007 > As antigas instalações para sargentos, que faziam parte do edifício (integrado) onde estava instalado o comando do Batalhão do Sector L1 (no meu tempo, BCAÇ 2852, 1968/70, e BART 2917, 1970/71)... 

O fotógrafo foi o Carlos Silva, hoje advogado... Segundo ele, "o caramelo que está com o télélé, é o nosso camarada António Camilo, de Lagoa, da CCAÇ 1565 (Jumbembem), que vai à Guiné anualmente, 2 e 3 vezes, integrando expedições humanitárias. O tipo é mais apanhado do clima do que eu"... 

Na altura escrevemos: "Segundo me disse o Xico Allen, em 27 de Dezembro de 2007, quando estive com ele e o resto da minitertúlia de Matosinhos, o Camilo será um dos elementos integrantes da caravana (sete jipes e carrinha, num total de vinte e tal pessoas) que, em princípio, partirá de Portugal para a Guiné-Bissau, por via terrestre. e,m 2008.. O Carlos Silva sei que também vai... Espero que o cancelamento do Rali Lisboa-Dacar, devido à alegada insegurança ma Mauritânia, não venham resfriar o entusiasmo e afectar os planos dos n0ssos camaradas que querem também assistir ao Simpósio Internacional de Guileje".

Foto (e legenda): © Carlos Silva (2007). 
Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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sexta-feira, 22 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23188: Notas de leitura (1439): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
O livro de viagens de Amílcar Correia agarra-nos do princípio ao fim. Não é um guia, é um registo muito próprio de contatos humanos e de visitas a lugares onde há um halo mágico, não se descura a presença portuguesa. Há muitos anos atrás, a Fundação Calouste Gulbenkian abalançou-se a um empreendimento que continua a ser singular, o levantamento de arte portuguesa em todos os pontos onde o navegador, o comerciante, o missionário ou a civilização portuguesa marcaram presença, desde a fortaleza às igrejas. Acima desta descabelada controvérsia no Museu dos Descobrimentos ou das Descobertas, ou da escravatura, este património, de um valor incalculável, não pode ser descurado pelas novas gerações, a despeito de uma parte deste património estar associado a valores hoje combatidos. Este livro de Amílcar Correia tem o dom de fazer cruzar património material, o oral e o imaterial, não deixando de alertar para o que se desvanece e merecia o nosso cuidado, porque também faz parte do nosso dever de memória.

Um abraço do
Mário



Ali para as bandas da Guiné e um pouco por toda a África (2)

Beja Santos

“A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007, é um livro de cambanças, tudo começa na mítica Tombuctu, seguiu-se a Mauritânia, o deserto do Sara é um referencial, por diversas razões: é o maior depósito de sal do continente africano, nele se cruzam as redes comerciais entre o Mediterrâneo e a África negra, há mesmo a registar a presença portuguesa na ilha de Arguim, ao largo da Mauritânia. O viajante chega à capital, Nouakchott, e lembra uma frase de um dos maiores repórteres de todos os tempos, Ryszard Kapuscinski: “Uma vez estive em Nouakchott, uma cidade do Sara, onde periodicamente se limpa o asfalto de montes de areia, como na Polónia se limpa a neve das ruas nos meses de Inverno”. A cidade foi projetada para duzentas mil pessoas, hoje tem uma população cinco vezes superior, as gentes dos desertos preferem viver aqui em bairros de lata de que suportar as prolongadas secas. Cidade de disparidades, não faltam lojas que lembram a expansão da sociedade digital e é sobretudo uma cidade segura, como diz o autor: “É impossível passear pelas ruas de Lagos, Maputo, Nairobi ou Joanesburgo como se passeia pelas escuras ruas de Nouakchott”. Estamos num país marcado pelas dicotomias: mouros e negros, a costa atlântica é amena e até ventosa, enquanto o interior é de um calor inclemente no deserto, não é nem Magreb nem África negra. “No plano geoestratégico, o país praticamente não existe. O investimento estrangeiro é invisível e o seu desaproveitamento turístico é a melhor prova disso. Se excetuarmos os telemóveis, os Mercedes, a Coca-Cola e a Fanta, globalização é um vocábulo desconhecido na terra dos golpes militares”. E dá-nos informações chocantes: “A escravatura foi abolida em 1980 na Mauritânia, quando o número de escravos negros rondava os 100 mil, pelo que uma parte considerável da população da Mauritânia terá então passado à categoria de ex-escravos”.

A viagem muda de rumo, segue-se Marrocos, o turismo salta a olhos vistos: “Deixa-me contar que subir o Alto Atlas, de Marraquexe até Ouarzazate é uma prova imprópria para ciclistas. A paisagem vai mudando à medida que a temperatura vai aumentando e o autocarro estafando. Aviso-te que o que Ouarzazate tem para oferecer é muito pouco: um clube Med, voos diretos de Paris e uma lufada de ar quente. Mas há uma atmosfera absolutamente relaxada, um hotel árabe igualmente atmosférico, o Sara logo a seguir”. Fala-se de Agadir, Essaouira, Marraquexe, Rabat, Meknez, Fez, Casablanca. E parte-se para Cabo Verde. Invoca-se um professor canadiano, Richard Pattee que viajou na década de 1950 por parcelas do Império Colonial Português, começou pelo Forte de São João Baptista de Ajudá, no Benim e que quando chegou a Cabo Verde foi sensível ao aspeto lunar, ao deserto insular tropical, sentiu que estava longe de África. O que é verdade, pois o viajante tem sério embaraço com a mistura de cores, com os sinais indeléveis da cultura portuguesa. Desta experiência irá passar-se para outra, São Tomé e Príncipe, começa-se mesmo pela Ilha do Príncipe: “Aos Domingos, em Santo António, também como se nada se tivesse passado, o mar esbarra na marginal e as cabras pastam despreocupadas. A missão católica chega ao fim e as pessoas dispersam-se dolentemente pelas ruas da capital da Ilha do Príncipe. A presença portuguesa nesta ilha resume-se às igrejas católicas, que sofrem agora a concorrência apostólica e adventista, e a um ou outro edifício público insípido. Capital abandonada pelo Portugal colonial, pelo Portugal pós-revolução, pelo governo do arquipélago. A população queixa-se da macrocefalia de São Tomé, mas também se pode queixar de ter sido abandonada por Deus à boca do grande continente em forma de coração”. E cita uma passagem do Plano Nacional de Educação português na década de 1950: “A costa, profundamente recortada e bordada por praias enormes, abre-se, a certa altura, na chamada Baía de Santo António, ao fundo da qual surge a cidade de Santo António do Príncipe que, de 1752 a 1852, desempenhou o papel de capital da província, porque o seu desenvolvimento, desafogo económico e nível de civilização não permitiam que gozasse, à época, das regalias concedidas às restantes províncias do país”.

Agora dá-se um salto até à África Austral, estamos em Inhambane, Moçambique. E veio à baila uma estória incrível do rapto coletivo no corredor do Limpopo. “Foi noticiado que a Renamo raptou todo o cortejo de casamento, incluindo os noivos, quando emboscou uma coluna de viaturas da festa nupcial que seguia da Vila da Manhiça (a 70 quilómetros de Maputo) para o distrito de Chibuto, na província de Gaza. Até ao momento, apenas uma pessoa conseguiu fugir”. E dá-nos um retrato de Inhambane:
“O encanto desta cidade revela-se na esquadria das ruas de traço europeu e das suas casas portuguesas. São habitações de rés-do-chão de uma simplicidade eficaz, rodeadas por um jardim e cujos detalhes se repetem coerentemente pela cidade. O impressionante em Inhambane é esta conservação cloroformizada: há estabelecimentos comerciais cujas montras parecem ter ficado intactas desde 1974. Produtos de um tempo que não existe mais, mas que ali ficaram para nos relembrar que naquela cidade há comboios que ainda não chegaram e bocados de História que ainda não partiram”.

O passado português vai-se diluindo, o país é belíssimo e os turistas falam predominantemente inglês, vêm da África do Sul ou de outro país da África Austral. Sente-se que o viajante está enamorado pela Ilha de Moçambique:
“A ilha pouco mudou. A beleza do traço e da arquitetura da cidade de pedra e cal, a norte, quer a habitada exclusivamente por portugueses, não se apaga, por mais que o tempo fuja. Seria assim o Algarve medieval? Talvez o seja na sua beleza rasurada, como aconteceu com a casa onde Camões, diz a lenda, escreveu a Ilha dos Amores. É bem certo que o abandono e as figueiras-bravas, com as suas raízes aéreas, condenaram a cidade à ruína. Mas, o que classificou a UNESCO como Património Cultural da Humanidade em 1992 não foi a beleza centrífuga das figueiras, cuja sombra pode ser, como diz Pedro Rosa Mendes, ‘uma sala de visitas quando o sol anda na rua’. Foi a Fortaleza de São Sebastião, que data do século XVI, o Palácio de São Paulo, antiga residência do governador, o velho hospital, a Capela de Nossa Senhora de Baluarte, considerada a mais antiga construção europeia do hemisfério Sul, os templos hindus e as mesquitas que fazem da ilha um composto invulgar – o ecumenismo só não vale para a morte, uma vez que cada religião possui o seu próprio cemitério”.

E vem à lembrança Vasco da Gama que aqui chegou em 1498. Aborda-se graciosamente a capulana, peça obrigatória do vestuário feminino em Moçambique, graças a ela mães e filhos ficam inseparáveis, pois a mãe leva o filho às costas. E dá uma explicação:
“Ninguém sabe precisar a origem da palavra capulana. Sabe-se apenas que a expressão não é utilizada em mais nenhum país de língua oficial portuguesa. O uso destes panos de tecido de algodão estampado e colorido ter-se-á tornado mais comum nos países vizinhos da África Oriental durante o século XIX. Contrariamente ao que acontece em outros países vizinhos, as mulheres moçambicanas não usam as capulanas com a esfinge de dirigentes políticos ou com mensagens impressas. Em Moçambique foram poucas as exceções, uma delas foi a capulana com o rosto de João Paulo II”.
E continuamos em Moçambique.

(continua)


Fortim de São Lourenço na Ilha de Moçambique
Mulher com capulana
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23178: Notas de leitura (1438): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 16 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17249: Fotos à procura de uma... legenda (84): o país dos mouros (Luís Graça)





Marrocos > Cordilheira do Atlas, vista do lado oriental > 28 de março de 2017 > Viagem: Erfourd - Tinghir - Ouarzazate >


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Marrocos é o pais dos mouros, e fundamentalemente dos berberes (do árabe, "berber") ... Há uma grande confusão terminológica: mouros, berberes, árabes, tuaregues, beduínos....

O povo berbere – a que a si próprio se chama Imazighen, no plural ou Amazigh, no singular – é um dos povos mais antigos do continente africano. Ou talvez melhor, um conjunto de povos com afinidades etnolinguísticas.

Originalmente, os berberes [palavra grave e não esdrúxula...] viviam em tribos no deserto do Sara, ocupando uma vasta região (que inclui hoje grande parte do Magrebe, o Sara Ocidental, a Mauritânia, Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia).

Cerca de 2/3 ou mais dos marroquinos serão descendentes dos povos berberes. Um terço ainda falará sua língua. Os árabes (os conquistadores, oriundos da península arábica) vêm em segundo lugar. Há depois minorias, incluindo judeus, muitos deles sefarditas (oriundos de Portugal e Espanha, depois do edito de expulsão). (Alguns, disse-me o meu guia, converteram-se ao islamismo, mas continuam a ser "endogâmicos", ou seja, não se misturam; daí ele chamar-lhes "meios irmãos.)

Os berbres tiveram o grande mérito de se saber adaptar ao deserto do Sara e ao rigor do clima (marcado pela cordilheira do Atlas, mil km de comprimentos por 100 de largura). Souberam utilizar o dromedário (camelo de uma bossa...) e ganhar a vantagem da mobilidade, acompanhando as caravanas de mercadores e tornando-se hábeis comerciantes que negociavam quase tudo, desde escravos  a especiarias, pedras preciosas, oiro, peles, tecidos, artesanato, etc. São também bons artesãos, embora melhores sejam os árabes. Nas "medinas" das cidades de Marrocos, em geral, há dois mercados distintos, o árabe e o berbere.

Há várias línguas e dialetos berberes, o que vem a favor da tese da heterogeneidade dos berberes (termo que virá do grego e do latim: bárbaro era originalmente o "não grego"; depois o não cidadão romano; e, em particular, o habitante do nordeste de África).

Os berberes, embora islamizados e arabizados, tem fama de "resistência" e "resiliência" aos conquistadores, incluindo os romanos e os árabes... No caso destes últimos, essa resistência irá até ao séc. XII... O Atlas foi um dos seus refúgios e redutos.

2. O termo mouro vem do latim. Para os romanos, os "mauros" (em latim: mauri) eram todas as populações que habitavam o noroeste da África, ou seja a "Mauritânia"...

Estas populações não eram etnicamente homogéneas, pertenciam a grupo étnico maior, o dos berberes. Com a invasão árabe, e a expansão do Islão (século VII), foram islamizadas e arabizadas. O árabe é, portanto, a língua dos conquistadores, embora ainda subsistam as línguas e dialetos berberes.

A "invasão" (o termo não é apropriado...) da península ibérica, em 711, é feita basicamente por berberes, comandados por generais árabes. Em suma, estas populações juntaram-se aos árabes na conquista da península ibérica durante o século VIII e deixaram profundas marcas entre nós, da genética à arquitetura, da língua à gastronomia...

Com a chamada reconquista cristã, os mouros na pensínsula ibérica (o Al Andaluz) acabam por ser derrotados, expulsos, dizimados, escravizados ou assimilados... O processo vai até ao séc. XIII. Data de 1492, a conquista, pelos Reis Católicos de Espanha, do último reino mouro, o de Granada. Os refugiados estabeleceram-se no norte de África. A maioria dos refugiados andaluzes estabeleceu-se no norte de África.

Com alguma propriedade, pode dizer-se que a "nossa guerra colonial" começa em 1415, com D. João I a conquistar a importante cidade de Ceuta... O seu neto, Afonso V, cohecido como o Africano, é o conquistor de Arzila e Tânger.

3. Marrocos é ainda um país de contrastes... Talvez o país do Magrebe onde as mulheres conseguiram marcar "mais pontos" em termos de emancipação política, económica, social e cultural...


É.um país que, contrariamente à vizinha Argélia, não teve que travar uma guerra extremamente sangrenta para se libertar da "proteção" dos franceses (o protetorado estendeu-se de 1912 a 1956)... A marca colonial está presente em muitas coisas: Casablanca, por exemplo, e a sua arquitetura deco e arte nova... Os topónimos, os sinais de trânsito, etc, são escritos em árabe e francês... Produz-se vinho, há jornais em francês...

Em boa verdade, e durante os 12 dias que por lá andei, senti-me relativamente confortável e seguro... O meu guia, Hammad Kalid, natural de Marraquexe, de pai árabe e mãe berbere, falava as línguas latinas: francês, espanhol, portunhol, italiano... Disse-me que o seu país estava a receber 10 milhões de turistas por ano, pretendendo atingir os 14 milhões... O turismo é economicamente bem vindo, Marraquexe e Agadir são os dois principais polos de atração... São cidades onde a presença policial e militar se faz sentir...

Parece que o árabe que se fala em Marrocos, o "darijá", é língua que, fora do país, poucos entenderão ou falarão, a não ser os marroquinos da diáspora... Creio que é também, o francês, a língua do ensino universitário...

É pena que o uso do francês, como língua estrangeira, tenha decaído no nosso país... Era a primeira língua estrangeira falada em Portugal, desde o séc. XVIII até à minha geração, a do pós-guerra. (LG)

PS - Quis saber, da parte do meu guia, a razão de ser da decadência das brilhantes civilizações de Marrocos... Ele, que é muçulmano,  foi diplomático, dizendo-me em francês qualquer coisa como... "a música e as mulheres"... O Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, diria, como bom luterano holandês, "putas e vinho verde"...

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17244: Fotos à procura de uma... legenda (83): "Nha Terra!", foi o grito de júbilo de um vendedor ambulante de origem guineense, quando encontrou turistas portugueses na "promenade" de Agadir, Marrocos... (Luís Graça)













Marrocos, Agadir, 30 de março de 2017 > "Promenade", passeio marítimo, já cheio de turistas, quer marroquinos do norte, quer estrangeiros nesta altura do ano... Por aqui andaram portugueses na 1ª metade do séc. XVI, a abrir a estrada da globalização, mas acossados pelas tribos bérberes de Tarudante . (A cidade teve o seu apogeu no século XVI, sob Mohammed ech-Cheikh, fundador da dinastia saadiana, que faz de Tarudante a sua capital e uma base para as ofensivas contra os portugueses instalados em Agadir, então chamada Santa Cruz do Cabo de Gué, leio na Wikipédia). (*)

Hoje encontramos, além dos marroquinos,  africanos subsarianos, vendedores ambulantes... Um deles gritou: "Nha Terra!", quando negociávamos com ele uma peça de artesanato, e  lhe dissemos que éramos de Portugal, e que tínhamos estado na Guiné-Bissau... Fez-nos uma festa de todo o tamanho, fez questão de tirar um fotografia com a nossa grã-tabanqueira Maria Alice Carneira (e a mana do Porto), e disse-nos logo que tinha duas tabelas de preços, uma para alemães, e outra para nós, portugueses...

Segundo ele, oriundo de Dakar, a mãe era guineense de Bissau e o pai senegalês... Esta cumplicidade foi boa para o negócio (**)... Em Marrocos (e na África subsariana), tudo se regateia... Nas barbas das autoridades (polícia e militares) que patrulham a cidade e e em especial esta "promenade", a Alice lá comprou a peça que queria, por 20 euros...

Agadir, é depois de Marraquexe, a cidade que recebe mais turistas estrangeiros... É uma cidade "cosmopolita", de planeamento e arquitetura ocidentais... Foi destruída pelo terramoto de 1960. Na altura teria cerca de 40 mil habitantes, dos quais terão perecido metade. Hoje a cidade e arredores terá 600 mil habitantes. Todas as praias à frente à "promenade" são privativas dos hotéis... É o "preço" que se paga pelo desenvolvimento da indústria do turismo, muito importante para a economia de Marrocos. (Agadir está geminadacom Olhão, e lá encontrámos o "jardim de Olhão")... Portugueses e marroquinos vão redescobrindo muitos laços que os approximaram e afastaram no passado...

No norte de África, no Magrebe, Marrocos parece ser um "oásis de paz".. No sudoeste do país,  ao longo da cordilheira do Atlas por onde andei em finais de março de 2017, com muitas horas de autocarro, a fazer em média 50/60 km  (Marraquexe, Ouarzazate, desfiladeiro do Dadés, Tagora, desfiladeiro do Todra, Erfourd, Mersouga, Rissani, vale do Draá, Marraquexe...) , não encontrei um polícia ou um militar, com exceção de Marraquexe,  o principal centro turístico do país... (LG)


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Leio na Wikipédia, sobre Agadir:

(...) "Em 1505, os portugueses edificam ao pé do monte, em frente do mar, a Fortaleza de Santa Cruz do Cabo de Gué de Agoa de Narba, onde foi mais tarde o bairro hoje desaparecido de Founti, (chamado assim a partir da palavra portuguesa fonte porque aí encontraram uma).

"Rapidamente, os Portugueses encontraram dificuldades com as tribos da região, sofrendo longas lutas e cercos, até que em 12 de março de 1541 o xerife, Mohammed ech-Cheikh toma a fortaleza. Seiscentos sobreviventes são feitos prisioneiros, entre estes o governador D. Guterre de Monroy, seus filhos, e sua filha Dona Mécia. Os cativos são resgatados por religiosos vindos especialmente de Portugal. Dona Mécia, cujo marido, D. Rodrigo de Carvalhal, foi morto durante a batalha, tornou-se mais tarde mulher de Mohammed ech-Cheikh. Mas, depois de ter dado à luz uma filha que apenas viveu oito dias, faleceu ela também pouco mais tarde, em 1543 ou 1544, havendo suspeitas de envenenamento pelas outras mulheres do Xerife. Nesse mesmo ano de 1544, Mohammed ech-Cheikh fez libertar o governador D. Guterre de Monroy, com quem tinha amizade (...).

"Depois da perda de Agadir, os portugueses acabam por abandonar Safim et Azamor. Marrocos começa a ter menos importância para Portugal, cada vez mais voltado para a Índia e o Brasil. Depois de 1550, com a perda de Arzila, apenas lhes fica Mazagão, Tânger e Ceuta."(...)


(**) Último poste da série > 9 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17226: Fotos à procura de... uma legenda (82): Meninas de Zagora, no sudeste de Marrocos, às portas do deserto do Saara... (Luís Graça)

domingo, 9 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17226: Fotos à procura de... uma legenda (82): Meninas de Zagora, no sudeste de Marrocos, às portas do deserto do Saara... (Luís Graça)










 Marrocos > Cordilheira do Atlas > Zagora > 27 de março de 2017 > Duas crianças bérberes que espreitam, de manhãzinha,  tímidas mas curiosas, a partida de um grupo de turistas portugueses, chegados na véspera ao hotel Palais Amaa, vindos de Ouarzazate. (Fotos tiradas à distância, com zoom, do interior do hotel, a primeira, e as restantes do interior do autocarro que seguia para Erfoud.)

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17019: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (40): 4 - O amigo Mohammed de Santa Maria da Feira

Vista aérea de Santa Maria da Feira
Com a devida vénia a Cultura Norte


1. Em mensagem do dia 29 de Janeiro de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", dá por fim à sua mini-série "O meu amigo Mohammed", com o envio da quarta história: o seu amigo Mohammede de Santa Maria da Feira.

Caro amigo
Aí vai a história do 4.º Mohammed, o de Sta Maria da Feira.
Grato pela colaboração e apoio.
Abraço
JFSilva


Memórias boas da minha guerra

40 - O amigo Mohammed

4 - De Santa Maria da Feira

O Neca do Souto era mais um dos jovens do meu tempo, oriundos de família humilde, condenados ao trabalho precoce. Ainda experimentou o trabalho de moço no fabrico de calçado junto do pai, mas logo optou pelo sector corticeiro. Lembro-me dele jovem, com fama de “trabalhador desenvolvido”, o que lhe dava oportunidade de ganhar “mais que a tabela”. Conversámos em Bissau (1968), quando ele já estava de regresso (eu chegava das férias). Contou-me que tinha juntado umas “coroas” antes de ir para a tropa, pois não contava com o apoio familiar, para aquele período. Todavia, não queria continuar no mesmo trabalho, pelo que pensava emigrar, logo que chegasse à terra.

Pilha de cortiça no campo

Quando regressei ao sector da cortiça (1987), já o Neca se tinha estabelecido no negócio da venda de cortiça em prancha. Com o dinheiro amealhado como emigrante na Alemanha, e, ainda, conhecedor do ramo corticeiro, havia aproveitado o bom momento que esse sector atravessava e lançou-se. Desta forma, veio a ocupar uma certa importância social que antes nunca obtivera. Além disso, pusera cá o filho Américo, a estudar no Colégio dos Carvalhos, a quem esperava dar outro nível de formação escolar.
Porém, o Américo não aproveitou bem o tempo de estudo. Contrariamente, era bem conhecido pelo seu corpanzil dolente, pela sua sornice e pelas faltas às aulas. Quando o pai se apercebeu de que ele já não ia longe nos estudos, chamou-o para o integrar na empresa ainda antes de ele ter ido fazer 4 meses de serviço militar.

Regressado da tropa, o Américo passou a sócio do pai e encheu-se de voluntarismo no negócio. Remodelou a empresa que, agora, além da venda da cortiça, passara à produção de rolhas. Ora, esta evolução, coincidindo com a entrada do jovem naquele meio empresarial, deu-lhe um estatuto de admiração e respeito. Por sua vez, o Américo aproveitava o momento e retribuía com simpatia, aprumo, bons carros e melhor vida. Tivemos, então, uma ligação mais próxima, mesmo para além do negócio. Confesso que o rapaz me despertou alguma simpatia.

Foi nessa altura que ele começou a aproximar-se da Mari Carmen do senhor Fontes, que havia chegado recentemente da Venezuela, onde a vida lhe correra favoravelmente. Ela completara os 18 anos mas mantinha a sua inexperiência amorosa e um comportamento bastante introvertido. Loira e muito atraente, mostrava bem que não é por acaso que as venezuelanas vencem tantos concursos de beleza. Foi um casamento de arromba. Já há muito tempo que não se via uma grandeza daquelas. Tudo que era importante, foi convidado para o evento.

Agora, o Neca já não tinha controlo em tanto investimento. Aquele negócio simples de comprar por 10 e vender por 11, melhorado, ainda, com alguma percentagem de pronto pagamento, foi cilindrado pelas despesas ou inovações criadas pelo filho. Por outro lado, a vida folgada que levava, nada favorecia o necessário maneio financeiro para aquele negócio. Foi fácil a obtenção de crédito baseado nas boas contas do pai. Porém, agora já não era possível comprar matéria-prima com as mesmas vantagens de outrora. Se antes se beneficiava de descontos de pronto-pagamento, agora teria que se pagar os juros das letras ou dos créditos solicitados.
Os juros correm noite e dia e as receitas necessárias não chegavam para tantos compromissos. É nesta fase, que o Neca do Souto, habituado às compras no Alentejo e Estremadura espanhola, se aventurou na aquisição de cortiça em Marrocos, onde era de preço mais acessível.

Nessa altura, o Neca, sabendo da minha facilidade na exportação de rolhas aglomeradas, falou-me da possibilidade da aquisição de um bom stock disponível de bastões desse material, próximo de Rabat. Por várias vezes encontrei lá o Neca acompanhado de um empregado que o ajudava na preparação das cargas e na vigilância da cortiça adquirida. O filho Américo também lá ia e até chegou a levar a mulher.
Um dia fui convidado para o serão no Hotel Kasbah, onde aparecem os melhores artistas musicais. Embora a música me parecesse quase sempre igual, a verdade é que ela excitava a assistência, especialmente quando acompanhada de bailarinas rebolando os seios e remexendo o umbigo e o baixo-ventre.
https://www.youtube.com/watch?v=6W3krLcMwJ8

Ali encontrámos o Neca do Souto e o seu amigo Sousa de Lourosa, acompanhados de duas belas jovens. Segundo o meu amigo Takirene (futuro sócio), este tipo de comportamento era normal. Explicou que as miúdas se apegam ao “seu homem” e o respeitam integralmente enquanto a relação se mantivesse. Ora isso já vinha acontecendo com o Neca do Souto, uma vez que passava lá grande parte do tempo. Quanto ao seu amigo Sousa, o caso era diferente. Gostava de ir a Marrocos e quando levava a mulher fechava-a no quarto, “por segurança”, enquanto saía para tratar dos negócios. “Preocupado”, dizia-lhe para não abrir a porta a ninguém. Constava que, nos habituais engates, chegou a servir-se de um quarto encostado ao da sua mulher.

Hotel em Temara

Eram lindíssimas as raparigas que proliferavam por ali, pela zona de Temara. Como essa zona balnear era bastante frequentada pelo turismo de qualidade, elas disputavam-se pela sua formosura, beleza e juventude. Apareciam pelo hall de recepção nos vários hotéis locais. Quando o número delas se excedia, lá vinha a “ramona”, que as levava por uns tempos, dando lugar à aproximação de outras. Dizia-se que a prostituição era proibida e era preciso salvaguardar essa boa imagem.

LaPlage Sable D’or

Normalmente a história dessas miúdas passava pela mesma causa: fuga da família. Eram criadas como um bem material para ser vendido em casamento. Porém, perdiam todo o seu valor em caso de perda da virgindade. E quando elas, ao casar, escondiam a realidade, enfrentavam perigo de morte. Falava-se que elas chegavam a desaparecer devido a crime perpetrado pelos próprios familiares.
Como profissionais do sexo, manifestam-se muito mais amorosas que prostitutas. Fazem tudo para prolongar as ligações amorosas que conseguirem. Vivem no sonho de vir a ter um só homem (amante/companheiro).

Como era espectável, a empresa do Neca passou a ter dificuldades financeiras. A produção de rolha foi-se reduzindo, tal como o número de trabalhadores ao serviço. A aposta em Marrocos acentuava-se de tal maneira que o Neca já passava lá a maior parte do tempo e o filho Américo também parecia “fugir” para lá, sempre que podia, na esperança de alcançar algum negócio fácil e rentável.

Como a Mari Carmen se recusava a voltar a Marrocos, o Américo também aparece por ali numa situação tentadora, possivelmente estimulada pelo exemplo do pai. E quando ele apareceu exuberante e descontraído a marcar quarto (suite) no hotel, apercebeu-se logo do interesse de Fátima Fakih, que o estava a mirar por perto. A miúda era muito gira e parecia ser a preferida naquele tipo de conquistas. Ele pareceu ficar hipnotizado. Dali, ao convite para um passeio, foi um repente.

Deixei de o ver por cá. Encontrei-o em Skirat. Vestia um balandrau cinzento claro e cobria a cabeça com aquele chapéu avermelhado em forma de vaso - um marroquino a rigor. Perguntei-lhe:
-Como é rapaz, estás a emigrar?
Ele, que não contava comigo, respondeu-me:
- Olhe, não é bem isso, mas estou bastante entusiasmado por uma mudança.
- Mas não podes fugir. És um homem casado e tens também os compromissos empresariais de muita responsabilidade.
- Não estou a fugir Sr. José. Claro que estou a procurar forma de pagar os meus encargos e vou conseguir.
E continuou:
- Também espero resolver o problema da mulher. Eu não a quero abandonar. Ela compreenderá o esforço que estou a fazer. Alá é grande!

Falámos do negócio e das implicações sentidas com as dificuldades financeiras. Claro que ele se mostrou ciente e capaz de controlar a situação.
Por fim, abriu-se um pouco mais e confessou que estava convicto de ter encontrado o amor da sua vida. Inicialmente fora atraído pela beleza e pela entrega amorosa que a Fátima Fakih lhe proporcionara mas, à medida que o tempo passava, maior era a paixão que sentia por ela.
É evidente que para além do sucesso nas relações sexuais, ele lhe descobriu outros valores que o prenderam.

Nunca mais o vi. Soube mais tarde, pelo próprio pai que o Américo fizera um retiro para aprofundamento do conhecimento da religião islamita, à qual se convertera e que até mudara de nome. Agora chama-se Mohammed Adib e vai casar com a Fátima Fakih, de Casablanca.

Em forma de comentário, o Neca acrescentou:
- Estas miúdas parecem que têm feitiço. São tão giras e tão meigas, que derretem qualquer gajo.

A empresa do Neca abriu falência e foi liquidada por vários credores. Deixei de os ver e, como eu precisava de acertar uma questão financeira pendente, fui procurar o contacto deles, através do Sr. Fontes, pai da Mari Carmen. Mal referi o nome do genro, ele reagiu:
- Nem me fale nesse filho da puta. Olhe que ele teve a coragem de vir falar com a minha filha para a convencer a ir viver com ele, porque, na sua nova religião, ele pode ter as duas mulheres.

Silva da Cart 1689
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16983: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (39): 3 - O amigo Mohammed de Marrocos