Queridos amigos,
Não sou capaz de conjeturar o que teria sido a minha vida sem os benefícios que auferi (e aufiro) da Fundação Calouste Gulbenkian. Recordo com alguma precisão a primeira visita que fiz ao Palácio do Marquês de Pombal em Oeiras, senti-me então desorientado com aquele ecletismo de antiguidade oriental, arte islâmica, preciosidades da Pérsia, aquela deslumbrante ourivesaria francesa, nunca vira as obras de René Lalique, o genial artífice do período da Arte Nova, até chegarmos a Burne-Jones, que prontamente me fascinou. O meu débito é interminável, é uma enorme fatura que mete música, bailado, exposições de topo de qualidade, as leituras naquela biblioteca passadas todas estas décadas é a casa de livros mais artisticamente arrojada que conheço, os ciclos de cinema e a doce recordação dos tempos adolescentes em que entrava nas bibliotecas itinerantes e as conversas entre miúdos sobre as nossas leituras. E andava ali pelos jardins quando me ocorreu que não era sem tempo que eu aqui saudasse quem tantas alegrias me proporcionou.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (96):
Hoje, quero muito simplesmente dizer ao senhor Gulbenkian que lhe estou grato (1)
Mário Beja Santos
Passeava displicentemente pelos Jardins da Gulbenkian, com a curiosidade nos trabalhos que se efetuam onde era o Centro de Arte Moderna, quando me ocorreu quanto impagável é a dívida que tenho com esta Fundação. Em adolescente, visitei uma parte do que é hoje o museu no Palácio do Marquês de Pombal em Oeiras, fiquei ofuscado com o ecletismo da coleção, o que levara um arquimilionário a juntar moedas, tapetes, peças escultóricas, ourivesaria e artes decorativas, pintura que se arrastava da Idade Média ao princípio do século XX, mobiliário, marfim, arte oriental? Ainda sem resposta satisfatória, juntava tostões para ir a alguns espetáculos do festival de música, foi assim que conheci artistas de eleição como Arthur Rubinstein, Henryk Szeryng, Maurice Béjart, frequentei a biblioteca no novo edifício, para já não falar nos livros que li graças à biblioteca itinerante, de saudosa memória… E depois a companhia de bailado, os recitais gratuitos, as inolvidáveis exposições, até chegar à majestosa museologia que acolhe a Coleção Gulbenkian, que visito com regularidade, às vezes única e exclusivamente para ver uma peça ou duas. Como pagar tal dívida de gratidão?
E foi assim que tomei a decisão de saudar quem tanto bem me tem feito, entrei de supetão no museu, dizendo para os meus botões, venho agradecer-lhe, senhor Gulbenkian mostrando aos meus amigos algumas dessas peças que para mim são “só o melhor” dentre o que adquiriu, o mesmo é dizer aquelas que mais me tocam, desde que as conheço, minhas amigas e conhecidas desde há mais de meio século. Entenda-se que é tudo uma questão de gosto, não há aqui qualquer classificação, se omitir tapeçaria oriental, mobiliário francês, pintura romântica, etc., a omissão não significa outra coisa que não são as minhas excelsas peças, o polo de atração, independentemente de acompanhar amigos estrangeiros e enaltecer a qualidade de tudo quanto se vê.
Começo as minhas escolhas no século IX a.C.
Detenho-me sempre, não pela imponência da figura por este magistral claro-escuro, o que me prende a atenção são aquelas duas mãos de veias salientes, aquelas marcas da idade, aquela descrição de um pequeno anel ou mesmo aliança no dedo mindinho da mão esquerda, aquelas mãos que com naturalidade seguram o bordão, e então os olhos descem para o panejamento onde assume alguma luz junto dos joelhos, porque toda a iluminação vem de cima, desce do rosto para as mãos e nesses joelhos se detém, é o domínio genial que Rembrandt possuía para nos atrair ao ponto focal da sua obra.
Pois bem, ainda há outras preciosidades para vos mostrar, fruição que devo a quem amou o nosso país e nos deixou estes relicários.
(continua)
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Notas do editor:
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