Queridos amigos,
Talvez seja útil dar aqui uma justificação destes elementos soltos que vou recolhendo na Biblioteca da Sociedade de Geografia. Considero, em primeiro lugar, que a historiografia carece do mais rigoroso levantamento que as circunstâncias permitem quanto a publicações da época, desde artigos nestes anuários, imprensa periódica, boletins, relatórios da administração, e muito mais. É na conjugação destas peças que podemos ir clarificando a nossa presença colonial. Em segundo lugar, e como este artigo de anuário permite antever, a colónia estava à procura de um novo rumo, a administração é incipiente, há experiências na produção agrícola, sonhou-se com a criação de gado (rotundo falhanço), criaram-se casas agrícolas, irão falir uma a uma (caso da Sociedade Agrícola do Gambiel), não havia o cuidado de atrair a população a um projeto onde eles se sentissem parte integrante, os gestores limitavam-se a querer pagar à jorna, não entendiam que o agricultor precisa de ter ligações à terra ou saber que está a tirar vantagens de um contrato de associação. Tinham entrado em força os intermediários, seguir-se-ão a Casa Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, adquirirão terras que nunca exploraram. Não conheço nenhum estudo rigoroso sobre todos estes falhanços do experimentalismo agrícola, a despeito dos estímulos dados para o conhecimento de culturas ajustadas. E ainda hoje se pode ler com pertinência o conjunto de artigos que Amílcar Cabral escreveu quando tinha responsabilidades na Granja Agrícola de Pessubé.
Um abraço do
Mário
Informações sobre a Guiné no Anuário Colonial de 1917
Mário Beja Santos
É bem curioso o que neste volume do Anuário Colonial, editado pela Imprensa Nacional no mesmo ano de 1917 se diz sobre a colónia, tanto dependente de Cabo Verde como sobre a sua história em tempos de autonomização. Abre o artigo com a narrativa do descobrimento da Guiné (dados hoje ultrapassados), segue-se uma descrição sobre o comércio feito pelos moradores da ilha de Santiago, desde o início do séc. XVI, diz-se que o seu principal trato se efetuava no reino de Budumel e particularmente na angra de Besiguiche, e dali se espalharam pelos rios Gâmbia, São Domingos e Casamansa, rio Geba e Rio Grande de Buba. Os portugueses tinham uma feitoria nos Banhuns, na região de São Domingos, rio que também era chamado de Farim. No fim do séc. XVI, foi nomeado primeiro Capitão-Mor de Cacheu António de Barros Bezerra, que fortificou a povoação. A narrativa prossegue elencando tratados, litígios permanentes com os autóctones, refere-se a presença francesa e inglesa e assim chegamos à questão de Bolama. Um dado curioso deste tópico é que não há referência à convecção luso-francesa depois de todas as peripécias da gradual ocupação dos franceses do Casamansa. Esta resenha histórica fina-se com a menção ao desastre de Bolor, que conduziu à separação da Guiné de Cabo Verde.
É mais adiante, a propósito da superfície da Guiné que se alude ao Tratado de 12 de maio de 1886 e aos respetivos trabalhos de balizagem, o número avançado é de 36.125km. Faz-se igualmente menção à orografia, portos e população. Diz-se haver falta de dados seguros sobre a população da Guiné. “Os mais dignos de crédito fazem atribuir à colónia aproximadamente 289.000 almas.” Segue-se uma citação do livro sobre a Guiné portuguesa redigido pelo antigo governador Carlos Pereira: “No regulado do Cuor, situado na margem direita do Geba, defronte de Bambadinca, habitavam até 1908 Biafadas, cujo chefe Infali Soncó. Depois de ter sido destituído, os Biafadas abandonaram o Cuor, indo uns para o Oio e outros para Quínara. O governador investiu como régulo do Cuor o Serua Abdul Injai, ao qual se juntaram muitos outros indígenas pertencentes a diversos grupos étnicos fora da Guiné (Turancas, Serua, Saracolés, etc.). Abdul Injai não conseguiu que o Cuor se povoasse de indígenas da colónia. E como o território é pobre, foi abandonado por Abdul e ocupado imediatamente pelos Oincas, reconheciam o território como meio de comunicação indispensável com o rio Geba.”
Na referência à navegação, menciona-se que o Governo mantém uma esquadrilha de lanchas-canhoneiras, pequenos vapores e lanchas de vela. Falando das linhas de navegação, é recordado que além dos vapores ingleses fazer o serviço costeiro ao longo da costa da Senegâmbia, os portos de Bolama e Bissau estão ligados à metrópole pela carreira mensal que também passa pelo arquipélago de Cabo Verde, e adianta-se que o porto de Bissau está ligado mensalmente com a vizinha colónia francesa por uma carreira de vapores franceses.
As comunicações telegráficas eram efetuadas por cabo submarino, e mais se diz que a comunicação telegráfica terrestre estava no início. As povoações mais importantes são mencionadas: Bolama, Bissau, Cacheu, Farim, Geba, Buba e Cacine.
No destaque feito ao regime político administrativo, adianta-se que as possessões da Senegâmbia eram consideradas num concelho em tudo sujeito ao governador-geral da província de Cabo Verde, e mais se diz que este concelho era dividido em praças e presídios, administrado por um governador chamado da Guiné portuguesa, residente em Bissau. As praças fortes, presídios e mais pontos habitados, dependentes do Governo, tinham um chefe responsável. O artigo aproxima-se da desanexação da Guiné face a Cabo Verde. Por carta de Lei de 18 de março de 1879, foi o território da Guiné desanexado da província de Cabo Verde, constituindo-se uma província com governo independente, ficando igual em consideração e atribuições ao Governo de São Tomé e Príncipe, e tem a sede em Bolama.
Lendo o artigo com atenção, fica-se a saber que o governador é omnipotente, nomeia os chefes responsáveis das ditas Praças Fortes e Presídios, é ele que nomeia a comissão municipal, fica obrigado a visitar anualmente duas vezes, pelo menos, a praça de Cacheu e uma vez todos os fortes e presídios que fazem parte do seu governo; também em cada praça ou presídio havia um chamado juiz dos grumetes, igualmente nomeado pelo governador da Guiné. Para o autor do artigo, há outras datas a ter em conta: em 21 de maio de 1892, dá-se a organização do distrito autónomo da Guiné; em 18 de abril de 1895 é criado o distrito militar autónomo da Guiné; e quanto a circunscrições administrativas há a registar os concelhos de Bolama e Bissau e as circunscrições de Geba, Cacheu, Farim, Buba, Cacine, Brames e Bijagós. Esclarece-se que na Guiné não existem indústrias próprias. Destaca-se a riqueza agrícola, sendo a borracha, o coconote, a mancarra, a cera e o arroz os principais produtos (atenda-se neste tempo a produção orizícola ainda era muito baixa).
Quanto ao quadro de instrução pública, era composto por 9 professores: 2 em Bolama, 1 em Bissau, Cacheu, Farim, Bafatá, Canchungo, Bambadinca e Buba; e 4 professoras em Bolama, Bissau, Cacheu e Farim. A estrutura viária era praticamente inexistente, como se escreve: “Há execução de um troço de extensão de 3.700 metros na estrada de Bolama à Ponta Oeste, não existem na Guiné vias de comunicação que mereçam a classificação de estradas. Há largos caminhos rasgados no mato, acompanhados lateralmente de valetas em terra, bastante regularizados alguns, para trânsito de veículos, se os houvesse na província.”
No ano de 1915, os serviços telégrafo-postais da Guiné eram executados por 8 estações telégrafo-postais, por 6 estações exclusivamente postais e 2 estações exclusivamente telegráficas, estas pertencentes à Eastern Telegraph Company. No que toca à organização militar, diz-se que o governador é o comandante superior de todas as forças militares, tem ao seus dispor 2 companhias indígenas de infantaria e 2 secções de artilharia. E quanto aos serviços da marinha, regista-se uma esquadrilha composta pelas lanchas-canhoneiras Zagaia e Flecha e dos vapores Bissau, República, Rio Corubal, Rio Mansoa, Capitania e Oio. E ficamos a saber, quanto a instituições de saúde, que há em Bolama um hospital militar e civil e delegações e enfermarias em Bissau, Cacheu, Farim e Bafatá.
Carta da colónia da Guiné, 1933
Antigos armazéns da Casa Gouveia, Bolama
O Pidjiquiti, cerca de 1890
____________Nota do editor
Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24162: Historiografia da presença portuguesa em África (360): As últimas décadas de comércio negreiro na Senegâmbia e Cabo Verde (Mário Beja Santos)
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