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sexta-feira, 17 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25536: Notas de leitura (1692): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Iniciámos a leitura do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde (e da Costa da Guiné) em 1850, deu-se conta de que os assuntos continentais tinham um peso ínfimo, referências às taxas e pautas aduaneiras, nomeações, transferências, dentro daqueles conteúdos de caráter cultural aparecia um artigo sobre a cultura do amendoim; das tentativas de usurpação quer britânicas quer francesas, nem uma só palavra; e eis que, inopinadamente, em 1853, sucedem-se as referências a Honório Pereira Barreto, a um auxílio francês a uma sublevação em Bissau de que resultou um oficial morto e o governo de Sua Augusta Majestade entendeu conceder uma pensão à viúva, o Governador Geral aceita visitar a Costa da Guiné e na praça de S. José de Bissau conversa com os reis locais e com o juiz dos Grumetes, promessas de amizade não faltam; até um 2º farmacêutico é deslocado da vila da Praia para Bissau... Algo está a mexer nas preocupações coloniais com os estabelecimentos de Cacheu e Bissau e até ficamos a saber que uma alta entidade está isenta de pagar qualquer importância por entrar em Bissau com um seu escravo que é também seu criado. A ver se daqui em diante este Boletim Oficial, tão silencioso com a Senegâmbia, passa a ser mais informativo.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (3)


Mário Beja Santos

O ano de 1853 traz surpresas, fala-se da Costa da Guiné com mais fluência, não são só as taxas aduaneiras nem as receitas alfandegárias, nem as férias nem as transferências de militares e funcionários, até Honório Pereira Barreto é mencionado com mais regularidade, os negócios guineenses, afinal de contas, chegam ao Reino. Como vamos ver.

No Boletim Official de 19 de abril desse ano, o Chefe de Estado-Maior da Praça de S. José de Bissau, Francisco Maria Barreiro de Arrobas, dirige-se ao negociante António Joaquim Ferreira, este fizera oferecimento para que na escuna Progresso de Bissau sua Excelência o Brigadeiro Governador Geral da Província viajasse da vila da Praia para Bissau, o governador agradece e aceita e dará o devido conhecimento ao governo da Augusta Soberana de mais um feito de um dos habitantes de Bissau que tem concorrido para cimentar a sua prosperidade. Neste mesmo boletim fala-se do Forte de S. Belchior, que dominada a navegação do rio Geba, era premente concluir a reparação do armamento da instalação militar, eram insuficientes os donativos oferecidos por vários habitantes de Bissau, pelo que o governador determinava haver despesa por conta da Fazenda; mas há mais informações, desta feita o conserto do Forte do Pidjiquiti, da tabanca e da estacada que limitam a povoação de S. José de Bissau, o Governador Geral ordena que o governador interino da Guiné Portuguesa faça arrematar em hasta pública a reparação das obras, adjudicando-a a quem por menor preço a fizer, e com as precisas garantias de segurança, devendo o Recebedor Particular da dita Praça satisfazer o preço da arrematação logo que as obras estejam concluídas; e também se fica informado que João Marques de Barros dera conhecimento ao Governador Geral da oferta de construir à sua custa uma casa em continuação da que serve atualmente de hospital militar, oferecendo também o seu patacho Sabino para transportar gratuitamente de Cabo Verde para Bissau a força de tropa que convier ao mesmo Governador-Geral; não se ficam por aqui as informações do Boletim Oficial de 19 de abril, como se pode ler adiante:
“Tendo o cirurgião civil António Joaquim Ferreira, encarregado do hospital militar dessa Praça de S. José de Bissau, representado em indispensável necessidade e um farmacêutico para os medicamentos para o mesmo hospital, e para os particulares, obrigando-se a empregar o dito farmacêutico na sua botica particular, com os vencimentos que lhe competem por lei, pagos à sua custa, e fazendo-lhe ainda outras vantagens: o Governador Geral, reconhecendo quanto esta proposta é vantajosa à Fazenda, à humanidade, e até mesmo ao empregado que para isso fora nomeado: ordena que o 2.º Farmacêutico da Província, atualmente sem exercício algum na vila da Praia, embarque a bordo da escuna Progresso de Bissau, e venha para esta praça exercer as funções que lhe são próprias.”

E temos agora uma nomeação de Honório Pereira Barreto, vejamos os termos:
“Sendo da mais urgente necessidade estabelecer um sistema de administração para as possessões da Guiné Portuguesa que esteja em harmonia com os costumes dos habitantes das mesmas possessões e livre as autoridades do arbítrio que muitas vezes se veem obrigadas a recorrer pela inexequibilidade do que se acha determinado no Código Administrativo em uso na província: o Governador Geral manda criar uma comissão, composta do Governador da Guiné Portuguesa, que será o presidente, do Comendador Honório Pereira Barreto, residente em Cacheu, e do negociante e proprietário de Bissau, António Joaquim Ferreira, a qual comissão, tendo em vista as necessidades dos povos, e as medidas que melhor efeito tem produzido nas possessões estrangeiras desta mesma Costa da Guiné, discuta, organize, e proponha o projeto de Regulamente para a Administração Civil da Guiné Portuguesa, que mais conveniente lhe parecer.”

Mas ainda a missa vai no adro, temos agora matéria para o Diretor da Alfândega de Bissau, veja-se a delicadeza do assunto, quem assina é o Governador Geral:
“Tendo representado o Major de Veteranos – Francisco Alberto de Azevedo – que quando fora ultimamente para Bissau na qualidade de Governador Interino da Guiné – levara em sua companhia um escravo bona fide do serviço da sua casa, tendo prestado na alfândega desta vila a competente fiança, na conformidade das obras estabelecidas, acontecera que na Alfândega de Bissau lhe exigiram o pagamento de direitos pela importação do mesmo escravo: e sendo certo que tais direitos foram indevidamente exigidos, porque a lei isenta de tal pagamento um escravo que for transportado deste arquipélago para qualquer possessão portuguesa aonde hajam escravos – em companhia de um cidadão que se ausente por tempo indeterminado; o Governador Geral determina que o Diretor Interino da Alfândega de Bissau faça restituir ao referido major os direitos que porventura tiver pago pelo escravos que levou em sua companhia quando ultimamente foi àquela Praça na qualidade de Governador Interino da Guiné.”

Estamos agora 6 de outubro do mesmo ano de 1853, fala-se de ocorrências que tiveram lugar na Praça de Bissau onde houvera atos de manifesta indisciplina e rebelião, houve que intervir o brigue de guerra francês Palinure e fazer punir os criminosos. Foi muito agradável a Sua Majestade ver as diligências do Governador Geral, a quem solicita que lhe seja participado que é mandado o vapor Mindelo à província de Cabo Verde conduzindo a força militar e pólvora constantes da relação elaborada; que o Governador Geral dará a esta força o emprego que lhe parecer mais conveniente; que foi muito sensível à mesma Augusta Senhora a morte do Primeiro Tenente La Gillarduse, da tripulação do brigue francês Palinure, comandante do primeiro pelotão da força daquele brigue que atacou os sublevados; e que tendo decidido decretar uma pensão à viúva do mesmo oficial e dar testemunho de agradecimento aos oficiais do mesmo brigue.

Por último, dá-se conta da palavra com que os reis de Bandim, de Antim e de Antula e o juiz dos Grumetes de Bandim, Simão Cabral. Houvera reunião na Praça de S. José de Bissau em 30 de setembro de 1853, tinham estado presentes o Governador Geral, os referidos reis e o referido juiz de Grumetes com os seus séquitos. O governador expressou a sua satisfação de ver reunidos estes reis amigos e que queria que ficasse estabelecido para sempre que tanto os habitantes da Praça podiam ir livremente ao chão dos reis como estes podiam vir à Praça sem que de parte a parte houvesse receio algum. Sua Excelência disse que tinha toda confiança no que os ditos reis prometeram. O rei de Bandim declarou que uma vez que esta amizade, que ele queria, fosse sincera e verdadeira, ele não se opunha à entrega dos escravos fugidos, mas era preciso que fosse da Praça buscá-los, e assim seriam entregues. O juiz dos Grumetes e o rei de Bandim declararam mais, que eles julgariam firme a amizade, se fosse permitido que os Grumetes tornassem para dentro da Praça como dantes estavam. Assentou-se que seria permitido aos Grumetes virem a edificar casa junto da povoação e ficou também acordado quanto aos escravos que as canoas que os transportassem para Serra Leoa ou outro ponto qualquer seriam apreendidas.

É fácil de concluir que o relacionamento entre a governação portuguesa e os reis de Bissau melhorava a olhos vistos, sabe-se que eram juras e entendimentos muito temporários, tudo voltava a faiscar rapidamente com as respetivas sublevações e mortandades.

Mas algo se pode reter da leitura deste Boletim Official em 1853. Há uma administração que começa a funcionar; a França, por tática diplomática, auxilia as autoridades a reprimir as rebeliões; a classe mercantil prontifica-se a ajudar a pagar reparações; em 1853, há Forte em S. Belchior, o que significa que se caminha tenuemente para uma ocupação; e, melhor ou pior, as alfândegas funcionam e ajudam a cobrir os encargos inerentes à presença portuguesa.


Vista antiga de Cacheu
Estátua de Honório Pereira Barreto na Bissau colonial
Imagem do século XIX de Vila da Praia

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post anterior de 10 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25504: Notas de leitura (1690): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 13 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25518: Notas de leitura (1691): BART 3873 - História da Unidade - CART 3492 / CART 3493 / CART 3494 - O Sector L1 de 1972 a 1974, e as minhas lembranças de 1968 a 1970 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25504: Notas de leitura (1690): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Até ao momento o Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde não nos trouxe nada de retumbante ou, pelo menos, de inédito, sobre a Costa da Guiné, Possessões da Guiné ou Estabelecimentos de Cacheu e Bissau; é um Boletim Oficial que hoje seria inadmissível, tem noticiário jornalístico, folhetins românticos, artigos de cultura geral, tudo à mistura com receitas alfandegárias, nomeações no arquipélago, o papel dos padres, nomeações e aposentações. Já estamos em 1853, vivemos numa atmosfera de Regeneração, o Duque de Saldanha já expulsou do Governo Costa Cabral, entrou em funções Fontes Pereira de Melo; aqui se fala da criação do Governador da Guiné (dependente do Governo Geral de Cabo Verde), este Governador-Geral visitou a Costa da Guiné e parece que veio de lá muito satisfeito, temos informações sobre escravos que não podem ir de Farim para Cabo Verde, há um pedido de isenção de direitos da Casa Nozolini Júnior & C.ª; um aspeto que não deixa também de chamar à atenção é o pedido (certamente formulado pelo Rei D. Fernando II) de exemplares zoológicos, mineralógicos e botânicos da Guiné para serem incorporados nos Museus do Reino. E vamos continuar a pesquisar.

Um abraço do
Mário


Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (2)


Mário Beja Santos

Dando continuidade à leitura do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, procurou-se informações sobre a Costa da Guiné ou os Estabelecimentos de Cacheu e Bissau nos anos 1852 e 1853. Reina em Portugal Dona Maria II por Graça de Deus, Rainha de Portugal e dos Algarves, Daquém e Além-mar em África, Senhora da Guiné, e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Pérsia, Arábia, e da Índia, etc. Não é demais salientar que as notícias alusivas ao que chamamos Guiné são residuais, avultam as receitas alfandegárias, é um Boletim Oficial que insere folhetins amorosos, a viagem de Dona Maria II e família ao Minho, calorosamente recebidos e poupados por um incêndio devastador, há artigos de erudição sobre a temperança, o que se cultiva na Sibéria, o valor das florestas, ficamos inclusivamente a saber que a Rainha Vitória foi agredida à porta da residência por um alferes que lhe deu uma paulada, a monarca escapou por um triz, graças ao chapéu. A leitura promete, folheia-se com paciência a ver quando a Guiné entra em cena.

Permito-me ir um pouco atrás, estamos a 18 de maio de 1850, ficamos a saber que a Rainha pretende incorporar nos museus do Reino alguns exemplares zoológicos, mineralógicos e botânicos que se possam encontrar nas Possessões da Guiné, bem como em Cabo Verde. E manda criar nas Praças de Bissau e Cacheu comissões que procedam a tal levantamento, no caso de Bissau a comissão era constituída pelo Governador, Carlos Maximiliano de Sousa, acompanhado por três vogais, o cirurgião António Joaquim Ferreira e Caetano José Nozolini e João Severiano Duarte Ferreira; quanto a Cacheu, a comissão era constituída pelo Governador, José Xavier Crato, e por três vogais, um deles Honório Pereira Barreto. Eram dadas instruções para a colheita, acondicionamento e transporte dos produtos e exemplares dos três reinos da natureza, tudo muito bem explicadinho, como se exemplifica: Os minerais podem ser em pó, ou em fragmentos, que facilmente se estorroam e desfazem, como certas argilas, alguns gessos, etc.; ou podem ser cristalizados, ou sem forma regular e duros, ou finalmente impressões, ou pedaços de impressão, a que vulgarmente se chamam petrificações de substâncias animais e vegetais.

Em 9 de novembro desse mesmo ano de 1850 vamos ter referências a escravos e à escravatura. João Bento Rodrigues Fernandes dirigira-se à Rainha pedindo para transportar para Cabo Verde novos escravos que herdara em Farim do seu falecido filho, alegava que o filho vivera cinco anos em Farim, e que ele estava habilitado para trazer os ditos escravos, de acordo com a lei; mas que tendo sido objeto tratado em Conselho de Governo, este fora de parecer que se bem que o suplicante herdasse os bens do seu filho não podia herdar a faculdade que este tinha como colono para gozar o benefício da lei. Era por esta razão que o governador-geral pedia instruções; a Augusta Senhora mandou que o assunto fosse tratado na Secretaria de Estado respetiva, e dava-se agora a informação que o dito João Bento Rodrigues Fernandes não gozava da faculdade de transportar quaisquer escravos de Guiné para o arquipélago, a lei não permite bem como o tratado celebrado com a Grã-Bretanha, pretende-se acautelar o tráfico ilícito de escravatura.

Assunto curioso que prendeu a atenção, um pedido endereçado pela empresa Nozolini Júnior & C.ª, pretende-se isenção de diretos sobre máquina que possam ser importadas na Praça de S. José de Bissau para uso na agricultura, caso de um moinho para descascar arroz que tem de ser construído na Bélgica; mas pedia-se outras isenções, caso da telha de barro portuguesa. O Governador determinou que até a monarca decidir o contrário que se podia importar estes materiais estrangeiros, e estabelecia-se mesmo que se pagariam direitos de acordo com uma determinada fórmula.

Estamos agora em dezembro de 1852, o Boletim Official publica o decreto em que cria o lugar de Governador da Guiné para dar maior regularidade ao serviço administrativo da Possessão, reprimir abusos, para que possa prontamente mandar os convenientes socorros a qualquer ponto que os precise ou repelir ataques dos povos vizinhos. O Governador da Guiné Portuguesa gozará de uma autoridade que se estenderá a todas as Possessões portuguesas da região, ficando sujeito ao Governador-Geral da Província de Cabo Verde; o Governador residirá habitualmente na Praça de Bissau, mas deverá visitar a Praça de Cacheu não menos de duas vezes no ano; na falta, ausência ou impedimento do Governador da Guiné tomará o Governo da Guiné o Governador da Praça de Cacheu. Ficamos a saber, também em dezembro de 1852, que o Governador-Geral de Cabo Verde regressou da Praça de S. José de Bissau. “Durante a sua estada, depois de ouvidos os principais negociantes dela, e o Comendador Honório Pereira Barreto, que o mesmo Ex.mo Sr. mandou ir de Cacheu, tomou várias medidas tendentes à segurança de Bissau, à proteção do comércio e à organização da alfândega, que se achava reduzida a um único empregado, e esse mesmo doente. Teve a satisfação de ver em grande estado de adiantamento o belo edifício destinado para quartel dos oficiais da guarnição, e recebeu propostas para a construção da casa da alfândega, de uma casa para ampliar o Hospital Militar da Praça, e do prolongamento ou conservação do cais ou ponte de madeira já ali existente, sem que a Fazenda Pública tenha de adiantar algum dinheiro, nem sofra gravame dos seus rendimentos. A reparação do Forte de S. Belchior, que domina a navegação do rio Geba, pelo qual se faz quase todo o comércio da praça, ficou também em grande estado de adiantamento, e sua Ex.ª ordenou que finda a subscrição feita para a mesma reparação, se continue a obra com dinheiro da Fazenda; assim como se proceda o quanto antes aos consertos de que careciam os Fortes do Pidjiquiti, a tabanca e a paliçada que defende a população. Para Cacheu autorizou S. Ex.ª a construção imediata de uma muralha de pedra e cal, que substitua a dispendiosa paliçada que unia dois dos redutos da Praça, a fim de que a Guarnição e os habitantes se possam considerar seguros. Aprovou a pronta construção das obras do Quartel Militar. O Sr. Governador-Geral veio extremamente penhorado da nobre dedicação que achou nos sobreditos negociantes, nos quais reconheceu o maior desejo de auxiliar o Governo da Província, na sua gostosa tarefa de levantar aquele Estabelecimento do estado de abatimento em que tem estado até agora.”

Encontramos no Boletim Oficial, com data de 24 de janeiro de 1853, o apelo a donativos para socorrer os necessitados habitantes da ilha da Madeira. E com data de 10 de fevereiro desse ano está criado o lugar de Governador da Guiné.

Vista antiga de Cacheu
Rainha Vitória com o marido, o Príncipe Alberto, e alguns filhos
Estátua de Honório Pereira Barreto na Bissau colonial
Imagem do século XIX de Vila da Praia
(continua)
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Notas do editor:

Primeiro post de 3 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25474: Notas de leitura (1688): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 6 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25487: Notas de leitura (1689): Não há tesouro literário como este na Guiné-Bissau: uma criança, uma guerra, uma bicicleta (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25474: Notas de leitura (1688): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Não vale a pena insistir na tecla de que este Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa da Guiné só excecionalmente fazia referências ao que se passava no continente, num ponto mal definido que tanto podia ser chamado por Senegâmbia Portuguesa, como Costa de África ou Estabelecimentos de Bissau e Cacheu. Procurando folhear toda a documentação de Boletins em depósito na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, passou-se a pente fino 1850 e 1851 e estou em crer que o leitor não perderá o seu tempo a tomar notícia das atribuições que um governador-geral da Guiné entregava ao recentemente empossado comandante interino da praça de S. José de Bissau, tenente-coronel Alois de Rolla Dziezaski e ficar informado que chegara um negócio próspero à agricultura da Guiné. a amêndoa de mandobi, a mancarra.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (1)


Mário Beja Santos

Para se ter uma prova provada de que aquele ponto da Guiné, tratado como Costa da Guiné, era uma quase excrescência do Governo Geral de Cabo Verde, é indispensável folhear o Boletim Official dos anos anteriores à autonomização da Guiné como província (1879). Desde já previno o leitor que o Boletim é surpreendente, quer no que é designado como parte oficial e parte não oficial, há folhetins, há divulgação cultural, há crítica literária, comenta-se as obrigações do sacerdócio…, mas praticamente tudo centrado num conjunto de ilhas cabo-verdianas, só em termos residuais vamos ter conhecimento do que se passa em Bissau e em Cacheu. É um documento que se lê e recebe compensações, veja-se o tratamento dado ao fim do cabralismo e à chegada do Duque de Saldanha a Lisboa, prenunciava-se a Regeneração. E havia muita esperança naquele D. Pedro V, homem culto, interessado na prosperidade portuguesa, adorado por famílias reinantes, isto num tempo em que os Saxe-Coburgo Gotha estão presentes em todas as famílias reinantes (o rei D. Fernando, pai de D. Pedro V, pertencia a esse ramo de família alemã).

No Boletim Oficial N.º 20, ano de 1850, 18 de maio, dá-se a seguinte notícia:
“Terça-feira passada entrou no porto da Furna desta ilha (Brava), a escuna de guerra Cabo Verde vinda de Guiné com escala pela vila da Praia. Durante alguns dias da sua comissão naquela paragem, lutou com um temporal forte do qual milagrosamente puderam salvá-la. Um dos seus dignos oficiais, o senhor tenente Manuel da Silva Caldas, foi presa da morte! Uma febre adquirida em Cacheu, lhe foi roubar os dias de mocidade em Bissau. Perdeu a Armada Portuguesa um mui digno oficial; a sua jovem com sorte um extremoso marido! Os seus numerosos amigos que já sabem do seu prematuro fim, o têm chorado sinceramente; - e quantas lágrimas não lhe serão ainda tributadas! Por certo, porque um cavalheiro como o senhor Caldas tem direito a tais provas de saudade.”

Vejamos agora o N.º 71, ano 1851, 20 de setembro, vamos saber de nomeação do Tenente-Coronel Alois de Rolla Dziezaski, nos seguintes termos:
“Sendo de urgente necessidade nomear para o Governo da importante Praça de S. José de Bissau um oficial de experimentada capacidade, o governador-geral determina que o Tenente-Coronel Alois de Rolla Dziezaski passe imediata e interinamente a exercer aquele governo, por ter neste oficial a maior confiança em razão da firmeza com que sempre tem sabido manter a dignidade da Coroa Portuguesa, e da moderação e prudência que presidem a todos os seus atos; ficando o mesmo tenente-coronel exonerado do comando militar da ilha de São Nicolau e que exerceu com a sua costumada aptidão e probidade.”
Assina Fortunato José Barreiros, Brigadeiro, Governador-Geral.

Duas páginas à frente e de novo o Brigadeiro Barreiros se dirige ao Tenente-Coronel Dziezaski:
“Sendo urgentíssimo ocorrer às instantes necessidades dos diferentes Estabelecimentos da Costa da Guiné, os quais, pela distância em que se acham deste arquipélago, muito sofrem com a demora das prontas providências que reclamam: convido outrossim dar unidade à ação governativa daquela colónia, e fazer com que as autoridades civis, judiciais, militares e fiscais não só tenham uma autoridade central próxima a que recorram, para as apoiar no exercício das suas funções, quando os meios locais para isso forem insuficientes, mas também para que essa autoridade central próxima possa vigiar se os empregados subalternos cumprem com os seus deveres, e compeli-los a tal cumprimento quando necessário seja: e tendo plena confiança na capacidade governativa do Tenente-Coronel Alois de Rolla Dziezaski, governador interino da praça de S. José de Bissau, o qual, pelos bons serviços que já tem prestado, assina o arquipélago como na referida Costa da Guiné, dá suficientes garantias de que saberá fazer um melhor uso da autoridade e agora se lhe confere, e cujo exercício o governador-geral do província o autoriza:
1.º - A residir no lugar do seu Governo interino, que julgar mais conveniente ao serviço.
2.º - A tomar contas às autoridades de todas as classes; examinar a escrituração oficial de todas as repartições, para conhecer se tem sido até agora, e está sendo, feita com a devida regularidade; assim como, se todas as ordens e manadas deste Governo Geral, têm recebido pontual cumprimento, e quais os motivos que houverem demorado a execução de algumas que ainda não o tiverem sido; fazendo-as pôr logo em prática, quando disso não resultem inconvenientes ao serviço.
3.º - A suspender e fazer autuar e processar na conformidade das leis e ordens em vigor as autoridades que, por desleixo, conivência, ou por fraude, tiverem prejudicado a Fazenda Pública, enviando essas autoridades, depois de competentemente processadas, para este arquipélago.
4.º - Do mesmo modo, mandar proceder a Conselho de investigação contra as autoridades militares que, esquecidas da própria dignidade e dos seus deveres, descerem ou tiverem descido à baixeza de mercadejar com os seus subordinados, e não mantiverem, ou houverem deixado de manter entre eles a instrução e disciplina a que são obrigados.
5.º - Mandar proceder aos orçamentos para a despesa que exigirá a reparação da muralha de revestimento da Praça de S. José de Bissau, e os outros pontos fortificados pelo seu Governo interino, propondo os meios mais compatíveis com o estado da Fazenda da Província, para se proceder a essas reparações, e procurando convencer os habitantes desses pontos, que é da sua particular conveniência, que eles se prestem a adiantar as somas precisas para tais reparações, mediante contratos iguais ou semelhantes àquele que propusera o falecido tenente-coronel Caetano José Nozolini para Bissau: enviando os contratos que neste sentido fizer, para serem examinados por este Governo Geral e aprovados pela Junta da Fazenda Pública da Província, no caso que convenham.
6.º - Passar uma escrupulosa inspeção à Força Armada, e ao material de artilharia existente na Costa da Guiné, enviando o resultado com as propostas de melhoramento de que precisam, e indicando os meios que lhe parecerem mais favoráveis à Fazenda, para se conseguirem esses melhoramentos.
7.º - Tomar todas as medidas que estiverem ao seu alcance para ocorrer ao bom tratamento dos doentes que houver em toda a extensão do Governo interino que lhe é confiado, assim como as que disserem respeito à boa polícia, e salubridade das habitações, pedindo motivadamente as que de dependerem deste Governo Geral.
8.º - Finalmente, exercer provisoriamente na Costa da Guiné, em casos urgentes, toda a autoridade, que pela Lei e Ordens em vigor compete ao Governador Geral, dando de tudo, e sempre que houver embarcação para este arquipélago, uma conta circunstanciada das providências que adotar.

O que tudo se comunica ao referido tenente-coronel, pela sua inteligência e execução, esperando do seu reconhecido zelo que desempenhará esta importante comissão da maneira como sempre se tem havidas das anteriores.”


Temos também N.º 59, ano 1851, 7 de junho, uma portaria ao Diretor da Alfândega de Bissau que reza o seguinte:
“Tendo requerido João Severiano Duarte Ferreira uma licença de dois meses para vir tratar a este arquipélago a sua arruinada saúde, como mostra por um atestado do cirurgião António Joaquim Ferreira; e querendo anuir a este requerimento, sem que seja possível nas circunstâncias atuais nomear outro empregado idóneo que vá substituir o suplicante; que por tão justos motivos ordeno: - Que, se ao receber desta portaria se não achar aliviado dos seus padecimentos o dito diretor da alfândega de Bissau, João Severiano Duarte Ferreira, lhe seja permitida entregar interinamente o serviço da mesma alfândega a um indivíduo da sua confiança, para sob a responsabilidade do suplicante exercer aquele emprego enquanto ele, suplicante, vem gozar dos dois meses de licença que pede.”

E deixámos para o fim o Boletim Oficial N.º 93, 1852, 25 de maio. Alguém que assina pelas letras M.F.L. expõe o proveito que está a trazer ao Estabelecimento de Bissau a amêndoa de mandobi, geralmente conhecida com o nome de mancarra, começou a ser procurada em Bissau no ano de 1846; e os navios estrangeiros, que a buscavam, levaram nesse ano toda a que encontraram, em 400 bushels (velha unidade de medida), no valor de 200 pesos: este pequeno lucro animou logo a sua cultura; e a contínua e sucessiva diligência de navios franceses, americanos, e alguns belgas, para a obter, a fez crescer a tal ponto que no ano findo de 1851 a sua exportação chegou a perto de 100$000 bushels, no valor aproximado de 50 mil pesos, e perto de 2.000$000 de reis de direitos para a Fazenda Nacional; assegurando-se que no corrente ano será muito maior a saída da mancarra, tendo-se feito grandes sementeiras dela, nas ilhas de Bolama e das Galinhas. A mancarra está sendo para Bissau que é a semente de purgueira para estas ilhas. Mais adiante, o autor entende explicar as utilizações da mancarra:
“É não só estimada para comer, para confeitarias, e no sul da França para diversas composições; como para fazer excelente azeite, para temperar, e para luzes: o sabor deste azeite na comida é bom, e a sua luz clara, sem fumo, sem mau cheiro, e não suja. O seu fabrico é facílimo, e materialmente se obtém levando a mancarra ao pilão, para a descascar; depois do que se coze a vapor, pelo mesmo método que se usa para fazer cuscuz, servindo de binde uma tagarra grande; e estando a amêndoa suficientemente amolecida, se passa a uma prensa, encanada em palha, e desde logo sai o azeite: a massa ou bolo que fica desta operação, dizem ser boa nutrição, que a compram a troco de frutos.
Os terrenos soltos são os mais próprios para a cultura da mancarra. Em terreno solto apanha-se arrancando a planta e traz com ela a amêndoa. A rama da mancarra é também ótimo sustento para o gado e dá bom sabor à carne. A mesma rama deixada na terra, toma diferentes raízes e brota novamente sem necessidade de outra semente, em terrenos húmidos: semeia-se no tempo das águas.”


M.F.L termina o seu texto de um modo quase apoteótico:
“A agricultura é a única e verdadeira fonte de todas as riquezas; sem os produtos da terra, nem o comércio, nem a indústria prosperam. Houve tempo em que a urzela enriquecia esta província; hoje veio substituí-la a semente de purgueira; e os mercados da Europa e da América se abrem à mancarra que, como já se viu, está dando tão avultado interessa na Costa, e acha pronta denta: o que tem reanimado o decadente comércio de Bissau, renovado a sua povoação e promovido plantações de outros produtos, que servem consideravelmente ao seu comércio, e aumentam os rendimentos públicos. Oxalá que este pequeno brado possa excitar os nossos concidadãos neste arquipélago a adquirir mais um meio de subsistência tão pronto, tão útil e de tão pouco trabalho. Convençam-se que a terra abre verdadeiramente os seus tesouros a todos aqueles que os procuram.”

Era a consagração da mancarra como a matéria-prima que, finda a escravatura parecia destinada a alavancar o desenvolvimento da Costa da Guiné.

Vista antiga de Cacheu
Visita do Príncipe Real D. Pedro (D. Pedro V) a Londres, onde visitou o Palácio de Cristal e empreendimentos científicos; debruçado está o Infante D. Luís (futuro Rei D. Luís I) e de costas a Rainha Vitória. A Imperatriz das Índias dizia abertamente que D. Pedro era o seu sobrinho dileto, chegou a magicar um casamento dele com uma das filhas, algo que não escandalizasse a religião anglicana. Há repetidas menções a D. Pedro V no Boletim Oficial do Governo de Cabo Verde.
Imagem antiga da Fortaleza de S. José de Bissau
Imagem do século XIX de Vila da Praia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 2 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25468: Notas de leitura (1687): "Poemas de Su Dongpo", introdução e notas de António Graça de Abreu (Lisboa, Grão-Falar, 2023, 177 pp.) Parte I