Mostrar mensagens com a etiqueta Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26036: Notas de leitura (1734): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1879 a 1880) (24) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Não escondo a deceção de resultados, agora que cheguei ao final das referências do distrito da Guiné, no Boletim Official de Cabo Verde. A Guiné era um mundo à parte, financiava-se pelas alfândegas, não há qualquer menção a obras de desenvolvimento, tem juiz de comarca tardiamente, as menções mais ou menos periódicas são alusivas ao estado sanitário, a varíola e a febre amarela são os grandes problemas, estranhamente a doença do sono é pouco ou nada mencionada. Regista-se uma omissão total ao cerco francês e britânico; em 1880, a Guiné é província autónoma, tem capital em Bolama mas fica-se a saber que ainda está ligada organicamente a Cabo Verde; o mais estranho de tudo é estar a desenvolver-se um certo comércio até à escala internacional, vêm barcos buscar amendoim, borracha, couros, não há uma só alusão à criação de empresas. Na busca de uma certa chave explicativa, consultaram-se as histórias de Portugal, a de Veríssimo Serrão e a coordenada por Joel Serrão e Oliveira Marques, não trazem luz ou mais compreensão aos factos que fomos registando nestas peças, paciência, vamos continuar a investigar.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1879 a 1880) (24)


Mário Beja Santos

Concluímos hoje a incursão ao Boletim Official do Governo Geral da Província de Cabo Verde e Costa da Guiné, não escondo o meu desapontamento com o tratamento menor que o Governo da Praia, ao longo de décadas, dava ao distrito da Guiné, ficamos a saber muito pouco, e mesmo esse muito pouco exige um tratamento “em grelha” com outros dados históricos e outras fontes. Vejamos as últimas referências que o Boletim dá da Guiné.
O Boletim n.º 12, de 22 de março de 1879, informa sobre o estado sanitário da Guiné: “Em Carabane não existe febre amarela; o último caso desta moléstia observado naquele território ocorreu a 13 de novembro do ano passado. Em Cacheu há alguns casos de febre maremáticas. As moléstias dos órgãos respiratórios que haviam avultado no mês antecedente decresceram em número. Em Geba apareceram alguns casos de varíola; o mesmo se diz ter acontecido em Selho. Em Bissau predominam as pirexias palustres e as úlceras fagedénicas.” Assina Custódio José Duarte, chefe do serviço de saúde.
Como se publicou no número anterior, este mesmo Boletim publica a notícia da morte do major Lobato de Faria.
O Boletim n.º 23, de 7 de junho, faz referência a uma carta enviada por E. Bertrand Bocandé ao ministro da Instrução Pública, propondo uma exposição permanente de etnografia africana no museu.

E chegamos a 1880, vamos ter uma grande surpresa, a Guiné é já uma província autónoma, mas continua ligada a Cabo Verde, como vamos ver.
No Boletim n.º 9, de 28 de fevereiro, o chefe do serviço de saúde em Bolama, António Vincula de Marciano Belles, comunica para a Praia que o resultado sanitário da ilha continua a ser regular e que em toda a província não consta ter aparecido moléstia alguma de caráter epidémico ou contagioso.
De igual teor é o que consta no Boletim n.º 21, de 22 de maio, o estado sanitário da ilha de Bolama continua a ser regular e nada de epidémico ou contagioso apareceu em toda a província.
Com o mesmo teor e palavrório diferente é o que é mencionado no Boletim n.º 43, de 23 de outubro, quem assina é o chefe do serviço de saúde, António Augusto Pereira Leite de Amorim, é regular o estado sanitário da ilha de Bolama e em ponto algum da província há que recear qualquer alteração de salubridade pública.
Um aspeto curioso é o que se insere no Boletim n.º 48, de 27 de novembro, assina o visconde S. Januário, vem tudo a propósito de que o Batalhão de Caçadores n.º 1 do Exército de África passasse a ter o seu quartel em Bolama transferindo-se as forças do regimento de infantaria do Ultramar para Cabo Verde. Ora nunca se chegara a mandar para Cabo Verde as forças do regimento de infantaria do Ultramar. Impunha-se a criação de uma força pública que em Cabo Verde coadjuvasse as ordens das autoridades. Delinearam-se duas companhias de polícia com mancebos do arquipélago de Cabo Verde. E apresentava-se a estrutura destas companhias de polícia.
Temos agora o Boletim n.º 52, com data de 25 de dezembro, o assunto é como nos casos anteriores o estado sanitário da ilha de Bolama, mas junta-se mais informação, o cônsul português em Goreia participara que em S. Luís tinham ocorrido casos de febre amarela nas praças da guarnição, achando-se interrompidas as comunicações entre S. Luís e Goreia. O mesmo cônsul dava conhecimento que o estado sanitário de S. Luís estava a melhorar e que a junta de saúde na Guiné estava a empregar medidas convenientes para impedir a propagação da febre amarela. Assina Leite de Amorim.

Dada a exiguidade de informações de valor socioeconómico e cultural e político, achei por bem consultar duas histórias de Portugal. Na da responsabilidade de Joaquim Veríssimo de Serrão, no seu volume IX (1851-1890), com o título O Terceiro Liberalismo, Editorial Verbo, parece-me útil reter o seguinte: “Uma das medidas da Regeneração, no tocante à Guiné, foi a de criar um lugar de governador para todas as parcelas da mesma região, o qual ficaria sujeito ao Governador Geral de Cabo Verde. Aquele funcionário teria residência em Bissau, cabendo-lhe também visitar as praças de Cacheu duas vezes por ano. Por sentença arbitral de Ulysses Grant, Presidente dos EUA, Bolama foi restituída à soberania portuguesa, e depois passou a gozar de condições especiais para o seu comércio o que levou o Governo a rever as pautas alfandegárias da Guiné, concluíra-se que o regime exageradamente fiscal e protetor de Bolama conduziria à estagnação do comércio nos outros portos.

A situação geográfica e o surto económico permitiam considerar Bolama como a verdadeira capital da Guiné. O território passou a constituir em 1879 uma província ultramarina, independente de Cabo Verde e em igualdade de “considerações e atribuições” do Governo da Província de S. Tomé e Príncipe.

Mudando de obra, faz-se agora referência a Nova História da Expansão Portuguesa, direção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, o título é “Império Africano, 1825-1840”, coordenação de Valentim Alexandre e Gill Dias, Editorial Estampa. O autor do capítulo sobre a Guiné é Joel Frederico Silveira que nos dá extenso e interessante súmula dos factos numa análise histórica da presença portuguesa durante o século XIX, começando pelos tratados de 1810 e 1815 entre Portugal e a Grã-Bretanha, com a interdição do tráfico de escravos e a tentativa de reconversão económica, daí decorrendo um processo de se querer edificar um espaço colonial e afirmar a soberania portuguesa, todo o século XIX é acompanhado do desafio da constituição de uma aparelho de Estado colonial. Nesta obra disserta-se sobre a região geográfica, as etnias, a longa história da presença portuguesa nas praças e presídios, menciona-se a incapacidade de a Fazenda Nacional satisfazer os encargos com os elementos do parco funcionalismo e guarnição militar e daí a opção pelo arrendamento das alfândegas da Guiné; menciona-se a escravatura, a determinante ação de Honório Pereira Barreto, como se foi manifestando a nova economia pós-esclavagismo, como se deu a intervenção das marinhas da França e da Grã-Bretanha, o capítulo termina dando conta do problema da delimitação das fronteiras na sequência da Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886.

Por curiosidade, fui consultar o Boletim Oficial do Governo de Cabo Verde em 1881, verifiquei que não há qualquer menção à Guiné, vou agora voltar-me para o Boletim Oficial da Guiné Portuguesa a partir de 1880.
Para se entender melhor o que ganhámos e perdemos com a assinatura da Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886


sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26010: Notas de leitura (1732): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1877 a 1880) (23) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Não consigo encontrar explicação para as graves omissões sobre os factos políticos que vão ocorrendo neste período, ainda por cima nos relatórios do Governador do distrito da Guiné diz-se sempre que se vive na mais completa serenidade, as preocupações ficam-se na varíola e na febre amarela. Como o leitor terá oportunidade de ver, chega-se ao cúmulo do Governador Geral de Cabo Verde louvar o seu secretário-geral por ter feito um relatório circunstanciado sobre as "ocorrências" de Bolor, das mesmas nunca se fala; este período que vai de 1877 a 1880 é, pois, tempo de gravosos silêncios, é um Boletim Oficial preenchido de formalidades e da burocracia, aqui e acolá artigos de divulgação, já estamos em 1880 e deve ter faltado dinheiro e legislação apropriada para criar a província da Guiné, os destinos da colónia ainda são decididos na cidade da Praia. Ao aproximarmo-nos do final desta incursão, estou em crer que há vantagem em se consultarem algumas Histórias de Portugal para conferir o que nelas se refere sobre este período - haverá seguramente grandes surpresas.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1877 a 1880) (23)

Mário Beja Santos

Mantém-se este meu estado de incredulidade quanto às graves omissões sobre a real situação do distrito da Guiné neste período, o Boletim Official vai despachando formalidades, nomeações, exonerações, chegadas de degredados, aparecimento de juiz, transferência de farmacêutico, um ou outro louvor, lá se vão publicando sínteses mensais em que tudo parece normal, nem uma palavra sobre o desastre de Bolor mas louva-se quem produziu o relatório; é um quase discreto silêncio o que não se regista neste período e para minha surpresa, e certamente para o leitor, a Guiné é autónoma desde 1879, mas é ainda a partir da Praia que se comanda o seu destino. Vamos aos factos, estamos no ano de 1877.

No Boletim n.º 11, de 17 de março, chegou um juiz à Guiné, como assina o ministro João Andrade Corvo: “Atendendo ao merecimento e mais circunstâncias que concorrem no bacharel formado em Direito Francisco António Duarte de Vasconcelos, advogado nos auditórios de Lisboa: hei por bem, segundo disposto no decreto com força de lei de 28 de dezembro de 1876, nomeá-lo juiz de direito da comarca da Guiné Portuguesa.” No mesmo Boletim anuncia-se a promoção a coronel do governador do distrito da Guiné, António José Cabral Viana. Folheando estes números, também se vai tomando nota de que os casos de varíola são muito intensos, sobretudo em Cabo Verde. Da varíola se fala no Boletim n.º 17, 28 de abril:
“As últimas notícias da Guiné, trazidos a esta cidade pelo cutter Cabo Verde tem a data de 15 deste mês. Não era ali satisfatório o estado sanitário, por isso a epidemia da varíola continuava a fazer estragos, não só no concelho de Bissau, mas também no de Bolama, onde grassava com intensidade. Era regular o estado alimentício e o comércio conserva a sua normal animação. Chegara a notícia de que no chão dos Nalus haviam aparecido casos de uma febre de mau carácter, que alguns supunham ser a febre amarela. Mas os pormenores de que há conhecimento tiram todo o valor a semelhante suposição e fazem crer que tal doença é de outra natureza e tem provavelmente por causa o modo vicioso e até anti-higiénico por que naquele ponto se fazem os internamentos dos gentios. No dia 8 do corrente naufragou no banco denominado Bissássema, no Rio Grande, a barca francesa Pierre, da Praça de Marselha. Havia saído de Bolama no dia anterior com um carregamento de géneros e destinava-se a Marselha. Salvou-se a tripulação e as bagagens, mas a carga reputava-se perdida.”

No Boletim n.º 25, de 23 de junho, de novo más notícias para naufrágios: “Em conformidade com o disposto no código comercial português se faz saber que no dia 14 de maio último naufragara na ponta do oeste na ilha de Bolama na Guiné Portuguesa a barca italiana Meeting, capitão G. Cavassa, propriedade de Jerónimo Jechiofuro, a qual havia saído do porto de Bolama e se destinava a Dunquerque com um carregamento de 33:481 buscheles de mancarra, salvou-se toda a tripulação e respetivas bagagens e tratava-se da salvação da carga.” E para meu pasmo o Boletim Official não volta a falar da Guiné nesse ano.

No Boletim Oficial n.º 30, de 27 de julho de 1878, publica-se um despacho do Governador Geral de Cabo Verde e da Costa da Guiné, António do Nascimento Pereira Sampaio, há que lhe reconhecer interesse:
“Considerando que o distrito da Guiné Portuguesa, pelas condições gerais em que se acha, e pelos vantajosos resultados que do seu melhor e mais rápido desenvolvimento se devem esperar, representa hoje um dos pontos mais importantes desta província, merecendo que por parte dos poderes públicos se lhe preste a mais séria atenção;
Cumprindo a este Governo Geral, não só em execução de determinações do Governo da metrópole, mais ainda no intuito de concorrer pelo modo mais profícuo para a mais breve realização dos veementes desejos que animam o Governo de Sua Majestade, promover os meios mais adequados para se conseguir o fim que se tem em vista, qual o de se dar o melhor, mais rápido e completo desenvolvimento aos interesses da Guiné Portuguesa, etc. etc.:
Hei por conveniente nomear uma comissão
(aparecem claramente referenciados os nomes) que estudará os assuntos relativos à Guiné Portuguesa, em harmonia com o questionário que lhe será dirigido por este Governo Geral e me apresentará um relatório dos seus trabalhos, indicando a opinião que tenha por melhor sobre os vários pontos do questionário e ainda quaisquer considerações que julgo de utilidade no assunto importante que se trata. As autoridades e mais pessoas a quem o conhecimento e execução da presente competir, assim o tenham entendido e cumpram.”

No Boletim n.º 34, de 24 de agosto, voltamos às informações de saúde pública, quem assina é António José Cabral Vieira, Governador do distrito da Guiné: “O estado sanitário deste distrito do meu governo é bom, relativamente aos outros anos da igual estação. As águas têm caído abundantes e quase sem interrupção desde o princípio do mês passado, alagando os campos. Por isso os pântanos, lavados diariamente por fortes correntes, não têm influído contra a saúde pública. O estado alimentício é mau, mas breve começará a abundância com a próxima colheita de milho.” E nada mais a assinalar deste ano.

No Boletim n.º 6, de 28 de fevereiro, somos informados da suspensão de funções do Governador da Guiné, Cabral Vieira, e nomeado provisoriamente para o substituir o major Joaquim José Lobato de Faria. Será ele a assinar a informação sobre o estado do distrito que vem publicado no mesmo Boletim: “Cabe-me a honra de dizer-lhe que tanto o estado sanitário como o alimentício são regulares, reinando perfeita tranquilidade, e que apenas se nota a escassez dos géneros da Europa, devido à falta de comunicação com os navios que de diferentes pontos têm afluído a este porto, e se acham de quarentena de observação, por haverem tocado por escala nas possessões estrangeiras, onde grassou a epidemia da febre amarela. De Cacheu, cujas notícias alcançam a 7 do corrente, informa o respetivo administrador do concelho que são regulares o estado sanitário e alimentício, e inalterável o sossego público, e que só no presídio de Ziguinchor tiveram lugar, a 31 de janeiro último, o falecimento de uma mulher com varíola, vinda havia dias da praça de Selho.”

No Boletim n.º 9, de 1 de março, consta o despacho do Governador Geral: “Tendo o secretário-geral deste Governo Geral, António Maria de Castilho Barreto, sido encarregado em portaria do mesmo Governo no n.º 15, de 18 de janeiro último, de seguir para a Guiné Portuguesa, a fim de se indicar de tudo quanto se prende ou os factos que motivaram as ocorrências de Bolor, e havendo aquele funcionário regressado a esta cidade e feito subir à minha presença o processo da sindicância e circunstanciado relatório sobre o resultado final da sua comissão, que muito bem desempenhou; hei por conveniente louvar este secretário-geral pela maneira por que cumpriu todos os artigos das instruções que lhe foram dadas.”

Fiquemos agora por aqui, é grande o pasmo de se falar do relatório acerca do chamado desastre de Bolor e não haver uma palavra antes nem depois sobre uma tragédia que levou o Governo de Lisboa a desafetar a Guiné de Cabo Verde.

Notícia da morte do major Lobato de Faria, Boletim Oficial nº12, 22 de março de 1879
_____________

Notas do editor

Post anterior de 27 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25988: Notas de leitura (1730): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1876) (22) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25995: Notas de leitura (1731): "O homem que via no escuro, A Lisboa de Bruno Candé", por Catarina Reis; Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2023 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25988: Notas de leitura (1730): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1876) (22) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
O que há de mais significativo neste ano de 1876 são as continuadas guerras interétnicas que abarcam Cacheu e Farim, há uma permanente instabilidade à volta do presídio de Geba, o quadro sanitário conhece altos e baixos, não fica claro quais as razões que impedem a vacinação, o médico de saúde pública diz que os chefes de família terão temores ou preconceitos. O Governador da Guiné, Cabral Vieira, tem sido pendular em enviar os seus relatórios para a cidade da Praia. Deverá pretender tranquilizar o Governador de Cabo Verde, fala repetidamente na tranquilidade pública em todo o território, isto a despeito de hostilidades que também ocorrem na Península de Bissau. Estranha-se o silêncio sobre tudo quanto se podia estar a passar em Bolama e não há uma só palavra quanto à questão do Casamansa, para quem folheia estes números do Boletim Oficial (não é demais referir que as coleções não estão completas) é um enigma sem solução, mesmo que se publiquem notícias sobre o movimento marítimo, nomeações para as alfândegas ou chegadas e partidas militares e até as receitas decorrentes das alfândegas, Bolama já tem algum peso. Como é evidente, um Boletim Oficial vale pelo que vale, é uma fonte documental entre outras, só o seu cruzamento é que permite uma clara iluminação dos factos em presença.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1876) (22)


Mário Beja Santos

Estamos em meados do ano de 1876, temos novo Governador Geral de Cabo Verde e da Costa da Guiné, o senhor Conselheiro Guilherme Quintino Lopes de Macedo, é ele a quem agora o Governador da Guiné Cabral Vieira se dirige, tudo isto é matéria do Boletim Official de 17 de junho, o governador Cabral Vieira dirige-se assim para quem governa na cidade da Praia:
“Tenho a honra de participar a V.ª Ex.ª que à saída do cutter Cabo Verde deste porto para a cidade da Praia, é regular o estado alimentício, bem como o comercial, sendo anormal o estado sanitário em consequência da epidemia varíola que se tornou extensiva a todos os três concelhos de que se compõe o distrito. A tranquilidade pública não tem sido alterada, apesar de continuarem as guerras entre os gentios. No dia 26 de maio deu-se um caso de desordem entre dois gentios Papéis que brigavam nesta vila e os soldados de patrulha que os pretendia apartar. Aqueles, desobedecendo à voz de prisão, insultaram e bateram nos soldados e estes indignados lhes aplicaram pranchadas com as espadas baionetas de que se achavam armados. Em resultado, são feridos três soldados, não só pelos gentios desordeiros, mas por outros que se aglomeraram no local da desordem, arremessando pedradas contra os mesmos soldados, bem como três gentios, mas creio que sem perigo de vida. Os soldados vão responder a conselho para ilibarem a sua conduta; e quanto aos gentios feridos nem sequer pôde conseguir que levantasse o auto de exame e corpo de delito, por isso se invadiram com receio talvez de serem presos.
Para prevenir que não houvesse interrupção de relações para os gentios, mandei chamar o respetivo régulo, fazendo-lhe ver quanto andara mal a sua gente, e a conveniência de serem reprimidos e castigados os delinquentes, no que concordou, e se despediu, prometendo fazer justiça, e assegurando que por esse facto não suspenderia as relações de amizade com o Governo.
Em Cacheu houve no dia 12 deste mês princípio de incêndio no quartel do destacamento, que felizmente foi extinto pelos habitantes da Praça, que voluntariamente ali se aglomeraram, não deixando prejuízo a lamentar.”


O Boletim Official n.º 32, de 5 de agosto, traz informação sobre o estado do distrito:
“É regular o estado comercial e sofrível o alimentício, havendo, todavia, escassez de mantimentos nos mercados, em consequência de se acharem os gentios entretidos no serviço das sementeiras. Não é ainda lisonjeiro o estado sanitário por se darem ainda alguns casos de varíola.
A tranquilidade pública conserva-se inalterada, continuando, contudo, as guerras entre os Fulas e Mouros ou Mandigas. As chuvas têm caído regularmente durante o mês. O administrador do concelho de Cacheu, em seu ofício de 14 deste mês, diz que se achava paralisada a guerra dos gentios limítrofes, em consequência da grande derrota que sofreu uma das partes beligerantes, os Mouros.”


O Boletim Official n.º 39, de 23 de setembro, comporta informações do Governador da Guiné, continua a ser Cabral Vieira, e do delegado de saúde em Bissau, Pedro Nicolau da Câmara Santa Rita. Assim começa o governador a sua informação:
“Saindo deste porto com destino ao da cidade da Praia o cutter Cabo Verde, tenho a honra de participar a V.ª Ex.ª que continuam infecionados de varíola os pontos deste distrito. O estado comercial é regular, e sofrível o alimentício, havendo, contudo, alguma escassez de mantimentos nesta vila. A tranquilidade pública continua em todo o distrito, achando-se paralisadas as guerras gentílicas.
Houve em Cacheu um roubo na loja de José António Rodrigues Tavares, no valor de 500$000 réis, aproximadamente. Descobriu-se que o autor do mesmo roubo foi um súbdito inglês que foi preso e entregue ao poder judicial. As chuvas continuam com regularidade, havendo esperanças de uma abundante colheita. Junto encontrará V.ª Ex.ª o boletim sanitário desta vila em referência ao mês de julho findo.”


E efetivamente segue-se o boletim sanitário:
“Varíola – esta epidemia continuou a desenvolver-se nesta vila até ao dia 26 do corrente, e depois começou a declinar, não se tendo dado mais caso algum até o último mês; no chão do gentio Papéis continua a epidemia a reinar, e na povoação dos Grumetes desapareceu completamente. As febres palustres continuam a desenvolver-se de carácter benigno, não se tendo manifestado caso algum de febre biliosa hematúrica; na clínica civil houve alguns ferimentos de pequena importância que foram convenientemente atendidos por esta delegação de saúde.
Vacinação – apenas foram vacinados durante este mês 22 indivíduos de ambos os sexos e diferentes idades, e maior número podia ter recebido a vacinação se os chefes de família apresentassem os seus filhos para este fim, mas é sempre com grande dificuldade que se pode passar a vacina de braço a braço, porque ocultam o seu desenvolvimento só para não transmitir a linfa vacínica aos outros indivíduos.
Doenças tratadas e observadas no hospital militar: bobão inguinal, cardialgia, conjuntivite aguda, edema das extremidades inferiores, febre intermitente quotidiana, bronquite crónica, disenteria, pneumonia aguda, ingurgitamento do baço e fígado, reumatismo articular…”


Caminhamos para o fim do ano. No Boletim Official n.º 50, de 9 de dezembro, o governador Cabral Vieira envia pela escuna Senhora Argot informações para a Praia:
"É regular o estado comercial do distrito, bem como o alimentício; o estado sanitário é sofrível; conta apenas que se dão alguns casos de varíola nas povoações nos gentios vizinhos. Por participação do administrador do concelho de Cacheu, consta que se realizou a paz entre os Fulas e Mandigas limítrofes de Farim – oxalá que seja verdadeira e não fantástica a mesma paz que há muito se deseja. Para os lados de Geba acontece, porém, o contrário, a guerra ateia-se cada vez mais, estando preparado entre os Fulas e Mandigas-Mouros nas imediações daquele presidio, segundo me participou o respetivo chefe, um grande e extraordinário combate".

O Boletim Official n.º 53, de 30 de dezembro, é expedido ao cuidado de Boa Ventura Martins, o secretário-geral da província de Cabo Verde, "comunica-se que se agravou o estado sanitário do distrito, pois reapareceu um caso de varíola. O estado alimentício é satisfatório e o comercial vai tomando incremento com a chegada de alguns navios internacionais e estrangeiros com mercadoria. Continuam as guerras entre os gentios, nas proximidades de Geba.”
Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796

(continua)

_____________

Notas do editor

Vd. post de 20 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25961: Notas de leitura (1728): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1875 e 1876) (21) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 23 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25973: Notas de leitura (1729): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25961: Notas de leitura (1728): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1875 e 1876) (21) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Junho de 2024:

Querido amigos,
Entre o dia de Natal de 1875 e ao longo de 1876, assistimos a uma realidade, o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira, envia pendularmente para a cidade da Praia pequenos relatórios sobre o estado do distrito, segundo ele há bastante animação comercial, os problemas sanitários são poucos, metem a epidemia das bexigas e a varíola. Há permanentes dores de cabeça com o presídio de Farim, há guerras interétnicas, problemas no presídio de Geba, temos um negociante que se suicida numa canoa fazendo-a explodir e matando toda a família. Poder-se-á entender que a situação alimentar não levanta problemas já que por toda a Guiné prevalece um quadro de auto-abastecimento, mesmo quando os médicos de saúde pública falam de doenças jamais questionam as deficiências nutricionais. E recomenda-se vivamente a informação dada por um farmacêutico na Praia, é mensagem publicitária em que ele anuncia o que tem ao seu dispôr na farmácia, é um rol impressionante que talvez mereça a atenção dos estudiosos para se saber mais sobre a Farmacopeia do último quartel do século XIX.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos de 1875 e 1876) (21)


Mário Beja Santos

Entre o final de 1875 e o verão de 1876, ocorre da leitura do Boletim Official de Cabo Verde e da Costa da Guiné duas singularidades de que me permite chamar à atenção do leitor: com regularidade pendular o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira, vai enviado ao Governador-Geral pequenos relatórios do estado do distrito, são registos muito úteis para qualquer investigador ter em conta quanto à leitura que o Governo da Guiné fazia dos acontecimentos e assuntos internos; e aparece no Boletim Official em junho uma relação de produtos farmacêuticos que me parece ser um verdadeiro achado, merecia ser enviada para todas as instituições universitárias que se interessem pela Farmacopeia.

No Boletim Official n.º 52, de 25 de dezembro de 1875, é enviado ao Governador Geral a seguinte síntese: “É regular o estado sanitário nos concelhos de Bissau e Bolama, e está quase extinta a epidemia de bexigas no concelho de Cacheu. Continua a colheita de arroz o qual, já em maior escala, vai aparecendo no comércio. Posteriormente ao meu ofício n.º 190, de 12 de novembro, não tive participação alguma oficial sobre o presídio de Farim, constando-me, aliás, extraoficialmente, que não têm continuando as impertinências dos Fulas. Não conta que os gentios tivessem por enquanto atacado o presídio de Geba, nem qualquer outro ponto sujeito ao Governo português. Continuam ainda em poder dos Fulas prisioneiros cristãos a que se refere o meu ofício n.º 186, de 19 de novembro.”

Entrámos no novo ano e no Boletim Official n.º 3, de 15 de janeiro, o Governador da Guiné leva ao conhecimento do Governador Geral que à saída do palhabote Carlota do porto desta vila de Bissau é regular o estado sanitário deste distrito, excetuando no concelho de Cacheu onde ainda reina, mas com pouca intensidade, a varíola, é bastante animado o comércio. Em Farim, segundo as últimas notícias, havia-se recuperado o sossego. Paralisaram, por enquanto, as guerras dos gentios circunvizinhos e com elas as exigências ao presídio, que vai sendo mais respeitado em presença da força que para ali se mandou. Em Geba acha-se ainda estacionada a pendência. A força dos Fulas havia-se retirado para o interior, sem, contudo, haverem dado ao presídio a satisfação completa que lhe é devida, pelos roubos e aprisionamentos ali feitos, existindo ainda em poder deles três pessoas do presídio. No Boletim Official n.º 13, de 25 de março de 1876, publica-se o estado do distrito no mês de fevereiro:
“Concelho de Bolama: regular o estado sanitário e o alimentício, e bastante animado o comercial. No dia 7 deste mês, pelas 7h do dia, apresentaram-se na propriedade denominada Bissau, uma porção de Biafadas de Beduque, que ali, dirigindo-se ao negociante Rufino Pereira Barreto, o aceitaram-se, bem como a um seu caixeiro, aos quais açoitaram barbaramente. Tive, em seguida, notícia deste acontecimento e tomei as providências necessárias, conseguindo obter a prisão do chefe dos criminosos, que se acha entregue ao poder judicial.
Concelho de Cacheu: regular o estado comercial e alimentício. É pouco lisonjeiro o estado sanitário, por isso se desenvolve em Farim com bastante intensidade a epidemia da varíola. Por participação ultimamente recebida consta que no dia 13 do mês findo se suicidara o negociante-chefe do presídio de Farim, Pedro Pereira Barreto. O infeliz havia sido quase reduzido à indigência pelos gentios Mandigas que, atribuindo-lhe ser partidário dos Fulas, lhe roubaram quase tudo que possuía, em resultado de que perdendo o uso da razão, meteu-se numa canoa com toda a sua família, com pretexto de se retirar para Cacheu, e disparando um tiro de revólver sobre uns barris de pólvora que se achavam na mesma canoa, resultou em ato continuo uma grande explosão de que foi vítima ele, sua mulher e dois filhos menores.
Concelho de Bissau: é regular o estado sanitário, comercial e alimentício. Tranquilidade pública em todo o concelho.”
Assina, como tem sido sempre, António José Cabral Vieira.

No Boletim Official n.º 16, de 15 de abril, o Governador escreve: “Largando hoje deste porto de Bissau com destino ao da cidade da Praia o cutter Cabo Verde, cabe-me a honra de participar V.ª Ex.ª que ao presente é satisfatório o estado sanitário nos concelhos de Bissau e Bolama, não acontecendo assim no de Cacheu, onde infelizmente ainda continua a epidemia de varíola. É regular o estado comercial, bem como alimentício em todo o distrito. Continuam as desavenças entre os gentios Fulas, Biafadas e Mandigas, havendo desconfianças que vai breve haver hostilidades entre os dois régulos vizinhos de Antim e Antula.”

Vejamos agora a surpreendente notícia intitulada “Ser velho e teimoso, dom que Deus me deu”:
“O signatário deste tem a honra de participar que lhe chegaram de Lisboa, vindos no vapor D. Pedro, mais medicamentos e que são os seguintes:
Xarope de lacto-fosfato de cal de Dusart, para fazer nascer os dentes às crianças e para todas as mulheres que dão de mamar. Vinho de quina Laroche, para todas as pessoas de constituição fraca, e muito principalmente para senhoras e meninas que sofrem do peito e têm fastio. Ponto alívio, pilulas e xarope do Dr. Radway, para depurar o sangue, como purgativo e para acidentes, até hoje o único medicamento que combate tais moléstias. Licor ferruginoso de Carrier, pilulas de Blancard, xarope de quina ferruginoso, ferro de Quevene e de Girard, pílulas de pepsina ferruginosas, óleos de fígado de bacalhau com ferro, confeitos de lactato de ferro, xarope de rábanos iodado, chocolates de lactato de ferro, carbonato de ferro e de iodoreto de ferro, únicos preparados até hoje descobertos para as senhoras que sofrem por lhe faltar a menstruação e para as escleróticas. Pastilhas de Belmeth, pílulas de óleo calcário, óleo de fígados de bacalhau preparado pelo Dr. Hogg e de Chevrier, xarope de seiva de pinheiro marítimo e grânulos de Vivien, para padecimentos do peito, quando a moléstia tem feito muitos estragos e já estão desenganados. Altos peitorais de carne, de James, racahut dos árabes, revalenta simples e achocolatada, elixir alimentício de Ducro e de pepsina, tapioca, sagú, cevadinha, chocolates de saúde, de salepo e de musgo, para os convalescentes e fracos, xarope de James, dito de nafé, pasta de nafé, de Regnoold e de louro cerejas, para catarros e constipações. Inga da Índia, para dores de cabeça. Pomada do Dr. Queiroz, para moléstia da pele e queimaduras.

Opodeldoc com arnica e simples, para reumatismo, feridas e contusões. Pílulas de Haut, de Haloay, pagaliano, pílulas do Dr. Ganckes, e do Dr. Casenave, citrato de magnésia, como purgantes os mais usados em qualquer tratamento ou sem ele, e em todo o estado. Pérolas de éter e pílulas nevrálgicas, para ataques do coração. Pomadas do Dr. Lebel, chá, solução benzoica e pílulas de escórdio, para hemorroidas internas e externas, Robe de Laffecteur e arrobe depurativo, essência de salsaparrilha de Bristol, para dores venéreas e reumatismo articular. Quina Labarraque, para quem tem febres periódicas e falta de apetite. Injeções de Royer, au matico, de Boyer, de Brou, e vegetal de Chevallier, para gonorreias. Cápsulas de Raquin, de alcatrão, au matico e de alcatrão com cupaiva, para flores brancas e gonorreias. Grânulos antimoniais com bismuto e ferro e só com bismuto, para padecimentos de estômago e azia. Águas cesarina de Hebé e circassiana, para dar a primitiva cor ao cabelo da cabeça e da barba. Águas alcalinas de Vidago, de Vichy, das Pedras Salgadas e de Moura, para padecimentos do estômago e areias na bexiga.

Além dos medicamentos há fundas para quebraduras de um só lado para ambos, urinol de guta-percha para homem que sofra de diabetes, aspiradores pneumáticos de Dienlafoy para extração das urinas e líquidos aquosos, cujo tratamento deverá ser feito por facultativo. E, para todo o desgraçado que for atacado pela terrível moléstia de asma há cigarretas de spica, indianas, antiasmáticas, tubos de Levasseur, papéis de Fruneau e cartão antiasmático de Carrier, máquinas de fazer gelo e fazer café a vapor, tinta para marcar roupa e dita de ouro para escrever.
Também se encarrega de qualquer encomenda vinda de Lisboa ou de França, por pequena comissão, assim como tem na sua farmácia tudo quanto anteriormente tem anunciado.
Praia, 26 de maio de 1876, Francisco Maria Paula Serpa, farmacêutico.”

Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796
(continua)
_____________

Notas do editor

Vd. post de 13 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25940: Notas de leitura (1726): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1874) (20) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25948: Notas de leitura (1727): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25940: Notas de leitura (1726): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1874) (20) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Desta vez, temos um texto literário que explora uma dimensão pouco vulgar, um delegado de saúde que saiu de Cabo Verde e foi à Guiné apurar as condições de vida e os tratamentos de quem ali vivia entendeu que devia pôr ênfase nas relações entre a meteorologia e as doenças, hoje tudo quanto ele escreveu pode ser entendido como um anacronismo, mas o recorte literário da sua exposição é de uma indiscutível beleza, dou-vos somente um exemplo:
"Não posso dar conta dessas modificações atmosféricas por meio dos algarismos que se lêem sobre as escalas dos instrumentos físicos, porque os não tinha; mas vou tentar dar uma ideia daquilo que, sem estes, se pode observar.
Começa-se a ouvir ao longe um estrondo como o surdo bater das vagas a desfazerem-se em rolos na costa; ao mesmo tempo lá na orla extrema do horizonte, do lado de leste e sudeste, e às vezes em outros diferentes pontos, assoma uma escuridão; a princípio pouco intensa, depois mais, depois muito; de repente passa o tufão que sibila irado e parece arrebatar tudo na sua corrente. É então que castelos de nuvens, levantando-se nas asas da procela, sobem para as alturas do céu, e caminhando uns para os outros, estreitam a distância que os separa; são como dois exércitos inimigos que, avançando, se vão topar em cheio." E depois desta dissertação naturalista encontra forma de encaixar um sem número de doenças. Estamos a caminhar para 1875, cresce em mim a tensão em adivinhar como se irá anunciar os acontecimentos associados ao desastre de Bolor que levaram as autoridades de Lisboa a separar a Guiné de Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1874) (20)


Mário Beja Santos

O Boletim Official vai enveredando pelo crescimento da parte dita não oficial, há qualquer coisa que lembra o Almanaque Bertrand, tem uma fase profundamente didática, chama a atenção para a importância do eucalipto que, segundo o autor, teria a propriedade de afastar doenças, e este mesmo autor discorre sobre os métodos para a sua transplantação bem-sucedida, há artigos sobre educação infantil, alfaias rústicas, operações agrícolas, aborda-se a longevidade, a zoologia agrícola, a meteorologia, até a criação da cochonilha. Mas vamos à parte oficial e quanto ao que se versa sobre a Guiné.

No Boletim n.º 21, de 23 de maio de 1874, o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira, envia o seu relatório simplificado para a Praia através da escuna Mindelo: é satisfatório o estado sanitário do distrito, bem como o alimentício; o comércio em Cacheu continua pouco animado e o de Bissau não tem melhorado; em Bolama continua a colheita da mancarra e a sua exportação, tendo entrado no porto da referido ilha durante o mês passado seis navios para carregar e saíram cinco carregados; terminou a colheita de arroz, mas continua a vir o suficiente para a alimentação do povo de Bissau e do Rio Grande; a tranquilidade pública não tem sido alterada, salvo a continuação da guerra entre os Futa-Fulas, Fulas e Biafadas. E lê-se mais adiante: satisfatório foi o estado sanitário do distrito durante o mês de março; na clínica civil foram observadas as seguintes doenças: quanto às endémicas, há a registar febres, terçãs, febre biliosa hematúrica, úlceras fagedénicas; quanto às doenças comuns, há a registar as asmas, bronquites, conjuntivites, faringites, reumatismos articulares crónicos, sífilis, cancro e tuberculose. No hospital foram tratadas doenças endémicas (caso da caquexia paludosa) e doenças comuns (caso do abcesso e sífilis). Dá também informação sobre o movimento da população na freguesia da Nossa Senhora da Candelária de Bissau: 18 batismos e 7 óbitos. Assina o delegado de saúde, António Augusto Santa Clara.

No Boletim n.º 26, de 27 de junho, o Governador da Guiné envia o seu relatório para a cidade da Praia pelo palhabote Experiência: estado sanitário regular, estado comercial pouco animado; a tranquilidade pública continua regular, a não ser a prevenção que existe a respeito dos Futa-Fulas e Fulas, sobretudo nas margens do Rio Grande na circunstância de se ter visto obrigado a retirar de Buba, por causa das suas exigências, o comerciante Severino Anastácio Vicente. O relatório faz-se acompanhar da súmula da Junta de Saúde em Bissau onde se referem as doenças endémicas: febres, acompanhadas ou não de bronquites; as doenças comuns como apertos orgânicos da uretra, cistites, doença do sono, reumatismo, tuberculose, entre outras. Houve 7 batismos e 5 óbitos.

Há uma novidade a registar no Boletim Official, e é de monta: vão aparecendo com regularidade as listas de degredados que chegam a Cabo Verde e seguramente também com destino à Costa da Guiné.

No Boletim n.º 34, de 22 de agosto, novo envio de informações do Governador da Guiné pela escuna César 2.º: estado sanitário regular no mês de julho e satisfatório em junho; estado comercial pouco animado, estado alimentício regular; não há alteração na tranquilidade pública, talvez esta se possa justificar por se viver a estação chuvosa. Há uma mudança agora de discurso no Boletim Sanitário, sabe-se lá se a razão não é mesmo a estação das chuvas: aguaceiros abundantes estabeleceram perigosas alianças com produtos orgânicos, recrudesceram os focos de emanações; e apresenta-se uma listagem de doenças endémicas e comuns. Assina o delegado de saúde interino, Aleixo Justiniano Sócrates da Costa.

No Boletim n.º 43, de 24 de outubro, o relatório do Governador não traz novidades com significado, mas sublinha haver atonia do comércio e da sua pouca vitalidade dá-se a recente receita pública. Sócrates da Costa passou a delegado de saúde, recompôs o modelo do Boletim sanitário, como se exemplifica:
“Conquanto a febre inflamatória predominasse na patologia endémica, o elemento paludoso parece não possuir essa virilidade de resistência que em outras ocasiões torna majestosas as pelejas que empenha com as armas da terapêutica. E que à violência da pugna sucede o enfraquecimento da mesma, e o organismo cansado do batalhar constante havido contra esse poderoso agente de destruição teve tempo para reassumir, durante o curto armistício, uma parte do seu exausto vigor.
Houve dias em que o calor que nestas regiões chega a ser calcinante, enervadas as forças do corpo conseguiu enervar as do espírito. Apenas, de longe em longe, os bafejos de uma ligeira aragem vieram amenizar este abrasador clima.”


No Boletim n.º 45, de 7 de novembro, reproduz-se um interessante artigo intitulado Última expedição em busca das origens do Nilo, 1870-1871-1872, reproduzido da Revista Marítima e Colonial, publicação do Ministério da Marinha e das Colónias de França. No Boletim n.º 48, de 28 de novembro, temos um texto de digno interesse, intitula-se Apontamentos acerca de Bissau, relativos ao ano de 1873, em cumprimento do que se acha disposto no decreto de 1869. O autor diz que vai dividir o seu trabalho em duas partes; na primeira, faz diversas reflexões que têm por alvo a etiologia e na segunda dispõe a patologia da localidade. Situa o lugar da vila de S. José de Bissau, diz que as ruas principais vêm do Leste para Oeste, as casas são de pequena altura, térreas, mal divididas, mal alumiadas e mal arejadas; muitas têm grossas paredes feitas de uma espécie de barro e todas elas são cobertas de telha. A casa em que está o hospital é insatisfatória em todos os títulos. Descreve a fortaleza e o seu interior onde há uma igreja, o quartel dos soldados, o calabouço e a cadeia civil, a cadeia é mal arejada, húmida e de acanhadíssimas dimensões em relação ao crescente número de presos; o calabouço também não está em melhores condições higiénicas e muito melhores as não tem o quartel em relação ao fim a que é destinado. O artigo continuo no Boletim n.º 49, de 30 de novembro, a tónica da higiene permanece, mas o autor insiste em falar de Bissau, considera Bissau o ponto da Guiné de Cabo Verde que tem mais recursos, por ele passam todos os negociantes estabelecidos noutras partes, por esses motivos aumenta a população, escasseia o terreno, estreitam-se as ruas, acanham-se as casas, aumenta a acumulação dos habitantes. O ar que circula dentro das casas é viciado pela acumulação relativamente grande dos seus habitantes; o que se conhece mesmo no cheiro repugnante que se experimenta quando se entra nas casas.

Não é digno de menor atenção o fosso que rodeia as muralhas; nele cresce a erva com uma rapidez admirável durante o tempo das águas; alguns dos habitantes que moram perto, ali fazem despejos às horas mortas na alta noite; rastejam nele miríades de répteis. Todas estas circunstâncias devem concorrer para o quadro da insalubridade.

O autor expende considerações sobre os sistemas de limpeza, o facto de o cemitério estar muito próximo da povoação, a própria insalubridade do cemitério, e finda a exposição do quadro etiológico apresenta um quadro patológico. Reinam ali doenças endémicas, releva as febres paludosas, caso da febre biliosa, faz uma exposição sobre o tratamento destes quadros febris e dirá em certo momento:
“Tive ali a ocasião de verificar a influência dos fenómenos meteorológicos sobre o organismo animal; em todas as doenças os sintomas exacerbavam-se mais ou menos, mas nos doentes de febres perniciosas e de febres biliosas apareciam muitas vezes cãibras nas pernas, uma certa agitação geral, às vezes subdelírio ou mesmo delírio, e isto ainda quando se não se esperasse exacerbação: coincidiu com uma horrível trovoada que ia passando sobre Bissau, o aparecimento do soluço num daqueles doentes de febre biliosa.”

Não há dúvida que o delegado de saúde que escreve este texto associa, sem margem para dúvidas, a meteorologia à patologia, e a sua exposição é simultaneamente a de um profissional de saúde que gosta muito de escrever:
“Como se mão gigante e invisível rompesse as cataratas do céu, torrentes de chuva se despenham do seio das nuvens e inundam a terra; fuzilam os relâmpagos, estalam os raios, atroam os trovões: pela escuridão da noite a cena é mais sublime, através do densíssimo véu das trevas não se vê entre as nuvens o clarão da lua, e o céu negro da noite não se enxerga o cintilar de uma estrela.”

Texto magnífico, podia-se transcrever ainda muito mais, ainda vai falar do alcoolismo e finda o seu relatório datado de 30 de agosto de 1874, foi escrito na ilha do Sal e é assinado pelo delegado de saúde António Augusto Pereira Leite d’Amorim.



Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796

(continua)

_____________

Nota do editor

Vd. post da 6 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25916: Notas de leitura (1724): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873 e 1874) (19) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25916: Notas de leitura (1724): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873 e 1874) (19) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Ando a folhear cartapácios com uma literatura de mansidão informativa, já não se fala na crise europeia, aquelas guerras que fizeram abrandar os mercados coloniais, a documentação de Cabo Verde está polarizada nas questões de saúde pública e as notícias do Governador da Guiné muito tranquilizadoras, não há uma só referência ao que se passa no Forreá, absolutamente não há uma menção do cerco francês ao Casamansa, o que predomina são as questões da febre amarela, da cólera, de quem chega ao hospital ou se cura ou morre ou continua em tratamento. As tensões que se observam que se transmitem para a cidade da Praia têm a ver com o Churo ou com Geba. E não quero enfastiar o leitor com nomeações, autorizações para repouso numa das ilhas cabo-verdianas a quem está em serviço na Guiné, e não deixa de surpreender a publicação de listas dos degredados que arribam à região, ladrões, homicidas, desobedientes, muitos deles irão parar às praças e presídios da Costa da Guiné, já falta pouco para se tornar na Província da Guiné Portuguesa.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos de 1873 e 1874) (19)


Mário Beja Santos

Não deixo de me surpreender pela completa falta de notícias sobre todos os acontecimentos que se estão a passar no Casamansa, neste período em análise, as notícias do Governador da Guiné são as tensões no Churo, quanto ao mais a Guiné para estar numa perfeita normalidade. Folheando o Boletim Official, o tema nevrálgico são os problemas de saúde pública que existem em Cabo Verde, é impressionante o número de relatórios minuciosos que se vão emitindo com enorme regularidade, as informações sobre saúde quanto à Guiné são lacónicas, até parece que tudo estava bem com exceção de casos de febre amarela, malária, sífilis, varíola, tuberculose pulmonar e muito mais. A parte não oficial tende a crescer, então as páginas de necrologia, assumem uma escrita ultrarromântica. E pela primeira vez vejo a lista dos degredados que chegam à Província, do roubo à facada assassina há de tudo, são degredados e em muitos casos irão para as praças e presídios.

Continuamos em 1873. No Boletim n.º 23, de 7 de junho, publica-se o extrato das notícias recebidas do distrito da Guiné Portuguesa, vieram pela escuna Vila de Mindelo. O estado sanitário e alimentício da Guiné era regular, o comércio pouco animado no decorrer de maio, não se tinham registado alterações na segurança pública, à exceção de Cacheu, onde alguns gentios da tribo de Churo haviam disparado uns tiros contra os baluartes da praça. As autoridades tinham suspendido as relações com aquela tribo. Sabia-se, porém, que o régulo respetivo fazia diligências junto de outros que connosco mantêm boas relações para que servissem de medianeiros em ajustes de paz com a praça; contava-se que em breve essas boas relações seriam retomadas, pelo que o Governo do distrito deixou em Cacheu as coisas bem-dispostas e instruções convenientemente dadas, aguardando um bom desfecho. No mês de fevereiro próximo deve estar pronto para embarcar em Cacheu o carregamento de madeiras que dali irá seguir para o arsenal da Marinha de Lisboa. E ainda se dá informações relativas aos réditos alfandegários dos últimos meses.

O Boletim n.º 21, de 14 de junho, dá a informação de que o Governador Geral autorizou a construção de uma cadeia civil na vila de S. José de Bissau. Pelo Boletim n.º 29, de 19 de julho, o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira, informa o Governador Geral, enviou-lhe notícias pelo palhabote Furão: bom estado sanitário do distrito, é satisfatório o estado alimentício em todos os pontos, o comércio considera-se frouxo devido à falta de navios com sortimentos. A estação chuvosa tem sido regular, e se assim continuar prevêem-se boas colheitas. A tranquilidade pública não tem sofrido alteração em todo os distrito, o Governador junta cópias de informações que vieram de Cacheu e de Farim, eram ocorrências que deviam chegar ao conhecimento do Governador Geral. Assim, a administração do concelho de Cacheu esclarece que a comissão nomeada para tratar da paz com o gentio de Churo tem a expetativa que a reunião se realizará em breve. O chefe do presídio de Farim, Pedro Pereira Barreto, vem notificar que ali foram gentes do rei falar com ele, após debate disseram que a razão se achava do lado da parte portuguesa e prometeram fazer com que os Mouros em questão entregassem a nossa gente que eles haviam aprisionado, e nessa reunião eles entregaram um rapazinho que tinha sido presenteado ao rei local. O chefe do presídio respondeu a estes delegados do rei que lhes dissesse que enquanto não fossem restituídos todos os que tinham sido capturados, o régulo seria o único responsável. Dois dias depois, chegaram os homens grandes daquele território, mandados pelo seu rei para visitar o presídio. Também há notícia da administração do concelho de Cacheu, ele informa que duas das tribos do Churo têm guerreado ali entre si e que tem havido mortes de ambas as partes e que brevemente virão à praça para pedir a paz.

O Boletim n.º 34, de 23 de agosto, insere mais um extrato de notícias oficiais, estas recebidas da Guiné pelo palhabote Africano. Em síntese, em todo o distrito reinava a paz e tranquilidade pública, só nas vizinhanças do presídio de Geba uns gentios Fulas tinham agredido algumas mulheres e crianças das famílias Mandingas que ali residiam. O chefe do presídio havia mandado emissários ao régulo Donhá, que tem a soberania pelo território em que está situado no presídio, a pedir satisfação pelos insultos praticados pela sua gente para com os habitantes do presídio que vivem sob a proteção da bandeira portuguesa. O régulo recebeu prontamente os emissários, a quem deu satisfação cabal, mandando imediatamente matar o principal criminoso.

E assim chegamos a 1874 e, no Boletim n.º 6, de 7 de fevereiro, do título “Da Ordem à Força Armada de Janeiro”, é de destacar: tendo o capitão Manuel dos Santos Oliveira incumbido pelo Governado da Guiné Portuguesa de capturar os criminosos que no presídio de Farim praticaram atos de barbaridade contra alguns habitantes daquele presídio: manda Sua Excelência o Governador Geral louvar o mencionado capitão, pela bravura e zelo com que se houve no desempenho daquela missão.

No Boletim 17, de 25 de abril, vão notícias para a cidade da Praia no palhabote Experiência, comunica-se que o estado sanitário do distrito é bom, que é lisonjeiro o estado alimentício nos concelhos dependentes da Guiné; o comércio de Bissau e de Cacheu anda frouxo, muito animado anda o de Bolama, onde no mês de fevereiro último entraram no seu porto oito navios estrangeiros, sendo quatro franceses, um americano, dois austríacos e um italiano. Continuava a colheita da mancarra, suponha-se que a sua exportação iria atingir 800 mil busheles (medida que está hoje em desuso). O preço deste produto ainda se conservava na razão de 360 réis o bushel. A colheita de arroz, conquanto não fosse muito importante, não há receio que falte para o consumo. A tranquilidade pública não tem sido alterada salvo entre algumas tribos gentílicas, quem assina é o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira.
Suplemento ao Boletim n.º 7, 15 de fevereiro de 1873, notícia do falecimento da Imperatriz do Brasil, avó do rei D. Luís
Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796

(continua)

_____________

Notas do editor

Vd. poste de 30 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25896: Notas de leitura (1722): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873) (18) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 2 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25904: Notas de leitura (1723): Breve história da evangelização da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25896: Notas de leitura (1722): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873) (18) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Um dos aspetos mais curiosos das informações que regularmente o governador do distrito manda para a Praia é a sua tónica de tranquilidade, o povo bem alimentado, o comércio animado, a vida nos presídios em sossego. Só que na prática as coisas não se passavam deste modo, é o caso de Geba, e por isso aqui se faz menção a três juramentos de vassalagem e obediência, no caso três régulos, isto enquanto se enviam contingentes militares à cautela, faz-se permanentemente referências a Churo, ali perto em Jufunco ocorrerá o chamado desastre de Bolor que alterará o quadro político vigente que era o Governo Geral de Cabo Verde e Costa da Guiné e que se irá transformar em Cabo Verde de uma lado e Guiné Portuguesa de outro. Um dos aspetos também bastante curiosos desta legislação passa pela adoção de um conjunto apreciável de regulamentos, eles aparecem no Boletim Oficial mas nem sempre se concretizarão, será o caso da administração judicial, sempre adiada, portanto a viver à moda antiga.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873) (18)


Mário Beja Santos

Este ano de 1873 revela-se bastante proveitoso para quem queira investigar este período que precede a passagem da Guiné a Província autónoma, depois do desastre de Bolor, em 1878. No Boletim Oficial n.º 6, de 8 de fevereiro, temos novamente um extrato das notícias recebidas do distrito da Guiné Portuguesa, vieram obviamente por barco, trazidas pela escuna Mindelo: “Segundo participou o respetivo Governador, era então regular o estado sanitário, e de abundância o alimentício. Tinha sido excelente a última colheita dos géneros que constituem a alimentação dos indígenas. O estado comercial conservava-se animado, sendo para notar-se a afluência de navios portugueses que começam a ir comerciar aos portos daquele distrito. Nas margens do Rio Grande anunciavam-se guerras entre as tribos gentílicas das proximidades, mas nada havia ainda, até então, ocorrido que perturbasse o sossego público.
Em Geba continuavam em hostilidades mútuas os Mandingas e os Futa-Fulas. Com receio de que fosse perturbada a segurança do presídio que ali possuímos, havia o respetivo chefe requisitado ao Governador um reforço, que lhe fora mandado, seguindo para ali 50 praças de pré com dois oficiais. Para se obviar a falta que esta força ficou fazendo em Bissau, bem como para ser rendida a parte da força que carece de regressar ao arquipélago, foram enviadas para aquele distrito 74 praças do Batalhão de Caçadores n.º 1 comandadas pelo capitão Saint Maurice, que levou sobre as suas ordens um subalterno. Largaram do porto desta cidade a bordo da canhoneira Tejo no dia 5 do corrente. Na escuna portuguesa Benjamim 2.º que nos mês findo fez o serviço do correio, haviam também seguido para Bissau 30 praças de pré e dois oficiais.”


No Boletim n.º 8, de 22 de fevereiro, temos novamente notícias sobre o estado sanitário da Guiné, desta vez referente ao mês de dezembro de 1872. O movimento do hospital foi de 16 doentes: nove compadecimentos endémicos e sete esporádicos: saíram curados seis, melhorado um e passaram ao mês seguinte nove. Na clínica civil foram tratados 24 doentes, entre eles 19 com febres intermitentes quotidianas e uma febre perniciosa comatosa, à qual sucumbiu: foi este o único caso fatal que se deu tanto na clínica particular como no nosocomial. Assina esta informação o Chefe dos Serviços de Saúde, José Fernandes da Silva Leão.

No Boletim n.º 9, de 1 de março, importa relevar o extrato de uma notícia do Governador do Distrito para o Governador Geral: estado alimentício bastante lisonjeiro; comércio animado; segurança e autoridade pública sem alteração, Geba em sossego, também o presídio de Farim e os gentios dos arredores no maior sossego e tranquilidade, Cacheu em boas relações com o Churo, o régulo do Xime prestável. Dá-se agora uma nota curiosa relacionada com a parte não oficial do mesmo Boletim:
“A saída da canhoneira Tejo para Bissau no dia 5 do corrente, conduzindo a bordo 74 praças, dois oficiais do Batalhão de Caçadores n.º 1, deixou inquietos alguns espíritos, receosos de que conflitos graves com os gentios das tribos limítrofes do nosso território houvessem exigido o aumento da força militar ali destacada. Era legítimo o cuidado que preocupava alguns ânimos porque são sempre para recear-se as guerras no sertão de África, e porque é só na paz que pode medrar o trabalho da colonização, e sem ela esmorecem os interesses do comércio honesto e legal e moraliza toda a iniciativa e toda a coragem para o emprego do capital. Felizmente não havia receios bem fundados de guerra, mas só motivo para prevenção. As escaramuças que se estavam dando entre os Mandingas e os Futa-Fulas no território de Geba podiam incomodar o presídio que hoje possuímos, e prudente foi reforçar-se a guarnição dele. Mas nenhum ato hostil se havia cometido contra o nosso estabelecimento que se achavam em regulares relações com os gentios.”

Certamente com grande significado temos no Boletim n.º 16, de 23 de abril, a publicação de três termos de juramento de vassalagem e de obediência, vamos deles extrair alguns tópicos. O primeiro tem a ver com o régulo Donhá, senhor das terras de Ganadu, vassalagem à Coroa de Portugal. Este régulo compareceu na residência do chefe do presídio de Geba, capitão Alfredo Carlos Barbosa e prestou juramento de fidelidade, a conservar-se em perfeita obediência para com os delegados do mesmo Governo e prestar-lhes todo o auxílio para que possa dispor quando assim lhe for exigido.

Do régulo de Gofia, também com o nome Donhá, na mesma residência do chefe do presídio de Geba, compareceu o régulo acompanhado dos seus súbitos e presta juramento de obediência e fidelidade a Sua Majestade Fidelíssima, obrigando-se a conservar-se em passiva e perfeita obediência aos delegados do Governo, bem como de reconhecer como seus inimigos os régulos que tentarem hostilizar o presídio de Geba.

O terceiro termo de juramento de vassalagem envolve o régulo Joró-Fim, senhor das terras de Mancrosse, novamente na residência de Geba, obrigou-se também a conservar-se em perfeita e passiva obediência aos delegados do Governo, a prestar o devido juramento sob a bandeira portuguesa. Os três termos de vassalagem realizaram-se em 29 de março de 1873.

No Boletim n.º 18, de 3 de maio, mais um pacote de notícias: não havia ocorrido alteração ordem pública nem em Bolama nem em Geba. Em Bissau, um grilheta (pessoa condenada) havia agredido um gentio Papel de Antim, que faleceu passados dias. A tribo de Antim, julgando-se agravada pelo atentado feito contra um dos seus membros, havia deixado de comunicar com a Praça e suspendera o mercado diário junto da tabanca; mas o régulo, sabendo que as autoridades portuguesas haviam prendido o agressor contra o qual corria o competente processo judicial, veio à Praça declarar que se não julgava ofendido e que reiterava os seus protestos de harmonia e amizade com os portugueses. Na Praça de Cacheu, um gentio de Churo emboscado na noite fez fogo sob um degredado com quem trazia rixa particular, e que o feriu em ambas as pernas. Em Farim, uma mulher do presídio, chamando um chefe dos Fulas a um colóquio particular, atraiçoou-o entregando-o aos Mandingas, que o surpreenderam e assassinaram. Havia, por tal motivo, negociações com os Fulas que pediam satisfação pelo facto.

Suplemento ao Boletim n.º 7, 15 de fevereiro de 1873, notícia do falecimento da Imperatriz do Brasil, avó do rei D. Luís
Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796
(continua)
_____________

Notas do editor

Vd. post de 23 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25874: Notas de leitura (1720): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1872 a 1873) (17) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 26 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25882: Notas de leitura (1721): Breve história da evangelização da Guiné (2) (Mário Beja Santos)