sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25961: Notas de leitura (1728): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1875 e 1876) (21) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Junho de 2024:

Querido amigos,
Entre o dia de Natal de 1875 e ao longo de 1876, assistimos a uma realidade, o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira, envia pendularmente para a cidade da Praia pequenos relatórios sobre o estado do distrito, segundo ele há bastante animação comercial, os problemas sanitários são poucos, metem a epidemia das bexigas e a varíola. Há permanentes dores de cabeça com o presídio de Farim, há guerras interétnicas, problemas no presídio de Geba, temos um negociante que se suicida numa canoa fazendo-a explodir e matando toda a família. Poder-se-á entender que a situação alimentar não levanta problemas já que por toda a Guiné prevalece um quadro de auto-abastecimento, mesmo quando os médicos de saúde pública falam de doenças jamais questionam as deficiências nutricionais. E recomenda-se vivamente a informação dada por um farmacêutico na Praia, é mensagem publicitária em que ele anuncia o que tem ao seu dispôr na farmácia, é um rol impressionante que talvez mereça a atenção dos estudiosos para se saber mais sobre a Farmacopeia do último quartel do século XIX.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos de 1875 e 1876) (21)


Mário Beja Santos

Entre o final de 1875 e o verão de 1876, ocorre da leitura do Boletim Official de Cabo Verde e da Costa da Guiné duas singularidades de que me permite chamar à atenção do leitor: com regularidade pendular o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira, vai enviado ao Governador-Geral pequenos relatórios do estado do distrito, são registos muito úteis para qualquer investigador ter em conta quanto à leitura que o Governo da Guiné fazia dos acontecimentos e assuntos internos; e aparece no Boletim Official em junho uma relação de produtos farmacêuticos que me parece ser um verdadeiro achado, merecia ser enviada para todas as instituições universitárias que se interessem pela Farmacopeia.

No Boletim Official n.º 52, de 25 de dezembro de 1875, é enviado ao Governador Geral a seguinte síntese: “É regular o estado sanitário nos concelhos de Bissau e Bolama, e está quase extinta a epidemia de bexigas no concelho de Cacheu. Continua a colheita de arroz o qual, já em maior escala, vai aparecendo no comércio. Posteriormente ao meu ofício n.º 190, de 12 de novembro, não tive participação alguma oficial sobre o presídio de Farim, constando-me, aliás, extraoficialmente, que não têm continuando as impertinências dos Fulas. Não conta que os gentios tivessem por enquanto atacado o presídio de Geba, nem qualquer outro ponto sujeito ao Governo português. Continuam ainda em poder dos Fulas prisioneiros cristãos a que se refere o meu ofício n.º 186, de 19 de novembro.”

Entrámos no novo ano e no Boletim Official n.º 3, de 15 de janeiro, o Governador da Guiné leva ao conhecimento do Governador Geral que à saída do palhabote Carlota do porto desta vila de Bissau é regular o estado sanitário deste distrito, excetuando no concelho de Cacheu onde ainda reina, mas com pouca intensidade, a varíola, é bastante animado o comércio. Em Farim, segundo as últimas notícias, havia-se recuperado o sossego. Paralisaram, por enquanto, as guerras dos gentios circunvizinhos e com elas as exigências ao presídio, que vai sendo mais respeitado em presença da força que para ali se mandou. Em Geba acha-se ainda estacionada a pendência. A força dos Fulas havia-se retirado para o interior, sem, contudo, haverem dado ao presídio a satisfação completa que lhe é devida, pelos roubos e aprisionamentos ali feitos, existindo ainda em poder deles três pessoas do presídio. No Boletim Official n.º 13, de 25 de março de 1876, publica-se o estado do distrito no mês de fevereiro:
“Concelho de Bolama: regular o estado sanitário e o alimentício, e bastante animado o comercial. No dia 7 deste mês, pelas 7h do dia, apresentaram-se na propriedade denominada Bissau, uma porção de Biafadas de Beduque, que ali, dirigindo-se ao negociante Rufino Pereira Barreto, o aceitaram-se, bem como a um seu caixeiro, aos quais açoitaram barbaramente. Tive, em seguida, notícia deste acontecimento e tomei as providências necessárias, conseguindo obter a prisão do chefe dos criminosos, que se acha entregue ao poder judicial.
Concelho de Cacheu: regular o estado comercial e alimentício. É pouco lisonjeiro o estado sanitário, por isso se desenvolve em Farim com bastante intensidade a epidemia da varíola. Por participação ultimamente recebida consta que no dia 13 do mês findo se suicidara o negociante-chefe do presídio de Farim, Pedro Pereira Barreto. O infeliz havia sido quase reduzido à indigência pelos gentios Mandigas que, atribuindo-lhe ser partidário dos Fulas, lhe roubaram quase tudo que possuía, em resultado de que perdendo o uso da razão, meteu-se numa canoa com toda a sua família, com pretexto de se retirar para Cacheu, e disparando um tiro de revólver sobre uns barris de pólvora que se achavam na mesma canoa, resultou em ato continuo uma grande explosão de que foi vítima ele, sua mulher e dois filhos menores.
Concelho de Bissau: é regular o estado sanitário, comercial e alimentício. Tranquilidade pública em todo o concelho.”
Assina, como tem sido sempre, António José Cabral Vieira.

No Boletim Official n.º 16, de 15 de abril, o Governador escreve: “Largando hoje deste porto de Bissau com destino ao da cidade da Praia o cutter Cabo Verde, cabe-me a honra de participar V.ª Ex.ª que ao presente é satisfatório o estado sanitário nos concelhos de Bissau e Bolama, não acontecendo assim no de Cacheu, onde infelizmente ainda continua a epidemia de varíola. É regular o estado comercial, bem como alimentício em todo o distrito. Continuam as desavenças entre os gentios Fulas, Biafadas e Mandigas, havendo desconfianças que vai breve haver hostilidades entre os dois régulos vizinhos de Antim e Antula.”

Vejamos agora a surpreendente notícia intitulada “Ser velho e teimoso, dom que Deus me deu”:
“O signatário deste tem a honra de participar que lhe chegaram de Lisboa, vindos no vapor D. Pedro, mais medicamentos e que são os seguintes:
Xarope de lacto-fosfato de cal de Dusart, para fazer nascer os dentes às crianças e para todas as mulheres que dão de mamar. Vinho de quina Laroche, para todas as pessoas de constituição fraca, e muito principalmente para senhoras e meninas que sofrem do peito e têm fastio. Ponto alívio, pilulas e xarope do Dr. Radway, para depurar o sangue, como purgativo e para acidentes, até hoje o único medicamento que combate tais moléstias. Licor ferruginoso de Carrier, pilulas de Blancard, xarope de quina ferruginoso, ferro de Quevene e de Girard, pílulas de pepsina ferruginosas, óleos de fígado de bacalhau com ferro, confeitos de lactato de ferro, xarope de rábanos iodado, chocolates de lactato de ferro, carbonato de ferro e de iodoreto de ferro, únicos preparados até hoje descobertos para as senhoras que sofrem por lhe faltar a menstruação e para as escleróticas. Pastilhas de Belmeth, pílulas de óleo calcário, óleo de fígados de bacalhau preparado pelo Dr. Hogg e de Chevrier, xarope de seiva de pinheiro marítimo e grânulos de Vivien, para padecimentos do peito, quando a moléstia tem feito muitos estragos e já estão desenganados. Altos peitorais de carne, de James, racahut dos árabes, revalenta simples e achocolatada, elixir alimentício de Ducro e de pepsina, tapioca, sagú, cevadinha, chocolates de saúde, de salepo e de musgo, para os convalescentes e fracos, xarope de James, dito de nafé, pasta de nafé, de Regnoold e de louro cerejas, para catarros e constipações. Inga da Índia, para dores de cabeça. Pomada do Dr. Queiroz, para moléstia da pele e queimaduras.

Opodeldoc com arnica e simples, para reumatismo, feridas e contusões. Pílulas de Haut, de Haloay, pagaliano, pílulas do Dr. Ganckes, e do Dr. Casenave, citrato de magnésia, como purgantes os mais usados em qualquer tratamento ou sem ele, e em todo o estado. Pérolas de éter e pílulas nevrálgicas, para ataques do coração. Pomadas do Dr. Lebel, chá, solução benzoica e pílulas de escórdio, para hemorroidas internas e externas, Robe de Laffecteur e arrobe depurativo, essência de salsaparrilha de Bristol, para dores venéreas e reumatismo articular. Quina Labarraque, para quem tem febres periódicas e falta de apetite. Injeções de Royer, au matico, de Boyer, de Brou, e vegetal de Chevallier, para gonorreias. Cápsulas de Raquin, de alcatrão, au matico e de alcatrão com cupaiva, para flores brancas e gonorreias. Grânulos antimoniais com bismuto e ferro e só com bismuto, para padecimentos de estômago e azia. Águas cesarina de Hebé e circassiana, para dar a primitiva cor ao cabelo da cabeça e da barba. Águas alcalinas de Vidago, de Vichy, das Pedras Salgadas e de Moura, para padecimentos do estômago e areias na bexiga.

Além dos medicamentos há fundas para quebraduras de um só lado para ambos, urinol de guta-percha para homem que sofra de diabetes, aspiradores pneumáticos de Dienlafoy para extração das urinas e líquidos aquosos, cujo tratamento deverá ser feito por facultativo. E, para todo o desgraçado que for atacado pela terrível moléstia de asma há cigarretas de spica, indianas, antiasmáticas, tubos de Levasseur, papéis de Fruneau e cartão antiasmático de Carrier, máquinas de fazer gelo e fazer café a vapor, tinta para marcar roupa e dita de ouro para escrever.
Também se encarrega de qualquer encomenda vinda de Lisboa ou de França, por pequena comissão, assim como tem na sua farmácia tudo quanto anteriormente tem anunciado.
Praia, 26 de maio de 1876, Francisco Maria Paula Serpa, farmacêutico.”

Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796
(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 13 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25940: Notas de leitura (1726): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1874) (20) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25948: Notas de leitura (1727): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (2) (Mário Beja Santos)

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