quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25954: Historiografia da presença portuguesa em África (442): A Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1881 até 1882 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de julho de 2024:

Queridos amigos,
Estão a ser dados passos seguros para a implantação da presença portuguesa, aparece gente interessada, foi repelido um assalto à praça de Buba e alcançado um tratado de paz subscrito pelos régulos Fulas-Forros e Futa-Fulas do Forreá e Futa-Djalon; começou a ocupação dos territórios banhados pelos rio Nalu e Cacine, uma porção completamente nova de território que surgiu graças à compensação dada pelos franceses que tudo fizeram para ficar com o Casamansa e, sobretudo, Ziguinchor; caem pendularmente vindas de Bissau e de Geba, a agricultura está numa lástima, a indústria limita-se a fabricar tecidos e sabão; tornou-se obrigatório o sistema métrico-decimal; fica-nos a intuição de que perderam importância Geba, Fá e S. Belchior, o ponteiro da bússola está a oscilar para os Bijagós. Enfim, o Governo de Bolama parece ter entrado com o pé direito.

Um abraço do
Mário



A Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1881 até 1882 (2)


Mário Beja Santos

Indiscutivelmente que em 1881 o governador Agostinho Coelho já não tem dependência alguma de Cabo Verde, a presença portuguesa mantém-se ténue, veremos adiante que o governador faz esforços para apagar os focos de guerra, caso do que se estava a passar no Forreá. Convém informar o leitor que há evidentes lacunas neste primeiro volume do Boletim Official, em determinado momento passamos dos finais de 1881 para agosto de 1882, mas é, por enquanto, o que tenho ao dispor. No Boletim n.º 7, de 19 de março, dispomos de informações vindas do presídio de Geba e assinadas pelo respetivo chefe, alferes Caetano Alberto da Costa Pessoa, do que por ali se passa: não há alterações no sossego público, o estado sanitário é regular, na agricultura não há quase nada a não ser a cultura da cebola; quanto à indústria, regista-se o fabrico de tecido de algodão e sabão para consumo do presídio; no tocante à instrução pública, e escola funciona com regularidade, tem 20 alunos do sexo masculino e 1 do sexo feminino; o estado alimentício é bastante escasso e o comércio insignificante.

No Boletim n.º 8, de 26 de março, uma novidade e com peso, faz-se a adoção do sistema métrico, assina o governador:
“Notando-se que o sistema anárquico de pesos e medidas em uso nas transações comerciais na Província impossibilita pela sua variedade arbitrária e falta de padrão a fiscalização legal de uma uniformidade regular, prejudicando o consumidor; considerando que este país, mais facilmente do que os melhor policiados, pode aceitar o estabelecimento da uniformidade de pesos e medidas, por isso que não há a impugnar o uso radicado de algum outro; tendo em vista as informações dos concelhos municipais; ouvido o conselho de Governo e com o seu parecer afirmativo; hei por conveniente determinar, que dentro do prazo de um ano, a contar da presente data, seja adotado na Província o sistema métrico-decimal em todas as suas fórmulas; e, outrossim que as comunicações municipais adquiram durante esse período os padrões e instrumentos de afilamento necessários, para dar execução ao que a este respeito dispõe o código administrativo de 1842.” A data do despacho é de 24 de março.

Neste mesmo Boletim vem publicado o termo da ampliação e ratificação do tratado feito em 16 de junho de 1856, na aldeia de Umbaná, entre o Governo do Distrito da Guiné e o régulo e chefes Biafares de Guinala e Buduel – na margem direita do Rio Grande; o objetivo é de que com este novo tratado se estreitassem mais as dependências e vassalagem daquele território, havendo garantia da proteção da bandeira portuguesa, tratado que se estendia até aos povos Biafadas.

O leitor encontrará em permanência referências a gente preso, sobretudo por embriaguez e tentativa de furto, síntese da Administração de Bissau, informações mensais, e também do presídio de Geba. Ganha importância no Boletim Official n.º 10, de 25 de junho, a notícia de que fora repelido uma tentativa de assalto a Futa-Fulas à Praça de Buba, que ocorrera em fevereiro de 1881, mencionavam-se comportamento exemplares, o do cidadão francês Henri de Galambert que apoiara eficazmente a defesa da dita praça e do soldado Manuel Gomes, que praticara um ato de coragem na maior força do assalto indo resgatar uma rês confiada à sua guarda e que o gentio lhe roubar, Sua Majestade recomendava para os ditos louvor pelas provas dadas.

Igualmente vem publicado no Boletim N.º 12, de 16 de julho, o tratado de paz celebrado entre o Governo português e os régulos Fulas-Forros e Futa-Fulas do Forreá e do Futa-Djalon. O tratado foi assinado em 3 de julho de 1871, em Bolama, da parte portuguesa faziam parte o Governador e um conjunto de membros do concelho do Governo (curiosamente aparece o nome de Marcelino Marques de Barros, o primeiro grande vulto cultural com naturalidade guineense), dos tempos da província da Guiné Portuguesa. E do lado dos Fulas-Forros e Futa-Fulas representantes de Bakar Kidaly e Mamadi Paté, estando presente pelos Futa-Fulas Mamadu Djau, representante de Alfa Labé, do Futa-Djalon, terminavam as contendas entre o Governo português e os povos Fulas e Futa-Fulas, reconhecendo estes terem dado origem à guerra, aceitavam os régulos a condição imposta de haver na principal povoação do Forreá um delegado do Governo, assim como a bandeira portuguesa arvorada na mesma população, como símbolo da soberania do Governo de Portugal.

É um texto detalhado, indiscutivelmente um momento da maior importância para a governação de Agostinho Coelho, como se pode especificar: obrigam-se todos os chefes assinantes do tratado à condição de não fazerem guerra aos povos limítrofes, em que seja empenhado o Forreá sem consentimento do Governo; os chefes Futa-Fulas obrigam-se a prevenir o Governo pelo comando militar de Buba, todas as vezes que os seus corpos de guerra vierem àquele território; aceitam a condição imposta pelo Governo de virem anualmente a Bolama em número de três ou mais chefes, sendo um pelo menos Futa-Fula, a fim de conferenciarem com a autoridade superior da Província; o Governo determina a reconstituição da povoação de Buba, permite que venham estabelecer-se ali todas as famílias do Forreá que o desejarem, comprometendo-se o Governo em não constranger o sistema de governação e constituição das tribos do Forreá; os chefes Futa-Fulas obrigam-se a facilitar a todos os enviados do Governo português os caminhos para o interior do continente até Labé; os chefes Fulas e Futa-Fulas obriga-se a não fazerem tratado algum com estrangeiros, sem consentimento prévio do Governo português.
Firmou-se este tratado em português e em árabe, documentos selados com o selo grande das armas reais.

Outro dado que me parece tido de menção é a determinação do Governo em ocupar os territórios banhados pelos rios Nalu e Cacine, nomeando um funcionário da administração. Na prática isto significa que esta porção do território incorporada na província da Guiné, pela Convenção Luso-Francesa, de 12 de maio de 1886, ainda não tinha sido ocupada. E passamos agora para o que resta do ano de 1882, como se disse há uma lacuna de cerca de 7 meses.

A agricultura tornou-se um valor atrativo, pode ler-se nesta folha de 19 de março de 1881 conceções legais de terrenos ou com autorização do Governo da Província
Rua Governador Catela, Bolama, em 1892
O que resta do majestoso Palácio dos Paços do Concelho, imagem retirada do blogue Alma do Viajante, com a devida vénia
A primeira igreja de Bolama

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 11 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25935: Historiografia da presença portuguesa em África (441): A Guiné Portuguesa em 1878 - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1880 e 1881 (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

".. escola funciona com regularidade, tem 20 alunos do sexo masculino e 1 do sexo feminino..."
Isto na Guiné em 1882, uma aluna no ensino primário, é um grande acontecimento.
Valdemar Queiroz