sábado, 21 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25963: Os nossos seres, saberes e lazeres (646): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (171): As mulheres carregam o mundo, exposição de Lekha Singh, Museu Nacional de Etnologia (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
No mínimo, saímos dali sobressaltados: porque elas são milhões, transportam milhões de quilos, e por milhões de quilómetros, transportam na cabeça, nas costas ou nas espáduas; carregam o mundo e não se sabe desde quando, transportam os filhos, a lenha, a água, a comida, tijolos, pedras, montanhas de algodão. As imagens de Lekha Singh desvelam os fardos que lhes pesam, é uma homenagem a não sei qual percentagem de mulheres do mundo, sabemos que praticam desportos, são mulheres de família, alimentam os filhos, são verdadeiras mulas humanas, olhamos cuidadosamente para os seus rostos de pele gretada e engelhada, pegamos nos números que nos dão as agências das Nações Unidas e ficamos a saber que há pelo menos 2000 milhares de milhões de pessoas que não têm acesso a água, é trabalho de mulheres e também de crianças; há regiões onde elas transportam à cabeça o equivalente a 70% do seu próprio peso. Mas também ficamos a saber, quando olhamos estas imagens, que pelo mundo fora estas mulheres estão num processo crescente de afirmação e rompendo com as barreiras de género.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (171):
As mulheres carregam o mundo, exposição de Lekha Singh, Museu Nacional de Etnologia


Mário Beja Santos

Não foram poucos os que me azucrinaram que era indispensável ir ver a exposição da Lekha Singh, no Museu Nacional de Etnologia. Esperei pelo último dia para ir contemplar este conjunto de imagens fora de série. Lekha Singh é uma artista visual norte-americana, o seu olhar e a sua sensibilidade têm o foco na enorme sobrecarga física que recai desde tempos imemoriais sobre a mulher, em inúmeros locais do planeta. Mas há outros alertas, a despeito do caráter vital das funções que as mulheres desempenham nas esferas familiar e económica, permanecem marcadas pela falta de reconhecimento. Fica por aqui a objetiva desta artista norte-americana, dá para que possamos ver as capacidades físicas das mulheres, tradicionalmente valorizadas apenas pela sua dimensão reprodutora, mas secundarizadas no que respeita à atividades produtivas; há como que um cuidado da artista em querer mostrar que as mulheres constituem uma crescente fonte de afirmação, estão a promover crescentes ruturas nas barreiras de género. Lekha Singh fotografou na Índia, no Butão, no Japão, em Marrocos, no Quénia, no Ruanda, na Tanzânia, na Namíbia e nos Estados Unidos da América. A sua obra fotográfica tem estado patente em instituições consagradas como a Smithsonian Institution, o Musée de l’Homme, ou The International Center of Photography de Nova Iorque.
Na apresentação desta exposição, observa o diretor do Museu Nacional de Etnologia, Paulo Ferreira da Costa, que “há virtuosismo da artista visual a tratar a condição feminina em sociedades de caráter tradicional ou moderno, Lekha Singh polariza-se nestas questões fundamentais em que nos desvela o mundo e a sociedade em que vivemos, mas também para pensarmos no mundo e as sociedades que queremos construir para o futuro, e o lugar que as mulheres neles devem ter.”
Cheguei tarde mas em boa hora para uma exposição notável. Não podendo o leitor desfrutá-la presencialmente, aqui lhe deixo uma mostra fotográfica de indiscutível valor que nos obriga a pensar sobre o modo de transporte não motorizado em que cabe à mulher deslocar de um lado para o outro cargas por vezes sobre-humanas.
Que desfrutem!

Quénia, desde que se casaram que transportam à cabeça a alimentação da sua família, é trabalho que fazem desde pequeninas, como farão as suas filhas, e depois as suas netas
Quénia, aquele cesto é todo o seu património
Índia, elas transportam grandes cestos de algodão
Índia, ao fundo da escadaria corre o rio onde ela lavou a roupa da família, agora sobe-a levando na cabeça toda essa roupa molhada
Butão, faça chuva ou faça sol o trabalho agrícola nunca falta, transporta-se às costas ou na cabeça
Estados Unidos da América, esta mulher transporta o seu filho, foi assim no passado, é no presente e será no futuro
Quénia, esta mulher percorreu uma longa distância para trazer à cabeça uma pedra que é fundamental para a lareira onde preparará a comida da sua família
Índia, esta mulher caminha para o rio Ganges, transporta todos os seus haveres à cabeça, o seu filhinho também se irá banhar no rio sagrado
Tanzânia, nas margens do lago Tanganica, esta mulher transporta um enorme pote de barro à cabeça, já percorreu uma longa distância com ele vazio, vai regressar a casa com o pote cheio de água, pesará 22 quilos
Índia, mesmo com o rosto protegido, esta mulher transporta ramos de acácia para fazer a sua lareira, a lenha continua a ser a fonte de energia mais usada pelos muito milhões de gente pobre de todo o mundo
Quénia, esta mulher, pertencente ao povo Pokot, usa pesados anéis de missangas ao pescoço, que nunca deverá retirar. Cada círculo representa uma determinada dimensão da sua biografia: marido, filhos e estatuto social. As missas são ainda investidas de significados próprios, consoante a cor: o amarelo promove a paz, o branco representa o leite, o verde simboliza a erva, o negro a pele, o vermelho o sangue, o laranja a beleza e o azul Deus nos céus.
Índia, trabalha-se em qualquer idade e por toda a vida
Estados Unidos da América, halterofilista que detém 7 recordes mundiais de levantamento de pesos
Índia, ela leva à cabeça a comida para toda a família
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Nota do editor

Último post da série de 14 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25942: Os nossos seres, saberes e lazeres (645): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (170): Restos de coleção de visitas inesquecíveis ou lugares esplendentes (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Fotografias extraordinárias sobre os carregos destinados às mulheres.
Bem podiam estar, também, imagens dolorosas das carquejeiras do Porto.
E, até, de Judith que transporta à cabeça, a cabeça de Holofernes, como vemos
pintado na Capela Sistina.
Valdemar Queiroz