quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25953: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar: uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte X: Testemunho 5: "Desaparecido em combate, em Moçambique, em 15/11/1972: fur mil op esp / ranger João Manuel de Castro Guimarães"

 


SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal.

In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


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Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): 

(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii) viveu em Angola até 1974; (iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte; (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.

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1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada a testemunhos e depoimentos recolhidos pelo autor (pp. 67/82).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] 


Parte X:  Testemunho 5: "Desaparecido em combate,  em Moçambique, em 15/11/1972: fur mil op esp / ranger João Manuel de Castro Guimarães"  (pp. 78/79)



Testemunho 5 : 

Há algum militar fafense desaparecido em combate?


O furriel miliciano ranger João Manuel de Castro Guimarães desapareceu em combate no Norte de Moçambique durante a Guerra Colonial. O seu desaparecimento ocorreu durante uma operação realizada junto da povoação de Kytaia, aldeia situada no sul da Tanzânia, nas margens do rio Rovuma, e cujo corpo nunca mais foi resgatado.

Tenho em meu poder cópia de um documento que me foi cedido pela Direção do Centro de Trabalhos de Fafe da Associação de Operações Especiais – “Ranger” em 12.03.2012 e que descreve as circunstâncias do desaparecimento do furriel Guimarães.

O texto é da autoria de Carlos Vardasca, ex-soldado condutor nº mec. 15263570,  da CCAÇ 3309, estacionada no aquartelamento de Nangade. 

Vardasca afirma que só foi possível elaborar o documento com o depoimento de Filipe Manuel Cardão Pinto, ex-furriel mil da  CCAÇ 3309 e comandante dos GES 212, estacionados no aquartelamento de Nhica do Rovuma, em Cabo Delgado.

Relata que a operação denominada “Baga 6” teve como objetivo vigiar junto da fronteira da Tanzânia, a cerca de nove quilómetros do aquartelamento, as movimentações da população moçambicana que trabalhava em machambas (terrenos de cultivo) comunais junto da povoação tanzaniana de Kytaia, nas margens do rio Rovuma, e cujos produtos alimentares serviam para guarnecer os guerrilheiros da FRELIMO que, com bastante regularidade, ali se abasteciam para reentrarem em Moçambique e efetuarem as suas operações contra o exército português.

A operação decorreu entre os dias 14 a 16 de novembro de 1972, sendo enviado um pequeno grupo comandado pelo furriel Guimarães, recentemente chegado da Metrópole (designação dada a Portugal no período colonial).

Na tarde de 14 de novembro, o grupo atingiu o local previsto junto ao rio Rovuma e, dado o adiantado da hora, decidiu emboscar ali para observar as movimentações do outro lado da fronteira. 

Na manhã de 15, iniciaram-se as observações, ainda o cacimbo (nevoeiro) flutuava por cima do capim e o rio em maré baixa deixava emergir do seu leito vastos bancos de areia, permitindo alguns deles o acesso fácil ao outro lado da fronteira.

Talvez por inexperiência e desconhecimento da realidade ou por simples espírito de aventura, continua Verdasca, o furriel Guimarães, apesar de ser advertido pelos seus soldados africanos dos perigos em que ia incorrer, decidiu percorrer um dos bancos de areia que se estendia até à outra margem, tendo mesmo pisado território tanzaniano.

Inesperadamente e perante a angústia dos companheiros, ouvem-se dois tiros de arma de precisão e o corpo do Guimarães tombou de imediato, ficando inerte. 

Alguns dos elementos do grupo iniciam os preparativos para resgatar o corpo, mas, advertidos pelos mais experientes de que seriam, certamente, alvos, também da emboscada do atirador que os esperava, decidem não avançar e comunicar com o destacamento de Nhica do Rovuma que, consciente da gravidade da situação, decide enviar para o local um novo Grupo de Combate comandado pelo furriel Pinto para coordenar as ações no terreno. 

Foi decidido, relata o Verdasca, pedir apoio aéreo para proteger e apoiar o grupo de resgate do corpo do Guimarães. O comando do destacamento de Mueda negou esse apoio, sob o pretexto de se poder vir a abrir um conflito internacional com um país vizinho.

O corpo permaneceu no local e, no dia seguinte, 16 de novembro (de 1972), o soldado que estava de sentinela,  alertou os restantes, informando que o corpo do furriel já não se encontrava no local.

A convicção de todos é que o corpo do Guimarães teria sido levado pelos tanzanianos, facto corroborado por um dos GEs da aldeia de Nhica do Rovuma que disse ter ouvido no seu rádio um comunicado difundido por uma rádio tanzaniana em dialeto Swahili,  segundo o qual "as nossas forças fronteiriças abateram e capturaram um mercenário branco, de farda negra e armado de G3, que tentava penetrar no nosso espaço territorial".

Conclui que, com aquela informação oficial, o corpo do furriel Guimarães tinha sido retirado do local por quem o abateu, sendo mais tarde sepultado em território tanzaniano, local que ainda hoje se desconhece, mas provavelmente nas imediações da aldeia mais próxima do local, ou seja, na aldeia tanzaniana de Kytaia.

Insurge-se 
ainda pelo facto de o seu nome não constar na lista inscrita no Monumento Nacional aos Mortos da Guerra Colonial, erigido em Belém e insiste no dever de Portugal em recuperar ainda os seus mortos sepultados e dispersos por vários locais do continente africano. (**)

2 comentários:

João Carlos Abreu dos Santos disse...

JOÃO MANUEL DE CASTRO GUIMARÃES: nascido na freguesia urbana da Cedofeita (Porto), filho de Rosa Albertina Moreira de Castro e de João António de Azevedo Barros Guimarães; furriel miliciano atirador de infantaria n/m 12619071 (com o curso de operações especiais), tendo sido mobilizado pelo RI1-Amadora para servir Portugal na Província Ultramarina de Moçambique, integrado na CCS/BCac3874, ao final da noite de 6ªfeira 18Fev1972 embarca no AB1-Figo Maduro em voo TAM-Boeing 707 rumo à BA10-Beira; na 2ªfeira 07Ago1972 transferido para o GE212/CCFAM sob comando do "alferes Lamas" (?) coadjuvado pelo furriel miliciano atirador de infantaria Filipe Manuel Cardão Pinto; na manhã de 4ªfeira 15Nov1972, no âmbito da Op Baga 6 lançada na margem direita sobre a maré raza do rio Rovuma, decide atravessar sozinho para a fronteira com a Tanzânia e acto contínuo atingido mortalmente por um 'sniper', horas depois dali transportado por tropas tanzanianas para a aldeia de Kitaya onde ficou inumado.
1.- João Manuel de Castro Guimarães, NÃO É natural de Fafe.
2.- João Manuel de Castro Guimarães, É UM de entre 1428 ainda omissos no Memorial Nacional 'Aos Combatentes do Ultramar'.
Paz à sua Alma.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Infelizmente, o caso deste nosso camarada não foi único...Ao longo da nossa história, terão sido milhares e milhares os portugueses, que nos últimos 500 anos sairam de casa em demanda do novo (e velho) mundo (mas também em campanhas militares, em terra e mar) e nunca mais voltaram... Temos uma história "trágico-marítima": nunca ninguém se deu ao trabalho (que seria ciclópico) de listar todos os nomes dos nossos desparecidos...