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terça-feira, 29 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23826: Humor de caserna (57): O anedotário da Spinolândia: "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe" (Gen Spínola, abril de 1972, quando o seu heli terá aterrado, por engano, numa clareira do mato, cercada de "turras", confundidos com comandos africanos)

Guiné > Algures > s/d (c. 1969) > O alf mil pil heli Al III Jorge Félix (BA 12, Bissalanca, 1968/70) e o gen Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)...  O Jorge Félix terá sido um dos pilotos de heli, com quem o general mais terá gostado de voar...   E com ele não nenhum susto como o de abril de 1972, uma história insólita contada neste poste...

Foto (e legenda): © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.).


1. Não sei se esta história é verdadeira ou não. Mas tenho que a  tomar como verídica, já que foi contada em primeira mão por um capitão do quadro, comandante da CCAÇ 3399/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), o cap inf Horácio José Gomes Teixeira Malheiro, que esteve na "periferia dos acontecimentos" (*).

Temos que admitir que, quando se falava das peripécias do gen Spínola,  no CTIG, muitas vezes se mistura(va)  ficção e realidade.  Daí esta história  vir "engrossar" a nossa série "Humor de caserna" e o "anedotário da Spinolândia" (**). A história do heli  é perfeitamente verosímil e desta vez o general (e os seus acompanhantes) terá apanhado um valente susto...

A história consta do livro do nosso já saudoso Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022),  "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.), cuja capa se reproduz acima. 

Vamos reproduzir aqui um excerto do capítulo 10º ("O capitão de Aldeia Formosa, Horácio Malheiro"). É um depoimento do comandante da CCAÇ 3399 sobre a excelente articulação e cooperação, em operações, com o cap inf Rui Ferreira e os seus homens da CCAÇ 18 (pp. 179-196), não obstante os graves incidentes do Natal de 1971, rapidamente ultrapassados e esquecidos (*).

O cap inf Horácio Malheiro (não sabemos que posto tinha em 2014, aquando da publicação do livro, "Quebo"), dá vários exemplos de ações conjuntas que se traduziram em  "êxitos para o Batalhão" (pág. 191).

Uma delas, louvada de resto pelo gen Spínola, terá sido na sequência da Op Muralha Quimérica, em abril de 1972. "uma operação que visava evitar a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de Zonas Libertadas onde o Exército Português não entrava e assim seriam reconhecidas internacionalmente como legítimas representantes dos Povos da Guiné" (pág. 192).

Decorreu durante 12 dias e envolveu forças  da CCAÇ 3399, CCAÇ 18, paraquedistas, comandos africanos e o Grupo Especial  do Marcelino da Mata. A operação teve como comandante, o ten cor paraquedista, Araújo e Sá, do BCP 12.


2. Um situação insólita em que o Com-Chefe se ia lixando...

por Horácio Malheiro

(...) Lembro-me de uma situação insólita que se passou nessa altura. Estava a minha Companhia de reserva em Aldeia Formosa quando recebo ordens urgentes  para embarcar nos helis, que  estavam estacionados  na pista,  e seria já no voo que teria conhecimento do destino  e missão.

Embarcámos de imediato e quando nos preparávamos  para descolar, soube nessa altura  que a missão era resgatar o general Spínola que presumivelmente teria sido aprisionado  pelo IN quando o seu heli  teria aterrado no meio de forças IN na altura confundidas com os Comandos Africanos.

Na altura da descolagem,  o meu piloto, comandante da  esquadrilha de helis, recebeu, via rádio, uma comunicação do heli do general Spínola informando que já vinha a caminho, pelo que apeámos s e aguardámos a sua chegada.

Quando chegou o heli do general, este saiu todo sujo de fuligem bem como o seu ajudante de campo, capitão Tomás, cujas mãos tremiam descontroladamente ao cumprimentar-me.

O general teve só um comentário ao desembarcar: "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe", e seguiu para a sede de Batalhão.

Já no bar,  em conversa, soube que o general tinha mandado aterrar o heli numa clareira da mata onde vislumbrou  militares africanos IN de camuflado que confundiu com os Comandos Africanos por terem adoptado no terreno um dispositivo de segurança à aterragem.

Quando aterrou e apeou,  foi recebido a tiro e todos se atiraram ao chão que tinha sido queimado e daí o terem ficado cheios de fuligem. Passado este instante de estupefacção, entraram a correr para o heli que descolou de imediato, debaixo de fogo IN,  que mal adivinhava  que tinha tido ao seu alcance o maior "ronco" da guerra da Guiné, que seria a captura ou abate do (...) Comandante-Chefe  [do Exército Português] " (pp. 192/193).

[Selecção / revisão e fixação de texto / parênteses retos, para efeitos de publicação deste poste: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"

sábado, 23 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21798: (Ex)citações (384): A evacuação do capitão paraquedista Valente dos Santos, no decurso da Op Grande Empresa (Manuel Peredo, ex-fur pqdt, CCP 122, 1972/74 / Moura Calheiros, ex-maj pqdt, 2º cdmt, BCP 12, 1972/74)

 
Guiné > Bissau > Bissalanca> BCP 12 (1972/74)

Foto (e legenda): © Manuel Peredo (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários ao poste P21779 (*)


(i) Manuel Peredo 

[ ex-fur mil paraquedista, na foto acima é o primeiro do lado direito, armado de RPG-2, seguido do sagento Carmo Vicente e do Fernandes, caboverdiano, fur mil, todos do 4º Gr Comb da CCP 122 / BCP 12, Bissalanca, 1972/74; vive em França, ou vivia até há uns anos; tem 7 referências no nosso blogue: integra o nosso blogue desde 2008](**)


Tendo eu participado na "reconquista do Cantanhez” [Op Grande Empresa], queria fazer uma observação. Eu estava presente quando o capitão Valente dos Santos [,comandante do CCP 122,]foi ferido com uma bala que lhe atravessou um braço.

Ele estava incluído no quarto pelotão, que era o meu e nessa emboscada tivemos quatro feridos,ou talvez cinco: o capitão Valente dos Santos,o radiotelegrafista Ribeiro,o enfermeiro Azenha e o soldado Severino que transportei às minhas costas.

Todos foram evacuados ao mesmo tempo, incluindo o capitão Valente dos Santos que, vendo em que estava o seu braço, não podia continuar a operação.

Eu li o livro do major Moura Calheiros (um excelente livro) (***) e a passagem sobre a evacuação do capitão Valente dos Santos deixou-me surpreendido ao afirmar que o capitão recusou ser evacuado querendo continuar a operação, o que não corresponde à verdade.

Em Maio de 2012 estive com o major Moura Calheiros em Tancos no dia da Unidade, onde se juntam várias gerações de paraquedistas. Dei-lhe os meus parabéns pela obra, mas disse-lhe que não estava de acordo com ele quando diz que o capitão Valente dos Santos recusou-se a ser evacuado. Disse-lhe que eu estava presente e que o capitão foi evacuado quando os restantes feridos, mas ele disse-me que eu estava errado e que o que escreveu estava certo pois andava a sobrevoar a zona na Dornier.

Nesse dia da Unidade encontrei-me com vários elementos do meu pelotão [4º  da CCP 122] que fizeram parte dessa operação e todos estavam de acordo com a minha versão.

Depois de os feridos terem sido evacuados, veio outro pelotão da CCP 122 reforçar o meu grupo e voltámos ao local onde tínhamos sofrido a emboscada, sendo a minha secção a ir na frente do bigrupo. 

Encontrámos várias granadas e munições e quando nos preparávamos para sair daquela zono, fomos atacados novamente e o furriel Aníbal Martins foi ferido gravemente. Esteve alguns dias no Hospital Militar, vindo a falecer dos ferimentos. A morte dele deixou-me abalado, pois éramos amigos e no BCP 12 dormíamos no mesmo quarto.

Também participei na operação Muralha Quimérica, onde o meu pelotão encontrou uma grande quantidade de bandeiras do PAIGC e ainda hoje tenho uma.


Capa do livro de José Moura Calheiros, "A Última Missão" 
(Porto, Caminhos Romanos,
2ª edição, 2011). A 1ª edição de 2010.

 (ii) Moura Calheiros

[tem 22 referências no nosso blogue, coronel paraquedista reformado, gestor e escritor; das três comissões de serviço no ultramar, destaque para a da Guiné (1971-1973) como 2º Comandante e Oficial de Operações do BCP12, COP4 e COP5 e ainda como Comandante do COP3]

"Sou" o Major Moura Calheiros, referido pelo Amigo e camarada paraquedista Manuel Penedo, no seu comentário ao meu livro "A Última Missão ", cujo elogio agradeço. 

Mas apresento-me hoje, e aqui, com mais 48 anos — meio século!!! — de vida do que aqueles que então exibia nos tempos que ele recorda, os da "invasão" do Cantanhez, na Guiné...

Tudo aquilo que ele refere se passou numa clara e muito quente manhã, tipicamente guineense, no dia 12 de Dezembro de 1972. E foi relatado, no livro, em 2010; logo, 38 anos depois..., passível, pois, de algumas pequenas imprecisões por efeito da falta de memória e de relatórios escritos sem muito detalhe e precisão, pois que aquele período não permitiu tempo para "burocracias", cuja falta hoje se fazem sentir... e que lamentamos existirem..

Mão amiga fez chegar ao meu conhecimento o comentário do Amigo e camarada Paraquedista Manuel Penedo a uma imprecisão existente no livro de minha autoria atras referido. E existe na verdade uma imprecisão: contrariamente ao que eu lhe tinha afirmado em Tancos, num Dia da Unidade...

Só que agora pude recorrer ao Comandante da Companhia, então Cap Paraq Valente dos Santos, muito mais jovem que eu, logo, com melhor memória. Ele confirmou-me que eu lhe propus a sua evacuação e de todos os outros feridos, mas que ele se recusara a ser evacuado sem que tivesse atingido o quartel inimigo; e, diferentemente do que eu afirmo no livro, os restantes feridos não foram logo evacuados por decisão sua, pois que não eram graves, mas sim, conjuntamente com ele, logo após a ocupação do objectivo.

Em resumo: o Amigo Manuel Penedo tem toda a razão no que afirma no seu Post, mas penso que a inexatidão não é relevante, pois em pouco ou nada o momento da evacuação é importante na narrativa; excepto, claro está, para os feridos... E felizmente tudo correu bem com eles... E com tudo o resto nesse dia, com excepção do raio do desembarque em Cadique...

As minhas desculpas aos leitores do meu livro por esta minha — quanto a mim, ligeira — imprecisão; e também ao Amigo e camarada Manuel Penedo, com o meu pedido de desculpas pelas minhas afirmações em Tancos, no Dia da Unidade. Como compensação, vai daqui um forte abraço para ele.

E, para terminar, saúdo os seguidores deste magnífico Blog, que em tempos idos eu visitava com muita frequência. Mas a idade não perdoa... (****)

_________


(**) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

(***) Vd.postes de;

 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7805: Notas de leitura (204) A Última Missão, de José de Moura Calheiros (1) (Mário Beja Santos)

18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7815: Notas de leitura (205): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (2) (Mário Beja Santos)

27 de fevereiro de  2011 > Guiné 63/74 - P7872: Notas de leitura (210): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (3) (Mário Beja Santos)


2 de dezembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7371: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (2): Excerto de Discurso do autor

3 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7375: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (3): Sítio promocional

(****) Último poste da série > 6  de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21741: (Ex)citações (383): Jaime Frederico Mariz Alves Martins, Major Graduado Infantaria, vítima mortal por derrube de aeronave em 6 de Abril de 1973, na Região de Sambuiá (António Carlos Morais Silva, Cor Art Ref)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21779: Notas de leitura (1334): As Grandes Operações da Guerra Colonial, a Guiné, 1972 a 1974, por Manuel Catarino (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
O mérito da iniciativa é indiscutível, estes fascículos venderam-se pelo país todo, pode muito bem ter acontecido que os mais jovens tiveram pela primeira vez acesso a imagens da nossa guerra. Houve muito trabalho a angariar os dados, o que se lastima é que a sua apresentação tem tais e tantos ziguezagues que o não iniciado forçosamente anda para ali a dar braçadas em seco, lê-se e o que fica é um produto final difuso, com muitos tiros, mortes e feridos.

Um abraço do
Mário


As Grandes Operações da Guerra Colonial, a Guiné, 1972 a 1974

Beja Santos

Publicada sob a forma de fascículos, em duas séries, os textos de Manuel Catarino contemplaram por diversas vezes a guerra da Guiné. O número 8, a que aqui se faz alusão, inclui na primeira parte uma série de operações (Muralha Quimérica, 1972, Lince Azul, Palanca, Tigre Poderoso e Gato Espantado, 1973) e na segunda parte a viagem de Spínola ao Senegal e o terror dos mísseis.

Há a lamentar que nem sempre as imagens ilustrativas são as mais adequadas para os acontecimentos versados. No caso da operação Muralha Quimérica, foi uma ação militar de envergadura numa zona compreendida entre Ural e Guileje, e que decorreu de 28 de março a 8 de abril de 1972, ao tempo da visita de uma delegação da ONU a outro ponto da região Sul, temos de facto um mapa mas as demais ilustrações nada abonam sobre a operação.

Spínola estava informado da visita da delegação da ONU e pretendeu estragar a festa, contrariando a ideia (comum nos fóruns internacionais) de que a guerrilha controlava a maior parte da Guiné. Três companhias do batalhão de paraquedistas, duas companhias de comandos africanos, a CCAÇ 18, a CCAÇ 3399, a CCAÇ 3477 e um grupo do Centro de Operações Especiais, cerca de 500 homens, organizados em 14 agrupamentos operacionais sob o comando do Tenente-coronel Araújo e Sá. Foi apreendido muito material, houve mortos e feridos de parte a parte, mas a operação foi considerada um êxito.

José Tavares, do Destacamento de Fuzileiros Especial 4, descreve a sua vida em Ganturé (“Não havia lá nada. Fomos nós que construímos o aquartelamento, numa das margens do rio Cacheu, a cerca de 5 quilómetros de Bigene”). Descreve o inferno de Guidage (“A nossa sorte piorou quando ficámos sem comunicações. A minha família pensava que eu tinha morrido. Não morri porque não calhou. Em Guidage já não tínhamos para comer. Sobrevivemos com carne de crocodilo”).

A obra colhe o depoimento do nosso confrade Eduardo Magalhães Ribeiro sobre o último arrear da bandeira portuguesa. Creio haver ali um lapso tratando a viúva de Amílcar Cabral por Luísa Cabral, a viúva chama-se Ana Maria Cabral. 

O episódio seguinte que merece destaque ao autor é a reconquista do Cantanhez, entre dezembro de 1972 e junho de 1973 foram executadas no Sul da Guiné, com especial incidência nas zonas de Cacine, Gadamael e Guileje uma série de ações (com os nomes ‘Lince Azul’, ‘Palanca’ e ‘Gato Espantado’), o objetivo era desarticular e criar forte instabilidade na guerrilha, todas estas ações faziam parte de uma manobra mais alargada designada por Operação Tigre Poderoso. 

Na essência, Spínola estava determinado a transferir para o Sul o principal esforço de guerra na Guiné, seria uma reconquista que tinha como objetivo fazer do rio Cacine a principal linha de defesa do Sul da Província. 

Como observa o autor, era absolutamente necessário que as forças portuguesas ocupassem a Península do Cantanhez, onde instalariam novos quartéis que servissem de apoio aos aquartelamentos de Cacine, Guileje e Gadamael. Foi posta em marcha a Operação Grande Empresa e envolveu-se um formidável contingente. Ao mesmo tempo que se desenvolvia ação militar (na qual participaram duas companhias do batalhão de paraquedistas, dois destacamentos de fuzileiros especiais e um conjunto de unidades de infantaria, cavalaria e artilharia), um outro conjunto de unidades ocupava fisicamente o território. O nosso confrade Vasco da Gama já aqui contou ao detalhe este esforço impressionante.

O fascículo dá permanentemente saltos, é interpolado por depoimentos, chega-se agora à Operação Neve Gelada, que aqui é relatada pelo Coronel Raul Folques, Comandante do Batalhão de Comandos Africanos. Cai imprevistamente no documento uma cronologia de acontecimentos em 1974 e uma análise do que representou a publicação do livro “Portugal e o Futuro”, de Spínola.

A segunda parte retoma de novo o livro que abalou o regime e segue-se a descrição do encontro de Spínola com Senghor, em 18 de maio de 1972, que se realizou em Cabo Skirring, no Senegal, a história é bem conhecida, pelo meio temos o assassinato de Amílcar Cabral, a zanga entre Marcelo Caetano e Spínola. 

E assim se chega ao terror dos mísseis, regista-se a lista dos aviões abatidos pelos mísseis Strela, Spínola descreve a situação como crítica, episódio que está igualmente bem descrito nas páginas do blogue. Salta-se de novo para a reocupação da Península do Cantanhez, vem referência a um nome que nos é muito comum, o então Major Moura Calheiros, Chefe da Secção de Informações e Operações do Batalhão de Caçadores Paraquedistas que tinha referenciado a posição do mais importante quartel do PAIGC na região: 

“A posição inimiga, sensivelmente entre Guileje e Bedanda, foi localizada durante um voo de reconhecimento pelo Capitão Morais e Silva. O êxito da Operação Grande Empresa dependia da capacidade portuguesa para atacar e destruir o quartel da guerrilha”

Três foram as tentativas de assalto, o Capitão Valente dos Santos, ferido na primeira tentativa, recusa a abandonar os seus homens, só à terceira tentativa é que o Oficial aceita ser evacuado. 

“O Chefe de Operações do Batalhão de Paraquedistas, Moura Calheiros, que durante os combates esteve sempre no ar a bordo de um DO-27, respira de alívio. Pode dar início à segunda fase da Operação – a ocupação de Caboxanque, Cadique e Cafine, na margem sul do rio Cumbijá, por paraquedistas e fuzileiros especiais”.

Não se pode minimizar um trabalho de que resulta sempre apreço ao dever de memória. Tem-se, porém, dúvidas sobre a eficácia destes documentos esparsos e onde o pendor cronológico não é consistente, há documentação repetitiva e erros arreliantes que teriam sido evitados em casos de revisão técnica. Mas não se pode deixar de saudar a enorme difusão que o trabalho teve por todo o país.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21758: Notas de leitura (1333): “De Lisboa a La Lys, O Corpo Expedicionário Português na Primeira Guerra Mundial”, por Filipe Ribeiro de Meneses, Publicações Dom Quixote, 2018 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 26 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19623: (In)citações (127): A Comissão Especial da ONU e outros embustes… (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)


Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Abril de 1972 > Região de Tombali > "Visita da Missão Especial da ONU a Cubucaré [, a sul do Rio Cacine,] distinguindo-se Fidelis Cabral de Almada e José Araújo. Com a inscrição manuscrita a lápis no verso: Recebida, com entusiasmo pela população, a missão especial chega ao local de um grande meeting popular, em Cubucaré". Guiné-Bissau, 2 a 8 de Abril de 1972."


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 22 de Março de 2019, sendo publicada com o poste na série (In)citações (**):


A Guerra da Guiné:

A Comissão Especial da ONU e outros embustes…

A ONU, Organização das Nações Unidas, é uma entidade enformada por humanos, tanto pode praticar as melhores virtudes como cometer os erros mais comezinhos. E sendo as guerras actividades humanas e o homem a única espécie animal que mente, a verdade é a primeira vítima delas.

Postulante à Assembleia Geral da ONU do envio dessa Comissão Especial (*), Amílcar Cabral, num exercício de génio político, nem a acompanhou nem penetrou na fronteira da Guiné Portuguesa. Se o desafio corresse mal, haveria um culpado - o seu “marechal de campo” Nino Vieira. A superação do medo do risco dessa troika onusiana foi trabalho dos drs. Fidelis Almada e José Araújo, do Comité Executivo de Luta, formaram um grupo de 6 e desceram de Conacri para Boké-Kandiafara, fizeram-se ao caminho até à fronteira de jipe, fardados de “boinas azuis” e escoltados pelo grupo de experientes guerrilheiros comandados pelo decidido Abdulai Barri, passaram linha invisível da fronteira a pé, foram recebidos na margem do rio Balana pelo comandante Pedro Pires, que acabara de substituir o comandante Constantino Teixeira no cargo de Comissário Político da Frente Sul e de “controleiro” de Nino Vieira.

Havia dois anos que a tropa deixara de içar a bandeira de Portugal naquele troço do longo Corredor de Guileje. Amílcar Cabral embirrou com a posição e, na sua sobranceria de militar clássico, convencional, em 1970, o General António de Spínola negligenciara a valia táctica das posições de “impermeabilização” daquela fronteira, dando preferência à perseguição dos intrusos com operações “à general”, com forças terrestres, navais e aéreas, evacuando as suas guarnições (Ponte Balana, Gadembel, etc).

Na mata da margem desse pequeno rio Balana também os esperava Nino Vieira, o eficiente Chefe de Operações do PAIGC, correspondente ao posto de Comandante-Chefe, nos exércitos clássicos, que lhes deu orientações tácticas, traçou-lhes a rota orientada a leste, eles começaram a marcha na direcção de Daresalam, com dois bi-grupos em segurança avançada, comandados por Constantino Teixeira, e desandou apressado (Luís Cabral escreveu por sofrer de maleita nos pés), mas no desempenho do seu cargo do mais alto comando operacional das FARP (Forças Armadas Populares) e com a missão de despistar à tropa de Bissau a sua porta entrada, a sua progressão e na cobertura à sua estada, com manobras de flanco, enquanto o Comandante-Chefe General António de Spínola correspondia à intrusão desencadeava, a partir de Aldeia Formosa (Quebo) a Operação Muralha Quimérica, entre Unal e Gadembel, investindo agrupamentos de tropas especiais e do contingente geral - as Companhias de Pára-quedistas 121, 122 e 123, duas Companhias de Comandos Africanos, as Companhias de Caçadores, 19, 3399, 3477 e as imprescindíveis parelhas de aviões Fiat G-91, de ataque ao solo, cerca de 800 operacionais, brancos, pretos e mestiços. Atente-se na premonição da nomenclatura dessa operação. (***)

Lançados na procura da sua peugada e comandados pelos valorosos oficiais pára-quedistas Tenente-Coronel Araújo e Sá e Capitão Mira Vaz, aqueles insofridos operacionais andaram 12 dias a pentear aquele inóspito território, como quem procura agulhas em palheiro, enquanto o intuitivo e bem informado Nino Vieira, ao comando dos seus bisonhos 400 combatentes nacionalistas, enquadrados por cubanos, com a sua lendária sorte e pelas suas audaciosas manobras de diversão, ofensivas e defensivas, conseguiu manter à distância e garantir o desencontro de toda aquela tropa com esses intrometidos “emissários especiais”. A segurança próxima de Abdulai Barri e segurança alargada de Constantino Teixeira não dispararam um tiro.

Em 10 de Abril, em Conacri e, a seguir, em Nova Iorque e noutras arenas internacionais, aqueles emissários diplomáticos clandestinos proclamaram, na certeza de colher a condescendência da generalidade das chancelarias que, nos 5 dias e 6 noites da sua visita à Guiné (da sua imaginação) percorreram cerca 200 km a pé em “áreas libertadas, e apenas de noite – uma média de 30 km por cada dessas curtas noites tropicais, superior à alcançada em corridas pedestres em pista – proeza de super-homens! – que estiveram em 9 localidades libertadas, em contacto com as populações na inspecção das estruturas que enformam os Estados – serviços da administração, saúde, justiça, educação, obras de reconstrução, economia, assembleia nacional, etc (seriam portadores de óculos de visão nocturna?). E que, a simbolizar a missão cumprida arvoraram a bandeira da ONU no galho duma árvore, algures na península de Cubucaré/Bedanda.

Essa mistificação dessa missão internacional a uma imaginativa Guiné custou ao PAIGC a destruição do “hospital” e da “loja do povo”, razão por que não as visitaram, importante armamento aos 400 duros combatentes do comandante-chefe Nino Vieira e 47 baixas, entre mortos, feridos e prisioneiros. O fotógrafo oficial da ONU, o japonês Youtaca Nagata, voluntariara-se para a essa missão, mas não terá tirado a foto pró-memória do acontecimento, prevenindo-se do seu do contraditório, enquanto o relatório e seus anexos, para uso da Comissão de Descolonização, do Secretário-Geral, da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da ONU denunciam a mão do PAIGC.

Essa visita da Comissão Especial da ONU à Guiné foi um embuste - protagonizou o maior acto de hipocrisia diplomática da Comunidade das Nações. Não fora mandada com a missão de observar, mas para satisfazer o formalismo da apresentação dum relatório, circunstancial de modo e de lugar. Ainda há pouco alguns ex-quadros do PAIGC se descaíam, em privado, em como esses onusianos apenas puseram os pés nas bordas do chão bissau- guineense.

Testemunhos espontâneos de veteranos combatentes diziam que aquele grupo onusiano apenas se aventurara a pequenas deslocações, ao longo da fronteira, sempre de noite, a penar os tormentos da guerra, sempre com o credo na boca. Penetrados 5 km no mato da Guiné, a audição dos rebentamentos, a sua intensidade e o roncar dos Fiat's fizeram o diplomata Kamel Belkhiria, secretário da missão permanente da Tunísia, avaliar o risco que incorriam, manifestou-se renitente à aventura e tornara-se recorrente nas tentativas de não só não avançar mais como de voltar para trás. Tendo em conta que Boké dista cerca de 80 km da fronteira, aos apregoados 200 km palmilhados terão de ser subtraídos os 160 km de ida e volta, percorridos de viatura em território estrangeiro. A máxima distância em linha recta, entre Bissau e o ponto fronteiriço mais distante, como Buruntuma ou Guileje, será pouco superior a 100 km...

Essa desavergonhada missão internacional, porque clandestina e nocturna, em favor ao reconhecimento dum Estado também ele ausente, nocturno e clandestino, ter-se-á limitado ao acto de dependurar a bandeira da ONU no galho duma árvore além rio Balana, ao Cantanhez – esse santuário da Natureza Bissau-guineense, entrado em processo de desertificação demográfica, que a conjugação das adversidades naturais com as tormentas daquela guerra transformaram em “inferno verde” para os seres vivos – animais, guerrilheiros, tropa e populações.

 Essa Comissão da ONU aterrou em Conacri, então a capital da Guiné-Bissau, e poderia ter aterrado em Bissau ou nas 60 pistas de aterragem activas, espalhadas pela Guiné Portuguesa. A sua precedente aterrara em Bissau, em Julho de 1971, observara os 12 mil aldeamentos sociais espalhados pelo território, construídos pelo Batalhão de Engenharia de Bissau e pelas guarnições das suas quadrículas, e não escondeu o seu espanto, pelo sucesso do PAIGC em revertê-los em seus secretos pontos logísticos. O PAIGC tinha “comissários” nesses aldeamentos; a sua circulação era quase livre…

Se não fosse tão “especial”, essa missão teria podido deslocar-se por terra, mar e ar, aos quatro cantos da Guiné, teria avaliado “a guerra de guerrear” do PAIGC, eficiente em criar dificuldades e na disrupção da vida das populações rurais guineenses, pela minagem das picadas e trilhos, teria observado a sua eficácia a dar combate, em encontros de primeiro grau, como as emboscadas de bate e foge às patrulhas, colunas-auto da tropa ou os ataques, em regra nocturnos, aos seus aboletamentos; teria visto mortos, feridos ou estropiados de um e de outro lado, em particular nas áreas florestais e suas acessibilidades.

Mas, em lugar algum dessa Guiné real encontraria Amílcar Cabral ou qualquer um da cúpula dos mandantes dos seus insofridos combatentes da liberdade. Viviam em Conacri. O próprio Nino Vieira viva em Boké. Em abono da verdade, seriam obrigados a reportar que o atraso da Guiné portuguesa era ligeiramente superior ao do Portugal europeu, que a colonização portuguesa era algo mental e pouco económica, que a capital da Guiné do PAIGC e as suas instituições políticas e militares funcionavam em Conacri e noutras cidades no estrangeiro e que as dimensões atribuídas às “áreas libertadas” eram criações fantasiosas, propaganda mediática.

Estavam os intrusos onusianos a pisar a margem do rio Balana e o Comandante-Chefe comparecera no palco da quimérica operação que desencadeara. No dia seguinte ao conhecimento que já tinham abandonado o território, que lhe chegara pela diligente propaganda radiofónica do PAIGC, os voos rasantes de reconhecimento duma parelha de jactos Fiat anunciavam a sua visita à área dessa visita e um “zingarelho” da base aérea de Bissalanca poisou nela.

O general, carismático pelo seu monóculo e pela teimosia de ir aos locais onde o PAIGC já tinha ido, chegava ao encontro com a ONU, atrasado mas não clandestino, a lavar, com a sua presença, o enxovalho da ONU dirigido à terceira nação mais antiga do mundo e aos seus soldados; e só então mandou calar a metralha, que havia 12 dias punha o Cantanhez a ferro e fogo, por terra, água e ar, já Nino Vieira manobrava o Terceiro Corpo de Exército das FARP pelo troço no estrangeiro do famigerado “Corredor de Guileje”, para as suas bases de retaguarda, de Kandiafara e Boké.

Os mesmos populares que o PAIGC havia coagido a sair dos seus esconderijos, a seco e em segredo, para fazer de cenário a esse evento onusiano, foram os mesmos a acorrer à aterragem do Comandante-Chefe, que animou a malta, presenteando-os com dois garrafões de aguardente de cana.

Os naturais da Guiné são naturalmente hospitaleiros e nunca desperdiçam a oportunidade dum ronco (uma festa); e esses mesmos figurantes para o evento da ONU rufaram o “bombolom” nos seus tambores, convocatório a nova reunião, ora de celebração à presença do “homem grande de Bissau” e em gratidão à sua dádiva aguardenteira, enquanto os 800 militares dos agrupamentos de tropas especiais e normais da Operação Muralha Quimérica começavam a recolher aos seus aquartelamentos, mortos de cansaço físico e psíquico pelos esforços e sofrimento individual que lhes foram exigidos, a custo de um morto e sete feridos graves. Estariam longe de imaginar ou de qualquer pressentimento que acabavam de abordar uma emergência transcendental e que dois garrafões de aguardente de cana-de-açúcar da “Apsico” do Comando-Chefe fizeram mais pela “Guiné Portuguesa” que os seus 12 dias de canseiras, sofrimento e combates.

Como as operações combinadas dos três ramos são planeadas pelos Comandantes-Chefes, no outro lado, no Índico, o Comandante-Chefe General Kaúlza do Arriaga, o oposto do General Spínola, com a sua Operação Fronteira embargou 13 vezes ao Comité dos 24 da ONU, as suas tentativas de penetração clandestina em Moçambique…

À maneira de “um general no seu labirinto”: o espião das informações em que o Comando-Chefe baseou o planeamento da Operação Muralha Quimérica e o guia para o avanço do seu desencadeamento haviam-lhe sido “fornecidos” pelo PAIGC. Luís Cabral escreveu terem tomado precauções militares e “conspirativas”... Dizem que o tempo e a História devolvem a gratidão aos povos. Os nossos netos verão em Bissau uma estátua a homenagear o General António Spínola “Por uma Guiné melhor”?
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  16 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19592: (D)o outro lado do combate (48): A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - III (e última) Parte II: capa + pp. 9-11.

Postes anteriores:


14 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19586: (D)o outro lado do combate (46): A Missão especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - Parte I: capa + pp. 1-3

domingo, 16 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6406: CCAÇ 3477, Gringos de Guileje: Op Muralha Quimérica, 27 de Março a 8 de Abril de 1972 (Amaro Samúdio)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (1971/73) , Gringos de Guileje > Oráculo, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres... Na imagem, o Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º cabo enfermeiro, está a pegar ao colo um bébé chimpazé que ele comprou a um caçador local por 500 pesos...Na foto pode ler-se ainda a oração em verso: "Santo Cristo dos Milagres / Nesta capelinha oramos / Para sempre sorte dares / Aos Gringos Açorianos". 


Sabemos, através do Samúdio, que o monumento foi contruido pelos Gringos (que estiveram em Guileje entre Nov 71 e  Dez 72)  e inaugurado pelo então Ministro da Defesa Nacional, general Sá Rebelo e também pelo então governador, general Spínola, em 12 de Junho de 1972. 

Esta lápide assim como a estatueta e diversos outros objectos de uso corrente, foram encontrados por ocasião das escavações arqueológicas feitas pela AD - Acção para o Desenvolvimento, sob a orientação  do Domingos Fonseca, engenheiro técnico agrícola, membro da nossa Tabanca Grande...
 
Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.





1. Operação Muralha Quimérica (Guileje,  27 de Março a 8 Abril de 1972) 
por Amaro Samúdio

[Texto enviado em 15 de Junho de 2007 e que, por lapso, não chegou a ser publicado. Revisão / fixação de texto: L.G.]

No seguimento do transmitido, e bem, pelo nosso camarada Victor Tavares, 1º Cabo Pára-quedísta do BCP 12 sobre esta operação (*),  creio, também , ser útil transmiti-la pela parte das forças sitiadas nessa altura em Guileje, a CCAÇ 3477.

Em 28 de Março de1972 chegam a Guileje as Tropas Pára-quedistas afim de participarem na operação.

Pelas 7 horas da manhã desse dia vão para a mata dois grupos de combate da CCAÇ 3477 para emboscar e fazer protecção à coluna na estrada Gadamael Porto/Guileje que trazia as referidas tropas.

Não foi feita uma coluna mas duas pelo que nos fomos levar água e sandes de forma a estarmos 11.00 horas emboscados.

Em 29 de Março dois Grupos de Combate da CCAÇ 3477 efectuam uma patrulha de reconhecimento na zona de Sinchuro,  conjugada na Op Muralha Quimérica.

No dia seguinte outros dois Grupos de Combate da Companhia efectuam nova patrulha na mesma zona.

Chega nesse dia, 30 de Março, a Guileje a 2ª Companhia de Comandos Africanos para participar na operação.

Em 1 e Abril a CCAÇ 3477 efectua uma patrulha de reconhecimento e protecção à coluna de reabastecimento Gadamael / Guileje, colocando um Grupo no Cruzamento e outro no Bendugo. Nesta patrulha, no Cruzamento, um camarada nosso cai numa armadilha montada pelo IN.

Como os rádios não funcionavam para pedir auxilio,  foram os açorianos, com o espírito de voluntarismo, normal neles, que vieram ao quartel buscar socorros.

Era o açoriano, um miúdo de 18 anos, Luís Alberto Carneiro Monte, não resistiu aos ferimentos,  sendo transportado pelo héli, como ferido, embora já estivesse morto.

Muito embora andar na mata fosse o nosso dia a dia, em 2 de Abril, integrados nesta operação, saímos para o mato com ração de combate para um dia, afim de nos emboscar no  Corredor de Guileje  (vulgo,  para nós,  Corredor da Morte).

Este Corredor, refiro, era a estrada que fazia fronteira com a República da Guiné. O IN circulava, a pé ou com viaturas, absolutamente à vontade. Em Guileje, ouvíamos, regularmente,  o ruído das viaturas.

Atingimos o Corredor cerca das 16,15 horas procedendo à montagem da emboscada. Começava a escurecer e não existiam indícios do IN. Sendo o local de emboscada uma zona de capim, montou-se no corredor uma armadilha artesanal improvisada com um cordão de dolman e uma granada de mão defensiva m/963, retirando cerca 40 metros e mantendo-nos à espera da passagem de elementos do IN que era certa.

Pelas 22,00 horas ouvem-se ruídos no Corredor, não se sabendo, pela escuridão da noite, se seria animal ou o IN. A armadilha rebentou, silêncio de segundos que pareciam horas, ouviram-se gritos e vozes e à ordem de fogo, com a surpresa com que foram apanhados num local onde habitualmente andavam á vontade, não conseguiram responder. Eram cerca de 15 elementos.

Alguns minutos depois,  outro grupo IN de Enora começou a bater zona no local onde estivemos. Recuámos cerca de 2 km para a mata do rio Machampo.

Durante toda a noite o IN bateu a zona. Os rebentamentos eram permanentes e próximos.

Com os rádios, como era habitual, avariados, não era possível contactar o quartel para as pças 11,4 responderem para Kandiafar e Simbeli. .Resultava sempre em paragem dos ataques porque eram duas Aldeias já na República da Guiné.

No dia seguinte, pela madrugada, voltámos ao local da emboscada onde foi encontrado um elemento do IN, fardado,  morto e mais três pares de botas. Foram montadas novas armadilhas e estivemos emboscados durante todo o dia sem que nada se passasse.

Para comer já nada havia mas o principal problema era a água,  pelo que  fomos buscá-la a uma bolanha, onde os animais bebiam, e filtrámo-la com gazes e ligaduras.

À noite voltamos a retirar para um rio tendo durante toda a noite, o IN, batido toda a zona.

No dia 4 de Abril pelas 10,30 chegamos ao quartel saindo, nesse mesmo dia outros 2 Grupos de Combate da CCAÇ 3477 para o Corredor afim de emboscar e montar armadilhas na zona de Babacambune.

Em 5 de Abril pelas 19.00 horas Guileje é atacado com morteiro 120 e canhão s/r.

Em 6 outros 2 Grupos saem para o Corredor para patrulhar e emboscar.

Em 7 Guileje é atacado da direcção da Fronteira com morteiros 120 e canhão s/r durante cerca de 50 minutos,  com cerca de 150 rebentamentos.

Em 8 de Abril de 1972 termina a Operação Muralha Quimérica.

A operação terminou mas nós continuámos em Guileje e,  passados dois dias, no dia 10,  fomos, pelas 19,15 horas, atacados de seis posições diferentes, nomeadamente das direcções de Simbali e Sibijá,  situados em território da República da Guiné, com canhão s/r,  vários morteiros 82 e 120, durante mais de uma hora,  com cerca de 400 rebentamentos.

Durante o ataque um avião sobrevoou Guileje na direcção Sudeste-Nordeste.

É dado como certo que, após a Operação Muralha Quimérica, o IN reforçou, na zona, os efectivos e sua actividade operacional efectuando sobre o aquartelamento várias e violentas flagelações até finais de Abril, diminuindo no mês de Maio devido ao início das chuvas.

A partir dai ia ser o isolamento durante três meses.

Reconheço a maçada que é ler isto mas o que se pode fazer. Foi assim. Por favor, Luís,. aproveita o que entenderes. Um abraço. Samúdio.

Fontes:

História da Companhia Independente CCAÇ 3477. Gringos de Guileje

 Caderno Diário, Exclusivo Casa Mendes, Guiné, Edição aprovadsa pelos Serviços Provinciais de Eduação ( A que eu pomposamente chamo "O MEU DIÁRIO DE GUILEJE” e que me custou 3.50 escudos).

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(...) "Acção desenrolada entre 27 de Março e 8 de Abril de 1972, no sul da Guiné (Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael).

"Esta operação, na qual participaram as CCP 121, 122, 123 e outras forças, com resultados excelentes, nas zonas operacionais de Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael Porto, foi uma das muitas operações importantes em que intervieram os Paraquedistas do BCP 12 durante o ano de 1972. (...)  A zona de acção situava-se numa região que o PAIGC considerava libertada e onde os guerrilheiros se movimentavam com relativo à-vontade conforme se viria a constatar.

"O rio Balana separava o corredor de Guileje, que se estendia a sul entre a fronteira e ia até Salancaur Jate. A outra, a norte do mesmo rio, onde se movimentavam os grandes efectivos do Primeiro Corpo do Exército do PAIGC e que se incluía no troço do corredor de Missirá.

"Para esta operação, além das Companhias de Pára-quedistas, também fizeram parte duas Companhias de Comandos Africanos assim como duas Companhias do Exército, as CCAÇ 3399 e 3477, mais a CCAÇ 18 além de um grupo especial do COE. Todas estas forças estavam sob o comando do Tenente-Coronel Pára-quedista Araújo e Sá, Comandante do BCP 12 tendo como adjunto o Cap Pára-quedista Nuno Mira Vaz" (...) 

terça-feira, 29 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1793: Operação Muralha Quimérica, com os paraquedistas do BCP 12: Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael, Abril de 1972 (Victor Tavares)

1. Texto do ex-1º cabo paraquedista Victor Tavares , do BCP 12 / CCP 121 (1972/74) (1)


OPERAÇÃO MURALHA QUIMÉRICA

Acção desenrolada entre 27 de Março e 8 de Abril de 1972, no sul da Guiné (Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael).

Esta operação, na qual participaram as CCP 121, 122, 123 e outras forças, com resultados excelentes, nas zonas operacionais de Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael Porto, foi uma das muitas operações importantes em que intervieram os Paraquedistas do BCP 12 durante o ano de 1972.


Zona de acção: uma 'zona libertada' do PAIGC

A zona de acção situava-se numa região que o PAIGC considerava libertada e onde os guerrilheiros se movimentavam com relativo à-vontade conforme se viria a constatar.

O rio Balana separava o corredor de Guileje, que se estendia a sul entre a fronteira e ia até Salancaur Jate. A outra, a norte do mesmo rio, onde se movimentavam os grandes efectivos do Primeiro Corpo do Exército do PAIGC e que se incluía no troço do corredor de Missirá.

Para esta operação, além das Companhias de Paraquedistas, também fizeram parte duas Companhias de Comandos Africanos assim como duas Companhias do Exército, as CCAÇ 3399 e 3477, mais a CCAÇ 18 além de um grupo especial do COE. Todas estas forças estavam sob o comando do Tenente-Coronel Paraquedista Araújo e Sá, Comandante do BCP 12, tendo como adjunto o Cap Paraquedista Nuno Mira Vaz.

Todas estas forças estavam organizadas em vários agrupamentos operacionais.

A Operação iniciou-se no dia 27 com o deslocamento de parte dos efectivos a serem colocados por via aérea em Aldeia Formosa e Gadamael Porto, para no dia seguinte serem lançadas várias acções simultâneas na região.

Logo após a helicolocação de dois Grupos de Combate de Parquedistas, estes detectaram um grupo de guerrilheiros com quem tiveram um forte contacto, causando-lhe dois mortos e a captura de 1 Kalashnikov e de 1 LGF-RPG 7 assim como vários carregadores e 4 granadas de RPG 7.

Horas mais tarde este mesmo Agrupamento teve contacto com outro grupo IN, abatendo um dos seus elementos, capturando 1 Metralhadora ligeira Degtyarev e provocando alguns feridos conforme se veio a confirmar pelos vários rastos de sangue existentes no local das suas posições.


10 guerrilheiros e 4 civis mortos na sequência dos bombardeamentos dos Fiat


Entretanto os Paraquedistas que compunham este Agrupamento, vieram a emboscar durante a noite num local perto de uma picada e de uma zona bombardeada pela nossa aviação.

Manhã cedo, 5 horas e pouco, foi levantada a emboscada, seguindo a direcção do local bombardeado na véspera pelos Fiat 91. Nesse local detectámos um acampamento IN, parcialmente destruido. No seu interior encontravam-se 10 guerrilheiros do PAIGC mortos, todos fardados, e 4 civis da população.

O bombardeamento do dia anterior tinha sido feito com grande precisão e rapidez, não dando possibilidade de se protegerem nos vários abrigos subterrâneos que os mesmos aí dispunham.

Passada revista ao aldeamento foi apreendido o seguinte material de guerra,:

  • 1 canhão SB-10, com o respectivo aparelho de pontaria;
  • 1 morteiro 82 completo;
  • 1 bipé de morteiro 82; 
  • 1 espingarda semiautomática Simonov;
  • 1 pistola metralhadora PPSH; 5 granadas de LGF-RPG 7;
  • 4 granadas de LGF-RPG 2:
  • além de várias peças de fardamento e muitas munições de vários calibres.

Durante a revista, um grupo de guerrilheiros atacou as nossas forças, que prontamente responderam pondo-os em debandada e provocando-lhe mais 1 morto e a perda de 1 Kalashnicov.

No mesmo dia por volta das 14 horas este agrupamento foi visitado na zona de acção pelo Comandante Chefe [gen Spínola].


A actuação dos Comandos Africanos


A 1 de abril [de 1972] outro Agrupamento, formado por três Grupos de Combate de uma das Companhias de Comandos Africanos, detectou um grupo inimigo estimado em cerca de 35 elementos, que se deslocava em direcção à fronteira.

Foi então movida a perseguição, vindo a ter um forte contacto de cerca de 15 minutos, causando-lhe 4 mortos e a apreensão de 2 Kalashnikov assim como vários equipamentos destes elementos abatidos.

Por sua vez outro Agrupamento, este constituído por 2 Grupos de Combate também de uma das Companhias de Comandos Africanos, quando nesse mesmo dia procedia a evacuação de um militar doente, foi atacado por um grupo da força inimiga que, fazendo largo uso de morteiros e LGF-RPG 2 e 7, lhes veio a provocar 1 morto e 5 feridos, embora durante a reacção das nossas tropas os guerrilheiros do PAIGC tenham sofrido 3 mortos e vários feridos e perdido os equipamentos destes.

A 3 de Abril o Agrupamento Onça 0, formado por dois Grupos de Combate da CCP 122, detectou um acampamento na Região do Xitole, onde recolheu 4 granadas de canhão s/recuo e 12 granadas de RPG 2.

Continuada a batida, foi encontrada na zona do Corredor de Missirá, outro acampamento IN, este já abandonado à pressa, onde foram encontradas 5 granadas de RPG 2, 1 carabina Zbrojovska, além de 30 mochilas contendo artigos de fardamento e munições em grandes quantidades.

Foi ainda este Agrupamento que no dia 5 de Abril detectou outro acampamento do PAIGC na região de Guileje, onde foram apreendidas 22 granadas de morteiro 82, 3 de RPG 7 assim como diversos equipamentos com munições.

No dia 8 de Abril foi dada como terminada esta Operação, alcançando os seus principais objectivos, neutralizando a organização que o PAIGC tinha naquela região, pelo menos durante algum tempo, o que viria a acontecer, até porque o PAIGC já possuía algumas estruturas, tais como um hospital e uma Loja do Povo, destruídos pelas nossas tropas na região de Guileje.

Este cenário veio entretanto a ser alterado, porque as forças de guerrilha do PAIGC acabaram por se reorganizar e, passados alguns meses, estavam com uma dinâmica operacional incrível, bastará recordar o que se passou em Guileje e Gadamael um ano depois. Nnguém que passou por aquele sector operacional esquecerá o inferno porque passou...


Balanço das perdas do PAIGC

Nesta grande Operação as Tropas Paraquedistas tinham obtido os seguintes resultados totais: 30 mortos, 17 guerrilheiros feridos e capturados, além de muitos feridos causados durante os vários contactos tidos, capturando também o seguinte material:

1 canhão s/recuo B-10,
1 morteiro 82 completo,
2 metralhadora ligeira Degtyarev,
4 espingardas automáticas Kalashnikov,
2 espingardas semiautomáticas Simonov,
1 espingarda Mauser,
2 pistolas-metralhadoras PPSH (costureirinhas),
1 carabina Zbrojovska,
5 granadas de mão defensivas,
24 granadas de morteiro 82,
22 granadas de RPG 2,
14 granadas de RPG 7,
6 granadas de canhão s/recuo,
2 cunhetes de munições 7,62,
além de muito fardamento e equipamento militar.

Por seu lado a CCP 121 sofreu 2 feridos provocados pela explosão de uma granada da nossa artilharia que rebentou a boca do cano.

Quanto às restantes forças que participaram nesta operação, os Comandos Africanos tiveram 1 morto e 7 feridos.


Louvor ao Batalhão de Paraquedistas 12

O Comandante Operacional das Forças Terrestres Tenente-Coronel Paraquedista Araújo e Sá, no Relatório de Operações, fez uma destacada citação às tropas participantes não pertencentes ao BCP 12, designadamente às duas Companhias de Comandos Africanos e às Companhias de Caçadores 3477, 3399 e CCAÇ 18 pelo seu espírito de missão, assim como aos Pilotos da Força Aérea com saliência para o Alferes Trindade Mota, Piloto de Helicanhão.

Também relacionado com a Op Muralha Quimérica, o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné concedeu ao Batalhão de Paraquedistas um Louvor que relevava a forma valorosa como, uma vez mais, as Tropas Paraquedistas do BCP 12 se tinham batido neste Teatro de Operações.(2)

Findo este período as nossas forças regressaram em LDG ao BCP 12 para retemperar forças e preparar-se para novas missões.

Victor Tavares


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Notas de L.G.

(1) Vd. posts do Victor Tavares:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1616: O meu regresso a Guidaje (Victor Tavares, CCP 121)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)(3)

18 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1610: Ao meu pai, Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121 (Osvaldo Tavares)

8 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)(4)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

(2) Vd. poste  de  26 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19623: (In)citações (127): A Comissão Especial da ONU e outros embustes… (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)