terça-feira, 29 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23826: Humor de caserna (57): O anedotário da Spinolândia: "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe" (Gen Spínola, abril de 1972, quando o seu heli terá aterrado, por engano, numa clareira do mato, cercada de "turras", confundidos com comandos africanos)

Guiné > Algures > s/d (c. 1969) > O alf mil pil heli Al III Jorge Félix (BA 12, Bissalanca, 1968/70) e o gen Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)...  O Jorge Félix terá sido um dos pilotos de heli, com quem o general mais terá gostado de voar...   E com ele não nenhum susto como o de abril de 1972, uma história insólita contada neste poste...

Foto (e legenda): © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.).


1. Não sei se esta história é verdadeira ou não. Mas tenho que a  tomar como verídica, já que foi contada em primeira mão por um capitão do quadro, comandante da CCAÇ 3399/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), o cap inf Horácio José Gomes Teixeira Malheiro, que esteve na "periferia dos acontecimentos" (*).

Temos que admitir que, quando se falava das peripécias do gen Spínola,  no CTIG, muitas vezes se mistura(va)  ficção e realidade.  Daí esta história  vir "engrossar" a nossa série "Humor de caserna" e o "anedotário da Spinolândia" (**). A história do heli  é perfeitamente verosímil e desta vez o general (e os seus acompanhantes) terá apanhado um valente susto...

A história consta do livro do nosso já saudoso Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022),  "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.), cuja capa se reproduz acima. 

Vamos reproduzir aqui um excerto do capítulo 10º ("O capitão de Aldeia Formosa, Horácio Malheiro"). É um depoimento do comandante da CCAÇ 3399 sobre a excelente articulação e cooperação, em operações, com o cap inf Rui Ferreira e os seus homens da CCAÇ 18 (pp. 179-196), não obstante os graves incidentes do Natal de 1971, rapidamente ultrapassados e esquecidos (*).

O cap inf Horácio Malheiro (não sabemos que posto tinha em 2014, aquando da publicação do livro, "Quebo"), dá vários exemplos de ações conjuntas que se traduziram em  "êxitos para o Batalhão" (pág. 191).

Uma delas, louvada de resto pelo gen Spínola, terá sido na sequência da Op Muralha Quimérica, em abril de 1972. "uma operação que visava evitar a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de Zonas Libertadas onde o Exército Português não entrava e assim seriam reconhecidas internacionalmente como legítimas representantes dos Povos da Guiné" (pág. 192).

Decorreu durante 12 dias e envolveu forças  da CCAÇ 3399, CCAÇ 18, paraquedistas, comandos africanos e o Grupo Especial  do Marcelino da Mata. A operação teve como comandante, o ten cor paraquedista, Araújo e Sá, do BCP 12.


2. Um situação insólita em que o Com-Chefe se ia lixando...

por Horácio Malheiro

(...) Lembro-me de uma situação insólita que se passou nessa altura. Estava a minha Companhia de reserva em Aldeia Formosa quando recebo ordens urgentes  para embarcar nos helis, que  estavam estacionados  na pista,  e seria já no voo que teria conhecimento do destino  e missão.

Embarcámos de imediato e quando nos preparávamos  para descolar, soube nessa altura  que a missão era resgatar o general Spínola que presumivelmente teria sido aprisionado  pelo IN quando o seu heli  teria aterrado no meio de forças IN na altura confundidas com os Comandos Africanos.

Na altura da descolagem,  o meu piloto, comandante da  esquadrilha de helis, recebeu, via rádio, uma comunicação do heli do general Spínola informando que já vinha a caminho, pelo que apeámos s e aguardámos a sua chegada.

Quando chegou o heli do general, este saiu todo sujo de fuligem bem como o seu ajudante de campo, capitão Tomás, cujas mãos tremiam descontroladamente ao cumprimentar-me.

O general teve só um comentário ao desembarcar: "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe", e seguiu para a sede de Batalhão.

Já no bar,  em conversa, soube que o general tinha mandado aterrar o heli numa clareira da mata onde vislumbrou  militares africanos IN de camuflado que confundiu com os Comandos Africanos por terem adoptado no terreno um dispositivo de segurança à aterragem.

Quando aterrou e apeou,  foi recebido a tiro e todos se atiraram ao chão que tinha sido queimado e daí o terem ficado cheios de fuligem. Passado este instante de estupefacção, entraram a correr para o heli que descolou de imediato, debaixo de fogo IN,  que mal adivinhava  que tinha tido ao seu alcance o maior "ronco" da guerra da Guiné, que seria a captura ou abate do (...) Comandante-Chefe  [do Exército Português] " (pp. 192/193).

[Selecção / revisão e fixação de texto / parênteses retos, para efeitos de publicação deste poste: LG]

___________


Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"

9 comentários:

Ramiro Jesus disse...

Bom-dia.

«lá indo lixando» não fazia sentido e a transcrição final do que disse o "homem grande" confirma-o.
Tem de ser mesmo como ontem mencionado: em bom português nos entendemos.

Bom Natal para todos e cada uma das famílias!

Ramiro Jesus

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ramiro, obrigado pelo teu "olho clínico"... O que o general terá dito à saída do heli, em Aldeia Formosa, e que o ex-cap inf Horácio Malheiro reproduziu é: "Lá IAM lixando o Comandante-Chefe"... Mas também podia ser: "lá se ia lixando"... Ia(m), do verbo ir... Abraço,

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ramiro, tu que fostes comando da 35ª CCmds, e deves ter conhecido o general Spínola, achas verosímil esta história ?

Sabemos que ele era temerário e não tinha medo de pousar nos sítios mais incríveis... Há quem o acusasse de "marialvismo militar", mas a verdade é que ele era um homem de fibra, de grande coragem física, cujo exemplo galvanizava o nosso soldado. (O outro lado dele era o "populismo", tal como o conhecemos hoje na nossa República...).

Mas também é verdade que os nossos pilotos de heli AL III (nesse tempo) não eram "suicidas", por muito "malucos" e corajosos que fossem (e foram-no, mesmo no tempo dos Strela)...

É pena não haver aqui mais depoimentos de pilotos de heli... O nosso Jorge Félix afastou-se há muito das nossas lides bloguísticas... A memória também é um poço com fundo...

Ramiro Jesus disse...

Olá, Luís e novamente bom-dia.

Respondendo ao teu repto e aplicando os princípios que sempre me nortearam (sempre me custou dizer sim quando não concordo - e paguei muitas vezes por isso), tenho de confessar que só tinha feito a primeira intervenção para dar lógica ao texto, pois, quanto a veracidade da "hestória", a mesma só pode ser aceite por quem não fez a guerra, mas viu muitos filmes.
Com o heli no chão, o "turra" (que «o rodeava») nem necessitava do RPG7, pois a kalachnicov dava para o neutralizar.

Saúde!
Ramiro Jesus

José Botelho Colaço disse...

Luís esta do «Pôrra Pôrra» deve ser de um Açoreano é que fêz-me lembrar um meu alferes açoreano natural da Ilha do Pico quando num ataque do inimigo andava um furriel do seu pelotão a tirar fotografias e ele teve essa expressão Pôrra Pôrra nós aqui susjeita-mos a morrer e você de máquina fotogràfica em punho em vez da G3 «Pôrra Pôrra». Um abraço.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ramiro,também me cheira que esta noticia do "Caco Baldé"... "quase" apanhado à unha pelo "Zé Turra", é manifestamente exagerada, como diria o Mark Twain a propósito da noticia da sua morte...

Combatentes como Spínola ou Marcelino da Mata sempre deram origem a muitas "lendas & narrativas"...

Mas eu não ponho em causa a palavra de um oficial do exército português como o então cap inf Horácio Malheiro (que espero que ainda hoje seja vivo).

Abraço, LG.

Valdemar Silva disse...

Então o heli com o Spínola não comunicou via rádio com a NT que estava/estaria perto no local da aterragem?
Por muito surpreendente que fosse, em pleno mato haveria com certeza uma comunicação para se fazer a segurança ao Cmdt-Chefe.

Saudinha da boa
Valdemar Queiroz

Unknown disse...

Com todo o respeito por quem contou a história, que me desculpem mas não consigo acreditar.
Forças do PAIGC têm um helicóptero aterrado e cercado, com os seus ocupantes apeados e deixam-no levantar vôo sem o neutralizarem?
Só se os guerrilheiros pensassem que era o Nino quem tinha chegado
É difícil aceitar a situação contada
Abraço
Eduardo Estrela

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O João Marcelino, ex-alf mil secretariado, CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), conheceu bem o cap inf Horácio José Gomes Teixeira Malheiro, cmdt da CCAÇ 3399 (que estava também sediada em Aldeia Formosa)...Há uns largos anos atrás, ainda o encontro num convívio da malta. ERa então coronel e ainda estava no ativo.

O João Marcelino, o João Manuel do Carmo Correia Marcelino, mais conhecido como o "Joneca", radicou-se há largos anos no concelho da Lourinhã, deposi de se reformar das lides profissionais. E como toda a gente diz, onde quer que ele passe, é "um personagem"... Homem da educação física, a sua paixão foi a vela e agora é o golfe. E cultiva, como poucos, a amizade e a camaradagem... Amanhã irá receber o açoreano Rui Andrade, antigo comandante da 35ª Companhia de Comandos...

Ando há anos atrás dele para me dar uma fotografia do "antigamente" e "espetá-la com agrafes" na lista alfabética da Tabanca Grande (para não fugir)...Foi uma vez ou duas a Monte Real, ao nosso Encontro Nacional... Mas desta vez não me escapa... Tenho uma história dele (e do Rui A. Ferreira e demais "pandilha" daquele tempo em Aldeia Formosa) para publicar no blogue, no poste de apresentação.. Tenho seu OK... LG