1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Julho de 2016:
Queridos amigos,
A Feira da Ladra é um ponto de partida para certo tipo de escavações e de encontros surpreendentes, com papéis insuspeitáveis, caso desta edição do GADCG, que demorei a saber sobre a sua efemeridade na clandestinidade e também a "Lisboa africana" com belíssimas fotografias de Elza Rocha, também autora de textos com o escritor José Eduardo Agualusa e o jornalista Fernando Semedo.
Como já lá vão 23 anos sobre esta publicação, bom seria que um editor se afoitasse a apoiar um projeto da grande Lisboa africana do nosso tempo, com outra gente, outras situações, a despeito de muitos Manjacos em S. João do Estoril e Fulas em Chelas J e na Reboleira.
Um abraço do
Mário
Feira da Ladra, 2 de Julho de 2016: um documento raríssimo e um livro excecional sobre a Lisboa africana
Beja Santos
Mal chegado à loja de Eduardo Martinho, um camarada da Guiné, recebeu-me este especialista em livros com interjeições acaloradas: “O que eu tenho aqui para si, veja as surpresas que o esperam!” Com os mesmíssimos cuidados com que usaria para me mostrar uma carta manuscrita inédita do Rei D. Carlos para João Franco, tirou de uma gaveta um exemplar um tanto puído do discurso pronunciado por Aristides Pereira no Boé, em 23 de Setembro de 1973, texto passado ao stencil, edição do GADCG – Grupo da Ação Democrática de Guiné e Cabo Verde, que era constituído essencialmente por estudantes ligados ao PAIGC, e que depois se dissolveram. O que neste documento se publica é exclusivamente o discurso de Aristides Pereira, todo ele centrado na glorificação de Amílcar Cabral e a sua obra, as etapas da luta de libertação, o reconhecimento internacional, a unidade do PAIGC, e a tal propósito o novo secretário-geral do PAIGC vai citando abundantemente Amílcar Cabral. Vivendo-se um período conturbado a seguir ao assassinato de Amílcar Cabral e depois de operações e atos militares que tinham instalado uma maior confiança no PAIGC, pairava no interior da liderança e nas fileiras um elevado grau de tensão em que o sentido da unidade já carecia de sentido. Daí as repetidas alusões de Aristides Pereira ao papel da unidade na trajetória ideológica de Amílcar Cabral. Daí o seu discurso exaltar, perto do seu termo, “Glória eterna ao camarada Amílcar Cabral, militante n.º 1 do nosso Partido que, com o seu patriotismo e a sua clarividência revolucionária, a sua capacidade e a sua inteligência, deu toda a sua vida pela libertação do nosso povo, transformando-o no obreiro principal de todas as nossas vitórias e de todos os nossos empreendimentos. Ele está aqui reunido connosco, nos nossos espíritos, nas nossas cabeças e nos nossos corações”.
O documento não traz nenhum aporte ao que já se sabia ter acontecido nesse dia na região do Boé, mas é uma peça de estimação para os colecionadores.
“Lisboa africana”, por Elza Rocha, José Eduardo Agualusa e Fernando Semedo, Edições Asa, 1993, é um belíssimo livro e onde a Guiné tem o justificado destaque. Logo na abertura:
“Quem passar pelo Rossio encontra todos os dias grupos de africanos em conversa tranquila. Observando com cuidado, percebe-se que estes grupos não são idênticos.
Em frente da Pastelaria Suíça, junto à boca do Metro, concentram-se jovens de pele muito escura. Falam entre si numa linguagem clara e calorosa – onde é possível adivinhar o sabor de antigas palavras portugueses – e riem alto, com gestos largos e espontâneos. São guineenses. Mais adiante, debaixo das arcadas do teatro D.ª Maria II um grupo sonolento de velhos guineenses, muitos deles usando os tradicionais barretes de lã com que Amílcar Cabral se deixou tratar para a posteridade, conspiram em surdina contra o regime de Nino Vieira. Num quiosque próximo, é possível comprar o jornal Corubal, do movimento Bafatá”.
São igualmente apresentado povos dos outros PALOP, faz-se uma sinopse da presença africana em Lisboa. Mas adiante fala-se em guerreiros Fulas, veio uma larga referência àqueles que tiveram que fugir por terem combatido nas fileiras portuguesas, com destaque para os ex-comandos. Segue-se uma referência aos Manjacos, como se segue:
"O Fim do Mundo, em S. João do Estoril, as Marianas, em Carcavelos, Chelas e Prior Velho, em Lisboa, Quinta do Mocho, em Sacavém, Vale das Amoreiras, na Moita, Vale da Arsena, em Alverca, são os locais de maior concentração populacional de guineenses. Há ainda muitos na Margem Sul, Almada e Setúbal sobretudo. Também repartem quartos em velhas e pobres pensões da zona de Almirante Reis. Os principais núcleos de Manjacos podem encontrar-se no Fim do Mundo, nas Marianas, em Algés e no Prior Velho. Os Manjacos, tal como os Fulas são as subcomunidades mais identificadas. O apelo do gregarismo da comunidade guineense é, sobretudo, visível ao nível da animação. Há duas empresas de espetáculos formadas por guineenses e que apenas produzem festas e convívios para naturais deste país. A primeira foi a Kilimanjaro, que se destacou na organização de festas populares. Depois, apareceu a Tabanca que, às sextas-feiras e domingos, tem alugada a discoteca Bambu para festas quase exclusivamente concorridas por guineenses”.
Fala-se na Associação Guineense, em Fernando Gomes Ká e da Associação Guineense de Solidariedade Social. Fala-se nos trabalhadores da construção civil nos batuques da noite, nos fados tropicais, na literatura africana, e assim chegamos aos curandeiros. Um deles é guineense, Samba Seidi, na altura com 67 anos. Foi militar português, hoje exerce a função de curandeiro, deixou em Bafatá mulher e nove filhos. Oiçamos a descrição:
“Tudo se passa no chão do quarto onde dorme, sobre uma esteira pousada ao lado do colchão. Ele senta-se de pernas cruzadas e descalço; o cliente também deve descalçar-se, mas fica sentado numa pequena cadeira de lona. Os elementos utilizados por Samba Seidi na procura de respostas e soluções foram todos trazidos de Bafatá. Serve-se de um grande punhado de pequenos búzios e de um dóli, semente seca e dura, de cor vermelha. Também manipula um rosário de 99 contas. A consulta começa com um conjunto de gestos silenciosos em que o curandeiro deixa cair os búzios e o dóli, afasta uns, pega noutros, entrega alguns ao visitante. O curandeiro sopre a balbucia algumas palavras em tom baixo para os búzios selecionados, até que os pousa de novo no chão; o visitante faz o mesmo. Na forma como eles se dispõe, o curandeiro encontra resposta para tudo; ou, praticamente tudo. Diz ao cliente que tipo de problema é que ele tem, as dificuldades por que está a passar, quais são as perspetivas ou formas de os ultrapassar”.
Este livro foi muito provavelmente um roteiro útil para a Lisboa africana e arredores, com as suas informações sobre restauração, oposições ao PAIGC, ao MPLA e à FRELIMO, temos aqui heróis africanos atuais como Jorge Perestrelo, a quem os autores chamam o Luandino Vieira do relato desportivo, filho, neto e bisneto de angolanos brancos, um relator desportivo que começou o ofício quase por acaso em Sá da Bandeira e que chamou à atenção de Emídio Rangel. Obteve sucesso em Lisboa mas é (ao tempo) um dos muitos angolanos que sonha com o regresso definitivo à terra onde nasceu: “Há sempre aquele apelo; um cancro que nos vai minando, um cancro de saudade. O apelo que só aquela terra tem; um feitiço de conseguir diariamente nos chamar”.
Trata-se porventura de um livro do passado. Mas que belo livro!
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16267: Nota de leitura (854): Os Livros do Povo - A Guiné Portuguesa em 1917, Livraria Profissional, Lisboa (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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sexta-feira, 8 de julho de 2016
domingo, 7 de fevereiro de 2016
Guiné 63/74 - P15720: Em busca de... (263): Infamara Buli Sambu, filho do Soldado Milícia (ou Caçador Nativo) Baju Sambu falecido em combate em Empada em 1963 (ou 1964)
1. Mensagem do nosso leitor Umaru Sambu, natural de Empada, filho do Soldado Milícia Bacar Sambu, com data de 6 de Fevereiro de 2016, procurando o seu primo Infamara Buli Sambu, filho do Soldado Milícia Bacar Sambu, falecido em combate, que terá vindo para Portugal com os militares de uma Companhia que antecedeu, em Empada, "Os Maiorais".
Exmo. Senhor Carlos Vinhal,
Sou Umaru Sambu.
Antes de tudo queria lhe pedir desculpa por estar a comunicar através deste meio mas é a única maneira possível para lhe dirigir algumas palavras como segue:
Sou guineense, natural de Empada, maior de 60 anos de idade, vivo em Portugal desde 1986, filho de Bacar Sambu, antigo Soldado Miliciano em Empada, e sobrinho do antigo Comandante Miliciano Bajo Sambu, falecido em combate em 19631.
Este meu tio, Bajo Sambu, passado algum tempo depois da sua morte, como tinha deixado dois filhos menores, entre cinco e seis anos de idade, por qualquer motivo, foi-nos comunicado, na altura, que dentro da companhia de militares portugueses que tinham estado em Empada na altura da morte trágica dele, estavam Bissau, na capital, de partida para a metrópole e que tinham requerido para trazerem um dos filhos deste meu tio, nomeadamente o filho mais velho que tinha na altura 6 anos de idade, cujo nome era Infamara Buli Sambu, que assim foi.
Na altura o pedido foi aceite do imediato, porque como sabe naquela altura era mesmo perigoso viver naquela aldeia de Empada por causa dos ataques dos rebeldes. Não sei como foi feito o processo da vinda dele mas de facto foi trazido por uma companhia que antecedeu a companhia de Cap. Borges, Os Maiorais.
Entretanto estou lhe a escrever para saber se o senhor é capaz de se lembrar deste rapazinho, ou se sabe qual foi companhia que o trouxe e como e onde posso procurar este rapaz. Ele é meu primo, acontece que desde que foi trazido nunca mais a família soube dele. Estamos cansados de procurá-lo mas não há maneira de o encontrar em algum lado.
Como lhe disse, pouco sei dos mecanismos com os quais ele foi trazido porque eu na altura tinha apenas mais ou menos apenas 9 anos de idade, só sei o que me foi transmitido, embora conhecesse bem o rapaz por pertencermos à mesma família.
Agradecia, se senhor souber alguma coisa ou tiver alguma pista sobre este rapaz, que me ajude.
Os meus contactos são:
Umaru Sambu
Calçada das Necessidades, 74 r/c Esq
1350-214 Lisboa
Telefone 213 976 673
Telemóvel 965 621 666
____________
Notas do editor
1 - Em Março de 1964 existe o registo da morte em combate, em Empada, de um Caçador Nativo de nome Bajú Sambú pertencente à Companhia de Milícias N.º 6
Último poste da série de 7 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15720: Em busca de... (262): Infamara Buli Sambu, filho do Soldado Milícia (ou Caçador Nativo) Baju Sambu falecido em combate em Empada em 1963 (ou 1964)
Exmo. Senhor Carlos Vinhal,
Sou Umaru Sambu.
Antes de tudo queria lhe pedir desculpa por estar a comunicar através deste meio mas é a única maneira possível para lhe dirigir algumas palavras como segue:
Sou guineense, natural de Empada, maior de 60 anos de idade, vivo em Portugal desde 1986, filho de Bacar Sambu, antigo Soldado Miliciano em Empada, e sobrinho do antigo Comandante Miliciano Bajo Sambu, falecido em combate em 19631.
Este meu tio, Bajo Sambu, passado algum tempo depois da sua morte, como tinha deixado dois filhos menores, entre cinco e seis anos de idade, por qualquer motivo, foi-nos comunicado, na altura, que dentro da companhia de militares portugueses que tinham estado em Empada na altura da morte trágica dele, estavam Bissau, na capital, de partida para a metrópole e que tinham requerido para trazerem um dos filhos deste meu tio, nomeadamente o filho mais velho que tinha na altura 6 anos de idade, cujo nome era Infamara Buli Sambu, que assim foi.
Na altura o pedido foi aceite do imediato, porque como sabe naquela altura era mesmo perigoso viver naquela aldeia de Empada por causa dos ataques dos rebeldes. Não sei como foi feito o processo da vinda dele mas de facto foi trazido por uma companhia que antecedeu a companhia de Cap. Borges, Os Maiorais.
Entretanto estou lhe a escrever para saber se o senhor é capaz de se lembrar deste rapazinho, ou se sabe qual foi companhia que o trouxe e como e onde posso procurar este rapaz. Ele é meu primo, acontece que desde que foi trazido nunca mais a família soube dele. Estamos cansados de procurá-lo mas não há maneira de o encontrar em algum lado.
Como lhe disse, pouco sei dos mecanismos com os quais ele foi trazido porque eu na altura tinha apenas mais ou menos apenas 9 anos de idade, só sei o que me foi transmitido, embora conhecesse bem o rapaz por pertencermos à mesma família.
Agradecia, se senhor souber alguma coisa ou tiver alguma pista sobre este rapaz, que me ajude.
Os meus contactos são:
Umaru Sambu
Calçada das Necessidades, 74 r/c Esq
1350-214 Lisboa
Telefone 213 976 673
Telemóvel 965 621 666
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Notas do editor
1 - Em Março de 1964 existe o registo da morte em combate, em Empada, de um Caçador Nativo de nome Bajú Sambú pertencente à Companhia de Milícias N.º 6
Último poste da série de 7 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15720: Em busca de... (262): Infamara Buli Sambu, filho do Soldado Milícia (ou Caçador Nativo) Baju Sambu falecido em combate em Empada em 1963 (ou 1964)
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Guiné 63/74 - P15241: Notas de leitura (766): "Botânica", por Vasco Araújo, editado pela Sistema Solar, 2014 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Dezembro de 2014:
Queridos amigos,
Terá sido uma exposição extraordinária, o livro é belíssimo, um apetite para bibliófilos, ainda por cima a preço decente.
Um jovem nascido em 1975, já com larga carreira nacional e internacional, entusiasma-se pelo exótico da cultura colonial dos séculos XIX e XX, vê-se que está atraído pela força deste império no imaginário nacional. Encontrou soluções expeditas, recorrendo a imagens de arquivo e intercalando-as com botânica. Está ali o colonial a obrigar-nos a pensar o pós-colonial, são imagens polémicas, geram aturdimento, lançam, no silêncio de uma exposição, os sinais de um incêndio que ainda não se apagou: como queremos lidar com o Outro, após séculos de dominação, de missão civilizadora?
Um abraço do
Mário
A Guiné numa exposição de Vasco Araújo
Beja Santos
Vasco Araújo, nascido em 1975, em Lisboa, tem participado em diversas exposições individuais e coletivas, em contexto nacional e internacional. O seu trabalho está publicado em vários livros e catálogos e representado em várias coleções públicas e privadas como no Centre Pompidou, Museu da Arte Moderna (França); Museu Coleção Berardo; Fundação Calouste Gulbenkian; Museo Nacional Reina Sofia (Espanha); Fundação de Serralves; Museum of Fine Arts (Houston); Pinacoteca do Estado de São Paulo. O livro Botânica tem a ver com a exposição com igual título, que ele concebeu para o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, e agora dado à estampa pela Sistema Solar, 2014, numa lindíssima edição. O texto é de Emília Tavares, que assim apresenta a exposição: “O artista apresenta em Botânica 12 esculturas, constituídas por mesas sobre as quais são apresentadas fotografias emolduradas. O conteúdo das imagens confronta o natural com o cultural: imagens de espécies botânicas dos jardins tropicais do Porto, Coimbra e Lisboa convivem com fotografias de arquivo produzidas durante o longo período colonial português e internacional. Alegoricamente, as imagens das espécies botânicas enraízam-se através da mesa, num confronto direto com a apresentação mais decorativa e burguesa das chocantes imagens de arquivo que representam a ideologia da colonização. Ao estarem emolduradas, as imagens ensaiam solenidade; e dispõem-se sobre uma mesa, objeto que remete desde logo para muitos referentes, desde os políticos aos de intimidade”. Emília Tavares discreteia sobre o preto e o branco, a colonização e a descolonização, a ideia do exótico, do civilizado e do primitivo que precisa de ser civilizado, recorda as exposições coloniais, rituais de afirmação imperial e destaca a Exposição Colonial do Porto, em 1934, exposição que serviria para reforçar uma ideia histórica de nação colonizadora, tudo foi organizado para ser uma lição viva. Um artista como Eduardo Malta foi atraído por esta gente exótica, desenhou e pintou, um dos painéis alusivos à exposição mostra o régulo Mamadu Sissé, um dos lugares-tenentes de Teixeira Pinto. Uma guineense, Rosinha, foi premiada como a grande beleza da exposição, mereceu desenho e fotografias, era o símbolo da beleza nativa.
Vasco Araújo força-nos a refletir sobre o colonialismo português, se era genuína aquela ideia de tolerância rácica, se havia mesmo brandura na relação com o Outro. O artista pertence a uma geração que pode estudar o colonial e o pós-colonial sem preconceitos e questionar o silêncio destas décadas, silêncio embaraçoso, uma bruma que começa a dissipar-se com a nova historiografia pós-colonial, que procura superar a ignorância do passado confrontado a nossa história colonial num contexto amplo onde cabem a imigração, os bairros problemáticos, o multiculturalismo fruste e até esta lusofonia em que não nos apercebemos inteiramente se é de aproximação sem reservas ou se foi despertada pelos interesses económicos e estratégicos.
Vasco Araújo montou estas esculturas entre a serenidade e o aturdimento, os elementos vegetais, inequivocamente africanos aparecem recheados de pigmeus, o zoológico humano, o imaginário das aventuras desses pioneiros tipo Serpa Pinto, ternurentas Bijagós, criancinhas-mulheres de candura extrema, Gungunhana, rei de Gaza, exibido nas ruas de Ponta Delgada, num cortejo comemorativo da sua captura, uma Manjaca bem tatuada, Rosinha captada numa intensa luminosidade erótica e Mamadu Sissé em posse soberana cercado de indígenas policromos. E uma vez mais a palavra em Emília Tavares: “Botânica é uma série incómoda, desafiante da nossa habitual modorra perante um passado comprometedor. As imagens com que o artista nos confronta, são ainda hoje, polémicas: muitas foram resguardadas do olhar das gerações que se seguiram ao império e à guerra colonial, como forma de desresponsabilizar consciências e introduzir semânticas opacas do luso-tropicalismo e lusofonia”.
Uma edição lindíssima, tendencialmente a ser acerrimamente disputada por bibliófilos de arte.
Nota do editor
Último poste da série de 9 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15224: Notas de leitura (765): “Les Luso-Africains de Sénégambie”, de Jean Boulègue, Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1989 (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Terá sido uma exposição extraordinária, o livro é belíssimo, um apetite para bibliófilos, ainda por cima a preço decente.
Um jovem nascido em 1975, já com larga carreira nacional e internacional, entusiasma-se pelo exótico da cultura colonial dos séculos XIX e XX, vê-se que está atraído pela força deste império no imaginário nacional. Encontrou soluções expeditas, recorrendo a imagens de arquivo e intercalando-as com botânica. Está ali o colonial a obrigar-nos a pensar o pós-colonial, são imagens polémicas, geram aturdimento, lançam, no silêncio de uma exposição, os sinais de um incêndio que ainda não se apagou: como queremos lidar com o Outro, após séculos de dominação, de missão civilizadora?
Um abraço do
Mário
A Guiné numa exposição de Vasco Araújo
Beja Santos
Vasco Araújo, nascido em 1975, em Lisboa, tem participado em diversas exposições individuais e coletivas, em contexto nacional e internacional. O seu trabalho está publicado em vários livros e catálogos e representado em várias coleções públicas e privadas como no Centre Pompidou, Museu da Arte Moderna (França); Museu Coleção Berardo; Fundação Calouste Gulbenkian; Museo Nacional Reina Sofia (Espanha); Fundação de Serralves; Museum of Fine Arts (Houston); Pinacoteca do Estado de São Paulo. O livro Botânica tem a ver com a exposição com igual título, que ele concebeu para o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, e agora dado à estampa pela Sistema Solar, 2014, numa lindíssima edição. O texto é de Emília Tavares, que assim apresenta a exposição: “O artista apresenta em Botânica 12 esculturas, constituídas por mesas sobre as quais são apresentadas fotografias emolduradas. O conteúdo das imagens confronta o natural com o cultural: imagens de espécies botânicas dos jardins tropicais do Porto, Coimbra e Lisboa convivem com fotografias de arquivo produzidas durante o longo período colonial português e internacional. Alegoricamente, as imagens das espécies botânicas enraízam-se através da mesa, num confronto direto com a apresentação mais decorativa e burguesa das chocantes imagens de arquivo que representam a ideologia da colonização. Ao estarem emolduradas, as imagens ensaiam solenidade; e dispõem-se sobre uma mesa, objeto que remete desde logo para muitos referentes, desde os políticos aos de intimidade”. Emília Tavares discreteia sobre o preto e o branco, a colonização e a descolonização, a ideia do exótico, do civilizado e do primitivo que precisa de ser civilizado, recorda as exposições coloniais, rituais de afirmação imperial e destaca a Exposição Colonial do Porto, em 1934, exposição que serviria para reforçar uma ideia histórica de nação colonizadora, tudo foi organizado para ser uma lição viva. Um artista como Eduardo Malta foi atraído por esta gente exótica, desenhou e pintou, um dos painéis alusivos à exposição mostra o régulo Mamadu Sissé, um dos lugares-tenentes de Teixeira Pinto. Uma guineense, Rosinha, foi premiada como a grande beleza da exposição, mereceu desenho e fotografias, era o símbolo da beleza nativa.
Vasco Araújo força-nos a refletir sobre o colonialismo português, se era genuína aquela ideia de tolerância rácica, se havia mesmo brandura na relação com o Outro. O artista pertence a uma geração que pode estudar o colonial e o pós-colonial sem preconceitos e questionar o silêncio destas décadas, silêncio embaraçoso, uma bruma que começa a dissipar-se com a nova historiografia pós-colonial, que procura superar a ignorância do passado confrontado a nossa história colonial num contexto amplo onde cabem a imigração, os bairros problemáticos, o multiculturalismo fruste e até esta lusofonia em que não nos apercebemos inteiramente se é de aproximação sem reservas ou se foi despertada pelos interesses económicos e estratégicos.
Vasco Araújo montou estas esculturas entre a serenidade e o aturdimento, os elementos vegetais, inequivocamente africanos aparecem recheados de pigmeus, o zoológico humano, o imaginário das aventuras desses pioneiros tipo Serpa Pinto, ternurentas Bijagós, criancinhas-mulheres de candura extrema, Gungunhana, rei de Gaza, exibido nas ruas de Ponta Delgada, num cortejo comemorativo da sua captura, uma Manjaca bem tatuada, Rosinha captada numa intensa luminosidade erótica e Mamadu Sissé em posse soberana cercado de indígenas policromos. E uma vez mais a palavra em Emília Tavares: “Botânica é uma série incómoda, desafiante da nossa habitual modorra perante um passado comprometedor. As imagens com que o artista nos confronta, são ainda hoje, polémicas: muitas foram resguardadas do olhar das gerações que se seguiram ao império e à guerra colonial, como forma de desresponsabilizar consciências e introduzir semânticas opacas do luso-tropicalismo e lusofonia”.
Uma edição lindíssima, tendencialmente a ser acerrimamente disputada por bibliófilos de arte.
Rosinha fotografada por Domingos Alvão
Régulo Mamadu Sissé, pintura de Eduardo Malta
Militar português a abraçar guineense
____________Nota do editor
Último poste da série de 9 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15224: Notas de leitura (765): “Les Luso-Africains de Sénégambie”, de Jean Boulègue, Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1989 (Mário Beja Santos)
terça-feira, 28 de abril de 2015
Guiné 63/74 - P14537: Em bom português nos entendemos (11): O 25 de abril, a lusofonia, a nossa língua comum... e o nosso apreço pelo portal de referência que é o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (onde é mais que justo destacar o trabalho dedicado, empenhado e competente do seu cofundador e coordenador editorial, o jornalista José Mário Costa)
Lisboa > Av da Liberdade > 25 de abril de 2015 > Tradicional desfile > Imigrantes guineenses... Veja-se a elegância das mulheres, com cravos no cabelo... Pelas palavras de ordem, e pelos cartazes, verifica-se que eram um grupo de imigantes, de diversas nacionalidades, que se manifestavam, em português, pela legalização, e contra a "Europa fortaleza", em nome da solidariedade e da sua contribuição ativa para a economia portuguesa (incluindo a segurança social)...
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados.
1. Com a devida vénia, reproduz-se aqui um texto recentíssimo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, com data de 24/4/2015 [, retirámos alguns dos hiperlinks para o tornar menos pesado]:
Abertura [2048] > O 25 de Abril e a afirmação da língua portuguesa em África
As comemorações do 25 de Abril de 1974, data de grande significado histórico em Portugal e nas suas então colónias em África, coincidem no presente ano com as dos 40 anos das respetivas independências* e a afirmação, nesses países, do português como idioma oficial comum, em toda a sua diversidade e caraterísticas próprias. Diversas iniciativas assinalam as efemérides, de que salientamos dois exemplos:
– a realização em Benguela, entre 7 e 9 de maio p. f., do Colóquio Internacional das Línguas Nacionais, uma iniciativa do Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela, que, além de ser o primeiro evento em Angola sobre a normalização das línguas africanas nacionais, também pretende marcar a comemoração do 40.º aniversário da sua independência;
– o Festival Jovem da Lusofonia, que decorre em Coimbra entre 30 de abril e 1 de maio, com o objetivo de promover a música, as danças e a gastronomia dos países africanos de língua oficial portuguesa.
E fica a sugestão de (re)leitura dos seguintes textos em arquivo no Ciberdúvidas, assinalando, de algum modo, o que o 25 de Abril trouxe para a língua portuguesa:
As comemorações do 25 de Abril de 1974, data de grande significado histórico em Portugal e nas suas então colónias em África, coincidem no presente ano com as dos 40 anos das respetivas independências* e a afirmação, nesses países, do português como idioma oficial comum, em toda a sua diversidade e caraterísticas próprias. Diversas iniciativas assinalam as efemérides, de que salientamos dois exemplos:
– a realização em Benguela, entre 7 e 9 de maio p. f., do Colóquio Internacional das Línguas Nacionais, uma iniciativa do Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela, que, além de ser o primeiro evento em Angola sobre a normalização das línguas africanas nacionais, também pretende marcar a comemoração do 40.º aniversário da sua independência;
– o Festival Jovem da Lusofonia, que decorre em Coimbra entre 30 de abril e 1 de maio, com o objetivo de promover a música, as danças e a gastronomia dos países africanos de língua oficial portuguesa.
E fica a sugestão de (re)leitura dos seguintes textos em arquivo no Ciberdúvidas, assinalando, de algum modo, o que o 25 de Abril trouxe para a língua portuguesa:
E sobre a emergência das variedades africanas do português:
E, ainda, estes outros contributos:
Um grande abraço (Alfabravo) ao José Mário Costa, jornalista português, cofundador (com João Carreira Bom, já falecido) e responsável editorial do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
2. Comentário de L.G.:
O José Mário Costa trabalha apaixonadamente e "pro bono", neste projeto... Falei-lhe há dias do nosso blogue e do nosso "calão" da Tabanca Grande, bem como do nosso "livro de estilo"... Também nós, combatentes da Guiné, criámos um léxico próprio que deve merecer alguma atenção dos especialistas da língua... (vd. a lista, já longa, das nossas mais de 400 Abreviaturas, Siglas, Acrónimos, Gíria, Calão, Expressões Idiomáticas, Crioulo, etc.).
Tenho grande apreço pelo trabalho dedicado, empenhado e competente que ele faz há anos, neste portal de referência que é o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa... Ele e sua equipa de colaboradores e consultores, apesar da crónica escassez de recursos (incluindo a falta de apoios institucionais)... O Ciberdúvidas é um verdadeiro serviço público... E merece as nossas (ou pelo menos, as minhas) palmas!
Tenho grande apreço pelo trabalho dedicado, empenhado e competente que ele faz há anos, neste portal de referência que é o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa... Ele e sua equipa de colaboradores e consultores, apesar da crónica escassez de recursos (incluindo a falta de apoios institucionais)... O Ciberdúvidas é um verdadeiro serviço público... E merece as nossas (ou pelo menos, as minhas) palmas!
Já agora, recorde-se que ele é autor do programa televisivo Cuidado com a Língua!, cuja primeira série se encontra recolhida em livro, em colaboração com a professora Maria Regina Rocha. (Ver mais aqui.)
__________________
Nota do editor:
Vd. os últimos cinco postes da série:
8 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10499: Em bom português nos entendemos (10): Camarada, companheiro, colega, irmão, amigo, camarigo...
18 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10165: Em bom português nos entendemos (9): Uma declaração de amor, bem humorada, à língua portuguesa (Teolinda Gersão + netos)
26 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que pode dar jeito integrar no nosso léxico (Luís Graça, com bué de jindandu para o Raul Feio e demais kambas kalus)
18 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6015: Em bom português nos entendemos (7): O kapuxinho vermelho, contado aos nosso netos, de Lisboa a Dili, de Bissau a S. Paulo (Nelson Herbert / Luís Graça)
13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3447: Em bom português nos entendemos (6): Histórias... ou estórias de guerra? Venham elas... (J. Mexia Alves)
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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
Guiné 63/74 - P14298: (Ex)citações (262): A questão do afecto entre o povo de Portugal e o povo da Guiné-Bissau (Juvenal Amado)
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Fevereiro de 2015:
A questão de afecto entre nós e o povo da Guiné-Bissau
Hoje as nossas relações com o povo da Guiné, leio-as à luz da saudade daquela terra e da juventude que tinha quando por lá passei.
Éramos homens simples que foram conviver com gente simples e, ao contrário de outras potências coloniais, nós não tínhamos conceitos racistas, nem estávamos espartilhados por proibições de relacionamento com autóctones, antes pelo contrário era promovida num são relacionamento ditado pela “psicola” base da política de Spínola por uma "Guiné Melhor" com que ele contava ganhar a guerra. Essa política oficial tinha outras intenções que visavam atingir outros ganhos é verdade, mas na nossa educação nunca constou a palavra apartheid desde Afondo de Albuquerque, que promoveu a cruzamento dos portugueses das caravelas com as indígenas, dando origem ao termo que Deus criou o Homem e os portugueses criaram a mestiçagem da Índia, Ceilão, Brasil e África, bem sabemos que nem sempre pacifica.
Amizade ou necessidade.
Os guineenses guardam também muitas recordações e afectos agravados pelo falhanço das transformações políticas em que a independência se atolou na luta política, na corrupção e prepotência dos novos dirigentes, que rapidamente se esqueceram por que tinham feito a guerra e do bem-estar do seu povo e ao contrário disso, foram as vinganças sórdidas que tanto sangue fez correr. Mistura-se assim a necessidade com a amizade.
A esperança deu lugar à descrença. As infraestruturas que nós construímos bem como as que os países doadores puseram ao dispor dos novos governos, para a melhoria do nível de bem-estar das populações, deram lugar a elites e à sua destruição nos conflitos que após a independência eclodiram entre facções e etnias.
Depois do descalabro das instituições e a falência do estado pós-independência, os guineenses rapidamente se aperceberam do duríssimo caminho que tinham para percorrer sem a nossa economia de guerra, com milhares de soldados e milícias a receberem ordenado, a nossa assistência médica, e do comércio que era exercido juntos aos quartéis, bem como o apoio logístico que era dado às populações. Os últimos dez anos da nossa soberania sobre os territórios tinham resultado num salto em frente, em praticamente todos os sectores, o que se acabou por perder.
Não era nem devia ter sido assim e era espectável ser diferente. Devia esse povo ter seguido em frente e alcançar o que não tinha conseguido, até ali governado por outros interesses que não os seus. Não sabiam que tudo isso estava a custar demasiado a Portugal e que a nossa economia não podia suportar por muito mais tempo aquele estado de coisas, talvez devido à estreiteza da visão política e económica com que Lisboa olhou para os territórios ultramarinos durante décadas, onde praticamente se impediu o crescimento e a autossustentabilidade.
Apesar de tudo, as nossas relações hoje são pautadas pela a ajuda solidária a nível de organizações que vivem das contribuições de ex-militares e pouco ou nada a nível institucional. Ainda há dias li o que escreveu uma cooperante quanto às dificuldades em desbloquear equipamentos, bem como medicamentos, pelos serviços aduaneiros excessivamente “zelosos e burocráticos” da Guiné-Bissau.
Mas quando falamos da Guiné, o coração amolece logo pois é um país muito pobre. Rapidamente são esquecidos os maus bocados que lá passámos, bem como os desmandos e razões que levaram parte dos guineenses, na esteira de outros povos africanos e asiáticos, a exigirem as suas autodeterminações antes mesmo de pegarem em armas.
Em abono da verdade essas exigências foram mal recebidas praticamente por todas as potências administrantes, que como se sabe os obrigou a lançarem-se em guerras contra a ocupação, e não poucas as vezes fratricidas, que levaram a utilização de uma violência entre eles muitas vezes superior à que foi utilizada contra os ocupantes.
Talvez muitos se tenham arrependido, mas quem sabe quantas pedras e curvas tem o caminho, antes de lá passar?
Mas tudo passou e nós nunca fomos maus rapazes e como tal, numa relação de irmãos ricos e pobres, hoje só não damos mais porque não podemos. E essa é a grande verdade.
Paz para eles e para nós que bem precisamos.
JA
____________
Nota do editor
Vd. último poste da série de > 20 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14275: (Ex)citações (261): Uma coisa posso dizer com clareza: o povo guineense é um povo digno de admiração (Manuel Joaquim, membro da ONGD Ajuda Amiga)
A questão de afecto entre nós e o povo da Guiné-Bissau
Hoje as nossas relações com o povo da Guiné, leio-as à luz da saudade daquela terra e da juventude que tinha quando por lá passei.
Éramos homens simples que foram conviver com gente simples e, ao contrário de outras potências coloniais, nós não tínhamos conceitos racistas, nem estávamos espartilhados por proibições de relacionamento com autóctones, antes pelo contrário era promovida num são relacionamento ditado pela “psicola” base da política de Spínola por uma "Guiné Melhor" com que ele contava ganhar a guerra. Essa política oficial tinha outras intenções que visavam atingir outros ganhos é verdade, mas na nossa educação nunca constou a palavra apartheid desde Afondo de Albuquerque, que promoveu a cruzamento dos portugueses das caravelas com as indígenas, dando origem ao termo que Deus criou o Homem e os portugueses criaram a mestiçagem da Índia, Ceilão, Brasil e África, bem sabemos que nem sempre pacifica.
Amizade ou necessidade.
Os guineenses guardam também muitas recordações e afectos agravados pelo falhanço das transformações políticas em que a independência se atolou na luta política, na corrupção e prepotência dos novos dirigentes, que rapidamente se esqueceram por que tinham feito a guerra e do bem-estar do seu povo e ao contrário disso, foram as vinganças sórdidas que tanto sangue fez correr. Mistura-se assim a necessidade com a amizade.
A esperança deu lugar à descrença. As infraestruturas que nós construímos bem como as que os países doadores puseram ao dispor dos novos governos, para a melhoria do nível de bem-estar das populações, deram lugar a elites e à sua destruição nos conflitos que após a independência eclodiram entre facções e etnias.
Depois do descalabro das instituições e a falência do estado pós-independência, os guineenses rapidamente se aperceberam do duríssimo caminho que tinham para percorrer sem a nossa economia de guerra, com milhares de soldados e milícias a receberem ordenado, a nossa assistência médica, e do comércio que era exercido juntos aos quartéis, bem como o apoio logístico que era dado às populações. Os últimos dez anos da nossa soberania sobre os territórios tinham resultado num salto em frente, em praticamente todos os sectores, o que se acabou por perder.
Não era nem devia ter sido assim e era espectável ser diferente. Devia esse povo ter seguido em frente e alcançar o que não tinha conseguido, até ali governado por outros interesses que não os seus. Não sabiam que tudo isso estava a custar demasiado a Portugal e que a nossa economia não podia suportar por muito mais tempo aquele estado de coisas, talvez devido à estreiteza da visão política e económica com que Lisboa olhou para os territórios ultramarinos durante décadas, onde praticamente se impediu o crescimento e a autossustentabilidade.
Apesar de tudo, as nossas relações hoje são pautadas pela a ajuda solidária a nível de organizações que vivem das contribuições de ex-militares e pouco ou nada a nível institucional. Ainda há dias li o que escreveu uma cooperante quanto às dificuldades em desbloquear equipamentos, bem como medicamentos, pelos serviços aduaneiros excessivamente “zelosos e burocráticos” da Guiné-Bissau.
Mas quando falamos da Guiné, o coração amolece logo pois é um país muito pobre. Rapidamente são esquecidos os maus bocados que lá passámos, bem como os desmandos e razões que levaram parte dos guineenses, na esteira de outros povos africanos e asiáticos, a exigirem as suas autodeterminações antes mesmo de pegarem em armas.
Em abono da verdade essas exigências foram mal recebidas praticamente por todas as potências administrantes, que como se sabe os obrigou a lançarem-se em guerras contra a ocupação, e não poucas as vezes fratricidas, que levaram a utilização de uma violência entre eles muitas vezes superior à que foi utilizada contra os ocupantes.
Talvez muitos se tenham arrependido, mas quem sabe quantas pedras e curvas tem o caminho, antes de lá passar?
Mas tudo passou e nós nunca fomos maus rapazes e como tal, numa relação de irmãos ricos e pobres, hoje só não damos mais porque não podemos. E essa é a grande verdade.
Paz para eles e para nós que bem precisamos.
JA
____________
Nota do editor
Vd. último poste da série de > 20 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14275: (Ex)citações (261): Uma coisa posso dizer com clareza: o povo guineense é um povo digno de admiração (Manuel Joaquim, membro da ONGD Ajuda Amiga)
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
Guiné 63/74 - P14275: (Ex)citações (261): Uma coisa posso dizer com clareza: o povo guineense é um povo digno de admiração (Manuel Joaquim, membro da ONGD Ajuda Amiga)
Fonte: Solidariedade - Para Amizade Sovieto-Africana, boletim de informação, agência Novosti, 8, 1969, p.4. (Material apreendido ao PAIGC em Nhacobá,. Região de Tombali, Guiné, em maio de 1973 (*).. Coleção de António Murta [ex-alf mil inf , Minas e Armadilhas, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74]
Foto: © António Murta (2015). Todos os direitos reservados [Edição de CV]
Sintra > Azenhas do Mar > Setembro de 1977 > Adilan, o menino balanta-mané que o Manuel Joaquim trouxe da Guiné em 1967 e que criou como se fosse seu filho... Aqui,com as suas "manas"... Hoje, o José Manuel S. C., com 54 anos, casado, pai de filhos, é cidadão português e está plenamente integrada da sua segunda pátria.
Foto: © Manuel Joaquim (2010). Todos os direitos reservados.
Foto: © Manuel Joaquim (2010). Todos os direitos reservados.
Foto: © Manuel Joaquim (2011). Todos os direitos reservados.
1. Comentário de Manuel Joaquim (***) [, membro da ONG Ajuda Amiga, ex-fur mil armas pesadas, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67; padrinho do "Adilan, nha minino"; professor do ensino básico, reformado; por todas as razões, talvez o camarada da Tabanca Grande que menos de lições precisa de dar e receber em matéria de afetos lusoguineenses...]
Vamos aos afectos, queridos camaradas da Guiné! (Veem como estou afectuoso?) Falo por mim que de afectos é o que mais preciso agora, neste momento de opinar.
Isto de levar a dianteira em matéria de afectos será complicado de gerir pelos sujeitos da afeição:"Quero lá eu saber se aquele chegou em 1º ou em último lugar; agrada-me é que gostem de mim, o resto é lá com eles".
Bem, não dirão nada pois não terão conhecimento desta tão agradável notícia, digo eu.
O objectivo é saber se há uma relação afectuosa entre alguns (muitos, poucos?) portugueses e os guineenses. Porque entre os dois conjuntos, "povo português" e "povo guineense", duvido que alguém consiga avaliar essa relação. E penso que, a ser avaliada, não obteria uma posição de relevo se comparada com a de outros povos ditos amigos da Guiné-Bissau.
É verdade que tenho afeição ao povo guineense mas este inquérito não é sobre afectos individuais.
Começo já por dizer que concordo totalmente que "em matéria de afectos e em relação aos guineenses, levamos a dianteira ....".
Mas agora me pergunto: Qual a posição nessa dianteira? Encostados, mais ou menos perto ou muito à frente do segundo lugar?
Não sei responder. Russos, chineses, cubanos, suecos, etc.etc., actuaram na guerra colonial em favor do povo guineense?
Aceitando a linguagem política da questão, digo que sim, que actuaram na retaguarda, na formação militar e ideológica e na logística da guerra do PAIGC, alguns a participarem directamente nos combates (quase só cubanos).
Ajudaram sob o signo da amizade? Ajudaram, sim. Mas não o fizeram só pela amizade (ficava-lhes caro demais).
As «Associação de Amizade X - Guiné-Bissau», (sendo, por exemplo, X o nome de um dos países ajudantes) parecem querer dizer que sim mas a Amizade" talvez seja o último dos objectivos a atingir pelos parceiros da Guiné-Bissau. Há outros, económicos e estratégicos, mais importantes e prioritários. De resto a chamada "amizade entre os povos", notariada em cerimónias diplomáticas, é quase sempre fantasia para uso político-económico, onde os afectos não contam.
Na dianteira dos afectos vão os portugueses. Acredito, mas até quando?
Afinal o que é que nos liga à população guineense, qual foi o "cimento" e o adubo desses afectos?
Penso que o "cimento" foi a guerra colonial e o adubo tem vindo a ser distribuído desde o início da guerra. Mas não podemos equiparar à realidade actual o grau afectivo das relações entre muitos dos antigos combatentes portugueses e a população guineense com quem conviveram. E é o que pode acontecer quando se escrutinarem os resultados desta consulta, pois quer-me parecer que haverá gente a responder pensando "particular" (em si) e não "global".
Esta afectividade ainda existente, não sei em que grau, deve muito aos afectos nascidos durante a guerra e presentes na memória de muitos dos participantes nessa guerra ainda vivos, combatentes ou não, militares ou civis.
Mas o tempo não perdoa. Muitos dos usuários dessa memória, a maior parte deles guineenses, já morreram. Por isso não acredito que os laços afectivos se tenham vindo a fortalecer apesar de não ser difícil encontrar notícias de afectividades recentes resultantes dos contactos de cidadãos portugueses que têm visitado a Guiné nos últimos anos. Tenha-se em atenção que muitas destas afeições são interesseiras, só existem no discurso: "a necessidade aguça o engenho!".
Creio que esta relação afectiva não é igual de parte a parte. Será mais forte do lado guineense do que do lado português. O desenrolar da vida política, social e económica da Guiné tem sido um desastre desde a sua independência. Como não admitir que o povo sabe fazer comparações sobre a sua situação entre os tempos de antes e o pós-independência?
Afinal o que é que liga à Guiné, afectuosamente, muitos dos antigos combatentes portugueses?
Será a recordação dos tempos difíceis e das situações aflitivas por que passaram, dos momentos de camaradagem, de alegria e de sofrimento, das marcas deixadas pela guerra e que, para o bem e para o mal, não se apagaram?
Serão as memórias da sua juventude passada na Guiné, para muitos deles tempos de muitas dificuldades mas também tempos de revelação de si próprios, das suas capacidades e do comportamento humano perante o bem e o mal, tempos de descoberta de outros "mundos", de outros lugares, de outro(s) povo(s) com seus usos e costumes?
Será para alguns a lembrança da ternura e da afabilidade sentidas nos momentos de convívio com a população que os rodeava, contrapondo esses consolos aos momentos de tristeza e medo, provocados pela guerra para onde foram obrigados a ir e de onde regressaram (os que regressaram) muito diferentes do que eram quando lá chegaram?
Procurar conviver com a população foi para muitos um objectivo facilmente cumprido pois o povo que os "recebeu" tinha, em geral, um comportamento não conflituoso com os militares. Era mais frequente mostrar afabilidade que indiferença. Sinais visíveis de desprezo seriam raros, o que não quer dizer que não pudessem existir em número mais elevado. Mas também havia sinais de dedicação e de sacrifício no apoio a muitos militares portugueses.
A afectividade ainda hoje existente nasceu de tudo isto?
Os afectos que muitos dos ex-combatentes têm por muitos guineenses poderão assentar nestas recordações de uma terra estranha para onde foram lançados e onde se viram obrigados a situarem-se de modo a lhes ser mais fácil alimentar a esperança de regressarem, vivos e inteiros.
Procurando um ponto de equilíbrio, conscientemente ou não, criaram laços, criaram amigos, "forçaram" relações pessoais e/ou aceitaram de bom grado outras delas, entraram de cabeça, uns, de mansinho e receosos outros. E assim conviveram sem sobressaltos de maior com o povo que lhes rodeava os aquartelamentos.Quem perde a memória feliz daqueles momentos?
Durante algumas centenas de anos não houve naquela terra qualquer tipo de convívio social de portugueses com a generalidade da população da Guiné. Não me admira nada, os tempos eram outros, a visão centralista europeia olhava os povos africanos não como seus semelhantes mas como seus servidores. Portanto não acuso ninguém.
Não houve convívio mas houve muitos conflitos violentos, guerras mesmo.
Algumas relações sociais existiram mas para permitir acordos de negócios entre as partes, entre o poder colonial, oficial ou particular, e o dos chefes tradicionais locais. Acordos estes que variavam "conforme os ventos".
Outras relações, entre patrões e serviçais, entre dominadores e dominados, "colonos" e "colonizados", estavam assentes em posições de domínio absoluto do mais forte.
O poderem ter acontecido relações afectivas, pontuais e muito limitadas no tempo, no espaço e na sua abrangência, não me leva a dizer que as relações do poder com a população criaram afectos que se foram cimentando no decorrer do tempo. Não se acusa ninguém, há que ter em conta a relatividade histórica na análise do comportamento das sociedades.
Para que serve, então, bater na tecla das relações de amizade com os povos da Guiné, de há 500 anos para cá? Não serve nada, deixemos esta balela para gestão política.
Relações de amizade? Não estou a falar de relações sociais, amigas ou não, entre reduzidos números de portugueses residentes e algumas entidades gentílicas.
Falo dos afectos resultantes da convivência diária, da partilha de vivências, da aculturação mútua surgida de contactos mais duradouros que foi o que se verificou em muitos lugares durante a guerra colonial de 1963/74.
A ida para a Guiné de tantos militares transportando a diversidade cultural existente na sociedade portuguesa, proporcionou ao povo guineense o ter alguma noção do que é "ser português" (o povo não é burro). Apesar de andarem de armas na mão, estes militares, não se pareciam com os antigos que, há séculos, se vinham sucedendo muitas vezes lançados ao deus-dará e a assumirem o poder colonial sem que para isso estivessem preparados nem mandatados, decididos a serem obedecidos a qualquer preço, na satisfação dos seus caprichos e ambições.
E quanto ao futuro?
Vai havendo bom trabalho, feito por organizações portuguesas e guineenses. Mas é pouco. Sei alguma coisa do que falo. Sabemos, aqui no blogue, de algumas associações e do seu trabalho na manutenção deste ambiente solidário e amigo entre muitas pessoas da Guiné e de Portugal. Convivo regularmente com guineenses, alguns deles antigos militares portugueses.
A base de sustentação dos afectos está, principalmente, nos antigos combatentes na Guiné e em poucos mais. Mas estes poucos mais não são "pouco", são o sinal de que a solidariedade afectiva não morreu. Na Guiné sucede o mesmo. Há muita gente que gosta dos portugueses mesmo que políticos de serviço tenham algumas vezes afirmado o contrário. A população que conviveu com os militares portugueses não os esqueceu.
Não deixámos más memórias ao povo com quem convivemos. Isto na generalidade pois pode sempre haver "fruta podre nas caixas". Mas o povo não é estúpido em lugar nenhum do mundo, ainda que muita gente o afirme. E, normalmente, sabe relativizar os acontecimentos, princípio básico necessário à sua sobrevivência com alguma dignidade social.
E uma coisa posso dizer com clareza: O povo guineense é um povo digno de admiração.
Agradecendo a quem se deu ao trabalho de ler todo este meu "discurso" um pouco atabalhoado. (****)
Abraços para todos
Manuel Joaquim
__________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 6 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14226: A guerra vista do outro lado... Documentos apreendidos ao PAIGC em Nhacobá em 17 de maio de 1973 - Parte I (António Murta, ex-alf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)
(**) Vd. poste de:
10 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7261: História de vida (32): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 1ª Parte (Manuel Joaquim)
12 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7267: História de vida (33): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 2ª parte (Manuel Joaquim)
(***) Vd. poste de 11 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14240: Sondagem: somos um povo de afetos ? Resultados preliminares (n=70): 80 % dos respondentes "concordam totalmente", com a proposição segundo a qual "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...
(****) Último poste da série > 19 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14273: (Ex)citações (260): Posso afirmar com conhecimento de causa que muitos deles se sentem “guineenses de Portugal” e eu sinto-me "português da Guiné" (José Teixeira)
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
Guiné 63/74 - P14273: (Ex)citações (260): Posso afirmar com conhecimento de causa que muitos deles se sentem “guineenses de Portugal” e eu sinto-me "português da Guiné" (José Teixeira)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Medjo > 2 de maio de 2013 > O nosso camarada Zé Teixeira, "régulo" da Tabanca Pequena de Matosinhos, com o régulo de Medjo, na sua última viagem à Guiné-Bissau.
Foto: © José Teixeira (2014). Todos os direitos reservados
Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O José Teixeira com o chefe da tabanca e a sua lindíssima filha. "Um feliz reencontro. Regresso às origens em 2005. Encontro com um Português da Guiné, antigo paraquedista, que tem uma linda história para ser contada, pelo que sofreu e como consegui iludir o PAIGC para sobreviver à chacina de antigos combatentes portugueses".
Foto (e legenda): © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados
1. Comentário do José Teixeira José [ ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatáe Empada, 1968/70; membro fundador e animador da Tabanca de Matosinhos]:
Em matéria de afetos, não tenho dúvidas que estamos à frente, a muitas léguas de todos os povos que acidentalmente passaram pela Guiné. Digo acidentalmente, porque na realidade só houve um povo, o português, que deixou raízes. Foram quinhentos anos de vida em comum. Houve violências de parte a parte e os últimos doze anos de convivência foram terríveis por um lado e exemplares por outro, quando tratávamos as populações que estavam do nosso lado com respeito e as defendíamos de um inimigo comum.
Confesso que quando lá voltei em 2005 pela primeira vez, ia preocupado com a possível reacção dos guineenses, afinal eu tinha sido um "tuga", mas fui desarmado logo na fronteira, com o sorriso do guarda, que me perguntou onde estive no tempo da guerra e ao saber que estive em Buba, retorquiu: "Então conheceste o meu irmão que foi soldado milícia em Buba". Confesso que me senti, de imediato, em casa, e é assim que me sinto, quando aterro em Bissalanca.
Outras vezes se sucederam. A ligação ao povo português é de irmão para irmão. Antigos guerrilheiros abraçam com mesmo calor, que antigos soldados do exército português, qualquer de nós. É evidente que as conversas são naturalmente diferentes, mas já vi mais que uma vez, antigos "turras" a analisarem, com visitantes portugueses, no terreno, sem "paixões" acontecimentos que forma vivenciados em campos opostos. E também já senti na pele e de lágrimas nos olhos o prazer de abraçar inimigos do terreno que se cruzaram comigo, analisaram comigo os acontecimentos vivenciados, pediram “discurpa” e pediram para a partir dessa data sermos “ermons”, é gente que acabada a guerra, voltou às suas terras, fez a paz com os familiares que estavam da outra banda e continuaram a construir o futuro.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > "O Francisco Silva mais um antigo guerrilheiro do PAIGC, procurando localizar pontos de guerra comuns". [ Companheirop de viagem do Zé Teixeira, em 2013 (**), o Franscisco, hoje cirurgião, esteve no Xitole, como laf mil, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar o Pel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973]
Foto (e legenda): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados
As marcas que ficaram da guerra colonial estão a desaparecer ao ritmo do desaparecimento prematuro dos combatentes guineeses. Nós, portugueses, temos uma vida mais longa. Os guineenses mais novos, naturalmente, como os nossos filhos estão insensíveis à guerra, mas o testemunho que ficou é, a meu ver, pelas experiências que já tive nas várias visitas que fiz à Guiné, extremamente positivo em relação aos portugueses. O sonho deles é vir para Lisboa.
As marcas que ficaram da guerra colonial estão a desaparecer ao ritmo do desaparecimento prematuro dos combatentes guineeses. Nós, portugueses, temos uma vida mais longa. Os guineenses mais novos, naturalmente, como os nossos filhos estão insensíveis à guerra, mas o testemunho que ficou é, a meu ver, pelas experiências que já tive nas várias visitas que fiz à Guiné, extremamente positivo em relação aos portugueses. O sonho deles é vir para Lisboa.
A luta, de facto, não era contra o povo português, mas contra o regime e Amilcar Cabral conseguiu passar bem esta ideia, tendo como colaboradores diretos os nossos soldados, a começar pelo Governador Spínola que colocou o povo guineense em primeiro lugar, apesar da luta que se travava.
Recordo por exemplo as palavras do tabanqueiro Zé Belo, meu comandante, ao chegar a Mampatá. Foi mais ou menos isto. "rapazes, se tratarmos bem esta gente, seremos bem tratados e respeitados e eu quero levar-vos todos para casa daqui por dois anos. Se receber alguma queixa da população, o desgraçado comerá com toda a justiça do RDM que eu lhe puder dar".
E ao fim de 6 meses quando fomos deslocados para Buba, a população veio despedir-se de nós junto à saída para a picada.
Foram marcas como estas que vingaram. Éramos duros e agressivos no mato. Reagíamos com violência aos ataques do inimigo, mas tratávamos bem a população que estava connosco.
Hoje, posso afirmar com conhecimento de causa que muitos deles se sentem “guineeses de Portugal” e eu sinto-me "português da Guiné". (***)
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. postes de 8 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14234: Sondagem: opinião "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...
(**) vd. poste de 25 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11976: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (13): A despedida... Temos de voltar!
Vd. também psote de 28 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11772: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (7): O Xitole e o "alfero" Francisco Silva (CART 3492, 1971/73), a emoção de um regresso
Vd. também psote de 28 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11772: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (7): O Xitole e o "alfero" Francisco Silva (CART 3492, 1971/73), a emoção de um regresso
(***) Último poste da série > 30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14204: (Ex)citações (259): Sobre o paradeiro do Pintosinho, e mais histórias de Bissau no pós-independência... E já agora, quando querem fazer um encontro da Tabanca Grande aqui no Fundão ? Prometo ter "ostras e camarões da Guiné"... (Mário Serra de Oliveira)
Guiné 63/74 - P14272: Inquérito online: 88% está de acordo com a proposição segundo a qual "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"
Lisboa > 5 de janeiro de 2015 > Um dos mais célebres murais de "street art" de Lisboa > "O androide dos artistas VHILS e PIXEL PANCHO
"Depois de esculpir rostos pelas ruas de Lisboa, o artista Alexandre Farto (mais conhecido por “Vhils”) juntou-se ao artista italiano Pixel Pancho e passou quatro dias a trabalhar numa obra junto ao rio no Jardim do Tabaco. O mural mistura o estilo dos dois, com figuras robóticas que são a imagem de marca de Pixel Pancho, e um típico rosto esculpido por Vhils. Foi assim criada uma imagem de um androide destruindo um barco com a mão, e quem for vê-la de perto poderá também deparar-se com barcos verdadeiros, pois a obra encontra-se junto de um dos terminais de cruzeiros da cidade." (Fonte: LisbonaLux.com)
Fotos: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados.
A. Resultados finais da nossa última sondagem (*)
1. Concordo totalmente > 87 (80,6%)
2. Concordo em parte > 8 (7, 4%)
3. Não concordo nem discordo / Não sei > 7 (6,5%)
4. Discordo em parte > 2 (1,8%)
5. Discordo totalmente > 4 (3,7%)
Votos apurados: 108
Sondagem fechada em 15/2/2015, 15h
B. Alguns comentários (a desenvolver em postes posteriores) (*):
(i) Carlos Vinhal:
(..:) Pressupõe-se que temos de responder como portugueses e não na qualidade de ex-combatentes.
Surge-me uma pergunta, por que se põe esta questão em relação à Guiné e não a Angola ou a Moçambique onde residiam mais portugueses (da metrópole) e o número de combatentes foi muito maior? Que diz a Guiné em relação aos normais portugueses? Lembram-se de quando éramos mobilizados para a Guiné, aqui tão perto, as pessoas ficavam mais aterrorizadas do que se fôssemos para o distante território de Timor, lá do outro lado mundo?
Surge-me uma pergunta, por que se põe esta questão em relação à Guiné e não a Angola ou a Moçambique onde residiam mais portugueses (da metrópole) e o número de combatentes foi muito maior? Que diz a Guiné em relação aos normais portugueses? Lembram-se de quando éramos mobilizados para a Guiné, aqui tão perto, as pessoas ficavam mais aterrorizadas do que se fôssemos para o distante território de Timor, lá do outro lado mundo?
Estou-me a lembrar de que nos primórdios dos anos 80, Matosinhos se geminou com Mansoa. Pergunto, quem da minha cidade saberá onde fica Mansoa? E o que fez Matosinhos por Mansoa?
Quebrando o sagrado segredo de voto, digo que respondi que não sabia, porque como português não sei da qualidade dos afectos dos meus compatriotas para com os guineenses. Se fosse sobre o meu afecto, enquanto ex-combatente, a isto sim saberia responder. (...)
(...) Eu não votei, na mesma linha que o Carlos porque, também, não sei qual a afeição que o povo português nutre em relação ao povo guineense, para além da evidente necessidade de encontrar um refúgio temporário que se transformaraá em definitivo mesmo se a Europa não levar a cabo a presente integração forçaada com capa de laicidade e de republicanismo que nunca existiram. (...)
(...) Quanto aos paises citados, podemos falar, sim, de afectos em relação aos Cubanos, mas duvido que o mesmo se possa dizer dos Russos e Suecos que são povos simpaticos, mas não conhecem o nosso povo, a nossa realidade e só ouviram falar de longe. Com os portugueses é diferente, foi uma relação difícil mas que deixou marcas que ninguém pode ignorar. (...)
(...) Na Guiné ou em outra ex-colónia, quando algum cidadão desses países tem algum bom relacionamento com portugueses, corre o risco de os vizinhos ou colegas o alcunharem de "lacaio" ou mesmo no caso do crioulo "catchurro" do tuga.
Com o tempo esse risco pode diminuir, mas devido ao discurso político urdido por conveniências políticas, ainda vai demorar uns tempinhos ao estigma colonial desvanecer. (...)
Com o tempo esse risco pode diminuir, mas devido ao discurso político urdido por conveniências políticas, ainda vai demorar uns tempinhos ao estigma colonial desvanecer. (...)
(iv) José Belo (Suécia):
(...) Afectos entre povos em busca de graduações valorativas?
Nos exemplos apresentados,(portugueses, russos, chineses, cubanos,suecos, alentejanos, etc) aspectos menos platónicos não deveräo ser escamoteados. "Com carinho e com afecto" do luso-tropicalismo,ou "com economia e com afecto" à sueca? (...)
Nos exemplos apresentados,(portugueses, russos, chineses, cubanos,suecos, alentejanos, etc) aspectos menos platónicos não deveräo ser escamoteados. "Com carinho e com afecto" do luso-tropicalismo,ou "com economia e com afecto" à sueca? (...)
(v) António José Pereira da Costa:
(...) Olá, Luís. Estou como disse o Beja Santos: continuas a provocar o "nativo". É bom. Para ver se isto aquece e o debate se instala, mas acho que as "declarações de voto" que acabo de aqui ver resumem muito bem a situação.
É certo que só os velhos e ainda por cima que passaram pela Guiné é que votam. Há um indício técnico para que quero chamar a tua atenção. Neste momento há convívios de ex-combatentes em que as mulheres vão para uma mesa e os maridos para outra. Isto significa que elas, que nunca lá foram (...), começam a ter dificuldade em se rever no fenómeno e que os "ex-" estão cada vez mais sozinhos na sua nostalgia. (...)
(vi) C. Martins:
(...) Nem é preciso sondagens...digo eu. Quem já lá foi após a independência e desde que os tratemos com respeito manifestam-nos a sua profunda amizade e até os próprios guerrilheiros do PAIGC pedem desculpa: "era a guerra" dizem ... mas agora podemos ser amigos. Falo obviamente da população, porque os "políticos"... sobre esses estamos conversados. (...)
(vii) Vasco Piers (Brasil):
(...) Dizes bem, Luís, mais exploradores que conquitadores. Ousaria dizer, que somos o povo de um pequeno País de costas voltadas à Europa que precisou de buscar a sua subsistência (a partir do século XV) no mar e pelo mar. Desde Ceuta,andamos por aí,em busca "do pão " que rareava em casa. As feitorias, o ouro da Mina, os escravos, a "pimenta " da Índia, o ouro do Brasil, a volta a África, sempre em busca da subsistência como povo, e consequentemente da nossa existência como Nação.
Após a morte do nosso "último Imperador",e com o fim do sonho Imperial, voltamos á Europa,e parece que não deu muito certo. Nessa nossa saga através dos mares,até longínquos povos,tivemos um relacionamento "sui generis" com esses povos, bem diferente dos nossos nossos vizinhos do Norte. Miscigenamo-nos,como já tínhamos feito com Bérberes e Semitas,na África, na Ásia, na América, logo a nossa relação afetiva com outras gentes,foi necessariamente diferente da de outros colonizadores.
Melhor? Pior? Será que compete a nós dizê-lo? (...) (*)
(vii) Vasco Piers (Brasil):
(...) Dizes bem, Luís, mais exploradores que conquitadores. Ousaria dizer, que somos o povo de um pequeno País de costas voltadas à Europa que precisou de buscar a sua subsistência (a partir do século XV) no mar e pelo mar. Desde Ceuta,andamos por aí,em busca "do pão " que rareava em casa. As feitorias, o ouro da Mina, os escravos, a "pimenta " da Índia, o ouro do Brasil, a volta a África, sempre em busca da subsistência como povo, e consequentemente da nossa existência como Nação.
Após a morte do nosso "último Imperador",e com o fim do sonho Imperial, voltamos á Europa,e parece que não deu muito certo. Nessa nossa saga através dos mares,até longínquos povos,tivemos um relacionamento "sui generis" com esses povos, bem diferente dos nossos nossos vizinhos do Norte. Miscigenamo-nos,como já tínhamos feito com Bérberes e Semitas,na África, na Ásia, na América, logo a nossa relação afetiva com outras gentes,foi necessariamente diferente da de outros colonizadores.
Melhor? Pior? Será que compete a nós dizê-lo? (...) (*)
________________
Nota do editor:
(*) Vd. postes de
8 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14234: Sondagem: opinião "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...
11 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14240: Sondagem: somos um povo de afetos ? Resultados preliminares (n=70): 80 % dos respondentes "concordam totalmente", com a proposição segundo a qual "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...
Nota do editor:
(*) Vd. postes de
8 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14234: Sondagem: opinião "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...
11 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14240: Sondagem: somos um povo de afetos ? Resultados preliminares (n=70): 80 % dos respondentes "concordam totalmente", com a proposição segundo a qual "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...
terça-feira, 7 de agosto de 2012
Guiné 63/74 - P10234: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (5): Um sorriso para a fotografia...
Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BART 2917 (1970/72) > A alegria espontânea e esfuziante das crianças de uma tabanca de Badora, nos arredores de Bambadinca, indo ao encontro do fotógrafo...
Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.
(...) Os resultados da investigação ‘Uma década de sorrisos em Portugal’ indicam que «as mulheres continuam a sorrir mais do que os homens, apesar do registo descendente acentuadíssimo no primeiro semestre deste ano», ao passo que «os homens apresentam mais o sorriso fechado a partir dos 60 anos».
As crianças, por seu lado, «são as que continuam a apresentar mais frequentemente o sorriso largo, um padrão que se mantém desde 2003».
No universo das fotografias analisadas, explicou o investigador, verificou-se ainda que «a expressão facial de emoções negativas é mais frequente e intensa do que a de emoções positivas», comprovando-se que, no caso português, «a situação económico-social potenciou a inibição da expressão».
Para Freitas Magalhães, «os resultados são preocupantes pelas consequências na saúde e na interacção social», uma vez que «a felicidade está na cara das pessoas e o sorriso é um sinal que está a desaparecer a olhos vistos». (...)
Fonte: Lusa/SOL (com a devida vénia)
Nota do editor:
Último poste da série > 1 de agiosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10215: Guiné 63/74 - P10215: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (4): O soldado tranquilo, o soldado silencioso...
(*) Canção popular chilena magistralmente interpretada por grandes vozes latino-americanas como Violeta Parra, Mercedes Sosa ou Elis Regina. Aqui vai a letra (recolhida neste sítio brasileiro):
Gracias a la vida
As crianças, por seu lado, «são as que continuam a apresentar mais frequentemente o sorriso largo, um padrão que se mantém desde 2003».
No universo das fotografias analisadas, explicou o investigador, verificou-se ainda que «a expressão facial de emoções negativas é mais frequente e intensa do que a de emoções positivas», comprovando-se que, no caso português, «a situação económico-social potenciou a inibição da expressão».
Para Freitas Magalhães, «os resultados são preocupantes pelas consequências na saúde e na interacção social», uma vez que «a felicidade está na cara das pessoas e o sorriso é um sinal que está a desaparecer a olhos vistos». (...)
Fonte: Lusa/SOL (com a devida vénia)
2. Comentário do editor L.G.:
Estou a banhos. Invoco o meu direito à preguiça (física e mental)... Com um sorriso (discreto que não tem de ser amarelo)... A minha velhotinha fez ontem 90 anos. É caso para dizer "gracias a la vida, que me ha dado tanto" (*)... Boa continuação de férias. LG
______________Nota do editor:
Último poste da série > 1 de agiosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10215: Guiné 63/74 - P10215: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (4): O soldado tranquilo, o soldado silencioso...
(*) Canção popular chilena magistralmente interpretada por grandes vozes latino-americanas como Violeta Parra, Mercedes Sosa ou Elis Regina. Aqui vai a letra (recolhida neste sítio brasileiro):
Gracias a la vida
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en el alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el oído que en todo su ancho
Graba noche y día grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él, las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano
Y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto
Gracias a la vida, gracias a la vida
Me dio dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en el alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el oído que en todo su ancho
Graba noche y día grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él, las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano
Y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto
Gracias a la vida, gracias a la vida
domingo, 26 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P7038: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (6): Tivemos bons mestres, dizem angolanos, guineenses e brasileiros, quando falam de corrupção
1. Texto de António Rosinha [, foto à direita]:
Somos mesmo assim tão corruptos?
É que na Guiné, no Brasil ou em Angola, quando se fala em corruptos, e estiver um português por perto, dizem logo "tivemos bons mestres".... Se na nossa cara falam assim, imaginemos nas nossas costas o que dizem.
A história do engenheiro Alves dos Reis que venceu todas as burocracias necessárias para mandar fazer notas de 500 na Inglaterra, nos anos vinte do século passado, era do conhecimento de todos os adultos que sabiam ler, na cidade de Luanda, quando eu lá cheguei.
Eu, e a maioria que íamos daqui com carta de chamada e passagem do próprio bolso, nunca tinhamos ouvido falar nessa história. Como esse vigarista tinha vivido em Angola, havia gente que o tinha conhecido, ou sabia pelo menos da sua actividade. Talvez soubessem disso os que iam em comissão de serviço por quatro anos, como os governadores gerais e seus secretários, ou comandantes militares.
De facto, esse Alves dos Reis demonstra a capacidade de alguém para corromper tanta gente, desde conseguir assinaturas, carimbos, ser recebido por ministros, e depois distribuir e pôr esse dinheiro a circular em bancos e comércio...E esse génio da vigarice e corrupção era português, com fama internacional.
Agora andam por aí banqueiros que talvez já ultrapassem aquela antiga glória dos anos vinte do outro século.
Claro que se a vida não tivesse uma qualidade melhor em Angola do que cá, seria deprimente para mim e todos os que íamos daqui, ouvindo bocas como de atrasados, íamos só para viver à custa deles, mas esta de corruptos era aquela que talvez se estranhava mais, para quem nunca tinha ligado a tal coisa. Claro que eram conversas de café e o tal jeito da adaptação, dificil de explicar, resolvia tudo, em Angola, no Brasil ou na Guiné.
(*) Último poste da série > 19 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7006: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (5): Portugal nem explorava nem desenvolvia, colonizava pouco e mal
Somos mesmo assim tão corruptos?
É que na Guiné, no Brasil ou em Angola, quando se fala em corruptos, e estiver um português por perto, dizem logo "tivemos bons mestres".... Se na nossa cara falam assim, imaginemos nas nossas costas o que dizem.
A história do engenheiro Alves dos Reis que venceu todas as burocracias necessárias para mandar fazer notas de 500 na Inglaterra, nos anos vinte do século passado, era do conhecimento de todos os adultos que sabiam ler, na cidade de Luanda, quando eu lá cheguei.
Eu, e a maioria que íamos daqui com carta de chamada e passagem do próprio bolso, nunca tinhamos ouvido falar nessa história. Como esse vigarista tinha vivido em Angola, havia gente que o tinha conhecido, ou sabia pelo menos da sua actividade. Talvez soubessem disso os que iam em comissão de serviço por quatro anos, como os governadores gerais e seus secretários, ou comandantes militares.
De facto, esse Alves dos Reis demonstra a capacidade de alguém para corromper tanta gente, desde conseguir assinaturas, carimbos, ser recebido por ministros, e depois distribuir e pôr esse dinheiro a circular em bancos e comércio...E esse génio da vigarice e corrupção era português, com fama internacional.
Agora andam por aí banqueiros que talvez já ultrapassem aquela antiga glória dos anos vinte do outro século.
Claro que se a vida não tivesse uma qualidade melhor em Angola do que cá, seria deprimente para mim e todos os que íamos daqui, ouvindo bocas como de atrasados, íamos só para viver à custa deles, mas esta de corruptos era aquela que talvez se estranhava mais, para quem nunca tinha ligado a tal coisa. Claro que eram conversas de café e o tal jeito da adaptação, dificil de explicar, resolvia tudo, em Angola, no Brasil ou na Guiné.
No Brasil era pior, onde o português era o alvo das anedotas do "menos inteligente". Hoje, os brasileiros emigrantes em Portugal também ficam marcados por outros motivos.
Na França, as marcas do português emigrante também se fariam sentir mas penso que não por corrupção. Mas por sua vez o emigrante que retornava, voltava a ser novamente marcado na sua terra.
Mas essa marca do "mestre da corrupção", penso que é invocado mais nas ex-colónias. Pessoalmente, em Bissau vi sinais de corrupção e vigarices bem (mal) disfarçadas por gente portuguesa em conluio com guineenses, em que a vítima era o Estado Português e o Guineense. Claro que não posso dizer nomes porque não sou polícia e não sou tetemunha. Mas casos descaradissimos não faltavam.
Eu próprio, não sei se me considere corrupto ou não. O que escrever um dia aqui, se tiver oportunidade, quem leia, julgará. Se era corrupto ou "ficava à porta". Mas não sei se já disse outras vezes, em Bissau não são precisos jornais. E o povo em Bissau tudo sabe, e até um dia Nino Vieira teve que fazer um comício para demonstrar que não era corrupto, no fim eu conto.
Mas essa marca do "mestre da corrupção", penso que é invocado mais nas ex-colónias. Pessoalmente, em Bissau vi sinais de corrupção e vigarices bem (mal) disfarçadas por gente portuguesa em conluio com guineenses, em que a vítima era o Estado Português e o Guineense. Claro que não posso dizer nomes porque não sou polícia e não sou tetemunha. Mas casos descaradissimos não faltavam.
Eu próprio, não sei se me considere corrupto ou não. O que escrever um dia aqui, se tiver oportunidade, quem leia, julgará. Se era corrupto ou "ficava à porta". Mas não sei se já disse outras vezes, em Bissau não são precisos jornais. E o povo em Bissau tudo sabe, e até um dia Nino Vieira teve que fazer um comício para demonstrar que não era corrupto, no fim eu conto.
Eu acredito que na chamada África a sul do Sahara, antes de Diogo Cão ir visitar aquela gente, não havia corrupção tal qual como a praticamos hoje, europeus e africanos.
Sempre se falou e fala muitas vezes nas riquezas "fabulosas" dos países africanos, principalmente em Angola, e Congo que eu conheci um pouco, mas tambem na Guiné e é sabido que os dirigentes dos movimentos independentistas e muita gente pensava isso, que as riquezas das colónias portuguesas não eram divulgadas, para evitar a cobiça das potências estrangeiras.
Essas ideias também provocavam e provocam corrupção e tudo o que de negativo venha atrás, como no caso extremo em certos países africanos com os afamados "diamantes de sangue". No caso de Angola, parece que os diamantes continuam a ser moeda de troca. Não me admira que, igualmente ao tempo colonial, haja muita dinheiro a ser investido em quartzo e vidro triturado.
Essas ideias também provocavam e provocam corrupção e tudo o que de negativo venha atrás, como no caso extremo em certos países africanos com os afamados "diamantes de sangue". No caso de Angola, parece que os diamantes continuam a ser moeda de troca. Não me admira que, igualmente ao tempo colonial, haja muita dinheiro a ser investido em quartzo e vidro triturado.
Mas na Guiné, como não há grandes riquezas naturais à vista, talvez não haja grandes escândalos, mas é constante falar-se em corrupção e se um tuga estiver por perto pode ouvir a insinuação de mestre da dita mania da corrupção.
Houve um Natal de 1980 em que a Tecnil por hábito fazia a distribuição pelos clientes de umas lembranças, e como habitualmente era obrigatório uma lembrança para o presidente da República e outra para o Ministro das Obras Públicas. Ora naquele ano, 'Nino' Vieira era presidente havia um mês e o ambiente estava muito tenso e até algo violento devido ao golpe recente, e da Tecnil ninguém se achava com à vontade para levar essa lembrança à residência do Presidente, porque não se sabia qual seria a reação. Mas alguém teve que ir, e esse alguém lá entregou umas caixas com garrafas e mais umas embalagens com um cartão aos seguranças, mas passados uns minutos estava tudo devolvido sem explicações.
Dentro de uma perspicácia especial dos guineenses, toda a gente é baptizada com uma alcunha, e sempre com muita originalidade. Quem não podia escapar era o Presidente 'Nino' Vieira. que embora já tivesse a alcunha habitual, adaptavam-lhe uma alcunha (não muito às claras, penso eu) de uma novela brasileira, Sinhôzinho Malta. Desde o poder absoluto, aos carrões, ao relógio de ouro que exibia no pulso, e toda a gente ter um respeito absoluto àquela figura, e até a corrupção que se imaginava, tudo se adaptava à alcunha.
E passados uns anos, 'Nino' Vieira teve que explicar que não era corrupto, como se andava a falar. Usou um comício, transmitido pelo rádio e televisão e entre outros assuntos falou do "boato que anda por aí a correr". E agora digo apenas do que me lembro de ouvir e o sentido que o Presidente queria transmitir, e o pessoal comentou durante uns dias:
- Dizem que sou corrupto, mas se por exemplo, este relógio de ouro que tenho no pulso (e levanta o pulso com um relógio vistoso) que me foi oferecido pela Soares da Costa (a maior empresa a trabalhar na Guiné), como uma lembrança, eu devia recusar? Se o fizesse até era má educação.
E passados uns anos, 'Nino' Vieira teve que explicar que não era corrupto, como se andava a falar. Usou um comício, transmitido pelo rádio e televisão e entre outros assuntos falou do "boato que anda por aí a correr". E agora digo apenas do que me lembro de ouvir e o sentido que o Presidente queria transmitir, e o pessoal comentou durante uns dias:
- Dizem que sou corrupto, mas se por exemplo, este relógio de ouro que tenho no pulso (e levanta o pulso com um relógio vistoso) que me foi oferecido pela Soares da Costa (a maior empresa a trabalhar na Guiné), como uma lembrança, eu devia recusar? Se o fizesse até era má educação.
- Isso é ser corrupto? - perguntava 'Nino' à assistência.
Claro que o povo que assistia ao comício respondeu em côro:
Claro que o povo que assistia ao comício respondeu em côro:
- Nããão!
E agora, podemos nós aqui perguntar se, apesar de dezenas de nacionalidades representadas com seus nacionais em Bissau, e ser exactamente uma empresa portuguesa, a Soares da Costa, a dar um relógio ao Presidente, isso faz-nos, aos portugueses, mais suspeitos de corrupção do que os outros?
Claro que alguns de nós diremos:
Claro que alguns de nós diremos:
- Siiiim!
Mas concerteza haverá lugar para outras definições desse acto desde nããão, talvez ou niiim.
Não estou a imaginar ver os Suecos que tanto ajudaram o PAIGC, a dar particularmente um relógio a 'Nino' Vieira e este a explicar publicamnte. Mas vi os Suecos darem a cada ministro um Volvo topo de gama e renová-lo periodicamente e grandes máquinas para madeireiros trabalharem.
Também não imaginamos Russos que tanto ajudaram o PAIGC, oferecer um relógio ao Presidente. Mas vimos oferecer carros de combate e aviões de guerra.
Não estou a imaginar ver os Suecos que tanto ajudaram o PAIGC, a dar particularmente um relógio a 'Nino' Vieira e este a explicar publicamnte. Mas vi os Suecos darem a cada ministro um Volvo topo de gama e renová-lo periodicamente e grandes máquinas para madeireiros trabalharem.
Também não imaginamos Russos que tanto ajudaram o PAIGC, oferecer um relógio ao Presidente. Mas vimos oferecer carros de combate e aviões de guerra.
O acto dos russos e suecos são ajudas de um povo a outro povo , no caso português são apenas negócios com uma empresa portuguesa em que uma da mãos lava a outra.
É esta a imagem que fica das diferenças de uma cooperação e outra. O que a Soares da Costa fez, é aquilo que podemos imaginar que foi a aventura, de séculos por esse mundo fora, da diáspora portuguesa. Podemos dizer que é o tal desenrascanço, e ficam sempre suspeitas (os guineenses chamam o soco por baixo da mesa, em crioulo).
Enquanto outros cidadãos e empresas só agem com colaboração de embaixadas e consulados, em Portugal parace que se evitam mutuamente esses contactos.
Chegava-se a ver em Angola, no tempo colonial, comerciantes totalmente isolados durante anos, sem chefes de posto, nem missionários nem postos médicos que se instalassem a menos de um dia de viagem a pé (estradas nem vê-las). Claro que tinham que se desenrascar através de uma integração desde a aprendizagem das línguas, até aos remédios do povo e certamente compra de favores (corrupção?).
Enquanto outros cidadãos e empresas só agem com colaboração de embaixadas e consulados, em Portugal parace que se evitam mutuamente esses contactos.
Chegava-se a ver em Angola, no tempo colonial, comerciantes totalmente isolados durante anos, sem chefes de posto, nem missionários nem postos médicos que se instalassem a menos de um dia de viagem a pé (estradas nem vê-las). Claro que tinham que se desenrascar através de uma integração desde a aprendizagem das línguas, até aos remédios do povo e certamente compra de favores (corrupção?).
Eu aprendi com colegas angolanos, logo nos meus primórdios, a deslocar-me em lugares distantes de povoações, acompanhado com um saco de sal. Era ouro com que comprava desde alimentação, informações e até protecção. Seria corrupção?
Claro que muitas vezes referem-se casos de imenso sucesso de portugueses na França, Brasil, Angola e até na China e América, mas os insucessos são varridos para baixo do tapete. Mas que a imagem que fica, podia ser melhor se não nos auto-marginalizássemos, disso não tenho dúvida.
Cumprimentos,
Antº Rosinha (*)
_______________
Cumprimentos,
Antº Rosinha (*)
_______________
Nota de L.G.:
(*) Último poste da série > 19 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7006: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (5): Portugal nem explorava nem desenvolvia, colonizava pouco e mal
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